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Crimes hediondos - progressão no regime de cumprimento de pena - subsídios para um posicionamento

Por: Geraldo Sobreira / Repórter da Agência Senado

CRIMES HEDIONDOS

PROGRESSÃO NO REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA

Subsídios para um posicionamento

Com o objetivo de auxiliar os órgãos de execução do Ministério Público, o CACR, através de sua equipe, realizou ampla pesquisa sobre o tema, podendo ser constatado que a tendência quase unânime entre os Ministérios Públicos pátrios é de resistência à decisão do STF. Da mesma forma algumas associações de juízes parecem tendentes a resistir à inovação proposta. Posição contrária só tem sido mesmo sustentada na imprensa por alguns segmentos da OAB e outras vozes isoladas.

Pois bem. Conforme já noticiado pelo Centro de Apoio Operacional Criminal (CACR) no último Boletim Informativo (nº 16), o STF, dentro do exercício do controle difuso de constitucionalidade (controle por via de exceção), na apreciação de dois casos concretos, declarou inconstitucional o § 1.º do art. 2.º da Lei nº 8.072/90 – Lei dos crimes hediondos, declaração que surte efeito tão-somente inter partes nos respectivos processos, não tendo, portanto, efeito erga omnes. Veja o que constou do citado Boletim Informativo:

“PLENÁRIO DO STF RECONHECEU, INCIDENTALMENTE, A INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/1990, QUE VEDA A PROGRESSÃO DE REGIME DE PENA NOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS

 

INFORMATIVO 417 – LEI 8.072/90: ART. 2º, § 1º - Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º do mesmo diploma legal — v. Informativos 315, 334 e 372. Inicialmente, o Tribunal resolveu restringir a análise da matéria à progressão de regime, tendo em conta o pedido formulado. Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedação de progressão de regime prevista na norma impugnada afronta o direito à individualização da pena (CF, art. 5º, LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional. Ressaltou-se, também, que o dispositivo impugnado apresenta incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena (Lei 8.072/90, art. 5º). Considerou-se, ademais, ter havido derrogação tácita do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 pela Lei 9.455/97, que dispõe sobre os crimes de tortura, haja vista ser norma mais benéfica, já que permite, pelo § 7º do seu art. 1º, a progressividade do regime de cumprimento da pena. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, que indeferiam a ordem, mantendo a orientação até então fixada pela Corte no sentido da constitucionalidade da norma atacada. O Tribunal, por unanimidade, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, já que a decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão. HC 82959/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 23.02.2006. (HC-82959).

ATENÇÃO: Dos votos proferidos no importante e divergente julgamento (transmitidos pela TV Justiça) se pode extrair as seguintes conclusões:

1)    Que é possível a progressão de regime de pena em crimes hediondos, desde que o condenado seja submetido aos exames técnicos, isto é, a declaração em sede de controle difuso de constitucionalidade (por maioria) condicionou a progressão aos critérios subjetivos, valorando-se o mérito do condenado, o que praticamente também representa um reconhecimento de inconstitucionalidade do art. 112 da LEP, regra que diz que para progressão, além da necessidade de cumprimento de um sexto da pena no regime anterior, também é necessária a comprovação de bom comportamento carcerário, por meio de atestado fornecido pelo diretor do estabelecimento. Portanto, caso vingue o entendimento de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990, é importante que os órgãos de execução do Ministério Público tenham atenção para o sentido dos votos proferidos, sendo interessante uma discussão na classe para se firmar um posicionamento uniforme.

2)    Como destacado, a declaração de inconstitucionalidade foi feita em sede de controle difuso (não foi objeto de ação direta), sendo o efeito ex nunc  para os demais apenados do sistema penal e ex tunc para aquele que interpôs o recurso. Portanto, não é automática a possibilidade de progressão para os demais que não fizeram parte da relação processual. E para alguém fazer juz, deve ser submetido à avaliação. Assim, o STF deverá remeter a decisão ao Senado, nos termos do art. 52, X, da CF, com o que a decisão, então sim, terá efeito erga omnes, caso o Senado edite a respectiva resolução de suspensão da execução da lei. Em conclusão: O § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/1990 AINDA CONTINUA EM VIGOR NO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO.

Dessa forma, se pode afirmar - com absoluta certeza - que não foi excluído do nosso ordenamento jurídico o citado § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/1990, pois isso somente seria possível diante controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade, o que não ocorreu no caso em questão. Assim, o referido julgamento do STF só terá efeito de invalidade da aludida regra se porventura vier ela a ser suspensa por meio de Resolução do Senado Federal, conforme dispõe o art. 52, X, da CF, alcançando, aí sim, efeito erga omnes.

Sobre o tema, aliás, é de se destacar que a Súmula 698 do mesmo STF (“Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”), não foi cancelada, permanecendo em vigor até que a maioria dos membros dessa corte decida de modo contrário, conforme previsão do art. 102 do seu Regimento Interno.

Portanto, as decisões que o STF acaso venha a proferir no controle difuso de constitucionalidade, ainda que reiteradas, só terão efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, quando relativamente às mesmas vier a ser publicada súmula específica, aprovada por decisão de dois terços de seus Ministros (Constituição da República, art. 103-A).

Não bastassem as observações acima, é de se lembrado que não obstante a maior parte dos Ministros do STF tenham se manifestado pela inconstitucionalidade do art. 2.º, § 1.º, da Lei nº 8.072/90, outros, todavia, decidiram pela sua constitucionalidade, como é o caso dos Ministros Ellem Gracie, Joaquim Barbosa, Celso de Mello, bem como do presidente da Casa, Nelson Jobim e do ministro Carlos Velloso – antes de se aposentar – e assim aquela Casa ainda poderá denegar pedidos de Habeas Corpus em decisões monocráticas, com fulcro na Súmula 698 do STF. Ressalte-se que os três primeiros, juntamente com o Ministro Gilmar Alves, compõem a primeira turma do Supremo.

SÍNTESE DOS VOTOS DO STF:

Como é de conhecimento notório, e conforme já divulgado pelo CACR por meio eletrônico, o assunto foi tratado devido a umhabeas corpus movido por um homem condenado por ter praticado atentado violento ao pudor, vez que teria molestado três crianças com idades entre 6 e 8 anos.

Em seu voto, o ministro Eros Grau afirmou que o cumprimento da pena em regime fechado é “cruel e desumano” e que permitir a progressão de regime não implica na “abertura de portas dos presídios” já que a decisão ainda caberá aos juízes de Execuções Penais. Por sua vez, o ministro Marco Aurélio, também favorável à permissão, afirmou que as penas devem ser fixadas “considerando a figura do preso em si, do seu comportamento na própria prisão”. Acredita o citado Ministro que a progressão “só será dada àqueles que a merecerem”.

Opiniões contrárias

A ministra Ellen Gracie afirmou que ao vedar a progressão de regime nos crimes hediondos, o legislador nada mais fez do que seguir a trilha do constituinte que discriminou determinados delitos, privando seus autores de alguns benefícios penais. Ressaltou ainda que “o instituto da individualização da pena não fica comprometido apenas porque o legislador não permitiu ao juiz uma dada opção”, acrescentando que a escolha do juiz em matéria de pena está submetida ao princípio da legalidade. Para a Ministra a restrição não apresenta afronta à norma constitucional que preconiza o princípio da individualização da pena, representando apenas opção de política criminal. “É difícil admitir desse grande complexo de normas que constitui o arcabouço do instituto da individualização da pena e da sua execução, que a restrição na aplicação de uma única dessas normas, por opção de política criminal, possa afetar todo o instituto”, declarou.

Por sua vez, o Ministro Celso de Mello declarou que o artigo 2º § 1º da Lei 8.072/90 não mantém qualquer relação contrária do que prescreve a constituição. Assim, a fixação da pena e a estipulação dos limites, que oscilam entre o mínimo e o máximo, decorrem de uma opção legitimamente exercida pelo Congresso Nacional, e “a norma legal em questão, no ponto em que foi impugnada, ajusta-se ao ordenamento constitucional”.

Dentre outros, reagiram vigorosamente contra a decisão do STF os Ministérios Públicos do Rio Grande do Sul, de São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, algumas associações do MP, dentre muitas associações de delegados, entidades representativas da sociedade organizada, e a imprensa.

Também é de ser ressaltado que o assunto não teve a repercussão que se temia, já que aparentemente boa parte dos juízes capixabas – e de outros Estados - continuam a condenar normalmente, ao cumprimento de penas no regime integralmente fechado, no caso dos crimes hediondos. Se assim não fazem, diversos Promotores e Promotoras de Justiça têm recorrido de suas decisões, bem como emitindo parecer contra os pedidos de progressão.

Nesse sentido, o Ministério Público do Espírito Santo, através da Recomendação do Procurador-Geral de Justiça nº 01/2006, publicada no Diário Oficial do dia 13/03/2006, exprimiu posição Institucional pela conveniência de se sustentar a constitucionalidade do dispositivo em questão.

Veja o teor da Recomendação nº 01/2006:

PROCURADORIA- GERAL DE JUSTIÇA

RECOMENDAÇÃO Nº 001/2006

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, no uso de suas atribuições legais, notadamente em face do disposto no art. 10, inciso XVII, da Lei Complementar Estadual Nº 95/97, e no art. 10, inciso XII, da Lei Federal nº 8.625/93,

CONSIDERANDO que a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida no Habeas Corpus n.º 82.959, reconhecendo a inconstitucionalidade do §1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/90, por seis votos a cinco, ainda não transitou em julgado;

CONSIDERANDO que essa decisão foi proferida no exercício do controle difuso de constitucionalidade, com eficácia restrita ao caso concreto, permanecendo em vigor o ato normativo em questão enquanto o Senado Federal não suspender a sua executoriedade;

CONSIDERANDO que nos votos proferidos se constata que os Ministros do Supremo Tribunal Federal – por maioria - entenderam que é possível a progressão de regime de pena em crimes hediondos, desde que o condenado seja submetido aos exames técnicos, portanto, condicionando a progressão aos critérios subjetivos, valorando-se o mérito do condenado, o que praticamente também representa um reconhecimento de inconstitucionalidade do art. 112 da LEP, regra que diz que para progressão, além da necessidade de cumprimento de um sexto da pena no regime anterior, também é necessária a comprovação de bom comportamento carcerário, por meio de atestado fornecido pelo diretor do estabelecimento;

CONSIDERANDO por fim, a necessidade de ser conhecida a posição institucional do Ministério Público do Estado do Espírito Santo acerca do tema, permitindo a atuação uniforme na execução criminal, resguardada a independência funcional;

RESOLVE observar o seguinte:

1. O Ministério Público do Estado do Espírito Santo sustenta a  constitucionalidade o §1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, não havendo ofensa a qualquer princípio constitucional, porquanto a própria Carta Federal, ao reconhecer a existência de crimes hediondos e os assim equiparados, permitiu ao legislador infraconstitucional restringir a progressão de regime de cumprimento de pena aos autores desses delitos;

2. A eficácia particular da decisão do Supremo Tribunal Federal, posto que pronunciada no controle concreto de constitucionalidade, mantém íntegra a proibição à progressão de regime para os outros casos, até que o Senado Federal, por resolução, suspenda a executoriedade do ato normativo, nos termos do art. 52, X, da Constituição Federal;

3. Ante a ausência de efeito erga omnes a ser eventualmente conferido pela suspensão da executoriedade da norma, as decisões que determinam o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena, já transitadas em julgado, devem ser cumpridas, sob pena de afronta ao instituto da coisa julgada;

4. Nos pedidos de progressão de regime em condenações pela prática de crimes hediondos ou equiparados, subsidiariamente à alegação de validade da lei e impossibilidade da progressão de regime (excetuados os crimes de tortura, pois possibilitada a progressão pela Lei nº 9.455/97), é conveniente ponderar que, se o entendimento judicial for pela inconstitucionalidade do §1º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, o mérito do condenado deverá ser avaliado, argumentando-se, por exemplo:

4.1. Os condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados merecem tratamento diferenciado do preso comum, porque maior a periculosidade daqueles;

4.2. O atual artigo 112 da Lei de Execução Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.792/03, ao não mais exigir expressamente a avaliação da Comissão Técnica de Classificação e o exame criminológico, não considerou a possibilidade de progressão do regime de cumprimento de pena para os crimes hediondos e equiparados, visto que a alteração legislativa ocorreu antes da conclusão do julgamento pela Corte Suprema que, até então, afirmava a constitucionalidade da Lei nº 8.072/90 de forma reiterada;

5. Para a avaliação do requisito subjetivo do condenado, convém postular a realização do exame criminológico ou a avaliação psicológica e psiquiátrica conforme se extrai dos votos proferidos pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento Habeas Corpus n.º 82.959;

ANTE O EXPOSTO, são essas as recomendações que entendo necessário apresentar aos membros do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, sendo conveniente a atuação uniforme da Instituição, respeitada a independência funcional.

 

Vitória,10 de março de 2006.

JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

POSICIONAMENTO DE OUTROS MINISTÉRIOS PÚBLICOS

De semelhante forma se posicionou o Ministério Público do Estado de Minas Gerais:

 

RECOMENDAÇÃO CONJUNTA PGJ/CGMP Nº 01, DE 29 DE MARÇO DE 2006

O Procurador-Geral de Justiça e o Corregedor-Geral do Ministério Público, no exercício de suas atribuições, com fundamento no artigo 18, LV, da Lei Complementar n.º 34/94, e, ainda,

CONSIDERANDO o resultado da votação (seis votos a cinco) na decisão do Supremo Tribunal Federal de reconhecimento da inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n.º 8072/90,  proferida no Habeas Corpus n.º 82.959;

CONSIDERANDO a conveniência de se adotar uma linha de atuação ministerial;

CONSIDERANDO que ainda se encontra em vigor a Súmula n.º 698, do mesmo STF, que estabelece a proibição da progressão de regime prisional para crimes hediondos;

CONSIDERANDO que a composição do Supremo Tribunal Federal deverá sofrer  alterações em virtude da nomeação de novos Ministros, do que se permite deduzir a possibilidade  de reversão do entendimento esposado;

CONSIDERANDO que a decisão foi proferida no exercício do controle difuso de constitucionalidade, com eficácia restrita ao caso concreto, permanecendo em vigor o dispositivo em questão, até que o Senado Federal não suspenda a sua executoriedade;

CONSIDERANDO que o Governo Federal enviou ao Congresso Nacional, em 23 de março, projeto de lei (PL n.º 6.793/2006) tendente a  modificar a Lei de Crimes Hediondos (Lei n.º 8072/90), instituindo progressão de regime para aqueles crimes obedecido o limite de 1/3 da pena cumprida para os réus primários e da metade para os reincidentes;

CONSIDERANDO a necessidade de tratar com maior rigor os condenados pela prática dos crimes reconhecidos por lei como de excepcional gravidade;

CONSIDERANDO que, embora a atual redação do art. 112 da LEP não vincule a progressão de regime de cumprimento da pena à prévia elaboração de avaliação da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, sua validade tem sido reconhecida pelos tribunais pátrios,

RECOMENDAM aos Promotores e Procuradores de Justiça com atribuição nas áreas criminal e de execução que:

1. Mantenham, respeitada a independência funcional, a argumentação de constitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, inclusive interpondo os recursos cabíveis;

2. requeiram, fundamentadamente, o exame criminológico e o parecer da Comissão Técnica de Classificação para comprovação do mérito do condenado por crimes hediondos e equiparados.

Belo Horizonte, 29 de março de 2006

JARBAS SOARES JÚNIOR

Procurador-Geral de Justiça

ANTÔNIO DE PADOVA MARCHI JÚNIOR

Corregedor-Geral do Ministério Público

Também no mesmo sentido se posicionou o Ministério Público do Estado de Goiás:

RECOMENDAÇÃO DO MP DO ESTADO DE GOIÁS:

09 de março de 2006. O procurador-geral de justiça do Estado de Goiás, Saulo de Castro Bezerra, e o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal, de Execução Penal e Combate ao Crime Organizado, Fernando Braga Viggiano, expediram recomendação, sem caráter normativo, aos órgãos de execução do Ministério Público Estadual (MPE) para que seja sustentada a constitucionalidade do comando normativo do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/1990, que confere tratamento mais severo aos crimes hediondos, ao tráfico ilícito de entorpecentes e ao terrorismo, não excluindo desse rigor a proibição da progressão de regime prisional.

O MPE também recomenda que enquanto não for declarada por resolução a suspensão do ato normativo em questão é inadmissível a progressão de regime prisional para os condenados pelos crimes mencionados acima. Além disso, entende que após fixado por sentença penal condenatória transitada em julgado o cumprimento de pena no regime integralmente fechado, descabe a aplicação do sistema progressivo aos reeducandos.

No caso de ser editada a resolução, durante a análise dos pedidos de progressão de regime em condenações pela prática de crimes hediondos ou equiparados, o MP defende que é conveniente argumentar que o mérito do reeducando deverá ser avaliado de maneira diferenciada e mais rigorosa em relação aos demais presos, bem como é prudente solicitar a realização de exame criminológico ou a avaliação psicológica e psiquiátrica.

Fonte da notícia: http://www.mp.go.gov.br/noticias/upload/fullnews.php?id=986

Não é diferente o comunicado do MPDFT disponibilizado para a imprensa:

Comunicado à população

I. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios manifesta sua preocupação com recente decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, por apertada maioria (6 votos contra 5), que permite a progressão do regime de cumprimento de pena para autor de crime hediondo.

II. Informa à sociedade que a referida decisão, a despeito de emanar da mais alta e respeitada Corte do país, não possui efeitos vinculantes para os demais tribunais e juízes, sendo passível, inclusive, de revisão em futuros julgamentos de casos semelhantes.

III. Uma vez que a decisão foi proferida em um caso isolado, esclarece que a Lei dos Crimes Hediondos, inclusive na questão relativa à progressão de regime de pena, continua em vigor, cabendo ao Ministério Público pugnar por sua aplicação, até que, eventualmente e pelos mecanismos próprios, venha ela a ser retirada do mundo jurídico.

IV. Conclama o Congresso Nacional a, com a necessária urgência, mas também com o respeito aos princípios que devem nortear a legislação penal, em especial os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, reforme a legislação pertinente aos crimes hediondos e a eles assemelhados, observando a vontade do Constituinte de 1988, que, ao lado do rol dos direitos e garantias individuais do preso, também deixou clara sua vontade de conferir maior rigor no tratamento jurídico-penal dispensado a autores de crimes de maior lesividade social.

V. O MPDFT assegura à população que seus membros – Promotores e Procuradores de Justiça – continuarão a velar pela preservação dos interesses sociais e individuais indisponíveis, por meio de ações e recursos previstos em lei, na medida de suas convicções pessoais e preservada a independência funcional de cada um.

Brasília, DF, 16 de março de 2006

Rogerio Schietti

Procurador-Geral de Justiça

São Paulo – Na capital paulista Promotores de Justiça criminais se reúnem para discutir posição institucional sobre o tema. Enquanto isto o Procurador-Geral já publicou AVISO sobre parecer contrário à decisão do STF:

 

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO - Aviso n° 109/06 - PGJ

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, em exercício, no uso de suas atribuições legais e por solicitação da Coordenadora do Centro de Apoio Operacional à Execução e das Promotorias de Justiça Criminais, Dra. Iurica  Tanio Okumura, AVISAque está disponível no CAEx-Crim parecer da Dra. Valderez Deusdedit Abbud, Procuradora de Justiça, tratando da recente decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da progressão da pena privativa de liberdade nos crimes hediondos, sendo que a íntegra do referido parecer estará disponível, também, no site do CAEx-Crim, no link avisos.

(Publicar nos dias 11 e 16 de março de 2006)

Iurica Tanio Okumura

Procuradora de Justiça

Coordenadora

PARECER – Eis a íntegra do parecer, que se acha regularmente inserido no endereço eletrônicohttp://www5.mp.sp.gov.br:8080/caexcrim/default.htm, relacionado ao assunto:

AGRAVO EM EXECUÇÃO Nº 911.242.3/2-0000-000

AGRAVANTE: JOSÉ CLÁUDIO PHILOMENO

AGRAVADA:  JUSTIÇA PÚBLICA 

COMARCA DE ITAPETININGA

 

Egrégio Tribunal

 

Trata-se de agravo em execução interposto por José Cláudio Philomeno contra decisão do MM Juiz da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Itapetininga que indeferiu promoção ao regime semi-aberto. Sustenta que faz jus ao benefício, porquanto satisfaz os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pela legislação e que a Lei dos Crimes Hediondos, além de inconstitucional, foi revogada pela Lei 9.455/97.

 

O recurso foi contrariado, oportunidade em que o ilustre representante do Ministério Público pugnou pelo desprovimento e a decisão foi mantida.

 

Não assiste razão ao recorrente.

 

O sentenciado foi condenado ao cumprimento da pena de quatorze anos de reclusão, por infração ao artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal, delito considerado hediondo pela Lei 8.072/90, com as alterações introduzidas pela Lei 8.930/94, que veda expressamente a concessão da mercê.

 

O ilustre defensor sustenta, em síntese, a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º, da Lei n. 8.072/90, pois o legislador ordinário, ao determinar o cumprimento integral da pena em regime fechado, afrontou o princípio da individualização da pena, acolhido na Constituição da República no capítulo concernente aos Direitos e Garantias Individuais. Mais ainda, sustenta Sua Exa. que o citado artigo acoimado de inconstitucional foi revogado pela Lei 9.455/97.

 

É bem verdade que, em 23 de fevereiro de 2006, por seis votos a cinco, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, que proíbe a progressão do regime de cumprimento de pena para os condenados por crimes hediondos (Cf. o  HC 82959, impetrado, em seu favor, por Oséas de Campos, condenado a 12 anos e três meses de reclusão por ter praticado atentados violentos ao pudor contra três crianças). Contudo, a eficácia dessa decisão está circunscrita ao caso em que foi proferida.

 

Como se sabe, o princípio da supremacia das normas constitucionais foi confiado à proteção do Poder Judiciário pouco depois da proclamação da República e antes mesmo da Constituição de 1891 (Cf. PONTES DE MIRANDA, Comentários à Constituição de 1967 com a emenda nº 1 de 1969, t. III, 3ª ed,  Rio: Forense, 1987, p. 620). Dele deriva uma espécie de controle incidental, cujo exercício, entre nós, está franqueado, indistintamente, a todos os juízes e tribunais, como um simples aspecto da competência para fixar, com independência funcional, as premissas jurídicas de seus atos e decisões.

 

Segundo a clássica lição de RUI BARBOSA, o sistema do controle difuso pode ser condensado em uma única regra: “A inaplicabilidade do ato inconstitucional do Poder Executivo, ou Legislativo, decide-se, em relação a cada caso particular, por sentença proferida em ação adequada e executável entre as partes” (Cf. Atos inconstitucionais (1893), Campinas: Russel, 2003, p. 102). Por isso, a verificação realizada pelos tribunais (inclusive o Supremo), sempre subordinada à provocação em litígio certo e determinado — que lhes proporcione a ocasião de aplicar a lei ou o ato de autoridade — não é “por modo absoluto e em todas e quaisquer circunstâncias, mas apenas ocasionalmente, nos pleitos submetidos às jurisdições competentes” (Cf. ob. cit., p. 93).

 

Aliás, pioneira na instituição de outro tipo de controle (o direto, cuja eficácia é erga omnes), a Constituição de 1934 também introduziu a competência privativa do Senado Federal para “suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário” (art. 91, IV).

 

Essa atribuição persiste na Constituição atual (art. 51, X).  Mas, nesse tema, o Senado tem a ocasião para o exercício de um juízo político ou de conveniência, essencialmente livre (Cf. ALIOMAR BALEEIRO, O Supremo Tribunal Federal, esse outro desconhecido, Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 97/98; PONTES DE MIRANDA, ob. cit., p. 622-623; PAULO BROSSARD, O Senado e as leis inconstitucionais, In: Revista de Informação Legislativa, a. XIII, v. 50, abr./jun. 1976, p. 55-64; MÁRIO GUIMARÃES, O Juiz e a função jurisdicional, Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 264/265; JOSAPHAT  MARINHO, O art. 64 da Constituição e o papel do Senado, In: Revista de Informação Legislativa, a. 1, v. 2, p. 12; OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, A teoria das Constituições rígidas, 2ª ed., São Paulo: José Bushatsky, 1980, p. 207/210; THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, Do controle da constitucionalidade, Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 164).

 

Ora, enquanto não for suspensa a execução do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 pelo Senado, a vigência desse preceito persiste, nada impedindo, pois, que os juízes e tribunais o apliquem, mesmo porque as decisões que o Supremo Tribunal Federal profira no controle difuso de constitucionalidade, ainda que reiteradas, só terão efeito vinculante, em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, quando vier a ser publicada na imprensa oficial uma súmula específica, aprovada por decisão de dois terços dos Ministros que integram o Pretório Excelso (Constituição Federal de 1988, art. 103-A, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

 

Não basta, pois, que seis Ministros estejam convencidos quanto à inconstitucionalidade da regra: enquanto ela persistir no sistema, é lícito que os juízes e tribunais a invoquem. Aliás, “o Direito é ciência de raciocínio; curvamo-nos ante a razão, não perante o prestígio profissional de quem quer que seja” (Cf. CARLOS MAXIMILIANO, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 8ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965, n. 335, págs. 284/285). E o fato é que, a despeito do prestigioso apoio que lhe foi dado por seis dos atuais Ministros do STF, a tese da inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 permanece sem força para persuadir.

 

Em suma: a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que, pela menor maioria,  declarou inconstitucional o parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90, não colocou ponto final na polêmica que se trava há mais de uma década, permanecendo, ao contrário, o mesmo cenário anterior, qual seja, o da plena vigência do referido dispositivo legal. E a razão é muito simples. Esta decisão não foi proferida no controle concentrado de constitucionalidade, mas simplesmente para fundamentar a concessão de um habeas corpus a um presidiário, cujo resultado favorável só a ele aproveita. Desta forma, o dispositivo continua em pleno vigor, de tal modo que os juizes e Tribunais que o entenderem constitucional poderão aplicá-lo, como, aliás, vinham fazendo em sentido inverso aqueles que o consideravam inconstitucional, não obstante a denegação pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 15.12.1992, dos HC 69.603-1 e 69.657, também por maioria de votos e a partir da premissa da constitucionalidade da Lei dos Crimes Hediondos.

 

É notório que, mesmo com a antiga decisão plenária da Suprema Corte, muitos juízes alegavam a inconstitucionalidade, por afetar, segundo diziam, o princípio da individualização da pena. De modo que tudo continua como dantes, ao menos até que a Suprema Corte decida, definitivamente e de maneira adequada, a respeito da constitucionalidade desta lei, fazendo uso do instrumento correto (ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade ou argüição de descumprimento de preceito fundamental).

 

E, com a devida vênia, parece-me que a razão está com os que defendem a constitucionalidade da lei.

 

A Lei 8.072/90 determina em seu artigo 2º que réus condenados por crimes considerados hediondos devem cumprir suas penas em regime integralmente fechado. A inovação legislativa não conferiu ao magistrado poderes para, levando em conta circunstâncias pessoais do condenado, escolher o regime de pena. Ao contrário, o legislador, de maneira clara, deixou expressamente consignado que, para os crimes hediondos, a pena deve ser cumprida integralmente em regime fechado.

 

É certo que a Constituição Federal preconiza o princípio da individualização da pena. Entretanto, a impossibilidade de progressão de regime em nada ofende este princípio, porquanto no momento da aplicação da pena, o magistrado encontra restrições estabelecidas pela própria lei. Da mesma forma que as letras a, b e c do § 2º, do artigo 33 e o artigo 59, ambos do Código Penal, impõe limites ao magistrado no momento da aplicação da pena, a denominada Lei dos crimes Hediondos impõe outros, sem que haja qualquer ofensa ao princípio em apreço. A liberdade do magistrado ao individualizar a pena não é absoluta. Ela tem como parâmetro a lei que é o substrato do Estado Democrático de Direito.

 

Por fim, a Lei 9.455/97, que regula a repressão e define os crimes de tortura, em nada alterou o dispositivo legal que ora se analisa. Isto porque a denominada Lei dos Crimes Hediondos dispõe sobre normas de caráter geral, vale dizer, para todos os delitos considerados hediondos deve haver o regime único de cumprimento da pena. A circunstância de a Lei 9.455, no parágrafo 7º, do artigo 1º, prever a possibilidade de progressão de regime traduz uma exceção que não autoriza concluir deva prevalecer sobre a regra geral. Se outra fosse a intenção do legislador, bastaria simplesmente estender aos demais crimes a mesma possibilidade prevista para os crimes elencados na Lei 9.455/97.

 

Pelo exposto, o parecer é pelo desprovimento do agravo.

 

São Paulo, 01 de março de 2006

 

Valderez Deusdedit Abbud

 Procuradora de Justiça

 

 

 

 

Posição igualmente radical manifestou a Associação Paulista do Ministério Público, em veemente nota, (http://www.apmp.com.br/avisos/notaimprensa2402.htm) no seguinte teor:

NOTA À IMPRENSA

Assunto: Interpretação restritiva da Lei dos Crimes Hediondos

A APMP - Associação Paulista do Ministério Público - vem a público lamentar, com imenso pesar, a nova orientação da nossa Corte Excelsa que entendeu como inconstitucional a vedação de regime prisional determinada pela Lei 8.072/90, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos.

A legislação, que sob o nosso ponto de vista era perfeitamente compatível com o sistema constitucional, apresentava dupla eficácia ante a escalada de crimes violentos: no lado da prevenção, mostrava ao criminoso as conseqüências enérgicas impostas pelo Estado em caso de violação das normas penais e, do lado da repressão, impunha maior período de encarceramento.

Em apertada síntese, com o novo posicionamento do STF, criminosos de altíssima periculosidade poderão ser postos em liberdade com o cumprimento de apenas 1/6 da pena.

É por isso que a APMP se une a todos os setores da sociedade civil para tentar reverter o posicionamento dos Ministros de nossa Corte Suprema e, assim, restabelecer com a máxima brevidade possível o tratamento mais enérgico aos infratores da Lei dos Crimes Hediondos.

São Paulo, 24 de fevereiro de 2006.

João Antonio Garreta Prats

Presidente

 

Na mesma linha se posicionou o Ministério Público do Rio Grande do Sul, por meio da Resolução nº 01/2006.

O TJ de Goiás já apresentou reação e a imprensa publicou:

Para TJ-GO, Supremo não uniformizou decisões sobre progressão de regime

Por maioria de votos, a 2ª Câmara Criminal do TJ-GO (Tribunal de Justiça de Goiás), seguindo voto do presidente-relator, desembargador José Lenar de Melo Bandeira, indeferiu habeas corpus a Givaldo Dias de Sousa, condenado por extorsão mediante seqüestro, crime considerado hediondo.


Segundo o TJ-GO, a defesa de Givaldo alegou ter direito à progressão de regime com base na decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que declarou a inconstitucionalidade da proibição de progressão de regime para condenados por crimes hediondos (parágrafo 1º, artigo 2º, da Lei 8072/90).


Ao ponderar sobre o caso, o desembargador afirmou que uma conclusão apressada da situação poderia levar à uniformização nesse sentido, à vista da aparente abertura de precedente. O relator afirmou que o TJ não está obrigado a cumprir uma decisão que não abrange todos os casos.


Para o desembargador, o STF julgou um determinado caso concreto, no caso o HC 82.959, em que reconheceu a referida inconstitucionalidade. Contudo, a orientação não traz efeito para todos os casos, até que sua eficácia seja suspensa pelo Senado Federal.


"A declaração de incidenter tantum, não retirou o preceptivo legal referenciado no mundo jurídico. Não produz efeito erga omnes nem subordina outros julgados, pelo menos até que suspensa a eficácia pelo Senado Federal, se lhe for encaminhada a decisão", concluiu.


Sexta-feira, 17 de março de 2006

Revista Eletrônica Consultor Jurídico

ARTIGO DO PROF. DAMÁSIO DE JESUS NÃO DESTOA DO ENTENDIMENTO AQUI EXPLICITADO, SENÃO VEJAMOS:


DAMÁSIO E. DE JESUS analisa decisão do STF - cumprimento de pena nos crimes hediondos. (21/03/2006)


 DAMÁSIO E. DE JESUS analisa decisão do STF, que julga inconstitucional o cumprimento da pena nos crimes hediondos.


O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no habeas corpus n. 69.657, havia firmado entendimento no sentido da constitucionalidade do § 1.º do art. 2.º da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que impõe, nos crimes hediondos e assemelhados, o cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Na oportunidade, os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence votaram vencidos, embora tenham acatado essa posição em respeito à opinião da maioria.


Dos atuais integrantes da Alta Corte, os Ministros Celso de Mello, Carlos Velloso, Nelson Jobim e Ellen Gracie já tinham se manifestado em termos da constitucionalidade da execução da pena detentiva em regime inteiramente fechado em julgamentos nos quais figuraram como relatores.


No HC nº84.401, em 18 de outubro de 2005, a 2ª T. do Pretório Excelso, relatora a Ministra Ellen Gracie, discutiu o mesmo tema. Preliminarmente, foi determinado o prosseguimento do feito, sobrestado na sessão de 5 de outubro de 2004, para se aguardar a decisão do Plenário no HC n. 82.959, em que se apreciava a referida constitucionalidade. No mérito, foi mantida a orientação pela constitucionalidade da mencionada disposição (Informativo STF nº 406, p. 2).


O Ministro Marco Aurélio, relator, no curso do julgamento do HC nº 82.959, impetrado em 2003 pelo próprio detento O. C., condenado a 12 anos e 3 meses de reclusão por atentado violento ao pudor, trouxe novamente a questão à apreciação do Pleno do Tribunal. Nessa ocasião, o Ministro Carlos Britto concedeu a ordem sob o fundamento da inconstitucionalidade do dispositivo, posição do Ministro Marco Aurélio. Para eles, a proibição da progressão fere os princípios constitucionais da dignidade humana e da individualização da pena. O Ministro Joaquim Barbosa, porém, denegou a ordem, adotando a tese segundo a qual a regra em apreço é constitucional. O Ministro Cezar Peluso concordou com a orientação do relator (pela inconstitucionalidade), tendo o Min. Gilmar Mendes, no mesmo sentido, considerado que a declaração de inconstitucionalidade devia ter efeitos ex nunc. A Ministra Ellen Gracie pediu vista dos autos.


Naquela oportunidade, não tinham ainda proferido votos os Ministros Ellen Gracie, Nelson Jobim, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Eros Grau.


O Plenário do STF, na sessão de 23 de fevereiro deste ano, julgando definitivamente o HC n. 82.959, após o voto da Ministra Ellen Gracie pela constitucionalidade da norma, decidiu, incidenter tantum e por maioria (6x5), ser inconstitucional o § 1.º do art. 2.º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990), que impede o acesso de condenados por delitos de natureza hedionda e assemelhados, no cumprimento da pena, aos regimes semi-aberto e aberto. Votaram pela progressão os Ministros Carlos Ayres Brito, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau e Sepúlveda Pertence, e, pela proibição da progressão, os Ministros Ellen Gracie, Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Nelson Jobim (Presidente).


Assim decidindo, de acordo com o Plenário do Pretório Excelso, é admissível a progressão de regime no cumprimento da pena nos delitos de homicídio qualificado , extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante seqüestro , latrocínio , estupro, atentado violento ao pudor, epidemia com resultado morte, falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e genocídio (considerados hediondos ), estendendo-se o benefício aos crimes assemelhados (tráfico de drogas e terrorismo). Para tanto, sob o aspecto das condições objetivas, basta ao condenado o cumprimento de um sexto da pena, como ocorre em relação às infrações comuns.


De acordo com o § 1.º do art. 2.º da Lei n. 8.072/90, nos delitos hediondos e similares é proibida a progressão, embora a legislação permita o livramento condicional após a execução de dois terços da pena. Em face da lei, um condenado a 30 anos de reclusão por crime hediondo só pode obter livramento condicional após o cumprimento de 20 anos da pena. Agora, de acordo com a orientação do Pretório Excelso, pode requerer a concessão da progressão para o regime semi-aberto com a satisfação de 5 anos da pena (um sexto de 30), desde que atendidos os demais requisitos legais.


Ficou consignado que o decisório não produz efeitos jurídicos no tocante a penas já extintas, pois "envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma declarada inconstitucional". Por isso, o Estado não tem o dever de indenizar condenados que cumpriram penas excessivas sob a ótica da orientação benéfica.


Não há extensão automática da concessão do benefício a casos semelhantes, i.e., o acórdão do STF não tem efeito obrigatório em relação a condenados em situação similar. A aplicação do princípio adotado pelo Pretório Excelso depende da análise, caso por caso, pelo juiz da execução da pena, que deve valer-se de todos os meios para aferir se o condenado apresenta requisitos objetivos e pessoais exigidos para a progressão do regime fechado para o semi-aberto e deste para o aberto. Além disso, a orientação permissiva não vincula juízes e tribunais, que podem decidir de maneira diferente.


Segunda-feira, 20 de março de 2006.

Fonte: http://ultimainstancia.uol.com.br/artigos/ler_noticia.php?idNoticia=26204

Também se pode verificar a pertinência da recomendação feita pelo Procurador-Geral de Justiça, por meio dos argumentos do ilustre procurador do MP/MG, Dr. Carlos Henrique Fleming Ceccon, em RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRIMEIRO VICE-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS:

 

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, pelo presente petitório, manifesta seu inconformismo em face do v. acórdão proferido nos autos da Apelação Criminal n.º 1.0141.05.931735-6/001, comarca de Carmo de Minas, o qual deu parcial provimento aos termos do Recurso de Apelação interposto pelo acusado, alterando o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade imposta no tocante ao delito de homicídio, de integralmente fechado  para o inicialmente fechado.

 

Assim agindo, os eminentes Desembargadores que integram a Turma Julgadora proferiram decisão que contraria frontalmente o disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, razão pela qual o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, objetivando a reparação do vilipêndio à norma federal em destaque, interpõe o presente RECURSO ESPECIAL, com lastro no artigo 105, III, “a”, da Constituição Federal, requerendo seja determinado  o processamento e encaminhamento do recurso ao Augusto Superior Tribunal de Justiça, para que seja obtido o pretendido provimento, com a reforma do v. acórdão recorrido.

Belo Horizonte, 27 de março de 2006.

CARLOS HENRIQUE FLEMING CECCON

                                        Procurador de Justiça

APELAÇÃO CRIMINAL N.º 1.0141.05.931735-6/001

COMARCA:              CARMO DE MINAS

RECORRENTE:        MINISTÉRIO PÚBLICO

RECORRIDO:           MARCELO DOS SANTOS

ESPÉCIE:                  RAZÕES DE RECURSO ESPECIAL

AUGUSTO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

EMINENTE MINISTRO RELATOR,

DOUTA PROCURADORIA DA REPÚBLICA:

 

1. Relatório

 

Trata-se de RECURSO ESPECIAL interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com vistas à desconstituição do v. Acórdão de fls. 733/738 dos autos, prolatado pela colenda Terceira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça, que deu parcial provimento aos Recursos de Apelação aviado pelo acusado Marcelo dos Santos, reformando a decisão de primeira instância para deferir-lhe o direito à progressão meritória no regime prisional, fixando-o como inicialmente fechado.

 

Desse modo, os preclaros julgadores deferiram ao réu o incabível direito à progressão no regime prisional, estando o mencionado decisum colegiado a contrariar ou mesmo a negar vigência a texto expresso de lei federal (artigo 2º, § 1º, da nº Lei 8.072/90)

 

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, inconformado com os termos da decisão colegiada, impetra o presenteRECURSO ESPECIAL para que seja declarada a validade e plena vigência da norma legal vulnerada pelo v. acórdão

2. Dos Pressupostos de Admissibilidade

 

O presente Recurso Especial é próprio e tempestivo, visto que este Órgão de Execução tomou ciência da decisão impugnada no dia 10 de março de 2006 (sexta-feira), e, nesta data, dia 27 de março (segunda-feira), está sendo protocolada a petição de interposição do apelo raro, acompanhada das razões recursais.

 

Devo também ressaltar que muito embora o Pretório Excelso, no julgamento recente do Habeas Corpus nº 82.959-7/SP, tenha tratado da matéria debatida nestes autos, o tema ainda não se encontra pacificado. A decisão do Pretório Excelso, pelos fundamentos nos quais se alicerça, demanda apreciação de novas questões de índole constitucional atinentes a fundamentos e princípios insertos na Constituição da República (matéria objeto de debate no Recurso Extraordinário, interposto concomitantemente a este Recurso Especial), bem como está em choque com Súmula editada pelo augusto Supremo Tribunal Federal (Súmula nº  698[1], razões pelas quais não existe óbice legal ou mesmo regimental para que se promova reabertura do debate do tema e se pugne pela revisão da matéria de Direito a ser enfrentada neste recurso.

 

Além de tempestivo e cabível o recurso em destaque, houve o necessário prequestionamento do tema referente à validade da Lei Federal violada pelo v. acórdão impugnado, notadamente porque, na sua fundamentação, percebe-se, com clareza, que o eminente Desembargador que proferiu o voto condutor  negou aplicação aos termos da Lei dos Crimes Hediondos, argumentando que a vedação de progressão meritória no regime prisional é inadmissível por contrariar as regras gerais estabelecidas pelo Código Penal sobre o sistema progressivo na execução penal. Fundamenta-se o v. voto condutor, enfim, no argumento de que à Lei dos Crimes Hediondos é vedado alterar a sistemática estabelecida pelo Código Penal no procedimento de cominação e aplicação das penas privativas de liberdade, ressaltando ainda seu eminente prolator que a vedação da progressão no regime prisional importa em ofensa ao princípio da humanidade da pena e atenta contra seu caráter pedagógico[2].

 

Assim, os preclaros julgadores admitiram que o reconhecimento judicial da figura típica do homicídio qualificado não impede a concessão do benefício da progressão meritória de regimes prisionais. Tal interpretação, data maxima venia, não é correta, configurando autêntica negativa de vigência à regra insculpida no artigo 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos.

 

Objetiva-se com esse apelo constitucional, portanto, o restabelecimento dos termos da Lei Federal vulnerada pelo v. acórdão recorrido.

 

3. Do Cabimento do Recurso Especial

 

Os eméritos Julgadores que integram da colenda Terceira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, não obstante a clareza e o alcance social da norma em referência (o artigo 2º, caput e § 1º, da Lei Federal nº 8.072/90), a qual determina, nos casos por ela abrangidos, seja a pena privativa de liberdade cumprida em regime integralmente fechado, negaram vigência ao preceito legal em destaque, mediante interpretação que não se coaduna com o alcance social protetivo visado pela norma infraconstitucional.

 

A clareza da letra da norma jurídica em pauta, ademais, não comporta interpretação de tal ordem liberal que, a par de boicotar a solução havida em virtude de regular processo legislativo, também milita contrariamente aos interesses da sociedade, introduzindo exegese desprovida de critério razoável e pertinente, concessa venia.

 

Cabível o remédio ora manejado em face da negativa de vigência ao dispositivo da Lei Federal nº 8.072/90 para os condenados por crimes hediondos ou a infrações penais equivalentes, o qual impõe seja a pena privativa de liberdade cumprida em regime prisional integralmente fechado (artigo 2º, caput e § 1º). Tal contrariedade ao Texto Legal em foco representa autentica negativa de sua vigência, porquanto está se deixando de fazer incidir a norma legal que se encontra em pleno vigor.

 

Em face da missão deferida pela Magna Carta a esse augusto Sodalício, considerando a relevância social evidente do tema proposto ao debate, cumpre ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais invocar o pronunciamento de Vossas Excelência sobre a aplicabilidade da Lei dos Crimes Hediondos ao caso versado nos autos, especificamente a validade do comando inserto na lei que veda a progressão meritória no regime prisional.

 

Com essas considerações, resultam evidenciados os pressupostos legais de admissibilidade do presente Recurso Especial.

 

4 - Das Razões para a Reforma da Decisão Recorrida

 

A questão trazida ao debate faz emergir a discussão que tem sido travada sobre a constitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/90, que instituiu a vedação da progressão meritória de regimes a autores de crimes hediondos, impondo a eles o cumprimento da sanctio juris em regime integralmente fechado.

 

Impende ressaltar que, há poucos dias, o Pretório Excelso procedeu ao julgamento da questão quando da apreciação do Habeas Corpus nº 82.959-7/SP, em sessão efetivada pelo Tribunal Pleno, firmando o entendimento, por maioria simples de votos, de que a vedação da progressão no regime prisional malfere o princípio da individualização da pena.

 

À primeira vista, numa interpretação meramente singela e epidérmica do julgado em referência (ainda não publicado), poderíamos ser levados ao entendimento de que houve a declaração da inconstitucionalidade do dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos que veda a progressão no regime prisional, restando, inclusive, impossibilitado o trânsito aos augustos Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça para o debate dessa questão, sobre qualquer ótica que se pretenda provocar a reflexão.

 

A decisão do Pretório Excelso que reconheceu, incidentalmente, a inconstitucionalidade do dispositivo legal em testilha, tem efeitos limitados ao processo a que se refere, não se projetando aos demais casos que deverão ser julgados nas instâncias ordinárias ou extraordinárias; também não possui efeitos ex tunc, com força para incidir sobre casos já julgados em definitivo, sob pena de ofensa à coisa julgada formal e material. Trata-se de hipótese típica de controle difuso ou aberto, e sobre o tema pontifica o notável Alexandre de Moraes:

 

Na via de exceção, a pronúncia do Judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia indispensável ao julgamento de mérito. Nessa via, o que é outorgado ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou do ato, produzidas em desacordo com a Lei maior. Entretanto, este ato ou lei permanecem válidos no que se refere à sua força obrigatória com relação a terceiros.

[...]

 O controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e para tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não da lei ou do ato normativo. A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo pois objeto principal da ação.  (MORAES, Alexandre de, Direito constitucional, p. 639 e 641) (Grifos Meus)

 

Com efeito, somente se poderia admitir a não-incidência do disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 na hipótese de o Senado Federal obstar sua aplicação,  ex vi do disposto no artigo 52, X, da Magna Carta, ou se declarada, na forma preconizada pelo ordenamento jurídico vigente, por ação direta, a inconstitucionalidade desse texto legal.

 

O pensamento defendido nos votos vencedores exarados no Recurso de Habeas Corpus em comento está limitado a produzir efeitos no âmbito do processo judicial em que foram proferidos, notadamente porque os argumentos de direito em que se fundamenta esse v. acórdão despertam o debate de novos temas envolvendo a interpretação das normas constitucionais, especificamente no que se refere à vigência e à incidência de outros princípios e garantias consagrados na Magna Carta, os quais não podem ser olvidados. Ademais, devo consignar que em reiteradas decisões, os augustos Tribunais Constitucionais já haviam sedimentado  seu entendimento pela constitucionalidade do que dispõe o artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 e, dessa forma, não se pode admitir que uma decisão isolada do Pretório Excelso tenha habilidade para alterar toda orientação jurisprudencial dominante.

 

É necessário que, sobre o tema, incidam  novas reflexões, notadamente porque os fundamentos esposados pelo Pretório Excelso comportam debate em face de outros princípios constitucionais que merecem nossa consideração.

 

Tais matérias, objeto de debate no Recurso Extraordinário impetrado concomitantemente[3] a esse Recurso Especial, visam ao questionamento do tema à luz do que dispõe o artigo 1º, II e III, da Magna Carta (que consagra, como princípios fundamentais da República Federativa do Brasil  o direito à cidadania e a dignidade da pessoa humana), o artigo 5º, incisos XLIII (que estabelece a necessidade de regramento diferenciado aos autores de Crimes Hediondos) e XLVIII (que prevê o tratamento aos infratores em face da gravidade da violação).

 

Não se pode admitir que os direitos assegurados ao cidadão e  diretamente a toda sociedade sejam resvalados a um plano de intensa indiferença em homenagem aos direitos do infrator da norma penal, dos homicidas, dos estupradores, dos seqüestradores, dos traficantes e de outros que trilham o caminho da marginalidade e que devem receber especial atenção do Estado, seja no que se refere ao estabelecimento de normas repressoras mais expressivas, seja no que se refere à imposição de rigor exemplar no processo de execução das penas a eles aplicadas.

 

No escólio de Claus Roxin[4],

O direito penal serve simultaneamente para limitar o poder de intervenção do Estado e para combater o crime. Protege, portanto, o indivíduo de uma  repressão desmesurada do Estado, mas protege igualmente a sociedade e os seus membros dos abusos do indivíduo. Estes dois componentes – o correspondente ao Estado de Direito e o protetor da liberdade individual, e o correspondente ao Estado de Direito e preservador do interesse social mesmo à custa da liberdade do indivíduo – sendo objecto de abstracção conceptual, implicam características opostas.

 

A Magna Carta, consagrando os direitos fundamentais do cidadão, sejam réus sejam vítimas, e sobre os quais se assenta a construção de nossa República, cuidou de prever em seu corpo – e impor ao legislador infraconstitucional –  o dever de nomear os crimes de natureza hedionda em face da necessidade de fazer imperar tratamento diferenciado aos seus autores, não somente com o escopo de ver garantidos os fins de prevenção da norma penal incriminadora (velando pelo não-incentivo à prática de crimes) como também para sujeitar o infrator da lei penal a um tratamento curativo com acompanhamento minudente e em estabelecimento penal adequado à pena e à gravidade do delito. É  o que diz o artigo 5º, XLVIII, da Constituição da República.

 

E foi exatamente isso o que fez o legislador infraconstitucional ao nomear os crimes hediondos e outros que lhe são assemelhados, dando cumprimento a preceitos emergentes da Magna Carta, impondo restrições de natureza penal e processual penal a esses infratores em defesa dos interesses basilares nos quais se assenta a construção da República. Aliás, nesse ponto, deve-se ressaltar  que o Direito Positivo em sua essência não se restringe a tutelar, exclusivamente o cidadão processado ou preso, mas também  volta sua atenção à dignidade do  ser humano lesado com o ato delituoso, que deve sofrer juízo de  preponderância sobre todas as outras previsões.

 

Tais hipóteses aqui verificadas incidem sobre aquilo que se denomina direito penal diferenciado. E assim o é não porque diante da dogmática penalista clássica, que tendia a explicitar o direito como neutro e sem observância de valores para simples aplicação do fattispecie. E nem tampouco aquela outra dogmática “pseudovanguardista” que busca nomenclar de crime de bagatela tipos penais de pequeno potencial ofensivo. Ao contrário disso, se opera a aplicação do direito penal diferenciado assim como do direito processual diferenciado justamente porque a própria Constituição Federal cuidou de diferenciar os tipos penais que são mais agressivos às vítimas, à sociedade e ao Estado. É o caso dos crimes qualificados como hediondos.

Já houve a teoria distorcida de que o Estado, por meio da Lei de Crimes Hediondos, estaria tão-somente a proteger o patrimônio da classe milionária, já que por tal dogmática exigia-se apenas a proteção da produção. Ora, o que se vê é justamente o lado oposto disso, pois se sabe que as normas existem para implementar as funções do Estado e este age evidentemente para evitar que as pessoas sofram prejuízos respeitantes à sua própria dignidade.

 

A tutela jurisdicional criminal é entendida como a forma pela qual o Estado, por intermédio do Poder Judiciário, aplica as normas penais aos cidadãos. É a aplicação, via processo penal, das interdições prescritas no direito penal. A dogmática jurídica corrente e coerente pressupõe que o Direito Penal estabeleça as ações e omissões proibidas (os delitos – mala proibita) e a conseqüente pena, de maneira geral a toda sociedade, a fim de resolver seus conflitos e estabelecer a paz social e o bem comum.

 

No caso do direito penal e sua aplicação para os crimes hediondos notadamente também é tarefa do operador da lei incrementar uma hermenêutica diferenciada, em que, na realidade, sua obrigação é trabalhar com a jurisdição constitucional, ou seja, utilizando tanto as normas infraconstitucionais como aquelas outras previstas na Lei Maior, tudo isso para dar racionalidade ao sistema jurídico.

 

Ora, cabe aqui relembrar que coexistem duas dignidades a serem tratadas. A primeira é a do réu condenado com sentença transitada em julgado e que exige, em nome disso, o direito à progressão de regime. De outro lado, vem a dignidade da vítima ou de seus familiares que viram sua integridade física, moral e psíquica humilhadas e quase destruídas por conta da ação do réu. Qual dignidade vale mais? E o interesse coletivo? A sociedade não reclama a efetividade do direito repressor? Como poderíamos alcançar essa efetividade na tutela dos direitos do indivíduo e da coletividade, destinatária da proteção do direito repressor, se caminhássemos no sentido de enaltecer a pessoa humana que infringe a norma em detrimento da própria dignidade do ser humano lesado com prática infração penal?

 

O valor fundamental da ciência jurídica é o respeito pela vida humana, mesmo porque, como ensina Celso Lafer “o valor da pessoa humana enquanto conquista histórico-axiológica encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais”[5]. Ora, o direito penal, por sua vez, apresenta como elementos de sua estrutura organizacional a dicotomia lesão-bem jurídico. Há, portanto, neste aspecto, uma interseção ou um ponto comum entre a lei fundamental e a legislação penal, qual seja, a pessoa. Por isso, ao se abordar o fundamento da dignidade da pessoa humana na órbita do direito penal está-se tratando da pessoa como sujeito de direito e nunca no seu antagonismo, objeto de direito[6].

 

Verifica-se que a própria filosofia do direito[7] passou a ter como valor último da ordem jurídica a pessoa humana, sendo isso possível por dois principais motivos. Primeiro, porque o direito somente encontra fundamentação ou tem existência para regular as atividades e a sociabilidade humanas. Segundo, porque, considerando a análise histórica da humanidade - quase sempre moldada pelas barbáries da exclusão social e guerras - é possível compreender a constante necessidade de concretização da pessoa como sujeito de valores éticos indisponíveis e inalienáveis, dentre os quais se encontra a dignidade da pessoa humana.

 

Lógico ter presente que o conceito padrão de pessoa como valor fundamental é idéia recente que passa a merecer maiores considerações jurídicas ao largo da idade moderna. Frise-se, a tanto, que a concepção de pessoa para os gregos e romanos, assim como para a época medieval era totalmente diversa e incompleta. Para os clássicos o ‘homem’ era tão só um animal que pertencia à República. Para os povos da idade média a idéia já contava com o reconhecimento de um caráter essencial, todavia desprovido de conceito e valoração jurídica, sendo somente atrelado ao cristianismo que passou a abarcar na consideração de pessoa não só o homem, mas também mulheres, crianças, nascituros, escravos, estrangeiros etc[8].

 

Pondere-se, ainda, que o valor da pessoa humana, a despeito de ser compreendido como valor-fonte ou valor-guia e defendido por muitos doutrinadores como eixo do direito, evidentemente encontra seus limites, já que a noção do absoluto dá espaço ao critério relativo quando se observa a pessoa num contexto social. Assim, importante relembrar que o conceito de pessoa laborada pelo individualismo burguês (em que o indivíduo prevalece frente ao grupo social), tanto quanto pela tendência sucessora do transpersonalismo (em relação ao grupo social tem primazia sobre a pessoa), começam a ruir. Hodiernamente, busca-se harmonizar tanto a pessoa quanto ao grupo social, através do que se chama de personalismo. Pietro Perlingieri bem explicita o tema ao asseverar que “é necessário tomar posição contra a concepção que considera o indivíduo como valor pré-social, relevante também na ótica jurídica, prescindindo da relação com os outros. Desse modo, acentua-se o isolamento do indivíduo e dos seus problemas daqueles da sociedade na qual vive, inspirando-se em uma visão individualista não compatível com o sistema constitucional. A tutela da personalidade não é orientada apenas aos direitos individuais pertencentes ao sujeito no seu precípuo e exclusivo interesse, mas, sim, aos direitos individuais sociais’, que têm uma forte carga de solidariedade, que constitui o seu pressuposto e também o seu fundamento. Eles não devem mais ser entendidos como pertencentes ao indivíduo fora da comunidade na qual vive, mas, antes, como instrumentos para construir uma comunidade, que se torna, assim, o meio para a sua realização”[9]

 

Em sendo a dignidade da pessoa humana um valor-guia do ordenamento jurídico, porque é imprescindível sua constante vigilância, atribui-se a ela uma carga de abertura axiológica não fechada, justamente para realizar a tarefa de tutela conforme os ditames do pluralismo vivenciado.

 

Com efeito, a dignidade da pessoa humana sedimenta a idéia de juízo de valor (valor-guia) dos direitos fundamentais, servindo, axiologicamente, como critério hermenêutico ou instrumental para interpretação de todo ordenamento jurídico. Contudo, mais que isso, igualmente se apresenta como fonte jurídica de outros direitos fundamentais. Nesse sentido é importante averbar “o extenso rol de direitos e garantias fundamentais consagrados pelo Título II da Constituição Federal de 1988 traduz uma especificação e densificação do princípio constitucional da pessoa humana (artigo 1º, III). Em suma, os direitos fundamentais são uma primeira e importante concretização desse último princípio, quer se trate de direitos e deveres individuais e coletivos (artigo 5º), direitos sociais (arts. 6º a 11) ou dos direitos políticos (arts. 14 a 17)”[10].

 

Sendo a pessoa a razão de ser do direito, necessária sua proteção contra todo tipo de manifestação tendente a limitar sua existência. Para Ingo Wolfgang Sarlet a dignidade da pessoa humana é: “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” [11].

 

Por isso, a obrigação moral de dizer o direito não está subjugada ao dever de aplicar somente a lei infraconstitucional, porque essa se desvia, em certas ocasiões, do princípio básico de proteção e satisfação de direitos humanos essenciais. A dicção do direito deve-se nortear por razões morais adequadas, cuja eficácia independente do placet exclusivo da lei. Razões morais essas hauridas da dignidade da pessoa humana.

 

Dito isso, é de ressaltar que sendo duas as dignidades a serem tratadas, deverá coexistir um critério de proporcionalidade a ser desvendado. Assim, o Estado, ao aplicar sua punibilidade, em casos de tipos penais hediondos, o faz corretamente, já que a própria Constituição Federal diferencia seu caráter de lesão ao bem jurídico da vítima. A proporcionalidade é dada pela Carta Magna.

 

Nessa linha de raciocínio, vem à tona a lição de Hans Welzel sobre essa missão ético-social do direito penal:

 

“La missión primaria del Derecho Penal no es la protección actual de bienes juridicos, esto es, la protección de la persona individual, de su propriedad, etc. Pues, cuando entra efectivamente  en accion por lo general ya es demasiado tarde. Más esencial que la protección de determinados bienes jurídicos concretos es la missión de asegurar la real vigência (observância) de los valores de acto de la conciencia jurídica; ellos constituyen el fundamento más sólido que sustenta al Estado y la sociedad. La mera protección debienes juridicos tiene sólo un fim preventivo, de carácter policial y negativo. Por el contrario, la missión más profunda del Derecho Penal es de naturaleza ético-social y de carácter positivo. Al proscribir y castigar la inobservancia efetiva de los valores fundamentales de la conciencia jurídica, revela, en la forma más concluyente a disposición del Estado, la vigencia inquebrantable de estos valores positivos de acto, junto con dar forma al juicio ético-social de os cuidadnos y fortalecer su conciencia de premanente fidelidad jurídica[12]

 

Com lastro na lucidez desse pensamento é que se deve compreender o direito repressor, sempre  com a consciência de que as normas penais revelam a essência tutelar dos direitos do cidadão e da sociedade, constituindo-se, num segundo plano, em ato de delimitação da responsabilidade do delinqüente pelo que ato que efetivamente praticou, o que traduz, nesse último aspecto, a função garantidora da tipicidade em face do agente da infração.

 

Impedir que o legislador infraconstitucional estabeleça o sistema da individualização jurisdicional ou judicial da pena cominada ao tipo – com observância do elementar juízo de culpabilidade – acarretará a ruína da missão tutelar do direito penal em face do cidadão, à consideração de que, na ordem jurídica, somente são contemplados os direitos do agente que se conduz em desconformidade com a lei.  Infelizmente, parece que essa tem sido a tônica da interpretação, colocando-se o réu na condição de imaculado sujeito da relação material e processual, enquanto ao cidadão de bem resta o pagamento dessa fatura.

 

Outro aspecto a ser destacado refere-se a efetividade do direito repressor no processo de execução da pena em decorrência de decisão transitada em julgado, no momento em que se coloca em prática o comando inserto na parte dispositiva do ato jurisdicional.

 

 A vontade da lei, individuada na sentença em face do caso específico e concreto, não prescinde do esgotamento desses momentos, passando pela orientação ditada pela norma constitucional e a subseqüente delimitação do poder de repressão do Estado quando da definição dos tipos incriminadores e das regras a serem observadas na individualização da pena em face do princípio da culpabilidade do autor do fato penalmente relevante. Obstar o legislador infraconstitucional de disciplinar os critérios de individualização – notadamente como já dissertado, de ter a aferição da culpabilidade como bússola da repressão, a qual será dosada ou individuada – leva-nos à preocupação de que a resposta estatal ao ilícito não traduza a sintetização de uma quimera categorizada.

 

Nessas condições, não se pode impedir o legislador infraconstitucional de estabelecer a efetividade do poder repressor, tratando de forma diferenciada os que merecem essa distinção, a bem dos interesses do grupamento social, da tutela dos bens jurídicos de relevância. Aliás, volto a insistir que está claro no texto da Magna Carta que a intenção de nosso legislador Maior foi conceder esse mister à legislação que disciplinaria a matéria, na medida em que se pode bem identificar o intento de que aos autores de Crimes Hediondos fosse estabelecido tratamento repressivo diferenciado (artigo 5º, XLIII), e a compreensão de que as penas devem tem seu cumprimento regulado em face da gravidade da infração e da culpabilidade do agente (artigo 5º, XLVIII).

 

Essas considerações também não passaram despercebidas à arguta constatação de Franscesco Antolisei, que, sobre a matéria, pontifica:

 

Per quanto concerne il momento anteriore alla commissione del reato, secondo la doutrina prevalente, la norma penalie si subbietivizza a favore dell Stato, facendo sorgere in questo um vero e proprio diritto soggettivo: il jus puniendi. Sul contenuto de tale diritto, però, vi è grande disparità di vedute, perchê, mentre per alcuni esso  si esaurisce nella pretesa all´omissione del fatto criminoso, avendo così um contenuto puramente negativo, per altri consiste nella pretesa all ´obedienza da parte dei sudditi, all´osservanza delle legge penale, di um diritto soggetivo dello Stato allá própria esistenza conservazione.[13]

 

Ao tratar dos direitos fundamentais no Tema do Direito Processual Penal, leciona Mario Pisani:

Tutto ciò dice riferimento ai principi fondamentali di ogni ordinamento giuridico, cioè alle tavole dei valori Che caratterizzano i vari tipi di società organizzata: valori Che inevitabilmente si riflettono nei codici e nele leggi in matéria penale inquanto típico terreno di incontro e di scontro tra le liberta del singolo e l`autorirà dello Stato[14].

 

Nossa Magna Carta é repositório de garantias, direitos, princípios e deveres, os quais não traduzem normas de exclusiva tutela do cidadão processado. Principalmente, visam à composição perfeita do sistema de regramento dos direitos e deveres do cidadão na ordem democrática que impera em nossa Nação.

 

Assim, com espeque nesses elementares princípios que emergem do regramento Constitucional, verifica-se que a Magna Carta traduz apenas e tão-somente poder limitativo ao legislador infraconstitucional no tratamento da matéria por ela cuidada, sem lhe obstar a disciplina plena do instituto jurídico a ser tratado. Desse modo a Constituição garante Direitos que considera fundamentais para cidadão processado ou mesmo preso (cautelarmente ou em execução de pena), sem prejuízo de que a legislação infraconstitucional estabeleça restrições ou diferenciais (criando direitos e impondo obrigações em conseqüência).

 

Assim, quando deparamos com a questão da individualização da pena no nível constitucional, atentos ao que dispõe o artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal, constatamos que esse dispositivo baliza a atividade do legislador infraconstitucional e não estabelece cerceamento ao poder de disciplinar o procedimento de individualização pelo poder jurisdicional do Estado, objetivando resguardar os direitos que Constituição Federal quis expressamente tutelar, e, conseqüentemente, preservar determinados direitos do condenado, ao vedar, verbi gratia a prisão perpétua, penas cruéis ou desumanas, o banimento, etc.

 

A legislação de regência dos crimes hediondos cuidou, com evidente atenção, da necessidade de que os autores de infrações erigidas à categoria de gravíssimas tenham tratamento diferenciado, objetivando atingir os fins da pena e, principalmente, dar efetividade ao direito repressor, instrumento tutelar dos direitos do cidadão vítima da infração penal e toda sociedade, em face do caráter público das normas penais incriminadoras.

 

Não se pode admitir que a Magna Carta seja repositório único dos direitos do cidadão processado. Não podemos nos esquecer de que os direitos, garantias e deveres consagrados no seu corpo direcionam-se a tutela de todo cidadão, sejam eles réus ou vítimas. Não se pode esquecer ainda do poder tutelar do ordenamento jurídico dos direitos do cidadão, consagrados não-somente na norma penal incriminadora, mas também identificáveis com o estabelecimento de procedimento de individualização que prime pela efetividade do direito repressor. Nesse aspecto da tutela dos direitos do cidadão, tem-se que o direito repressor não se posiciona exclusivamente como instrumento de limitação ao poder de punir do Estado, notadamente porque a consagração de condutas humanas ofensivas a bens jurídicos de relevância social em tipos penais, revela a preocupação de o Estado tutelar os bens jurídicos relevantes do ser humano.

 

A vedação da progressão de regime não vilipendia a garantia constitucional da individualização da pena privativa de liberdade nem o princípio da humanidade da pena, na medida em que o princípio da individualização trilha o caminho do princípio da legalidade. Se o legislador entendeu por bem erigir determinados crimes, de gravidade elevada, à categoria de hediondos, estabelecendo um procedimento de individualização ou fixação da reprimenda diverso daquele previsto para os autores de crimes graves (não-hediondos) punidos com reclusão, na imposição da sanção penal o Magistrado não estará vedando a progressão de regime, mas obedecendo ao comando legal que impõe a execução da pena em regime integralmente fechado.

 

A individualização da pena é matéria cuja disciplina está cometida a legislação federal, nos termos do que dispõe o artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal, cabendo ressaltar que as únicas restrições que a Magna Carta estabelece quanto à competência legislativa da União para edição das normas dessa matéria, encontram-se expressamente consagradas no seu texto. Nesse sentido, proclamou o Ministro Hamiltom Carvalhido que “Não há falar em inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, eis que, para além de ser a edição do direito penal matéria própria da dimensão infraconstitucional (Constituição Federal, artigo 22, inciso I), a norma inserta no inciso XLVI do artigo 5º da Constituição da República defere, também à lei, a disciplina da individualização da pena, que pode assim estabelecer especialmente o regime fechado como integral das penas dos crimes hediondos." (STJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, AgvEsp nº 567.342-SP, publicado no DJU de 28 de junho de 2002, p. 438).

 

Tem-se que o regramento da individualização da pena é estabelecido não só na norma constitucional em destaque, mas também, por deferência desta, na Legislação Federal a qual ficou reservada a competência para a disciplina da matéria.

 

Quando se fala no princípio da individualização da pena, emerge, equivocadamente, a impressão de que a determinação do cumprimento da reprimenda no regime fechado, sem a permissão de progressão meritória, importaria em obstar os fins de ressocialização da sanção penal ou mesmo impor ao condenado uma sanção insuportável. No entanto, os autores de crimes hediondos, que devem cumprir a reprimenda no regime integralmente fechado até que atinjam o quantum de dois terços para o livramento condicional, estão, na realidade, sujeitando-se a um tratamento prisional que busca o acompanhamento, com maior minudência, da evolução do preso no processo de ressocialização, com vistas a sua reinserção na sociedade, sem que isso importe em supressão dos direitos e das garantias do condenado, assegurados na Lei de Execução Penal. Dentre todos os direitos do preso, não se pode esquecer que o condenado, no regime integralmente fechado, tem direito de trabalhar (artigos 28/37 da Lei  nº 7.210/84), e de remir os dias trabalhados para atingir dois terços do cumprimento da pena imposta e obter a concessão do Livramento Condicional (artigos 26/20 da Lei nº 7.210/84).

 

Há, enfim, a instituição do sistema progressivo, não me parecendo que o simples fato de ser obstada a progressão, nos levaria admitir conclusão inversa. Ora, o réu, atingindo o cumprimento de dois terços da pena, revelando mérito para tanto, poderá ter deferido o Livramento condicional. Ressalto, ainda nesse aspecto, que a progressão de um regime para outro menos gravoso, de forma sucessiva, não é elementar à identificação do sistema progressivo.

 

Observe-se, ademais, que no que se refere ao estabelecimento da resposta penal, seja a autores de crimes hediondos, seja a autores de crimes graves (não-hediondos) ou a autores de crimes de menor potencial ofensivo, o legislador leva em consideração a gravidade objetiva da infração e/ou a qualificação subjetiva do autor do delito, como ocorre, verbi gratia, ao ser imposta aos autores de infrações cuja pena seja superior a oito anos o cumprimento inicial no regime fechado (independentemente da consideração quanto à reincidência do réu) e o cumprimento da pena em regime fechado aos reincidentes qualquer que seja a reprimenda aplicada (artigo 33 do Código Penal).

 

Os crimes denominados hediondos e as infrações penais a eles equiparadas foram erigidos à categoria de infrações de elevada gravidade, por ofenderem bens jurídicos selecionados como de maior relevância. Com isso o Estado, além de dever tratar dessas violações com maior rigor, tem a incumbência de velar, de forma efetiva, para que a reprimenda possa atingir seu objetivo de prevenção, retribuição e ressocialização. A sujeição do condenado ao cumprimento de sua pena no regime integralmente fechado importa em estabelecer o efetivo acompanhamento da evolução do preso e de suas reais condições de reinserção social.

 

Assim sendo, quanto à individualização da pena, no âmbito da competência legislativa da União, foram especificadas quatro modalidades de regime prisional (integralmente fechado, fechado, semi-aberto e aberto), cabendo ao aplicador da lei penal, em obediência ao princípio basilar da legalidade, definir a modalidade de regime a ser estabelecido, levando em consideração as diretrizes gizadas na legislação federal competente.

 

Também não há que se falar em ofensa ao princípio da humanidade da pena. Nesse sentido, pontificou o ilustrado Desembargador Kelsen Carneiro que “a continuidade do cumprimento integral em regime fechado também não ofende ao princípio da humanização da pena, pois o condenado por crime hediondo tem direito aos benefícios prisionais próprios do regime fechado (isolamento celular durante o repouso noturno, a atribuição de trabalho de acordo com as aptidões ou ocupações anteriores, o trabalho em serviços ou obras públicas - extramuros – e as permissões de saída), tendo, ainda, direito ao livramento condicional desde que cumpridos 2/3 da pena e não seja reincidente específico.” (TJMG, Rel. Des. Kelsen Carneiro, Apelação Criminal nº 1.0000.00.258810-8/001, publicado em 08.06.2004 – sitewww.tjmg.gov.br).

 

Merece sofrer apreciação o argumento lançado pelos defensores da tese da inconstitucionalidade da vedação de progressão de regime, segundo o qual há contra-senso na Lei dos Crimes Hediondos por negar ela a progressão e por permitir, lado outro, a obtenção do livramento condicional, depois de cumpridos dois terços da pena, pois constituiria esse benefício, segundo alegam, em uma das fases do sistema progressivo.

Pelos argumentos aqui já apresentados, a situação não é paradoxal como está sendo sugerida.

O livramento condicional não é etapa necessária a ser alcançada no regime progressivo. Trata-se de uma característica do regime progressivo, não essencial, não detectável em todos os casos. Assim entendo, porquanto há situações em que, por expressa vedação legal, está o réu obstado de postular o benefício, nos casos, verbi gratia, em que foi estabelecida sanção inferior a dois anos (Código Penal, artigo 77) e também na hipótese de o sentenciado, em decorrência de não ter mérito para tanto, dever cumprir a reprimenda no regime fechado, o qual, então, será considerado integralmente fechado.

 

Ademais, como aqui assinalado, o autor de um crime hediondo não perde seus direitos, inclusive o de trabalhar e remir os dias de serviço para alcançar o tempo para obtenção do livramento condicional.

 

Nessa linha de raciocínio, impõe-se concluir que os condenados pela prática de crimes hediondos não mais devem ser mantidos presos em cadeias públicas ou estabelecimentos similares, cabendo ser encaminhados às Penitenciárias disponíveis no Estado, que abrigarão, preferencialmente, os sentenciados nessas condições.

 

Assim exposto, verificando a Lei de Execução Penal, especificamente seus artigos 87/92, tem-se que os presos no regime fechado e no regime integralmente fechado cumprem a reprimenda arbitrada em Penitenciárias, enquanto  os condenados em regime semi-aberto e os que lograram progredir para essa modalidade de regime, cumprem a sanção nas Colônias Agrícolas, estabelecimentos penais cujo ponto de diferenciação substancial é o fato de que, naquelas, o sistema imposto é o de segurança máxima¸ ao passo que, nestas, a segurança é abrandada, notadamente porque os presos em regime semi-aberto revelam estar adaptados ao sistema em que se encontram.

 

Não se pode mais admitir a idéia de que a execução penal dos autores de crimes de elevada gravidade fique sujeita aos desvios que se têm observado quando os presos, sob o argumento de que não há vagas em penitenciárias, acabam cumprindo a pena na própria cadeia pública das comarcas do interior do Estado, sem nenhum acompanhamento, sem observância das regras ditadas pela Lei de Execução Penal, as quais, como já assinalado, tendem a fazer com que o processo de execução se constitua em instrumento de aferição da reeducação do sentenciado. Nesse aspecto, há que se observar que o Código Penal, no seu artigo 59, oferece ao julgador circunstâncias para estabelecer o quantum da pena e seu regime no processo de individualização, o que leva à compreensão de que há necessidade de tratamento desigual aos desiguais, notadamente em consideração à sua culpabilidade do agente e à gravidade do crime.

 

Cabe ainda observar que o regramento estabelecido na Lei dos Crimes Hediondos não se apresenta contrário ou em confronto com as  prescrições do Código Penal – no que se refere ao estabelecimento do sistema progressivo. Pelas razões aqui esposadas, não se trata de revogação das regras gerais por norma especial, mas de implantação de sistema de execução da pena atendendo à inspiração do comando Constitucional  que deferiu ao legislador federal nomear os crimes hediondos e estabelecer as regras de direito material e processual a serem observadas.

 

Pensar em sentido inverso, importaria admitir a incompatibilidade de Leis Especiais com os Códigos Penal e de Processo Penal, notadamente quando instituem regramentos diferenciados na aplicação do direito, como aconteceu recente, verbi gratia, com a introdução de reformas substanciais no procedimento dos crimes instituídos na Lei de Tóxicos. Nesse aspecto ainda em relevo, poder-se-ia ainda questionar a validade das Leis Especiais precedentes à própria Legislação codificada, que estabelece regras diversas daquelas definidas na legislação comum. A legislação especial é de exceção e, por essa característica tem de estabelecer disciplina diversa para regular situações que fogem das regras comuns ditadas pelo Código Penal.

 

Devo ainda assinalar que a mera especificação dos crimes que se inserem no rol dos hediondos para nada prestaria, se não permitisse que o legislador infraconstitucional estabelecesse o tratamento diferenciado a ser observado quanto aos autores dessas infrações de elevadíssima gravidade.

 

Aliás, como aqui dissertado, a matéria gravita em torno do princípio da individualização da pena e não se pode negar que é a nível infraconstitucional que se estabelece o procedimento a ser observado na aplicação da sanção penal, não estando o legislador infraconstitucional obstado de instituir as formas de execução da pena, levando em consideração a gravidade objetiva do delito e/ou  qualificação subjetiva do autor da infração penal.

 

Sobre o tema, são pertinentes as lições de Rogério Greco, ilustre membro do Ministério Público de Minas Gerais,

 

[...] a nossa Constituição Federal determinou ao legislador infraconstitucional que, por intermédio de um critério de seleção político, regulasse a individualização da pena, o que efetivamente fora realizado quando determinou que os condenados pelas infrações descritas na Lei nº 8.072/90, em virtude da gravidade dos crimes ali previstos, teriam de, independentemente de requisitos objetivos e subjetivos, tais como cumprimento parcial da pena e bom comportamento carcerário, cumpri-la integralmente no regime fechado. Esse foi, portanto,o critério adotado pelo legislador para distinguir o cumprimento das penas relativas aos delitos previstos na lei dos crimes hediondos daqueles que estiverem fora do seu rol. Não podemos deixar de relembrar, por oportuno, que houve individualização, ficando os condenados pela prática de crimes elencados na Lei nº 8.072/90 impedidos de progredir de regime, ao contrário daqueles que praticaram, aos olhos do legislador, outras infrações consideradas não tão graves quanto aquelas[15]”.

 

Portanto, é imperioso que se interprete o princípio da individualização da pena à luz do que dispõe a Magna Carta, para que não nos esqueçamos de que a individualização também se estabelece pro societate. Desse modo, não se pode impedir que o legislador competente para editar normas repressores esteja obstado de fixar os parâmetros da individualização a cargo do Poder Judiciário, a qual  objetiva, substancialmente, estabelecer reprimenda que se assente nos princípios da culpabilidade e na proporcionalidade, sendo certo que a imposição de regime prisional mais gravoso aos autores de crime hediondos objetiva dar cumprimento ao mandamento da Constituição Federal (artigo 5º,  XLIII) que expressamente nos leva a compreender que foi uma preocupação de nosso Legislador Constitucional atentar para a  necessidade de se punir com mais rigor tais infratores.

Além da previsão expressa no texto da Magna Carta de que são negados determinados benefícios aos autores  de crimes hediondos, tem-se ainda que não passou despercebido do legislador a necessidade de que os presos, de conformidade com a gravidade do delito perpetrado, sejam levados a cumprir a reprimenda imposta em estabelecimentos distintos. Houve demonstração inequívoca (no texto constitucional) no sentido de se estabelecer tratamento diferenciado aos infratores da norma penal quando da execução da pena, em defesa, nesse aspecto, dos direitos elementares do cidadão brasileiro vítima da infração penal em nome, inclusive, da já falada proporcionalidade dos valores objeto de atenção.

 

Devo ainda frisar que a v. decisão emanada augusto Supremo Tribunal Federal está em colisão com súmula de sua autoria que, expressamente, admitiu sistema progressivo diferenciado aos autores de Crime Hediondos, matéria que foi suscitada e definida pelo Pretório Excelso quando emergiram os debates sobre a revogação da vedação de progressão no regime pela Lei que definiu os Crimes de Tortura (Lei nº 9.455/1997).

 A súmula encontra-se vazada nos termos seguintes:

 

Súmula nº  698 – Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada aos crimes de tortura.

 

Constata-se, sem necessidade de maior esforço, que o Pretório Excelso já declarou reconhecer a validade do comando da Lei dos Crimes Hediondos que impõe o regime integralmente fechado, de forma que foi afastada pela regra sumulada o questionamento quanto à constitucionalidade deste texto legal que, a meu modesto modo de pensar e sentir, encontra-se em conformidade com os princípios e fundamentos insertos em nossa Magna Carta, pelas razões aqui exaustivamente expostas.

 

Por todas essas considerações, tenho que está em pleno vigor o disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, cabendo, nessa parte conclusiva, deixar consignados os pontos em que assenta a pretensão de revisão da matéria julgada na instância recorrida, considerando-se a eficácia limitada (exclusivamente ao caso julgado) da decisão proferida pelo Pretório Excelso no julgamento do Recurso de Habeas Corpus nº 82.959-7/SP:

 

1º) O tema que suscita debate referente à vigência do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 comporta novas reflexões que levam ao enfrentamento de matérias constitucionais e de índole infraconstitucional ainda não apreciadas pelos augustos Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, especificamente a conformidade da lei infraconstitucional ao que dispõe o artigo 1º, II e III,  e o artigo 5º, XLIII e XLVIII;

 

2º) A decisão proferida pelo Pretório Excelso no julgamento do Habeas Corpus nº  82.959-7/SP  não possui eficácia obstativa do Recurso às Instâncias Constitucionais para o debate quando à vigência do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 e a contrariedade aos dispositivos constitucionais indigitados;

 

3º) A eficácia e validade da Lei dos Crimes Hediondos (artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90) somente poderá ser elidida mediante ação direta de inconstitucionalidade ou deliberação do Senado Federal quanto á suspensão de seus efeitos, fatos não verificados no momento atual;

 

4º ) A decisão exarada pelo augusto Supremo Tribunal, matéria objeto de reflexão nestes autos, encontra-se em flagrante choque com o que dispõe a Súmula  nº  698 emanada desse Sodalício.

 

Desse modo, até que seja declarada sua inconstitucionalidade em ação direita ou que venha sua eficácia a ser suspensa pelo Senado Federal, encontra-se em pleno vigor o disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, razão que leva o Ministério Público do Estado de Minas Gerais a pugnar, perante esse augusto Sodalício Constitucional, a revisão do tema julgado na instância recorrida, para que prevaleçam os termos integrais da Lei Federal em vigor.

 

Com essas considerações, tenho que a v. decisão colegiada recorrida, proferida pela Terceira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais merece, pois, ser reformada para que seja imposto ao réu Marcelo dos Santoso resgate da reprimenda estabelecida na r. sentença no regime integralmente fechado, encontrando-se evidenciada a negativa de vigência, pelo v. acórdão impugnado, os termos do que dispõe o artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.

 

5. Do Pedido

 

Ex positis, requer o Parquet estadual, em nome da sociedade mineira, o provimento integral ao presente Recurso Especial para que seja reformado o v. acórdão ora combatido, impondo-se ao sentenciado cumprir a reprimenda no regime integralmente fechado.

 

N. Termos.

P. Deferimento.

Belo Horizonte, 27 de março  de 2006.

 

 

CARLOS HENRIQUE FLEMING CECCON

                                        Procurador de Justiça

Veja o recurso Extraordinário:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRIMEIRO VICE-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS:

 

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, pelo presente petitório, manifesta seu inconformismo em face do v. acórdão proferido nos autos da Apelação Criminal n.º 1.0141.05.931735-6/001, comarca de Carmo de Minas, o qual deu parcial provimento aos termos do Recurso de Apelação interposto pelo acusado, alterando o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade imposta no tocante ao delito de homicídio, de integralmente fechado  para o inicialmente fechado.

 

Assim agindo, os eminentes Desembargadores que integram a Turma Julgadora proferiram decisão que contraria frontalmente o disposto no artigo 5º, XLVI e XLVII,  da Magna Carta, razão pela qual o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, objetivando a reparação do vilipêndio ao texto da Constituição Federal em destaque, interpõe o presente RECURSO EXTRAORDINÁRIO, com lastro no artigo 102, III, “a”, da Constituição Federal, requerendo seja determinado  o processamento e encaminhamento do recurso ao Augusto Supremo Tribunal Federal, para que seja obtido o pretendido provimento, com a reforma do v. acórdão recorrido.

 

Belo Horizonte, 27 de março de 2006.

CARLOS HENRIQUE FLEMING CECCON

                                        Procurador de Justiça

APELAÇÃO CRIMINAL N.º 1.0141.05.931735-6/001

COMARCA:              CARMO DE MINAS

RECORRENTE:        MINISTÉRIO PÚBLICO

RECORRIDO:           MARCELO DOS SANTOS

ESPÉCIE:                  RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO

AUGUSTO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,

EMINENTE MINISTRO RELATOR,

DOUTA PROCURADORIA DA REPÚBLICA:

 

1. Relatório

 

Trata-se de RECURSO EXTRAORDINÁRIO interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com vistas à desconstituição do v. Acórdão de fls. 733/738 dos autos, prolatado pela colenda Terceira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça, que deu parcial provimento aos Recurso de Apelação aviado pelo acusado Marcelo dos Santos, reformando a decisão de primeira instância para deferir-lhe o direito à progressão meritória no regime prisional, fixando-o como inicialmente fechado.

 

Desse modo, os preclaros julgadores deferiram ao réu o incabível direito à progressão no regime prisional, estando o mencionado decisum colegiado a contrariar o disposto no artigo 5º, XLVI e XLVII, da Constituição Federal.

 

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, inconformado com os termos da decisão colegiada, impetra o presente RECURSO EXTRAORDINÁRIO para que seja restabelecida a imperatividade da norma constitucional malferida pelo v. acórdão recorrido.

 

2. Dos Pressupostos de Admissibilidade

 

O presente Recurso Extraordinário é próprio e tempestivo, visto que este Órgão de Execução tomou ciência da decisão impugnada no dia 10 de março de 2006 (sexta-feira), e, nesta data, dia 27 de março (segunda-feira), está sendo protocolada a petição de interposição do apelo raro, acompanhada das razões recursais.

 

Devo também ressaltar que muito embora o Pretório Excelso, no julgamento recente do Habeas Corpus nº 82.959-7/SP, tenha tratado da matéria debatida nestes autos, o tema ainda não se encontra pacificado. A decisão do Pretório Excelso, pelos fundamentos nos quais se alicerça, demanda apreciação de novas questões de índole constitucional atinentes a fundamentos e princípios insertos na Constituição da República (matéria objeto de debate no Recurso Extraordinário, interposto concomitantemente a este Recurso Especial), bem como está em choque com Súmula editada pelo augusto Supremo Tribunal Federal (Súmula nº  698[16], razões pelas quais não existe óbice legal ou mesmo regimental para que se promova reabertura do debate do tema e se pugne pela revisão da matéria de Direito a ser enfrentada neste recurso.

 

O Recurso Extraordinário é interposto com o escopo de apontar ofensa ao que dispõe do artigo 5º, XLVI e XLVII, da Magna Carta, considerando que o v. acórdão assenta-se no argumento de que a vedação da progressão do regime ofende os princípios da individualização e da humanidade da pena.

 

Considerando que o Recurso de Apelação teve seu julgamento em data que precedeu ao julgamento do habeas corpus em destaque pelo Pleno do Pretório Excelso, cumpre, neste Recurso Extraordinário, que se proceda à análise do acórdão recorrido também em face dos fundamentos contidos na decisão desse Augusto Sodalício Constitucional, notadamente porque o tema comporta novas reflexões à luz de princípios, fundamentos e garantias insertos na Magna Carta.

 

Além de tempestivo e cabível o recurso em destaque, houve o necessário prequestionamento do tema referente à a aplicação de texto inserto na Magna Carta, violado pelo v. acórdão impugnado, notadamente porque, na sua fundamentação, percebe-se, com clareza, que o eminente Desembargador que proferiu o voto condutor  negou aplicação aos termos da Lei dos Crimes Hediondos, argumentando que a vedação de progressão meritória no regime prisional é inadmissível por contrariar as regras gerais estabelecidas pelo Código Penal sobre o sistema progressivo na execução penal. Fundamenta-se o v. voto condutor, enfim, no argumento de que à Lei dos Crimes Hediondos é vedado alterar a sistemática estabelecida pelo Código Penal no procedimento de cominação e aplicação das penas privativas de liberdade[17], ressaltando ainda seu eminente prolator que a vedação da progressão no regime prisional importa em ofensa ao princípio da humanidade da pena e atenta contra seu caráter pedagógico.

 

Assim, os preclaros julgadores admitiram que o reconhecimento judicial da figura típica do homicídio qualificado não impede a concessão do benefício da progressão meritória de regimes prisionais. Tal interpretação, data maxima venia, não é correta, configurando autêntica contrariedade ao que dispõe o artigo 5º, XLVI e XLVII, da Constituição da República.

 

Objetiva-se com esse apelo constitucional, portanto, o restabelecimento dos termos da Lei Federal vulnerada pelo v. acórdão recorrido.

 

3. Do Cabimento do Recurso Extraordinário

 

Os eméritos Julgadores que integram da colenda Terceira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, não obstante a clareza e o alcance social da norma em referência (o artigo 2º, caput e § 1º, da Lei Federal nº 8.072/90), a qual determina, nos casos por ela abrangidos, seja a pena privativa de liberdade cumprida em regime integralmente fechado, negaram vigência ao preceito legal em destaque, mediante interpretação que não se coaduna com o alcance social protetivo visado pela norma infraconstitucional.

 

A clareza da letra da norma jurídica em pauta, ademais, não comporta interpretação de tal ordem liberal que, a par de boicotar a solução havida em virtude de regular processo legislativo, também milita contrariamente aos interesses da sociedade, introduzindo exegese desprovida de critério razoável e pertinente, concessa venia.

 

Cabível o remédio ora manejado em face da contrariedade ao artigo 5º, XLVI e XLVII para os condenados por crimes hediondos ou a infrações penais equivalentes, o qual impõe seja a pena privativa de liberdade cumprida em regime prisional integralmente fechado (artigo 2º, caput e § 1º, da Lei nº 8.072/90).

 

Em face da missão deferida pela Magna Carta a esse augusto Sodalício, considerando a relevância social evidente do tema proposto ao debate, cumpre ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais invocar o pronunciamento de Vossas Excelência sobre a aplicabilidade da Lei dos Crimes Hediondos ao caso versado nos autos, especificamente a validade do comando inserto na lei que veda a progressão meritória no regime prisional.

 

Com essas considerações, resultam evidenciados os pressupostos legais de admissibilidade do presente Recurso Especial.

 

4 - Das Razões para a Reforma da Decisão Recorrida

 

A questão trazida ao debate faz emergir a discussão que tem sido travada sobre a constitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/90, que instituiu a vedação da progressão meritória de regimes a autores de crimes hediondos, impondo a eles o cumprimento da sanctio juris em regime integralmente fechado.

Impende ressaltar que, há poucos dias, o Pretório Excelso procedeu ao julgamento da questão quando da apreciação do Habeas Corpus nº 82.959-7/SP, em sessão efetivada pelo Tribunal Pleno, firmando o entendimento, por maioria simples de votos, de que a vedação da progressão no regime prisional malfere o princípio da individualização da pena.

 

À primeira vista, numa interpretação meramente singela e epidérmica do julgado em referência (ainda não publicado), poderíamos ser levados ao entendimento de que houve a declaração da inconstitucionalidade do dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos que veda a progressão no regime prisional, restando, inclusive, impossibilitado o trânsito aos augustos Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça para o debate dessa questão, sobre qualquer ótica que se pretenda provocar a reflexão.

 

A decisão do Pretório Excelso que reconheceu, incidentalmente, a inconstitucionalidade do dispositivo legal em testilha, tem efeitos limitados ao processo a que se refere, não se projetando aos demais casos que deverão ser julgados nas instâncias ordinárias ou extraordinárias; também não possui efeitos ex tunc, com força para incidir sobre casos já julgados em definitivo, sob pena de ofensa à coisa julgada formal e material. Trata-se de hipótese típica de controle difuso ou aberto, e sobre o tema pontifica o notável Alexandre de Moraes:

 

Na via de exceção, a pronúncia do Judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia indispensável ao julgamento de mérito. Nessa via, o que é outorgado ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou do ato, produzidas em desacordo com a Lei maior. Entretanto, este ato ou lei permanecem válidos no que se refere à sua força obrigatória com relação a terceiros.

[...]

 O controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e para tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não da lei ou do ato normativo. A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo pois objeto principal da ação.  (MORAES, Alexandre de, Direito constitucional, p. 639 e 641) (Grifos Meus)

 

Com efeito, somente se poderia admitir a não-incidência do disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 na hipótese de o Senado Federal obstar sua aplicação,  ex vi do disposto no artigo 52, X, da Magna Carta, ou se declarada, na forma preconizada pelo ordenamento jurídico vigente, por ação direta, a inconstitucionalidade desse texto legal.

 

O pensamento defendido nos votos vencedores exarados no Recurso de Habeas Corpus em comento está limitado a produzir efeitos no âmbito do processo judicial em que foram proferidos, notadamente porque os argumentos de direito em que se fundamenta esse v. acórdão despertam o debate de novos temas envolvendo a interpretação das normas constitucionais, especificamente no que se refere à vigência e à incidência de outros princípios e garantias consagrados na Magna Carta, os quais não podem ser olvidados. Ademais, devo consignar que em reiteradas decisões, os augustos Tribunais Constitucionais já haviam sedimentado  seu entendimento pela constitucionalidade do que dispõe o artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 e, dessa forma, não se pode admitir que uma decisão isolada do Pretório Excelso tenha habilidade para alterar toda orientação jurisprudencial dominante.

 

É necessário que, sobre o tema, incidam  novas reflexões, notadamente porque os fundamentos esposados pelo Pretório Excelso comportam debate em face de outros princípios constitucionais que merecem nossa consideração.

 

Tais matérias, objeto de debate no Recurso Extraordinário impetrado concomitantemente[18] a esse Recurso Especial, visam ao questionamento do tema à luz do que dispõe o artigo 1º, II e III, da Magna Carta (que consagra, como princípios fundamentais da República Federativa do Brasil  o direito à cidadania e a dignidade da pessoa humana), o artigo 5º, incisos XLIII (que estabelece a necessidade de regramento diferenciado aos autores de Crimes Hediondos) e XLVIII (que prevê o tratamento aos infratores em face da gravidade da violação).

 

Não se pode admitir que os direitos assegurados ao cidadão e  diretamente a toda sociedade sejam resvalados a um plano de intensa indiferença em homenagem aos direitos do infrator da norma penal, dos homicidas, dos estupradores, dos seqüestradores, dos traficantes e de outros que trilham o caminho da marginalidade e que devem receber especial atenção do Estado, seja no que se refere ao estabelecimento de normas repressoras mais expressivas, seja no que se refere à imposição de rigor exemplar no processo de execução das penas a eles aplicadas.

 

No escólio de Claus Roxin[19],

 

O direito penal serve simultaneamente para limitar o poder de intervenção do Estado e para combater o crime. Protege, portanto, o indivíduo de uma  repressão desmesurada do Estado, mas protege igualmente a sociedade e os seus membros dos abusos do indivíduo. Estes dois componentes – o correspondente ao Estado de Direito e o protetor da liberdade individual, e o correspondente ao Estado de Direito e preservador do interesse social mesmo à custa da liberdade do indivíduo – sendo objecto de abstracção conceptual, implicam características opostas.

 

A Magna Carta, consagrando os direitos fundamentais do cidadão, sejam réus sejam vítimas, e sobre os quais se assenta a construção de nossa República, cuidou de prever em seu corpo – e impor ao legislador infraconstitucional –  o dever de nomear os crimes de natureza hedionda em face da necessidade de fazer imperar tratamento diferenciado aos seus autores, não somente com o escopo de ver garantidos os fins de prevenção da norma penal incriminadora (velando pelo não-incentivo à prática de crimes) como também para sujeitar o infrator da lei penal a um tratamento curativo com acompanhamento minudente e em estabelecimento penal adequado à pena e à gravidade do delito. É o que diz o artigo 5º, XLVIII, da Constituição da República.

 

E foi exatamente isso o que fez o legislador infraconstitucional ao nomear os crimes hediondos e outros que lhe são assemelhados, dando cumprimento a preceitos emergentes da Magna Carta, impondo restrições de natureza penal e processual penal a esses infratores em defesa dos interesses basilares nos quais se assenta a construção da República. Aliás, nesse ponto, deve-se ressaltar  que o Direito Positivo em sua essência não se restringe a tutelar, exclusivamente o cidadão processado ou preso, mas também  volta sua atenção à dignidade do  ser humano lesado com o ato delituoso, que deve sofrer juízo de  preponderância sobre todas as outras previsões.

 

Tais hipóteses aqui verificadas incidem sobre aquilo que se denomina direito penal diferenciado. E assim o é não porque diante da dogmática penalista clássica, que tendia a explicitar o direito como neutro e sem observância de valores para simples aplicação do fattispecie. E nem tampouco aquela outra dogmática “pseudovanguardista” que busca nomenclar de crime de bagatela tipos penais de pequeno potencial ofensivo. Ao contrário disso, se opera a aplicação do direito penal diferenciado assim como do direito processual diferenciado justamente porque a própria Constituição Federal cuidou de diferenciar os tipos penais que são mais agressivos às vítimas, à sociedade e ao Estado. É o caso dos crimes qualificados como hediondos.

 

Já houve a teoria distorcida de que o Estado, por meio da Lei de Crimes Hediondos, estaria tão-somente a proteger o patrimônio da classe milionária, já que por tal dogmática exigia-se apenas a proteção da produção. Ora, o que se vê é justamente o lado oposto disso, pois se sabe que as normas existem para implementar as funções do Estado e este age evidentemente para evitar que as pessoas sofram prejuízos respeitantes à sua própria dignidade.

 

A tutela jurisdicional criminal é entendida como a forma pela qual o Estado, por intermédio do Poder Judiciário, aplica as normas penais aos cidadãos. É a aplicação, via processo penal, das interdições prescritas no direito penal. A dogmática jurídica corrente e coerente pressupõe que o Direito Penal estabeleça as ações e omissões proibidas (os delitos – mala proibita) e a conseqüente pena, de maneira geral a toda sociedade, a fim de resolver seus conflitos e estabelecer a paz social e o bem comum.

 

No caso do direito penal e sua aplicação para os crimes hediondos notadamente também é tarefa do operador da lei incrementar uma hermenêutica diferenciada, em que, na realidade, sua obrigação é trabalhar com a jurisdição constitucional, ou seja, utilizando tanto as normas infraconstitucionais como aquelas outras previstas na Lei Maior, tudo isso para dar racionalidade ao sistema jurídico.

 

Ora, cabe aqui relembrar que coexistem duas dignidades a serem tratadas. A primeira é a do réu condenado com sentença transitada em julgado e que exige, em nome disso, o direito à progressão de regime. De outro lado, vem a dignidade da vítima ou de seus familiares que viram sua integridade física, moral e psíquica humilhadas e quase destruídas por conta da ação do réu. Qual dignidade vale mais? E o interesse coletivo? A sociedade não reclama a efetividade do direito repressor? Como poderíamos alcançar essa efetividade na tutela dos direitos do indivíduo e da coletividade, destinatária da proteção do direito repressor, se caminhássemos no sentido de enaltecer a pessoa humana que infringe a norma em detrimento da própria dignidade do ser humano lesado com prática infração penal?

 

O valor fundamental da ciência jurídica é o respeito pela vida humana, mesmo porque, como ensina Celso Lafer “o valor da pessoa humana enquanto conquista histórico-axiológica encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais”[20]. Ora, o direito penal, por sua vez, apresenta como elementos de sua estrutura organizacional a dicotomia lesão-bem jurídico. Há, portanto, neste aspecto, uma interseção ou um ponto comum entre a lei fundamental e a legislação penal, qual seja, a pessoa. Por isso, ao se abordar o fundamento da dignidade da pessoa humana na órbita do direito penal está-se tratando da pessoa como sujeito de direito e nunca no seu antagonismo, objeto de direito[21].

Verifica-se que a própria filosofia do direito[22] passou a ter como valor último da ordem jurídica a pessoa humana, sendo isso possível por dois principais motivos. Primeiro, porque o direito somente encontra fundamentação ou tem existência para regular as atividades e a sociabilidade humanas. Segundo, porque, considerando a análise histórica da humanidade - quase sempre moldada pelas barbáries da exclusão social e guerras - é possível compreender a constante necessidade de concretização da pessoa como sujeito de valores éticos indisponíveis e inalienáveis, dentre os quais se encontra a dignidade da pessoa humana.

 

Lógico ter presente que o conceito padrão de pessoa como valor fundamental é idéia recente que passa a merecer maiores considerações jurídicas ao largo da idade moderna. Frise-se, a tanto, que a concepção de pessoa para os gregos e romanos, assim como para a época medieval era totalmente diversa e incompleta. Para os clássicos o ‘homem’ era tão só um animal que pertencia à República. Para os povos da idade média a idéia já contava com o reconhecimento de um caráter essencial, todavia desprovido de conceito e valoração jurídica, sendo somente atrelado ao cristianismo que passou a abarcar na consideração de pessoa não só o homem, mas também mulheres, crianças, nascituros, escravos, estrangeiros etc[23].

 

Pondere-se, ainda, que o valor da pessoa humana, a despeito de ser compreendido como valor-fonte ou valor-guia e defendido por muitos doutrinadores como eixo do direito, evidentemente encontra seus limites, já que a noção do absoluto dá espaço ao critério relativo quando se observa a pessoa num contexto social. Assim, importante relembrar que o conceito de pessoa laborada pelo individualismo burguês (em que o indivíduo prevalece frente ao grupo social), tanto quanto pela tendência sucessora do transpersonalismo (em relação ao grupo social tem primazia sobre a pessoa), começam a ruir. Hodiernamente, busca-se harmonizar tanto a pessoa quanto ao grupo social, através do que se chama de personalismo. Pietro Perlingieri bem explicita o tema ao asseverar que “é necessário tomar posição contra a concepção que considera o indivíduo como valor pré-social, relevante também na ótica jurídica, prescindindo da relação com os outros. Desse modo, acentua-se o isolamento do indivíduo e dos seus problemas daqueles da sociedade na qual vive, inspirando-se em uma visão individualista não compatível com o sistema constitucional. A tutela da personalidade não é orientada apenas aos direitos individuais pertencentes ao sujeito no seu precípuo e exclusivo interesse, mas, sim, aos direitos individuais sociais’, que têm uma forte carga de solidariedade, que constitui o seu pressuposto e também o seu fundamento. Eles não devem mais ser entendidos como pertencentes ao indivíduo fora da comunidade na qual vive, mas, antes, como instrumentos para construir uma comunidade, que se torna, assim, o meio para a sua realização”[24]

 

Em sendo a dignidade da pessoa humana um valor-guia do ordenamento jurídico, porque é imprescindível sua constante vigilância, atribui-se a ela uma carga de abertura axiológica não fechada, justamente para realizar a tarefa de tutela conforme os ditames do pluralismo vivenciado.

 

Com efeito, a dignidade da pessoa humana sedimenta a idéia de juízo de valor (valor-guia) dos direitos fundamentais, servindo, axiologicamente, como critério hermenêutico ou instrumental para interpretação de todo ordenamento jurídico. Contudo, mais que isso, igualmente se apresenta como fonte jurídica de outros direitos fundamentais. Nesse sentido é importante averbar “o extenso rol de direitos e garantias fundamentais consagrados pelo Título II da Constituição Federal de 1988 traduz uma especificação e densificação do princípio constitucional da pessoa humana (artigo 1º, III). Em suma, os direitos fundamentais são uma primeira e importante concretização desse último princípio, quer se trate de direitos e deveres individuais e coletivos (artigo 5º), direitos sociais (arts. 6º a 11) ou dos direitos políticos (arts. 14 a 17)”[25].

 

Sendo a pessoa a razão de ser do direito, necessária sua proteção contra todo tipo de manifestação tendente a limitar sua existência. Para Ingo Wolfgang Sarlet a dignidade da pessoa humana é: “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” [26].

 

Por isso, a obrigação moral de dizer o direito não está subjugada ao dever de aplicar somente a lei infraconstitucional, porque essa se desvia, em certas ocasiões, do princípio básico de proteção e satisfação de direitos humanos essenciais. A dicção do direito deve-se nortear por razões morais adequadas, cuja eficácia independente do placet exclusivo da lei. Razões morais essas hauridas da dignidade da pessoa humana.

 

Dito isso, é de ressaltar que sendo duas as dignidades a serem tratadas, deverá coexistir um critério de proporcionalidade a ser desvendado. Assim, o Estado, ao aplicar sua punibilidade, em casos de tipos penais hediondos, o faz corretamente, já que a própria Constituição Federal diferencia seu caráter de lesão ao bem jurídico da vítima. A proporcionalidade é dada pela Carta Magna.

 

Nessa linha de raciocínio, vem à tona a lição de Hans Welzel sobre essa missão ético-social do direito penal:

 

“La missión primaria del Derecho Penal no es la protección actual de bienes juridicos, esto es, la protección de la persona individual, de su propriedad, etc. Pues, cuando entra efectivamente  en accion por lo general ya es demasiado tarde. Más esencial que la protección de determinados bienes jurídicos concretos es la missión de asegurar la real vigência (observância) de los valores de acto de la conciencia jurídica; ellos constituyen el fundamento más sólido que sustenta al Estado y la sociedad. La mera protección debienes juridicos tiene sólo un fim preventivo, de carácter policial y negativo. Por el contrario, la missión más profunda del Derecho Penal es de naturaleza ético-social y de carácter positivo. Al proscribir y castigar la inobservancia efetiva de los valores fundamentales de la conciencia jurídica, revela, en la forma más concluyente a disposición del Estado, la vigencia inquebrantable de estos valores positivos de acto, junto con dar forma al juicio ético-social de os cuidadnos y fortalecer su conciencia de premanente fidelidad jurídica[27]

 

Com lastro na lucidez desse pensamento é que se deve compreender o direito repressor, sempre  com a consciência de que as normas penais revelam a essência tutelar dos direitos do cidadão e da sociedade, constituindo-se, num segundo plano, em ato de delimitação da responsabilidade do delinqüente pelo que ato que efetivamente praticou, o que traduz, nesse último aspecto, a função garantidora da tipicidade em face do agente da infração.

 

Impedir que o legislador infraconstitucional estabeleça o sistema da individualização jurisdicional ou judicial da pena cominada ao tipo – com observância do elementar juízo de culpabilidade – acarretará a ruína da missão tutelar do direito penal em face do cidadão, à consideração de que, na ordem jurídica, somente são contemplados os direitos do agente que se conduz em desconformidade com a lei.  Infelizmente, parece que essa tem sido a tônica da interpretação, colocando-se o réu na condição de imaculado sujeito da relação material e processual, enquanto ao cidadão de bem resta o pagamento dessa fatura.

 

Outro aspecto a ser destacado refere-se a efetividade do direito repressor no processo de execução da pena em decorrência de decisão transitada em julgado, no momento em que se coloca em prática o comando inserto na parte dispositiva do ato jurisdicional.

 

 A vontade da lei, individuada na sentença em face do caso específico e concreto, não prescinde do esgotamento desses momentos, passando pela orientação ditada pela norma constitucional e a subseqüente delimitação do poder de repressão do Estado quando da definição dos tipos incriminadores e das regras a serem observadas na individualização da pena em face do princípio da culpabilidade do autor do fato penalmente relevante. Obstar o legislador infraconstitucional de disciplinar os critérios de individualização – notadamente como já dissertado, de ter a aferição da culpabilidade como bússola da repressão, a qual será dosada ou individuada – leva-nos à preocupação de que a resposta estatal ao ilícito não traduza a sintetização de uma quimera categorizada.

 

Nessas condições, não se pode impedir o legislador infraconstitucional de estabelecer a efetividade do poder repressor, tratando de forma diferenciada os que merecem essa distinção, a bem dos interesses do grupamento social, da tutela dos bens jurídicos de relevância. Aliás, volto a insistir que está claro no texto da Magna Carta que a intenção de nosso legislador Maior foi conceder esse mister à legislação que disciplinaria a matéria, na medida em que se pode bem identificar o intento de que aos autores de Crimes Hediondos fosse estabelecido tratamento repressivo diferenciado (artigo 5º, XLIII), e a compreensão de que as penas devem tem seu cumprimento regulado em face da gravidade da infração e da culpabilidade do agente (artigo 5º, XLVIII).

 

Essas considerações também não passaram despercebidas à arguta constatação de Franscesco Antolisei, que, sobre a matéria, pontifica:

 

Per quanto concerne il momento anteriore alla commissione del reato, secondo la doutrina prevalente, la norma penalie si subbietivizza a favore dell Stato, facendo sorgere in questo um vero e proprio diritto soggettivo: il jus puniendi. Sul contenuto de tale diritto, però, vi è grande disparità di vedute, perchê, mentre per alcuni esso  si esaurisce nella pretesa all´omissione del fatto criminoso, avendo così um contenuto puramente negativo, per altri consiste nella pretesa all ´obedienza da parte dei sudditi, all´osservanza delle legge penale, di um diritto soggetivo dello Stato allá própria esistenza conservazione.[28]

 

Ao tratar dos direitos fundamentais no Tema do Direito Processual Penal, leciona Mario Pisani:

Tutto ciò dice riferimento ai principi fondamentali di ogni ordinamento giuridico, cioè alle tavole dei valori Che caratterizzano i vari tipi di società organizzata: valori Che inevitabilmente si riflettono nei codici e nele leggi in matéria penale inquanto típico terreno di incontro e di scontro tra le liberta del singolo e l`autorirà dello Stato[29].

 

Nossa Magna Carta é repositório de garantias, direitos, princípios e deveres, os quais não traduzem normas de exclusiva tutela do cidadão processado. Principalmente, visam à composição perfeita do sistema de regramento dos direitos e deveres do cidadão na ordem democrática que impera em nossa Nação.

 

Assim, com espeque nesses elementares princípios que emergem do regramento Constitucional, verifica-se que a Magna Carta traduz apenas e tão-somente poder limitativo ao legislador infraconstitucional no tratamento da matéria por ela cuidada, sem lhe obstar a disciplina plena do instituto jurídico a ser tratado. Desse modo a Constituição garante Direitos que considera fundamentais para cidadão processado ou mesmo preso (cautelarmente ou em execução de pena), sem prejuízo de que a legislação infraconstitucional estabeleça restrições ou diferenciais (criando direitos e impondo obrigações em conseqüência).

 

Assim, quando deparamos com a questão da individualização da pena no nível constitucional, atentos ao que dispõe o artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal, constatamos que esse dispositivo baliza a atividade do legislador infraconstitucional e não estabelece cerceamento ao poder de disciplinar o procedimento de individualização pelo poder jurisdicional do Estado, objetivando resguardar os direitos que Constituição Federal quis expressamente tutelar, e, conseqüentemente, preservar determinados direitos do condenado, ao vedar, verbi gratia a prisão perpétua, penas cruéis ou desumanas, o banimento, etc.

 

A legislação de regência dos crimes hediondos cuidou, com evidente atenção, da necessidade de que os autores de infrações erigidas à categoria de gravíssimas tenham tratamento diferenciado, objetivando atingir os fins da pena e, principalmente, dar efetividade ao direito repressor, instrumento tutelar dos direitos do cidadão vítima da infração penal e toda sociedade, em face do caráter público das normas penais incriminadoras.

 

Não se pode admitir que a Magna Carta seja repositório único dos direitos do cidadão processado. Não podemos nos esquecer de que os direitos, garantias e deveres consagrados no seu corpo direcionam-se a tutela de todo cidadão, sejam eles réus ou vítimas. Não se pode esquecer ainda do poder tutelar do ordenamento jurídico dos direitos do cidadão, consagrados não-somente na norma penal incriminadora, mas também identificáveis com o estabelecimento de procedimento de individualização que prime pela efetividade do direito repressor. Nesse aspecto da tutela dos direitos do cidadão, tem-se que o direito repressor não se posiciona exclusivamente como instrumento de limitação ao poder de punir do Estado, notadamente porque a consagração de condutas humanas ofensivas a bens jurídicos de relevância social em tipos penais, revela a preocupação de o Estado tutelar os bens jurídicos relevantes do ser humano.

 

A vedação da progressão de regime não vilipendia a garantia constitucional da individualização da pena privativa de liberdade nem o princípio da humanidade da pena, na medida em que o princípio da individualização trilha o caminho do princípio da legalidade. Se o legislador entendeu por bem erigir determinados crimes, de gravidade elevada, à categoria de hediondos, estabelecendo um procedimento de individualização ou fixação da reprimenda diverso daquele previsto para os autores de crimes graves (não-hediondos) punidos com reclusão, na imposição da sanção penal o Magistrado não estará vedando a progressão de regime, mas obedecendo ao comando legal que impõe a execução da pena em regime integralmente fechado.

 

A individualização da pena é matéria cuja disciplina está cometida a legislação federal, nos termos do que dispõe o artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal, cabendo ressaltar que as únicas restrições que a Magna Carta estabelece quanto à competência legislativa da União para edição das normas dessa matéria, encontram-se expressamente consagradas no seu texto. Nesse sentido, proclamou o Ministro Hamiltom Carvalhido que “Não há falar em inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, eis que, para além de ser a edição do direito penal matéria própria da dimensão infraconstitucional (Constituição Federal, artigo 22, inciso I), a norma inserta no inciso XLVI do artigo 5º da Constituição da República defere, também à lei, a disciplina da individualização da pena, que pode assim estabelecer especialmente o regime fechado como integral das penas dos crimes hediondos." (STJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, AgvEsp nº 567.342-SP, publicado no DJU de 28 de junho de 2002, p. 438).

 

Tem-se que o regramento da individualização da pena é estabelecido não só na norma constitucional em destaque, mas também, por deferência desta, na Legislação Federal a qual ficou reservada a competência para a disciplina da matéria.

 

Quando se fala no princípio da individualização da pena, emerge, equivocadamente, a impressão de que a determinação do cumprimento da reprimenda no regime fechado, sem a permissão de progressão meritória, importaria em obstar os fins de ressocialização da sanção penal ou mesmo impor ao condenado uma sanção insuportável. No entanto, os autores de crimes hediondos, que devem cumprir a reprimenda no regime integralmente fechado até que atinjam o quantum de dois terços para o livramento condicional, estão, na realidade, sujeitando-se a um tratamento prisional que busca o acompanhamento, com maior minudência, da evolução do preso no processo de ressocialização, com vistas a sua reinserção na sociedade, sem que isso importe em supressão dos direitos e das garantias do condenado, assegurados na Lei de Execução Penal. Dentre todos os direitos do preso, não se pode esquecer que o condenado, no regime integralmente fechado, tem direito de trabalhar (artigos 28/37 da Lei  nº 7.210/84), e de remir os dias trabalhados para atingir dois terços do cumprimento da pena imposta e obter a concessão do Livramento Condicional (artigos 26/20 da Lei nº 7.210/84).

 

Há, enfim, a instituição do sistema progressivo, não me parecendo que o simples fato de ser obstada a progressão, nos levaria admitir conclusão inversa. Ora, o réu, atingindo o cumprimento de dois terços da pena, revelando mérito para tanto, poderá ter deferido o Livramento condicional. Ressalto, ainda nesse aspecto, que a progressão de um regime para outro menos gravoso, de forma sucessiva, não é elementar à identificação do sistema progressivo.

 

Observe-se, ademais, que no que se refere ao estabelecimento da resposta penal, seja a autores de crimes hediondos, seja a autores de crimes graves (não-hediondos) ou a autores de crimes de menor potencial ofensivo, o legislador leva em consideração a gravidade objetiva da infração e/ou a qualificação subjetiva do autor do delito, como ocorre, verbi gratia, ao ser imposta aos autores de infrações cuja pena seja superior a oito anos o cumprimento inicial no regime fechado (independentemente da consideração quanto à reincidência do réu) e o cumprimento da pena em regime fechado aos reincidentes qualquer que seja a reprimenda aplicada (artigo 33 do Código Penal).

 

Os crimes denominados hediondos e as infrações penais a eles equiparadas foram erigidos à categoria de infrações de elevada gravidade, por ofenderem bens jurídicos selecionados como de maior relevância. Com isso o Estado, além de dever tratar dessas violações com maior rigor, tem a incumbência de velar, de forma efetiva, para que a reprimenda possa atingir seu objetivo de prevenção, retribuição e ressocialização. A sujeição do condenado ao cumprimento de sua pena no regime integralmente fechado importa em estabelecer o efetivo acompanhamento da evolução do preso e de suas reais condições de reinserção social.

 

Assim sendo, quanto à individualização da pena, no âmbito da competência legislativa da União, foram especificadas quatro modalidades de regime prisional (integralmente fechado, fechado, semi-aberto e aberto), cabendo ao aplicador da lei penal, em obediência ao princípio basilar da legalidade, definir a modalidade de regime a ser estabelecido, levando em consideração as diretrizes gizadas na legislação federal competente.

 

Também não há que se falar em ofensa ao princípio da humanidade da pena. Nesse sentido, pontificou o ilustrado Desembargador Kelsen Carneiro que “a continuidade do cumprimento integral em regime fechado também não ofende ao princípio da humanização da pena, pois o condenado por crime hediondo tem direito aos benefícios prisionais próprios do regime fechado (isolamento celular durante o repouso noturno, a atribuição de trabalho de acordo com as aptidões ou ocupações anteriores, o trabalho em serviços ou obras públicas - extramuros – e as permissões de saída), tendo, ainda, direito ao livramento condicional desde que cumpridos 2/3 da pena e não seja reincidente específico.” (TJMG, Rel. Des. Kelsen Carneiro, Apelação Criminal nº 1.0000.00.258810-8/001, publicado em 08.06.2004 – sitewww.tjmg.gov.br).

 

Merece sofrer apreciação o argumento lançado pelos defensores da tese da inconstitucionalidade da vedação de progressão de regime, segundo o qual há contra-senso na Lei dos Crimes Hediondos por negar ela a progressão e por permitir, lado outro, a obtenção do livramento condicional, depois de cumpridos dois terços da pena, pois constituiria esse benefício, segundo alegam, em uma das fases do sistema progressivo.

 

Pelos argumentos aqui já apresentados, a situação não é paradoxal como está sendo sugerida.

 

O livramento condicional não é etapa necessária a ser alcançada no regime progressivo. Trata-se de uma característica do regime progressivo, não essencial, não detectável em todos os casos. Assim entendo, porquanto há situações em que, por expressa vedação legal, está o réu obstado de postular o benefício, nos casos, verbi gratia, em que foi estabelecida sanção inferior a dois anos (Código Penal, artigo 77) e também na hipótese de o sentenciado, em decorrência de não ter mérito para tanto, dever cumprir a reprimenda no regime fechado, o qual, então, será considerado integralmente fechado.

Ademais, como aqui assinalado, o autor de um crime hediondo não perde seus direitos, inclusive o de trabalhar e remir os dias de serviço para alcançar o tempo para obtenção do livramento condicional.

 

Nessa linha de raciocínio, impõe-se concluir que os condenados pela prática de crimes hediondos não mais devem ser mantidos presos em cadeias públicas ou estabelecimentos similares, cabendo ser encaminhados às Penitenciárias disponíveis no Estado, que abrigarão, preferencialmente, os sentenciados nessas condições.

 

Assim exposto, verificando a Lei de Execução Penal, especificamente seus artigos 87/92, tem-se que os presos no regime fechado e no regime integralmente fechado cumprem a reprimenda arbitrada em Penitenciárias, enquanto  os condenados em regime semi-aberto e os que lograram progredir para essa modalidade de regime, cumprem a sanção nas Colônias Agrícolas, estabelecimentos penais cujo ponto de diferenciação substancial é o fato de que, naquelas, o sistema imposto é o de segurança máxima¸ ao passo que, nestas, a segurança é abrandada, notadamente porque os presos em regime semi-aberto revelam estar adaptados ao sistema em que se encontram.

 

Não se pode mais admitir a idéia de que a execução penal dos autores de crimes de elevada gravidade fique sujeita aos desvios que se têm observado quando os presos, sob o argumento de que não há vagas em penitenciárias, acabam cumprindo a pena na própria cadeia pública das comarcas do interior do Estado, sem nenhum acompanhamento, sem observância das regras ditadas pela Lei de Execução Penal, as quais, como já assinalado, tendem a fazer com que o processo de execução se constitua em instrumento de aferição da reeducação do sentenciado. Nesse aspecto, há que se observar que o Código Penal, no seu artigo 59, oferece ao julgador circunstâncias para estabelecer o quantum da pena e seu regime no processo de individualização, o que leva à compreensão de que há necessidade de tratamento desigual aos desiguais, notadamente em consideração à sua culpabilidade do agente e à gravidade do crime.

 

Cabe ainda observar que o regramento estabelecido na Lei dos Crimes Hediondos não se apresenta contrário ou em confronto com as  prescrições do Código Penal – no que se refere ao estabelecimento do sistema progressivo. Pelas razões aqui esposadas, não se trata de revogação das regras gerais por norma especial, mas de implantação de sistema de execução da pena atendendo à inspiração do comando Constitucional  que deferiu ao legislador federal nomear os crimes hediondos e estabelecer as regras de direito material e processual a serem observadas.

 

Pensar em sentido inverso, importaria admitir a incompatibilidade de Leis Especiais com os Códigos Penal e de Processo Penal, notadamente quando instituem regramentos diferenciados na aplicação do direito, como aconteceu recente, verbi gratia, com a introdução de reformas substanciais no procedimento dos crimes instituídos na Lei de Tóxicos. Nesse aspecto ainda em relevo, poder-se-ia ainda questionar a validade das Leis Especiais precedentes à própria Legislação codificada, que estabelece regras diversas daquelas definidas na legislação comum. A legislação especial é de exceção e, por essa característica tem de estabelecer disciplina diversa para regular situações que fogem das regras comuns ditadas pelo Código Penal.

Devo ainda assinalar que a mera especificação dos crimes que se inserem no rol dos hediondos para nada prestaria, se não permitisse que o legislador infraconstitucional estabelecesse o tratamento diferenciado a ser observado quanto aos autores dessas infrações de elevadíssima gravidade.

 

Aliás, como aqui dissertado, a matéria gravita em torno do princípio da individualização da pena e não se pode negar que é a nível infraconstitucional que se estabelece o procedimento a ser observado na aplicação da sanção penal, não estando o legislador infraconstitucional obstado de instituir as formas de execução da pena, levando em consideração a gravidade objetiva do delito e/ou  qualificação subjetiva do autor da infração penal.

 

Sobre o tema, são pertinentes as lições de Rogério Greco, ilustre membro do Ministério Público de Minas Gerais,

 

[...] a nossa Constituição Federal determinou ao legislador infraconstitucional que, por intermédio de um critério de seleção político, regulasse a individualização da pena, o que efetivamente fora realizado quando determinou que os condenados pelas infrações descritas na Lei nº 8.072/90, em virtude da gravidade das crimes ali previstos, teriam de, independentemente de requisitos objetivos e subjetivos, tais como cumprimento parcial da pena e bom comportamento carcerário, cumpri-la integralmente no regime fechado. Esse foi, portanto,o critério adotado pelo legislador para distinguir o cumprimento das penas relativas aos delitos previstos na lei dos crimes hediondos daqueles que estiverem fora do seu rol. Não podemos deixar de relembrar, por oportuno, que houve individualização, ficando os condenados pela prática de crimes elencados na Lei nº 8.072/90 impedidos de progredir de regime, ao contrário daqueles que praticaram, aos olhos do legislador, outras infrações consideradas não tão graves quanto aquelas[30]”.

 

Portanto, é imperioso que se interprete o princípio da individualização da pena à luz do que dispõe a Magna Carta, para que não nos esqueçamos de que a individualização também se estabelece pro societate. Desse modo, não se pode impedir que o legislador competente para editar normas repressores esteja obstado de fixar os parâmetros da individualização a cargo do Poder Judiciário, a qual  objetiva, substancialmente, estabelecer reprimenda que se assente nos princípios da culpabilidade e na proporcionalidade, sendo certo que a imposição de regime prisional mais gravoso aos autores de crime hediondos objetiva dar cumprimento ao mandamento da Constituição Federal (artigo 5º,  XLIII) que expressamente nos leva a compreender que foi uma preocupação de nosso Legislador Constitucional atentar para a  necessidade de se punir com mais rigor tais infratores.

Além da previsão expressa no texto da Magna Carta de que são negados determinados benefícios aos autores  de crimes hediondos, tem-se ainda que não passou despercebido do legislador a necessidade de que os presos, de conformidade com a gravidade do delito perpetrado, sejam levados a cumprir a reprimenda imposta em estabelecimentos distintos. Houve demonstração inequívoca (no texto constitucional) no sentido de se estabelecer tratamento diferenciado aos infratores da norma penal quando da execução da pena, em defesa, nesse aspecto, dos direitos elementares do cidadão brasileiro vítima da infração penal em nome, inclusive, da já falada proporcionalidade dos valores objeto de atenção.

 

Devo ainda frisar que a v. decisão emanada augusto Supremo Tribunal Federal está em colisão com súmula de sua autoria que, expressamente, admitiu sistema progressivo diferenciado aos autores de Crime Hediondos, matéria que foi suscitada e definida pelo Pretório Excelso quando emergiram os debates sobre a revogação da vedação de progressão no regime pela Lei que definiu os Crimes de Tortura (Lei nº 9.455/1997).

 A súmula encontra-se vazada nos termos seguintes:

 

Súmula nº  698 – Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada aos crimes de tortura.

 

Constata-se, sem necessidade de maior esforço, que o Pretório Excelso já declarou reconhecer a validade do comando da Lei dos Crimes Hediondos que impõe o regime integralmente fechado, de forma que foi afastada pela regra sumulada o questionamento quanto à constitucionalidade deste texto legal que, a meu modesto modo de pensar e sentir, encontra-se em conformidade com os princípios e fundamentos insertos em nossa Magna Carta, pelas razões aqui exaustivamente expostas.

 

Por todas essas considerações, tenho que está em pleno vigor o disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, cabendo, nessa parte conclusiva, deixar consignados os pontos em que assenta a pretensão de revisão da matéria julgada na instância recorrida, considerando-se a eficácia limitada (exclusivamente ao caso julgado) da decisão proferida pelo Pretório Excelso no julgamento do Recurso de Habeas Corpus nº 82.959-7/SP:

 

1º) O tema que suscita debate referente à contrariedade ao disposto no artigo 5º, XLVI e XLVII, comporta novas reflexões que levam ao enfrentamento de matérias constitucionais e de índole infraconstitucional ainda não apreciadas pelos augustos Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, especificamente a conformidade da lei infraconstitucional ao que dispõe o artigo 1º, II e III,  e o artigo 5º, XLIII e XLVIII;

 

2º) A decisão proferida pelo Pretório Excelso no julgamento do Habeas Corpus nº  82.959-7/SP  não possui eficácia obstativa do Recurso às Instâncias Constitucionais para o debate quando à vigência do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 e a contrariedade aos dispositivos constitucionais indigitados;

 

3º) A eficácia e validade da Lei dos Crimes Hediondos (artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90) somente poderá ser elidida mediante ação direta de inconstitucionalidade ou deliberação do Senado Federal quanto á suspensão de seus efeitos, fatos não verificados no momento atual;

 

4º ) A decisão exarada pelo augusto Supremo Tribunal, matéria objeto de reflexão nestes autos, encontra-se em flagrante choque com o que dispõe a Súmula  nº  698 emanada desse Sodalício.

 

Desse modo, até que seja declarada sua inconstitucionalidade em ação direita ou que venha sua eficácia a ser suspensa pelo Senado Federal, encontra-se em pleno vigor o disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, razão que leva o Ministério Público do Estado de Minas Gerais a pugnar, perante esse augusto Sodalício Constitucional, a revisão do tema julgado na instância recorrida, para que prevaleçam os termos integrais da Lei Federal em vigor.

Com essas considerações, tenho que a v. decisão colegiada recorrida, proferida pela Terceira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais merece, pois, ser reformada para que seja imposto ao réu Marcelo dos Santoso resgate da reprimenda estabelecida na r. sentença no regime integralmente fechado, encontrando-se evidenciada a contrariedade pelo v. acórdão impugnado, pelos fundamentos nos quais se assenta, à norma inserta no artigo 5º, XLVI e XLVII, da Constituição Federal.

5. Do Pedido

 

Ex positis, requer o Parquet estadual, em nome da sociedade mineira, o provimento integral ao presente Recurso Extraordinário para que seja reformado o v. acórdão ora combatido, impondo-se ao sentenciado cumprir a reprimenda no regime integralmente fechado.

 

N. Termos.

P. Deferimento.

Belo Horizonte, 27 de março  de 2006.

CARLOS HENRIQUE FLEMING CECCON

                                        Procurador de Justiça

 

 

 

Ainda, na mesma linha foi o parecer em pedido de habeas corpus da lavra da Promotora de Justiça do MP/SP designada junto à 3ª Procuradoria de Justiça, dr.ª DORA BUSSAB CASTELO. Vejamos:

HABEAS CORPUS Nº 910.868.3/1-0000-000 - Tribunal de Justiça

Impetrante:Marcelo Willians Santos

Paciente: Valdemar Rodrigues da Silva Filho

Autoridade Coatora: MM.Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais de Bauru

Egrégio Tribunal

Colenda Câmara

Eminentes Julgadores

 

 

Trata-se de Habeas Corpus impetrado por  Marcelo Willians Santos, visando afastar o óbice do regime integral fechado,  para os crimes hediondos, até o julgamento do HC 82.959-7, pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, e isso nos autos do processo de execução do sentenciado Valdemar Rodrigues da Silva Filho (nº 494890), que cumpre a pena de 20 anos de reclusão, pela prática de latrocínio, na Penitenciária Dr. Eduardo de Oliveira Vianna, em Bauru.

 

Alega o Impetrante, que o pedido de progressão ao regime semi-aberto formulado pelo paciente, nos autos de seu processo de execução, foi indeferido pelo MM.Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais de Bauru, em face do disposto no art.2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, que impõe o cumprimento da pena em regime integral fechado, para os crimes hediondos, como é aquele pelo qual foi condenado o paciente.

 

Sustenta o Impetrante, que a imposição de regime integral fechado para os delitos hediondos, feriria o princípio constitucional da individualização da pena, sendo que o STF teria deferido várias liminares, permitindo nestes casos a progressão até o julgamento da matéria, pelo plenário da Corte, nos autos do HC 82.959-7.

 

Invoca, ainda, o Impetrante, o enunciado 17 do Fórum Permanente de Execução Criminal e Administração Penitenciária, sustentando que o mesmo deveria ser observado tal qual estaria ocorrendo com relação ao Enunciado 9 do mesmo Fórum, que tratou da proibição de aparelhos celulares no interior dos  Presídios.

 

Com a inicial foram apresentada a cópia de fls.06, e juntada a FA do paciente as fls.07/10.

 

Indeferida a liminar às fls.12.

Informações prestadas às fls.15/16, acompanhadas da cópia de fls.16.  

É a síntese do necessário. Passo a opinar.

 

Na realidade, segundo noticiado pelo “site” do Egrégio Supremo Tribunal Federal, e amplamente divulgado pela Imprensa, no dia 23.02.06, foi julgado o HC nº 82.959-7, sendo certo que, por 6 votos contra 5, o Plenário do STF reconheceu a possibilidade de progressão para um condenado por crime hediondo.

 

Ocorre que tal v.acórdão foi prolatado em um Hábeas Corpus específico, impetrado em favor de Oséas de Campos, não tendo, portanto, efeito vinculante, e nem produzindo efeitos “erga omnes” (vide doc.em anexo obtido via Internet).

 

Realmente, de acordo com o disposto nos artigos 102, § 2º (com a nova redação introduzida pela emenda constitucional nº 45/2004), e 103-A, (também introduzido pela emenda constitucional 45/2004), ambos da Constituição Federal, somente as decisões de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em ações diretas de inconstitucionalidade e em ações declaratórias de constitucionalidade, bem como as Súmulas por tal Tribunal editadas, produzirão efeitos contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário.

 

Desta forma, em não tendo sido o v.acórdão em questão, prolatado nos autos de ação direta inconstitucionalidade, e nem em ação declaratória de constitucionalidade, e nem tendo sido editada Súmula pelo STF sobre a matéria, é forçoso reconhecer que seus efeitos se circunscrevem aquele caso específico julgado, podendo a questão vir a ser decidida de forma diferente por este Egrégio Tribunal de Justiça, em outros casos que lhe sejam submetidos à apreciação, inclusive neste.

 

Além dos mais,  houve grande divergência jurídica na apreciação da matéria, pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, tendo 5 Ministros se manifestado a favor da constitucionalidade do art. 2º (vide doc.em anexo).

 

Assim, analisando-se agora a questão em si, relativa à r.decisão de Primeira Instância que, neste caso, indeferiu o pedido de progressão, por se tratar de crime hediondo (fls. 16), deve-se registrar, primeiramente, que segundo informes colhidos junto a Suzana Constantino Gasparoto, Escrivã Diretora do Cartório da Vara das Execuções Criminais de Bauru, a execução do paciente é definitiva, já tendo sua condenação transitado em julgado, sendo certo que nem a r.sentença de Primeira Instância, nem o v.acórdão prolatado em grau de apelação, fixaram se o regime fechado estabelecido seria inicial ou integral, podendo, assim, o MM.Juiz das Execuções efetivamente decidir sobre  a matéria.

 

E o fez de forma acertada neste caso, indeferindo o pedido de progressão, posto que em tendo sido o paciente condenado por crime de latrocínio, o art. 2º , § 1º, da Lei nº 8.072/90 proíbe, expressamente, a progressão, impondo o regime integral fechado para o cumprimento da pena, proibição esta que, ao contrário do alegado, não fere o princípio constitucional de sua individualização.

 

Com efeito, a Constituição Federal, ao estabelecer o princípio da individualização da pena, delegou expressamente, à legislação ordinária, a sua regulamentação (art. 5º, inciso XLVI, da CF).

 

Assim, cabe ao legislador ordinário especificar no que consistirá esta individualização.

 

Relativamente aos delitos em geral, a individualização da pena é regulada pelo art. 59 do Código Penal, que permite ao Juiz, com base em várias circunstâncias, decidir sobre qual a pena a ser aplicada, seu “quantum”, sobre o seu regime inicial, e sobre a possibilidade de substituição.

 

Portanto, o “estabelecimento de um regime inicial” de cumprimento da pena, como um dos aspectos da individualização da pena, foi determinado pelo art. 59 do CP, não tendo sido estabelecido pela Constituição Federal.

 

Nada impedia, portanto, que uma outra lei ordinária, viesse a afastar tal aspecto, para determinados tipos de delitos, como ocorreu com a Lei dos crimes Hediondos e equiparados, em seu art.2º, § 1º.

 

Ou seja, a forma de regulamentação da individualização da pena não foi estabelecida pela CF, cabendo ao legislador ordinário fazê-lo, nada impedindo que a individualização seja regulada de forma diversa, para diferentes tipos de delitos.

 

Relativamente aos crimes hediondos e outros a eles equiparados, decidiu o legislador ordinário, que a individualização da pena consistirá na escolha da pena dentre as cominadas, no estabelecimento de seu “quantum” e na decisão a respeito de sua eventual substituição, tendo afastado a possibilidade de um regime “inicial” fechado (art.2º, § 1º).

 

Isto não significa que deixou de existir a individualização da pena, mas apenas que a sua forma de regulamentação, foi estabelecida de maneira diversa da geral, para os crimes hediondos e outros a eles equiparados.

 

Como a CF não proibiu nenhuma forma de individualização da pena, nada impedia que o legislador ordinário, para determinados tipos de delitos, afastasse parcialmente a regra geral do art. 59 e, por conseqüência, a regra do art. 112 da LEP, estabelecendo uma regra especial para individualização de suas penas.

 

No sentido de que a norma do art. 2º,  §1º, da Lei nº 8.072/90, não viola a CF, porque o princípio constitucional da individualização da pena foi relegado pela Magna Carta à regulamentação legal  (art. 5º, XLVI), e porque  a progressão de regime não foi estabelecida em norma constitucional, mas sim em norma infraconstitucional (art. 112 da Lei nº 7.210/84), que pode, portanto, ser afastada por outra, já foram proferidas inúmeras decisões por nossos Tribunais, inclusive pelo Pleno do E.Supremo Tribunal Federal, como se pode, abaixo, verificar:

                                                          

Supremo Tribunal Federal

HABEAS CORPUS

NÚMERO: 79567

ACÓRDÃO MESMO SENTIDO: PROC-HC NUM-0080010 ANO-00 UF-MG TURMA-01 MIN-141 N. PP-011 DJ DATA-18-08-00 PP-00083 EMENT VOL-02000-03 PP-00654

JULGAMENTO: 14/12/1999

E M E N T A

HABEAS-CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTE (Lei nº 6.368/76). SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELA RESTRITIVA DE DIREITOS (Lei nº 9.714/98): INAPLICABILIDADE.

 

1. O preceito ínsito no artigo 44 do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 9.714/98, é regra geral, não podendo ser aplicado à Lei nº 6.368/76, visto tratar-se de lei especial.

 

2. A pena privativa de liberdade por crime previsto na lei de tóxicos, equiparável a crime hediondo, tem que ser cumprida integralmente no regime fechado em face da Lei nº 8.072/90, impossibilitando assim a sua conversão em pena restritiva de direitos.

3. Habeas-corpus indeferido.

OBSERVAÇÃO: Votação: Unânime.

Resultado: Indeferido.

Veja HC-70455, RTJ-152/845.

ORIGEM: RJ - RIO DE JANEIRO

PARTES: PACTE.: PAULO ANDRÉ DIAS DE LIMA IMPTE.: FÉLIX SOIBELMAN COATOR: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PUBLICAÇÃO: DJ DATA-03-03-00 PP-00062 EMENT VOL-01981-04 PP-00783

RELATOR: MAURÍCIO CORRÊA

SESSÃO: 02 - Segunda Turma

 

Supremo Tribunal Federal

HABEAS CORPUS

NÚMERO: 72214

JULGAMENTO: 26/03/1996

E M E N T A

Direito Constitucional, Penal e Processual Penal.

Tráfico de entorpecente. Regime fechado de cumprimento de pena: Constitucionalidade.Nulidades. Provas.

Habeas Corpus".

Alegações de: a) - falta de provas para a condenação;

b) - de nulidade da sentença porque não rubricada em todas as folhas (art. 388 do Código de Processo Penal);

c) - de nulidade do processo, porque não intimado da sentença o paciente, nem para apresentar contra-razoes a apelação do Ministério Publico;

d) - de descabimento do regime fechado de cumprimento de pena.

Alegações repelidas.

1.               (...);

2.               (...);

3.               (...);

 

4. Tendo sido o delito de tráfico de entorpecentes praticado durante a vigência da Lei n. 8.072, de 25.7.1990, correto o acórdão impugnado, ao acolher o recurso do Ministério Público e aplicar o regime integralmente fechado previsto no art. 2., PAR. 1., cuja constitucionalidade já foi reconhecida pelo Plenário do S. T. F.

5. "H. C." indeferido.

OBSERVAÇÃO: VOTAÇÃO: UNÂNIME.

RESULTADO: INDEFERIDO.

INCLUSAO: 31.05.96, (NT).

ORIGEM: PR - PARANA

PARTES: PACTE.: GAETANO VELA IMPTE.: GAETANO VELA COATOR: TRIBUNAL DE ALCADA DO ESTADO DO PARANA

PUBLICAÇÃO: DJ DATA-17-05-96 PP-16322 EMENT VOL-01828-02 PP-00362

RELATOR: SYDNEY SANCHES

SESSÃO: 01 - PRIMEIRA TURMA

 

Supremo Tribunal Federal

HABEAS CORPUS

NÚMERO: 79544

E M E N T A

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. CRIME HEDIONDO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no entendimento de que a Lei 9.455/97 não derrogou a L. 8.072/90, art. 2º, § 1º.

A pena pelo crime de tráfico de entorpecentes, definido como hediondo, deve ser cumprida em regime integralmente fechado.

Habeas indeferido.

ORIGEM: RJ - RIO DE JANEIRO

PARTES: PACTE.: JOSÉ MANOEL DA SILVEIRA IMPTE.: ANTONIO DE PADUA NUNES PEREIRA COATOR: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATOR: NELSON JOBIM

SESSÃO: 02 - Segunda Turma

 

Supremo Tribunal Federal

RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIMINAL

NÚMERO: 187835

ACÓRDÃO MESMO SENTIDO: PROC-HC NUM-0078034 ANO-98 UF-RJ TURMA-01 MIN-141 N. PP-010 DJ DATA-07-05-99 PP-00003 EMENT VOL-01949-02 PP-00259

JULGAMENTO: 26/09/1995

 

E M E N T A

Tráfico ilÍcito de entorpecentes. Não é incompatível, com o art. 5º., inciso XLVI, da Constituição, o disposto no art. 2., par. 1., da Lei n. 8.072-90.

Recurso extraordinário do Ministério Público provido, para que seja integralmente cumprida, em regime fechado, a pena imposta aos recorridos, sem prejuízo do livramento condicional que lhes possa vir a caber.

OBSERVAÇÃO: VOTAÇÃO: UNÂNIME.

RESULTADO: CONHECIDO E PROVIDO.

VEJA HC-69657, RTJ-147/598.

INCLUSÃO: 26.02.96, (ARL).

ALTERAÇÃO: 21.05.99, (MLR).

ORIGEM: SP - SAO PAULO

PARTES: RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL RECORRIDOS: COURI NASCIMENTO DE CASTRO E OUTRO

PUBLICAÇÃO: DJ DATA-16-02-96 PP-03012 EMENT VOL-01816-06 PP-01257

RELATOR: OCTÁVIO GALLOTTI

SESSÃO: 01 - PRIMEIRA TURMA

                                                   

Superior Tribunal de Justiça

ACÓRDÃO: HC 20425/SP (200200051583)

443380 HABEAS CORPUS

DECISÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do "writ" e, nessa parte, denegá-lo. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini e José Arnaldo da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.

DATA DA DECISÃO: 11/06/2002

ÓRGÃO JULGADOR: - QUINTA TURMA

E M E N T A

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. MATÉRIA NÃO APRECIADA.

SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROGRESSÃO DE REGIME. REGIME FECHADO.

I - Se o pedido não foi apreciado em segundo grau, em sede de habeas corpus, dele não se conhece sob pena de supressão de instância.

(Precedentes).

II - Por força do art. 12 do Código Penal, a pena privativa de liberdade por crime previsto na Lei nº 6.368/76 (Lei de Tóxicos), equiparado a hediondo (Lei nº 8.072/90), tem que ser cumprida em regime integralmente fechado. Tal limitação já foi considerada constitucional pelo Pretório Excelso (HC 69.603 e HC 69.657).

Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, denegado.

RELATOR: MINISTRO FELIX FISCHER

FONTE: DJ DATA: 05/08/2002 PG: 00366

 

Superior Tribunal de Justiça

ACÓRDÃO: HC 17141/SP (200100737678)

436984 HABEAS CORPUS

DECISÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, a Turma, por unanimidade, denegou a ordem. Os Srs.

Ministros Jorge Scartezzini, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.

DATA DA DECISÃO: 14/05/2002

ORGÃO JULGADOR: - QUINTA TURMA

 

E M E N T A

CRIMINAL. HC. EXECUÇÃO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. REGIME INTEGRALMENTE FECHADO DE CUMPRIMENTO DE PENA. LEI Nº 8.072/90.

VEDAÇÃO LEGAL À PROGRESSÃO. CONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 9.455/97.

EXCLUSIVIDADE DOS CRIMES DE TORTURA INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. ORDEM DENEGADA.

I. As condenações por tráfico ilícito de entorpecentes, delito elencado como hediondo pela Lei nº 8.072/90, devem ser cumpridas em regime integralmente fechado, vedada a progressão.

II. Constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos já afirmada pelo e. STF.

III. A Lei 9.455/97 refere-se exclusivamente aos crimes de tortura, sendo descabida a sua extensão aos demais delitos previstos na Lei 8.072/90, em relação aos quais é mantida a vedação à progressão de regime prisional. Precedentes.

IV. O art. 1º, § 2º, da Lei dos Crimes Hediondos não ofende ao Princípio Constitucional da Individualização da Pena.

V. Devidamente individualizada a reprimenda, em observância ao Princípio Constitucional da Individualização da Pena, não há qualquer incompatibilidade com a regra do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, sendo que a progressão na execução das penas privativas de liberdade não está inserida dentre os postulados constitucionais.

VI. Ordem denegada.

RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP

FONTE: DJ DATA: 10/06/2002 PG: 00231

 

 

 Tribunal de Justiça de São Paulo

APELAÇÃO CRIMINAL - Tráfico de entorpecente - Prova suficiente para a condenação, consubstanciada em fidedignos depoimentos policiais que se avultam em relação à negativa do apelante - Artigo 14 da Lei n. 6.368/76 que não foi revogado pela Lei n. 8.072/90, tendo sido tão-somente derrogado no que concerne às penas cominadas para o crime do artigo 12 da Lei Antitóxicos - Prova insuficiente, todavia, da ocorrência do delito previsto nesse mencionado artigo 14, mas apta a lastrear majoração das sanções com fundamento no artigo 18, III, desse mesmo diploma legislativo - Constitucionalidade do regime integralmente fechado estabelecido para os crimes hediondos, conforme já pacífica jurisprudência não ocorrendo a extensibilidade, para eles, da estipulação da Lei n. 9.455/97, referentemente ao regime fechado, apenas inicialmente para o crime de tortura - Recurso parcialmente provido(Apelação Criminal n. 287.405-3 - Rio Claro - 3ª Câmara Criminal "JANEIRO/2000" - Relator: Walter Guilherme - 27.01.00 - V. U.)

 

Tribunal de Justiça de São Paulo

ENTORPECENTE - Tráfico - Configuração - Materialidade e autoria demonstradas - Prova - Palavra de policiais - Validade - Depoimentos confirmados por outros elementos de convicção - Pretendida desclassificação para a figura do Artigo 16 da Lei 6.368/76 - Inadmissibilidade - Quantidade e circunstância do flagrante - Indicativos da atividade comercial - Pena - Impossibilidade de substituir a privativa de liberdade por restritiva de direitos - regime prisional integralmente fechado mantido - Recurso não provido. (Apelação Criminal n. 292.680-3 - Osasco - 4ª Câmara Criminal - Relator: Passos de Freitas - 21.03.00 - V. U.)

 

Tribunal de Justiça de São Paulo

AGRAVO EM EXECUÇÃO - Condenação por tráfico ilícito de entorpecentes - Progressão de regime de cumprimento de pena privativa de liberdade - Impossibilidade - Reprimenda cumprida integralmente em regime fechado - Inteligência do artigo 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - Agravo improvido. (Agravo n. 275.813-3 - Pindamonhangaba - 4ª Câmara Criminal - Relator: Haroldo Luz - 14.09.99 - V. U.).

 

 

Finalmente,  deve-se registrar que o Enunciado 17 do Fórum Permanente de Execução Criminal e Administração não pode ser, à evidência,  considerado, pois em se tratando de mera conclusão administrativa, deve se subordinar à supremacia da lei, que proíbe, expressamente, a progressão de regime em crimes hediondos (art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90).

 

Assim sendo, por todas as razões expostas, opina esta Procuradoria de Justiça pela denegação da ordem.

 

São Paulo, 08.03.06

 

DORA BUSSAB CASTELO

Promotora de Justiça Designada junto à 3ª Procuradoria de Justiça

PROPOSTAS DE EMENDA À CF E PROJETOS DE LEI SOBRE CRIMES HEDIONDOS

A questão a respeito do regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos também vem suscitando intenso debate no âmbito do legislativo, como se pode perceber pelas propostas de emendas à CF e projetos de lei visando alterar a Lei nº 8.072/1990, que se encontram disponíveis no site do CACR. Vejamos cada um separadamente:

Projeto do Deputado Fleury é de emenda à Constituição:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 525/2006

(Do. Sr. LUIZ ANTONIO FLEURY e outros)

Altera a redação do art. 5º, XLVIII da Constituição Federal.

AS MESAS DO SENADO FEDERAL E DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, promulgam a seguinte emenda constitucional:

Art. 1º O artigo 5º, inciso XLVIII da Constituição federal passa a vigorar com a seguinte redação:


 “Art. 5º (...)

XLVIII - a lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de liberdade provisória, graça, anistia, indulto ou apelação em liberdade , a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, devendo a pena ser cumprida integralmente em regime fechado, vedada a suspensão condicional da pena privativa de liberdade ou sua substituição por pena de outra espécie; por eles responderão os mandantes, o executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. (NR)”

Art. 2º Esta emenda constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÂO

A proposta procura suprir as graves omissões do atual texto do inciso XLIII do art. 5º da Carta Magna, que propiciaram a réus de grande periculosidade várias brechas para lograrem a impunidade, total ou parcial, levando os tribunais, inclusive o Supremo Tribunal Federal, a conceder-lhes benefícios incompatíveis com a gravidade dos delitos por eles perpetrados, em detrimento dos altos interesses de segurança da sociedade e em benefício do crime organizado.

São as seguintes as modificações ora propostas:

1) Inserção, no texto, da vedação da liberdade provisória, ou seja, daquela figura prevista no par.único do art. 310 do Código de Processo Penal.

Com efeito, não basta proibir a fiança, pois existe outra espécie de liberdade provisória, já mencionada; que, por sinal, é gratuita -, e que tem sido utilizada como válvula de escape para que criminosos de alto coturno respondam em liberdade aos processos que lhes são movidos, continuando tranqüilamente a delinqüir no curso desses mesmos processos.

A proibição da liberdade provisória sem fiança já consta do inc. II do art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos (8.072/90), mas vem sendo questionada sua constitucionalidade perante o Poder Judiciário, diante da omissão do texto constitucional.

Não tem sentido vedar-se a fiança, que é uma liberdade provisória onerosa, por importar dispêndio de dinheiro ou de outros valores, e permitir-se a liberdade provisória gratuita. O Estado não pode proibir um réu de ser posto em liberdade se pagar alguma quantia, e permitir-lhe o mesmo benefício se este for gratuito. Isso é um disparate, além de atentar contra a lógica das coisas.


2) Foi incluído o indulto entre as causas extintivas da punibilidade não aplicáveis aos crimes hediondos e assemelhados. Essa omissão do atual texto também vem acarretando alegações de inconstitucionalidade do inc. I do art. 2º da Lei 8.072/90, que incluiu o indulto.

Não tem o menor sentido impedir-se a graça; que é conhecida como; indulto individual; - e abrir-se a brecha da impunidade permitindo-se o indulto, que é uma graça coletiva.

3) A PEC também procura evitar apelação em liberdade contra sentença condenatória.

A sentença condenatória é um pronunciamento estatal de culpabilidade do réu, devendo ter seu peso devidamente respeitado e prestigiado.

Hoje, a jurisprudência, à luz do §2º do art. 2º da Lei 8.072/90, vem permitindo a apelação em liberdade, nos delitos hediondos e assemelhados, até a réus que responderam presos, por força de prisão em flagrante, a todo o processo.

Ora, igualmente não faz o menor sentido, sob pena de violação do senso comum e geral, manter preso um réu em razão de prisão em flagrante, antes de um juízo condenatório da Justiça Pública, e colocá-lo em liberdade ao ser condenado.

Réus que recebem penas severíssimas em 1ª Instância são postos em liberdade para apelar, para espanto e justificável revolta da sociedade.

4) A PEC procura deixar bem claro que, nos crimes hediondos e assemelhados, a pena deverá ser cumprida integralmente em regime fechado, com isso se evitando a principal válvula de impunidade, que, hoje, é a possibilidade de progressão do regime fechado para o semi-aberto com o cumprimento de apenas e tão-somente 1/6 da pena!

A Lei 8.072/90 já exige regime fechado integral no §1º de seu art. 2º, mas, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, contrariando sua própria jurisprudência e pela escassa maioria de 6 a 5, no julgamento de um habeas corpus R11; sem eficáciaerga omnes, portanto - entendeu inconstitucional esse dispositivo, por atentar contra a garantia, igualmente, constitucional, de individualização da pena (inc. XLVI do art. 5º da CF).

Ora, colocando-se no próprio Texto Maior a exigência do regime fechado integral, estar-se-á afastando os obstáculos ora verificados a uma execução penal mais rigorosa e consentânea com a gravidade dos delitos hediondos e seus assemelhados.

5) Outras inovações da PEC são a expressa vedação do sursis (suspensão condicional da pena privativa de liberdade) e a expressa proibição da substituição da pena privativa de liberdade por outra de espécie diversa.

Essas duas omissões do texto atual igualmente propiciaram toda sorte de abusos, havendo casos, inclusive, de magistrados que substituíram a pena de prisão de traficantes de entorpecentes pela prestação de serviços à comunidade, praticamente convidando tais delinqüentes à continuidade na prática de seus crimes, com a conseqüente prestação de desserviços à comunidade.

Sala das Sessões, em 22 de março de 2006.

Deputado LUIZ ANTONIO FLEURY

Conheça o Projeto de Lei do Ministério da Justiça, que sugere alteração legislativa tendente a conceder progressão de regime para crimes hediondos, cumpridos, todavia, 1/3 ou ½ da pena, em se tratando de réus primários ou reincidentes, respectivamente.

PROJETO DE LEI

Dá nova redação ao art. 2º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5o, inciso XLIII, da Constituição Federal.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1o  O art. 2o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:

  “Art. 2o  ...................................................................................................

II - fiança.

  § 1o  A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.

§ 2o  A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de um terço da pena, se o apenado for primário, e de metade, se reincidente.

 § 3o  Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

§ 4o  A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.” (NR)

Art. 2o  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,

EM nº 00023 - MJ

Brasília, 9 de março de 2006

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

            Submete-se à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei para alterar dispositivos da Lei no  8.072, de 25 de julho de 1990, “que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do artigo 5o, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências”.

2. O Projeto pretende modificar o artigo 2o da Lei no 8.072, de 1990, com objetivo de adequá-la à evolução jurisprudencial ocorrida desde sua entrada em vigor, bem como de torná-la coerente com o sistema adotado pela  Parte Especial do Código Penal e com os princípios gerais do Direito Penal.

3. A proposta de alteração do inciso II do artigo 2o busca estender o direito à liberdade provisória aos condenados por esses delitos, em consonância com o entendimento que já vem se tornando corrente nas instâncias superiores do Poder Judiciário (STF, HC no 69.950; HC 77052 / MG; HC no 79.204; HC no 82.903; HC-QO no 83.173; HC no 84.797-MC; HC no 84.884; HC no85.036; HC no 85.900; HC 87343 MC; HC no 87.424; HC 87438 MC/SP. STJ, RHC 2556/SP; RHC 2996/MG):

          “A gravidade do crime imputado, um dos malsinados 'crimes hediondos' (Lei no 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse dos interesses do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, 'ninguém será considerado culpado ate o trânsito em julgado de sentença penal condenatória' (CF, art. 5., LVII)” (RHC no 68.631, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).

 

4. Dessa forma, preserva-se o poder geral de cautela do juiz, que decidirá se os acusados dos crimes previstos na Lei no 8.072, de 1990, poderão ou não responder ao processo em liberdade. Pretende-se, com isso, evitar os efeitos negativos da privação de liberdade quando, diante do exame das circunstâncias do caso concreto, a medida se mostrar eventualmente desnecessária. 

5. A proposta de alteração da regra do § 1o do artigo 2o da Lei no 8.072, de 1990, procura estabelecer uma forma mais rigorosa de progressão de regime prisional para os condenados por crimes considerados hediondos ou a eles equiparados, diferenciando-os  dos crimes comuns. Com efeito, enquanto a regra geral da Lei de Execução Penal  possibilita a progressão de regime mediante o cumprimento de um sexto da pena privativa de liberdade (artigo 112), a nova proposta é de, nos casos especificados, permitir a  progressão apenas depois de cumpridos um terço da pena, ou a metade, no caso de reincidência. Ou seja, para os crimes hediondos ou equiparados serão duplicados os prazos de progressão adotados para os crimes comuns.

6. Esse aumento dos prazos para progressão de regime responde à necessidade de estabelecer tratamento mais severo para os crimes definidos como hediondos ou a eles equiparados. Contudo, procura-se também equilibrar a proporção de tempo de pena cumprido em cada um dos regimes prisionais, tendo por base o critério temporal já fixado pelo legislador ordinário para o livramento condicional, que é de dois terços da pena (inciso V do artigo 83 do Código Penal, acrescentado pela Lei no 8.072, de 1990). Assim, o condenado por crime hediondo necessariamente passará pelos dois regimes prisionais mais severos - fechado e semi-aberto - antes de poder obter o livramento condicional.

7. Além de aumentar o prazo de cumprimento de pena para a progressão de regime prisional, o projeto ainda determina que a pena aplicada aos crimes hediondos seja inicialmente cumprida em regime fechado. A proposição pretende aumentar o rigor da administração da pena em casos considerados mais graves pela lei penal, seguindo os critérios estabelecidos pela Lei no8.072, de 1990, mas de forma  compatível  com o princípio constitucional de individualização da pena, tal como interpretado pelo Supremo Tribunal Federal, recentemente, no julgamento do Habeas Corpus no 82.959, em que se decidiu o seguinte:

 Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1o do art. 2o da Lei no  8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1o  do mesmo diploma legal - v. Informativos 315, 334 e 372. Inicialmente, o Tribunal resolveu restringir a análise da matéria à progressão de regime, tendo em conta o pedido formulado. Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedação de progressão de regime prevista na norma impugnada afronta o direito à individualização da pena (CF, art. 5o, LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional. Ressaltou-se, também, que o dispositivo impugnado apresenta incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena (Lei no 8.072/90, art. 5o). Considerou-se, ademais, ter havido derrogação tácita do § 1o  do art. 2o da Lei no 8.072/90 pela Lei no  9.455/97, que dispõe sobre os crimes de tortura, haja vista ser norma mais benéfica, já que permite, pelo § 7o do seu art. 1o, a progressividade do regime de cumprimento da pena. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, que indeferiam a ordem, mantendo a orientação até então fixada pela Corte no sentido da constitucionalidade da norma atacada. O Tribunal, por unanimidade, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, já que a decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.” (Informativo STF no 417, de 08 de março de 2006).

8. São essas, Senhor Presidente, as razões pelas quais se submete à elevada apreciação de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei.

Respeitosamente, 

Assinado eletronicamente por: Marcio Thomaz Bastos

O senador Demóstenes Torres também pretende reforma legislativa:

SENADO FEDERAL

Gabinete do Senador DEMÓSTENES TORRES

PROJETO DE LEI DO SENADO N* , DE 2006

Altera o § 1º, do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 para estabelecer regime inicial de cumprimento e condições de progressão de regime para o cumprimento de pena.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º O § 1º, do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a viger com a seguinte redação:

Art. 2º......................................................................................

§ 1º. A pena por crime previsto neste artigo será cumprida em regime inicialmente fechado, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido pelo menos metade dela, se primário, e dois terços, se reincidente, e seu mérito indicar a progressão. (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O aumento sistemático e vertiginoso da criminalidade, principalmente o experimentado nas últimas duas décadas, tem preocupado o povo brasileiro. Tanto assim que a segurança pública é sempre lembrada, em qualquer pesquisa de opinião, como uma das áreas mais sensíveis dos governos.

Autoridades e estudiosos têm se debruçado incansavelmente sobre o tema na busca de instrumentos capazes de solucionar, ou pelo menos minorar, o problema.

 A conduta humana, tipificada como criminosa, recebe variados graus de reprovação e dentre os crimes que provocam maior repugnância estão, sem dúvida, aqueles chamados hediondos. Sensível a isso o constituinte 87/88 fez constar no inciso XLIII, do art. 5º da Carta Magna o seguinte:

ga lei considerar* crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos...

Em decorrência do mandamento constitucional foi promulgada, em 25 de julho de 1990, a Lei nº 8.072, dispondo sobre os crimes hediondos, que, entre outras providências determinou o cumprimento da pena para os crimes nela definidos integralmente em regime fechado.

Recentemente (23/02/2006) o Supremo Tribunal Federal decidiu, no HC 82.959, por apertada maioria (6/5) de votos, pela inconstitucionalidade do parágrafo que se busca alterar com o presente PLS, sob o entendimento de que a disposição nele contida viola o dispositivo constitucional que garante a individualização da pena.

 A decisão, que deverá passar pelo crivo desta Casa para que seja suspensa sua execução, conforme determina o art. 52, inciso X, da Constituição Federal, certamente será acompanhada pela esmagadora maioria dos magistrados brasileiros. Com essa interpretação, pelo menos no que tange à execução penal, autores de crimes hediondos terão o mesmo tratamento dispensado aos criminosos comuns. Doravante, desiguais serão vistos com os mesmos olhos - e sem vendas - em frontal subversão ao mais elementar conceito de Justiça.

Busco, com o presente PLS, restabelecer, ainda que parcialmente, a alquebrada lei dos crimes hediondos, sanando, claro, o vício de inconstitucionalidade apontado pelo Supremo Tribunal Federal.

Em primeiro lugar a propositura determina que a pena por crime hediondo será cumprida em regime inicialmente fechado, independentemente do quantum aplicado. Por ser o crime hediondo, como já dito em linhas passadas, de maior potencial ofensivo, entendo que mesmo quando a pena seja inferior a oito anos há que se fazer distinção destes crimes com aqueles considerados comuns. É intolerável que um autor de crime hediondo receba um pena restritiva de direitos ou, se lhe for aplicada pena privativa de liberdade, comece a cumpri-la em regime aberto ou semi-aberto.

Quanto a progressão para regime menos rigoroso, forma de individualização da pena, o projeto estabelece que ela se dará após o cumprimento de pelo menos metade da reprimenda, quando o apenado for primário, e de dois terços quando reincidente.

Diferencio o primário do reincidente buscando atender as diretrizes da política criminal adotada no Brasil. A reincidência é observada para a aplicação de vários dispositivos do Código Penal, como, por exemplo, para se estabelecer o regime inicial de cumprimento de pena (art. 33, § 2º); para substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito (art. 44, II e § 3º); para agravar a pena (art. 61, I); para a concessão de sursis e livramento condicional (arts. 77, I e 83, I e II); como causa de interrupção da prescrição (art. 117, VI) etc.

Vejo, portanto, como cabível e necessário diferenciar o condenado primário do reincidente. A iniciativa é, sem dúvida, também uma forma a mais de individualização da pena.

Por fim, além do critério objetivo, proponho, que o juiz, para conceder a progressão, analise o mérito o condenado.

Assim senhores parlamentares, estou certo de que a determinação constitucional que exige a individualização da pena está, de sobra, contemplada no presente projeto e por isso concito Vossas Excelências a aprová-lo.

Sala das Sessões,

Senador DEMÓSTENES TORRES

Esclarecimentos do senador: Para evitar que os autores de crimes hediondos passem a ter os mesmos direitos dispensados aos criminosos comuns em relação à execução das penas, o senador Demóstenes Torres (PFL-GO) apresentou o Projeto de Lei do Senado 48/06. A proposta, que tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), pretende corrigir vício de constitucionalidade em um dos artigos da Lei de Crimes Hediondos, o que foi apontado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em recente decisão.

A concessão desse benefício do preso comum ao autor do crime hediondo, que Demóstenes pretende evitar, tornou-se possível depois que o STF declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do art 2º da Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90). No último dia 23 de fevereiro, os ministros do STF, ao analisar habeas corpus impetrado por Oséas de Campos, decidiram por seis votos a cinco que a proibição de progressão do regime de cumprimento de pena previsto na lei para aqueles que cometeram crime hediondo era inconstitucional.

Campos havia sido condenado a 12 anos e três meses de reclusão pelo crime de atentado violento ao pudor, por molestar três crianças entre 6 e 8 anos. A decisão do STF já o beneficia. No entanto, para que o dispositivo considerado inconstitucional pelo Supremo deixe de ter eficácia jurídica, é necessário agora que o Senado suspenda a execução do artigo da Lei de Crimes Hediondos.

O cumprimento da pena "em regime totalmente fechado", previsto na Lei dos Crimes Hediondos, foi exatamente o ponto considerado inconstitucional pelo STF, por violar a determinação da Constituição de que a pena deve ser individualizada. Demóstenes propõe, no projeto, que o condenado por crime hediondo - homicídio qualificado, estupro e atentado violento ao pudor, por exemplo - cumpra a pena, de início, necessariamente em regime fechado. No entanto, dá ao condenado a possibilidade de, por decisão do juiz, após cumprir pelo menos metade da pena, fazer a progressão para regime semi-aberto ou aberto, se for réu primário. O reincidente somente terá esse direito depois de dois terços da pena.

Atualmente, os condenados por crime comum podem requisitar o benefício do regime aberto após o cumprimento de um sexto da pena, se tiverem bom comportamento.A proposta de Demóstenes tenta evitar que, por ser considerado inconstitucional o dispositivo que proíbe a progressão, os condenados pela prática de crime hediondo passem a ter direito ao benefício no mesmo prazo.

- É intolerável que o condenado por crime hediondo receba uma pena restritiva de direitos ou, se lhe for aplicada pena privativa de liberdade, comece a cumpri-la em regime aberto ou semi-aberto - declarou o representante goiano.

Demóstenes Torres considera que, por ser o crime hediondo de maior potencial ofensivo, mesmo quando a pena for inferior a oito anos, há que se fazer distinção com crimes considerados comuns, o que pretende que ocorra com a aprovação do projeto.

 

Geraldo Sobreira / Repórter da Agência Senado



[1]  - Dispõe a Súmula nº 698 (em vigor) – “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”
[2]  -  Sobre os aspectos constitucionais, o tema é discutido no Recurso Extraordinário interposto simultaneamente.
[3]  - É imperiosa a interposição simultânea dos Recursos Especial e Extraordinário tendo em vista que, havendo ofensa tanto ao Texto da Lei Federal quanto ao Texto da Magna Carta, compete às  Instâncias Constitucionais, no seu juízo de prelibação, aferir a prejudicialidade do Recurso Especial em face do Recurso Extraordinário. A não-interposição de ambos os Recursos importaria render ensejo ao não-conhecimento da pretensão recursal, consoante é de entendimento sedimentado nos Pretórios Constitucionais.
[4] - ROXIN, Claus, Problemas fundamentais de direito penal, p. 76, Editora Vega, Portugal, 1976
[5] Celso Lafer, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 118.
[6] Rosa Maria Andrade Nery, Noções preliminares de direito civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 113.
[7] Miguel Reale, Pluralismo e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1963. Tenha-se que a teoria tridimensional do direito é fonte inesgotável de valoração da pessoa, que está acima de tudo.
[8] Edilsom Pereira Farias, Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação: cit. p. 47.
[9] PERLINGERI,  Pietro, Perfis do direito civil – introdução ao direito civil constitucional: cit.,  p. 38.
[10] Edilsom Pereira Farias, Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação: cit. p. 54.
[11] Ingo Wolfgang Sarlet, “Dignidade... cit., p. 60.
[12] - WELZEL, Hans, Derecho Penal Aleman, Editorial Juridica de Chile, 11ª Edição, 1976, p. 13.
[13] - ANTOLISEI, Francesco, Manuale di diritto penale, p. 40., Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1991
[14]  -PISANI, Mario, Appunti di procedura penale, Monduzzi Editore, Bologna, 1992, p. 17.
[15] - Curso de direito penal, Parte Geral, ps 81/82).
[16]  - Dispõe a Súmula nº 698 (em vigor) – “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”
[17]  - Este tema é objeto de apreciação nos autos do Recurso Especial, interposto simultaneamente.
[18]  - É imperiosa a interposição simultânea dos Recursos Especial e Extraordinário tendo em vista que, havendo ofensa tanto ao Texto da Lei Federal quanto ao Texto da Magna Carta, compete às  Instâncias Constitucionais, no seu juízo de prelibação, aferir a prejudicialidade do Recurso Especial em face do Recurso Extraordinário. A não-interposição de ambos os Recursos importaria render ensejo ao não-conhecimento da pretensão recursal, consoante é de entendimento sedimentado nos Pretórios Constitucionais.
[19] - ROXIN, Claus, Problemas fundamentais de direito penal, p. 76, Editora Vega, Portugal, 1976
[20] Celso Lafer, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 118.
[21] Rosa Maria Andrade Nery, Noções preliminares de direito civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 113.
[22] Miguel Reale, Pluralismo e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1963. Tenha-se que a teoria tridimensional do direito é fonte inesgotável de valoração da pessoa, que está acima de tudo.
[23] Edilsom Pereira Farias, Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação: cit. p. 47.
[24] PERLINGERI,  Pietro, Perfis do direito civil – introdução ao direito civil constitucional: cit.,  p. 38.
[25] Edilsom Pereira Farias, Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação: cit. p. 54.
[26] Ingo Wolfgang Sarlet, “Dignidade... cit., p. 60.
[27] - WELZEL, Hans, Derecho Penal Aleman, Editorial Juridica de Chile, 11ª Edição, 1976, p. 13.
[28] - ANTOLISEI, Francesco, Manuale di diritto penale, p. 40., Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1991
[29]  -PISANI, Mario, Appunti di procedura penale, Monduzzi Editore, Bologna, 1992, p. 17.
[30] - Curso de direito penal, Parte Geral, ps 81/82).