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Indústria do dano moral e o fundo de combate à pobreza. Justiça distributiva em vez de retributiva. Uma proposta

Por: André Luís Alves de Melo

André Luís Alves de Melo, Promotor de Justiça (MG)

Ultimamente tem crescido assustadoramente a quantidade de ações por dano moral no Brasil, a grande maioria é julgada improcedente, o que contrasta com a tendência natural nas demais ações cíveis, em que o autor chega a obter êxito em 80% dos casos.

Entretanto, a ação por dano moral tem um efeito preventivo não medido judicialmente que consiste em uma maior obrigação de se cumprir a lei para evitar condenações. Logo é um instrumento válido, mas está sendo mal usado, salvo melhor juízo. Muitas vezes, não se cumpre a norma por falta de conhecimento da própria regra, pois extremamente subjetiva e com decisões contrárias para casos semelhantes. O que praticamente criou uma loteria, em que pessoas enriquecem mais do que trabalhando efetivamente.

Fenômeno também crescente é o fato de ações exclusivamente por danos morais, sem a prova de existência de dano material. Realmente, não há necessidade da ocorrência de ambos, apesar de se observar uma maior dificuldade de êxito quando a ação é apenas por dano moral.

Isso reforça uma tendência patrimonialista de ajuizar ações apenas pleiteando obrigações pecuniárias e não um pedido de desculpas em público, por exemplo. E tendem ainda a ajuizar ações apenas quando o réu tem uma boa situação financeira, o que desvirtua totalmente o conceito de clássico de moral e honra, pois são bens inalienáveis.

Essa cultura patrimonialista e individualista contrasta com o discurso de solidariedade e justiça social, e não decorre necessariamente da lei, mas da própria consciência predominante. Muito se fala em mudar o sistema de justiça retributiva para justiça distributiva. Creio que a mudança pode começar pelo dano moral. Em suma, Justiça retributiva é aquela que apenas interessa às partes e acaba reproduzindo processualmente a situação social vigente. A justiça distributiva busca uma visão social de reavaliação da situação vigente buscando um meio maior de cooperação.

Por outro lado, as ações por dano moral geram uma espécie de terrorismo, com pedidos sem base fática e com valores absurdos na inicial. Não raro, pessoas socialmente com comportamentos “imorais” recebem valores por dano “moral” em valores altíssimo. Há casos curiosos em que a moral de alguns vale mais que a vida de outros (!!!). Alegam que o dano moral tem caráter punitivo e não de ressarcimento. Esse é o elemento chave. Afinal, se tem caráter punitivo seria uma espécie de “multa” . Então deveria ter um limite mínimo e máximo, ainda que variando de um salário mínimo a um milhão de salários mínimos, mas nenhuma punição pode ser ilimitada.

Outrossim, a moral não é um bem alienável, não se pode romper com clássicos conceitos de honra, pois é uma questão de extremo interesse social e não pode ser apropriado como um objeto. Dessa forma o ideal seria que os valores obtidos por meio de ação por dano moral fossem destinados para o Fundo de Combate à Pobreza, eassim estaríamos aplicando conceitos de justiça social e punindo os abusos, mas sem permitir o locupletamento ilícito da alegada vítima.

Certamente o tema é polêmico e envolve uma indústria de valores e poder, pois a incerteza quanto à natureza e valores acaba aumentando a importância do setor jurídico. Contudo, o meio jurídico deve ter limites para a sua atuação, sob pena de se implantar o arbítrio judicial e até mesmo uma espécie de censura em razão da imprevisibilidade.

Outrossim, no modelo patrimonialista atual não faz sentido que se conceda gratuidade para ações por dano moral. No máximo, deveria haver uma cobrança das custas ao final. Entretanto, se os valores forem destinados para o Fundo de Combate à Pobreza, seria viável que se concedesse isenção de custas.

Também é necessário estabelecer um parâmetro com o dano material, ou seja, o dano moral seria até três vezes o dano material e poderia ainda usar um índice em relação à condição financeira do autor do fato, como em qualquer punição.

Há casos em que se pede gratuidade apenas para não pagar custas e honorários advocatícios, o que acaba estimulando o demandismo judicial. Enquanto falta verba para setores essenciais como saúde, moradia, documentos públicos e educação obtêm-se gratuidade para discutir questões referentes a shows, roupas de griffe e outros temas que demonstram a possibilidade de a pessoa pagar pelo serviço. Isso é muito comum no Juizado Especial.

Conclusão:

Urge que uma lei defina expressamente se a natureza do dano moral é punitiva ou de ressarcimento, ou ambos. Além disso, fixe limites mínimo e máximo para condenação. Caso estabeleça que a natureza é apenas punitiva os valores devem ser destinados para um fundo social, como o Fundo de Combate à Pobreza e poderia ter gratuidade de custas nesse caso.

Caso continue o caráter patrimonialista (ressarcimento) da ação por dano moral, deve-se restringir as hipóteses para gratuidade e fixar uma multa de 100% sobre o valor do pedido inicial quando julgado improcedente.

O Fundo de Combate à Pobreza já foi criado pela Constituição Federal e tanto a União, como os Estados e Municípios devem criar os mesmos. Dessa forma o autor da ação moral poderia escolher qual fundo receberia os valores ou até mesmo a lei fixaria essa regra.