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O retorno da Hidra de Lerna

Por: Enéias Xavier Gomes

No espocar dos foguetes e rufar dos tambores anunciado um “feliz 2014”, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou a inédita Resolução 23.396/2013, apresentada pelo Ministro Dias Tofolli, condicionando a instauração de inquérito policial eleitoral à autorização da Justiça Eleitoral. A resolução impede as policias e o Ministério Público de apurarem crimes eleitorais, salvo quando houver autorização judicial. Diante de indícios de crime eleitoral, o Ministério Público e as polícias terão que solicitar (pasmem) ao juiz autorização para fazerem o que fazem cotidianamente: investigação.Ou seja, se o sujeito furta uma galinha, o Delegado instaura inquérito de ofício, mas se o candidato compra milhares de votos, aí é preciso autorização judicial para a apuração. Nada mais democrático e igualitário, não? O Ministro argumentou que a medida visa evitar “apurações secretas”, mas como, se os inquéritos policiais eleitorais são cadastrados no poder Judiciário e autuados na polícia com ciência das partes? O que nos parece cada vez mais secreta é a corrupção eleitoral!

A resolução ressuscita as torpes tentativas de emudecer o Ministério Público que, ao lado da imprensa livre e setores da sociedade civil, tem combatido boa parte da corrupção que assola o país. A medida desconsidera o art.129, VIII, da Constituição Federal, que atribui ao Ministério Público a função de “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial”. Ainda, tratora o código de processo penal (art.5, II) e eleitoral (art.346, §2), como se fosse um legislador soberano.

Na contramão da sociedade, a resolução se aproxima da famigerada PEC 37, aquela que pretendia impedir o Ministério Público e outras instituições de investigar, e que foi aniquilada moralmente pelas vozes das ruas, no já histórico junho de 2013, transformando-se em uma das principais bandeiras do movimento que parou o país.

Nas celebrações do ano eleitoral que se inicia, a Hidra de Lerna da mitologia grega, que se regenerava cada vez que tinha a cabeça cortada, reaparece, mas com ares de maior gravidade, pois o TSE, que deveria velar pelas eleições limpas e que sequer tem poder de legislar, aniquilou instrumentos de investigação em detrimento da moralidade eleitoral.

Na pratica, a resolução impede as instituições de exercerem suas atribuições - ainda que a custa de mais corrupção e impunidade. A medida implica em dispêndio de tempo, enseja o perecimento de provas e condiciona a efetividade no combate à criminalidade eleitoral à boa vontade do juiz. Indagamos: e se o juiz indefere a apuração do crime? Quantos dias levam o julgamento do recurso? Certamente que tempo suficiente para o perecimento da prova, já tão difícil no âmbito eleitoral. E mais: como fica a violação ao sistema acusatório, pois o juiz que autorizou a apuração julgará o processo? O juiz, que não é parte, determina a investigação e depois julga o processo?

Em terras tupiniquins, dever-se-ia dar mais celeridade e garantir rigor às apurações, sobretudo no combate à corrupção eleitoral, tão prostituída no Brasil através do caixa 2, compra de votos, e outras formas cada vez mais criativas. Mas não! A maior corte eleitoral do país tenta enfraquecer justamente quem deveria fortalecer. Como disse o juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral: "O Ministério Público precisa de liberdade para agir e deve ter poder de requisição de inquéritos. Assim é em todo o âmbito da justiça criminal e da apuração de abusos. Não faz sentido que isso seja diminuído em matéria eleitoral. Pelo contrário, os poderes deveriam ser ampliados, porque o MP atua justamente como fiscal da aplicação da lei".

Não falta, obviamente, quem aplauda a medida, afinal, nem todos querem a escolha livre dos representantes do povo, pois preferem continuar ceifando os sonhos, expectativas e amanhãs do brasileiro. E aí, a pergunta central da PEC37 se faz novamente essencial: A quem interessa a resolução 23396/13? E nos fazemos outra: Até quando tentarão vencer o povo pelo cansaço?

* Enéias Xavier Gomes é promotor de Justiça, professor na Universidade de Itaúna e mestre e doutorando pela UFMG.