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A cegueira deliberada na lavagem de dinheiro

Sumário: 1. Aspectos introdutórios; 2. As origens da teoria da cegueira deliberada no direito anglo-saxão; 3. O juízo de certeza na cegueira deliberada; 4. As regras de experiência e a cegueira deliberada; 5. A lavagem de dinheiro, a cegueira deliberada e o elemento subjetivo do agir; Epílogo; Referências bibliográficas.

 

 

1. Aspectos introdutórios

            A responsabilidade penal das pessoas naturais é subjetiva, o que exige a prática consciente e voluntária de uma conduta que se subsuma à descrição típica, exceção feita às situações em que é encampado o elemento normativo da culpa. Além disso, para que esteja presente o concurso de pessoas, é necessário que haja conhecimento da conduta alheia, que se ajusta às elementares do tipo, e voluntária adesão ao seu desenvolvimento. 

            De acordo com a teoria da cegueira deliberada (willful blindness doctrine[1]), a responsabilização será possível ainda que ausente o conhecimento efetivo, o qual cede lugar ao desconhecimento voluntário, que tem por objetivo construir um estado de ignorância que venha a afastar a possibilidade de punição daquele que praticou ou concorreu para a prática do ato. Esse desconhecimento tanto pode ser construído como simplesmente preservado: no primeiro caso, o agente adota medidas que lhe permitam alegar o desconhecimento dos fatos; no segundo, embora os desconhecesse ab initio, poderia facilmente evoluir em entendimento e compreensão, mas opta por permanecer no estado de ignorância. O fim almejado é o de afastar o conhecimento e a voluntariedade que lhe é correlata quando esses fatores configuram o elemento subjetivo da infração penal. De modo simples e objetivo, trata-se de um “esforço calculado para evitar as sanções da lei apesar da violação à sua substância[2]. 

            A aplicação da teoria da cegueira deliberada, na percepção de Bernardo Feijoo Sánchez[3], pode ser vista, sob uma perspectiva dogmática mais clássica, como uma variedade de actio libera in causa, na qual o agente, em uma espécie de “dolo por assunção”, busca se colocar em situação que impeça a sua responsabilização pelo ilícito praticado.

            A compreensão da teoria da cegueira deliberada no âmbito da lavagem de dinheiro exige reflexões em torno de suas origens no direito anglo-saxão, dos contornos estruturais do conhecimento e da forma como é utilizado no âmbito da responsabilização penal, seara em que se leva em consideração, no seu delineamento, o nível de convicção subjetiva do agente e as evidências objetivas que permitem demonstrá-lo.[4] Esse é o norte que atribuímos à análise a ser realizada.

2. As origens da teoria da cegueira deliberada no direito anglo-saxão

            No direito inglês, as origens da doutrina remontam à segunda metade do século XIX. Em Regina vs. Sleep[5], de 1861, bens públicos foram encontrados na posse do réu, o que exigia, para a sua responsabilização criminal, a prova de que tinha conhecimento atual (actual knowledge) a respeito de sua origem. No entender do Tribunal, a condenação poderia ser embasada no fato de o réu se colocar em uma situação de desconhecimento deliberado. A teoria somente voltou a ser invocada em Bosley vs. Davies[6], de 1875. O Tribunal condenou um hoteleiro por exploração de jogo ilegal, já que a polícia encontrara algumas pessoas jogando cartas com apostas em dinheiro, sendo que essas pessoas estavam em uma sala privativa do local. Entendeu-se que o conhecimento atual pode ser aferido a partir da ignorância deliberada por parte daquele que podia impedir a prática ilegal.

            No direito norte-americano, a Suprema Corte da Califórnia invocou a doutrina em People vs. Brown[7], de 1887. No caso concreto, apesar da absolvição do réu, entendeu-se que o conhecimento estaria presente quando o agente suspeitasse do ilícito e deixasse de se inteirar dos fatos, de modo a manter o seu desconhecimento. Em Spurr vs. U.S.[8], de 1899, a Suprema Corte norte-americana decidiu que a cegueira deliberada atendia à exigência de actual knowledge. O presidente de instituição financeira era acusado de ter certificado a existência de fundos, em favor de uma empresa, que veio a emitir cheques. Como os fundos não existiam, os cheques não foram honrados. Em sua defesa, argumentou o réu que apenas acreditou nas informações que lhe foram repassadas por outros funcionários da instituição, as quais eram inverídicas, tendo atuado, portanto, de boa-fé. A Suprema Corte, nesse caso, apesar de ter reconhecido a nulidade da condenação por razões processuais, ressaltou que o dolo pode ser presumido caso identificada uma ignorância propositada a respeito da existência dos fundos ou se o agente simplesmente permanece indiferente em relação ao seu munus de realizar a devida verificação. A partir de então, a willful blindness doctrine passou a ter larga aplicação no direito norte-americano, principalmente em casos de crime falimentar; de afronta à livre competição, com base no Elkins Act, de 1903; a partir da década de setenta do século XX, no combate ao tráfico ilícito de substâncias entorpecentes; entendendo-se a uma pluralidade de crimes distintos[9].

            Em razão desse entendimento a respeito do dolo, há muito sedimentado no direito anglo-saxão, o Código Penal Modelo (Model Penal Code), editado em 1962, pelo American Law Institute, com o objetivo de estimular a padronização da legislação penal dos Estados, passou a dispor expressamente sobre a matéria no § 1.13 (General Definitions), capítulo 2.02 (General Requirements of Culpability), item 7. De acordo com esse preceito, a “exigência de conhecimento é satisfeita pela elevada probabilidade de conhecimento. Quando o conhecimento da existência de um fato particular é elemento de um ilícito, esse conhecimento está presente se uma pessoa está ciente da grande probabilidade de sua existência, a menos que atualmente acredite que o fato não existe”. Essa definição de conhecimento terminou por ser expressamente encampada pela Suprema Corte em Leary vs. U.S.[10]. No caso concreto, Timothy Leary, professor e ativista, fora condenado com base no Marihuana Tax Act, de 1937, por estar transportando, de modo consciente, maconha importada ilegalmente, com conhecimento de que fora importada ilegalmente. De acordo com a lei (§ 176), a posse desse entorpecente era suficiente para embasar a acusação de importação ilegal, a menos que a razão dessa posse fosse explicada de modo satisfatório para o júri. A Suprema Corte, no entanto, considerou a norma inconstitucional, em razão da impossibilidade de se afirmar que a maior parte dos usuários de maconha estava consciente da grande probabilidade de que a maconha tenha sido importada. Poucos meses depois, em Turner vs. United Sates[11], o Tribunal invocou a ignorância deliberada e o disposto no Model Penal Code, para decidir que traficantes de heroína inevitavelmente tem consciência de que o produto é contrabandeado, “a menos que coloquem em prática uma ignorância estudada, à qual não têm direito”.

            Na linha evolutiva da willful blindness doctrine, observa Robbins[12] que os Tribunais americanos se distanciaram do objetivo de estabelecer uma correlação entre ignorância deliberada e conhecimento, passando a adotar uma definição expandida de conhecimento, de modo a incluir a ignorância deliberada.

            Em U.S. vs. Jewell[13], de 1976, a Corte de Apelação do Nono Circuito lançou novas luzes sobre a temática. A partir de então, as instruções ao júri a respeito da ignorância deliberada passaram a ser conhecidas como “Jewell instructions[14]. No caso concreto, Jewell foi acusado de conscientemente ter a posse de uma substância controlada com a intenção de distribuí-la, já que atravessara a fronteira mexicana com 50 quilos de maconha, escondidos em um compartimento secreto na mala do seu carro. As circunstâncias, portanto, indicariam que Jewell tinha actual knowledge a respeito da presença da maconha. No entanto, também existiam evidências de que Jewell fora abordado por um estranho, em um bar mexicano, ocasião em que foi convidado a fumar maconha e acolheu a proposta de receber cem dólares para que dirigisse um carro até os Estados Unidos e o deixasse em um local determinado. Desse modo, não teria conhecimento atual do conteúdo do compartimento, já que, de modo deliberado, evitara esse conhecimento na esperança de escapar da condenação caso o entorpecente fosse descoberto. No julgamento, Jewell postulou que o júri fosse instruído no sentido de que apenas o actual knowledge poderia embasar a condenação, o que foi negado, sendo igualmente apresentada a ignorância com o objetivo consciente de eximir-se de responsabilidade. Jewell foi condenado, o que foi confirmado pela Corte do Nono Circuito, que estatuiu uma tripla argumentação para igualar a ignorância deliberada ao conhecimento positivo: a teoria está sedimentada no direito norte-americano; a justificativa substantiva é a de que ambos são igualmente culpáveis, sendo a ignorância deliberada uma estratégia de defesa para aqueles que traficam drogas; e, no senso comum, diz-se que alguém “conhece fatos” em relação aos quais não se está absolutamente certo. O conhecimento, portanto, abrange tanto a ignorância deliberada como o conhecimento positivo, sendo adotado o padrão do Model Penal Code.

3. O juízo de certeza na cegueira deliberada

            David Hume[15] defendia a necessidade de distinguirmos três espécies de razão humana: “a que resulta do conhecimento, a que resulta das provas e a que resulta das probabilidades”. 

            O conhecimento decorre da certeza que nasce da comparação de ideias, sendo que a certeza – e aqui nos socorremos de Malatesta[16] – surge quando os motivos convergentes a determinado entendimento superam por completo os divergentes, que não são dignos de ser levados em consideração. Afinal, não se harmonizam com a unidade objetiva da verdade.    As provas são os argumentos obtidos da relação de causalidade e que são inteiramente livres de dúvida e incerteza, o que, a contrario sensu, também atrai o juízo de certeza, embora seja originário não da comparação, mas da relação entre causa e efeito. 

            Por fim, a probabilidade é a evidência ainda acompanhada da incerteza ou, na precisa percepção de Malatesta[17], a situação em que os motivos convergentes a certo entendimento superam os divergentes, embora não sejam suficientes para suplantá-los por completo. Na medida em que tanto os motivos convergentes como os divergentes são dignos de serem levadas em consideração, tem-se uma distinção em relação à certeza, que desconsidera por completo as divergências, repudiando-as. 

            A probabilidade apresenta gradações, aumentando conforme cresçam os motivos convergentes e diminuam os divergentes, sendo a recíproca verdadeira. Quando a probabilidade alcança nível máximo, mas sem se transmudar em certeza, fala-se que algo é probabilíssimo; em nível médio, que é provável; e, em nível mínimo, que é simplesmente verossímil[18]. A certeza, no entanto, por se identificar com a verdade, não comporta gradações.  

            A razão humana, na perspectiva de Hume, é desenvolvida a partir de uma realidade, sendo igualmente a base sobre a qual se desenvolvem as reflexões de Malatesta. Essa realidade pode ser explicada enquanto fato ou em potência, conforme tenha efetivamente ocorrido ou se mostre meramente possível. Daí se afirmar que “o que é possível ontologicamente, que pode ter tido vida no mundo da realidade, é logicamente crível no mundo do espírito, porque pode ter sido reputado objeto real do conhecimento[19].

            A realidade enquanto fato, efetivamente ocorrida, não meramente idealizada, se relacionará de distintas maneiras com a razão humana. Na expressiva síntese de Malatesta[20], é possível termos um estado de ignorância, caracterizado pela ausência de qualquer conhecimento; um estado de dúvida em sentido estrito, no qual temos um conhecimento alternativo, em que o sim e o não são devidamente considerados, daí surgindo a mera credibilidade; um estado de probabilidade, em que o sim supera o não em distintas gradações, daí decorrendo um conhecimento afirmativo; e um estado de certeza, no qual se identifica um conhecimento afirmativo triunfante, que busca se identificar com a verdade no plano ôntico.

            A teoria da cegueira deliberada, ainda que seja associada ao juízo de probabilidade em sua origem anglo-saxã, mais se afeiçoa ao juízo de certeza em relação ao elemento subjetivo do agir. Assim ocorre porque o comportamento adotado pelo agente denota o voluntário objetivo, consoante as regras de experiência, de dissociá-lo de um ilícito, assumindo, de modo indubitável, o risco de sua ocorrência. A referência à probabilidade está associada ao processo formativo das regras de experiência, não se confundindo com a certeza decorrente da adesão do agente ao resultado ilícito. 

            No extremo oposto ao da certeza, temos o que é ontologicamente impossível. Por tal razão, “certeza e incredibilidade são, portanto, duas faces do mesmo conhecimento humano, a face positiva e a face negativa”, logo, “o incrível é, assim, um estado subjetivo, gerado de outro estado subjetivo, que é a certeza[21].

4. As regras de experiência e a cegueira deliberada

Na compreensão da realidade, apresentam grande relevância as regras de experiência, que nada mais são que zonas de convergência a respeito dos efeitos decorrentes de certos acontecimentos verificados no ambiente sociopolítico. Como já tivemos oportunidade de afirmar[22], a grande dificuldade enfrentada é a de evitar que juízos de valor surgidos a partir da intuição do indivíduo, que somente encontram sustentação em seus pensamentos e convicções pessoais, sejam considerados como delineadores dessas regras. Posturas puramente intuitivas e que se desprendem da base sociológica terminam por estimular a irrupção de conflitos em relação a todos aqueles que pensam de modo diferente, configurando uma fonte de instabilidade. Identificada a funcionalidade das convicções pessoais, ponto de partida, não propriamente fim dos juízos de valor, é necessário aferir a correção das crenças fáticas, vale dizer, o modo pelo qual o intérprete apreende e considera a realidade, pois é justamente ela que oferecerá a base de sustentação dos valores. A partir dessa relação entre o real e o axiológico será possível aferir a racionalidade do iter percorrido pelo intérprete, distanciando-se, desse modo, do imaginário e das pré-compreensões. A existência de valores objetivos e, consequentemente, de valores objetivamente melhores que outros, está associada à identificação de uma convicção geral a respeito de sua existência e consequente aceitação no ambiente sociopolítico, exigindo a presença de uma concordância generalizada sobre certas questões tidas como relevantes.[23] Essa intersubjetividade axiológica, por sua vez, além de exigir a observância dos referenciais de plausibilidade, verificabilidade e, principalmente, de viabilidade de consenso,[24] pressupõe a devida consideração e compreensão de todos os fundamentos tidos como relevantes, o que permitirá aferir se as conclusões serão efetivamente aprovadas pelos membros da coletividade.  

            A sociedade pluralista, sensível aos referenciais de tolerância que preconizam a “igualdade dos diferentes”, embora não seja necessariamente uma sociedade fragmentada e multiética, nem sempre apresentará, de modo espontâneo e particularmente acentuado, aqueles laços visíveis de união que permitem a formação do consenso, conceito ontologicamente conexo à uniformidade e à coesão.[25] A própria concepção de consenso, se imposto ou meramente conhecido, se máximo ou mínimo, está, com escusas pela tautologia, longe de alcançar um consenso.[26] Não é por outra razão que Hampshire[27] sustentava que não se deveria procurar por consenso em uma sociedade, mas, sim, por conflitos aceitáveis e inelimináveis, bem como por um controle racional das hostilidades, o que permitiria delinear a sua verdadeira base moral.

            A extensão dos laços visíveis de união exigidos para a formação do consenso tanto pode facilitar, como inviabilizar, qualquer atividade cognoscitiva voltada à sua obtenção. Essa extensão pode ser visualizada sob duas óticas, uma qualitativa, outra quantitativa. No primeiro caso, a base de valoração passível de ser identificada é analisada em seus contornos essenciais, a partir do objeto, que pode ser visto sob a ótica do status que ostenta (v.g.: valores, princípios ou regras, fundamentais, como a dignidade humana e a democracia, ou não), do procedimento, da motivação ou do resultado. No segundo caso, o quantitativo, tem-se a abrangência em que se manifesta a convergência dos atores sociopolíticos a respeito das bases de valoração, o que pode ser exigido em relação a uma extensa área (“broad area of agreement”) ou, apenas, a respeito de certos pontos, considerados nodais e imprescindíveis à caracterização de uma situação de convergência, como é o caso da dignidade humana ou outro princípio tido como fundamental (v.g.: a justiça social). Consoante a intensidade da convergência exigida, será possível falar em consenso máximo ou em consenso mínimo.[28] Uma sociedade, qualquer que seja ela, somente pode ser considerada como tal enquanto apresentar alguns pontos básicos de convergência, daí derivando a sua coesão e continuidade.

            Invocar a existência de pontos básicos de convergência implica reconhecer, a contrario senso, que a sociedade é divergente em sua própria essência, não passando ao largo das conflitualidades, o que bem realça a importância do pluralismo e da tolerância que lhe é correlata. Malgrado divirja sobre a existência de Deus e o sentido da vida, a essência da concepção de justiça e sobre os próprios limites da tolerância e do pluralismo, a sociedade não deixa de ser identificada como tal.[29] O consenso, embora não chegue a assumir contornos propriamente utópicos (o processo de comunicação linguística, por exemplo, seria absolutamente inviável se a conexão entre significantes e significados não encontrasse ressonância em convenções intersubjetivas aceitas por todos os participantes), não pode ser considerado algo fácil de ser obtido nas sociedades pluralistas. A “teoria consensual da verdade”, de Habermas,[30] partindo dos referenciais de intersubjetividade e racionalidade, restringe a força criadora da verdade ao consenso de todos, terminando por fincar as suas bases de sustentação em um consenso universal que dificilmente será obtido. Em qualquer caso, conceitos voláteis como o de verdade, além de não prescindirem do referencial de intersubjetividade, sempre terão o seu delineamento influenciado pela escolha da base empírica que se entende deva sustentá-la e pela argumentação desenvolvida.

Ainda existem inúmeras outras classificações e fundamentos teóricos para a ideia de consenso, as quais, embora prosélitas da convergência de entendimentos, assumem feições distintas em relação ao procedimento a ser observado para a sua obtenção e aos fins pretendidos. O consenso majoritário ou consensus omnium, de Fraenkel,[31] se forma no âmbito do pluralismo democrático e tem por objetivo legitimar as decisões a serem tomadas pelas maiorias ocasionais. Enquanto manifestação da “soberania popular” (Volkssouveränität), pressupõe igualdade perante a lei, direitos de liberdade válidos e operativos, imparcialidade partidária da jurisdição e obediência ao procedimento democrático e às “regras do jogo” (Spielregeln). O consenso subordinado (underlying consensus), de Robert Dahl,[32] reflete uma espécie de base comum de assentimento entre os distintos grupos políticos existentes, antecedendo a própria política. As disputas políticas passam a ser resolvidas de modo a assegurar uma composição entre os diversos interesses, o que assegura a viabilidade política do poder. O consenso de sobreposição (overlapping consensus) de Rawls[33] busca demonstrar, em complemento às teses lançadas em sua célebre Teoria da Justiça, que o consenso a respeito da concepção de justiça social, embora não possa ser ampliado, de modo viável, em relação a outras esferas da moral, pode ser justificado de distintas maneiras, que se sobrepõem entre si e alcançam o mesmo resultado. 

            A identificação do consenso exigirá que sejam definidos os fatores de revelação a serem considerados. Um primeiro fator, necessariamente atrelado ao processo homônimo conducente à sua obtenção, é a imposição normativa: o consenso derivaria da ordem jurídica, sendo identificado pelo teor da norma jurídica. Um segundo fator pode ser obtido a partir da apreensão da realidade sociopolítica, demonstrando-se a presença de comportamentos passíveis de comprovação empírica. Um terceiro fator, que faz uso da racionalidade característica do grupamento, encontra-se lastreado em alicerces nitidamente historicistas, sendo invocadas aquelas presunções de consenso que se mostram plausíveis no imaginário coletivo. Os dois últimos fatores estão nitidamente associados ao consenso enquanto evento naturalístico, sendo um deles materializado na realidade apreendida e o outro na realidade presumida.

            É justamente o consenso enquanto evento naturalístico que dará corpo às regras de experiência que servem de alicerce à teoria da cegueira deliberada. A partir dessas regras de experiência se tornará visível que o desconhecimento, construído ou zelosamente preservado, tinha o objetivo de subtrair o agente da responsabilização pela lavagem de dinheiro. À guisa de ilustração, pode-se mencionar a nota interpretativa do GAFISUD (Grupo de Acción Financiera de Sudamérica) à Recomendação nº 1[34], que versa sobre a avaliação de risco pelas instituições financeiras. De acordo com item B.8, devem ser adotadas “medidas apropriadas” para identificar e avaliar os riscos de lavagem de ativos, incluindo clientes (rectius: beneficiários efetivos[35]), países  ou áreas geográficas, produtos, serviços, transações e canais de envio de recursos. Estas operações devem ser documentadas, permitindo a identificação da análise realizada, além de ser estabelecido um canal adequado de comunicação com as autoridades. A natureza e o alcance dessas avaliações devem guardar correlação com a natureza e a dimensão da atividade comercial. Para a realização desses objetivos, as instituições financeiras devem contar com políticas, controles e procedimentos que lhes permitam administrar e mitigar com eficácia os riscos que tenham identificado.

            A opção de simplesmente não adotar medidas apropriadas de identificação e avaliação de risco, não documentar as operações e realizar avaliações que tangenciam a linha imaginária da incredulidade, não mitigando risco algum, certamente produzirá o efeito de manter a instituição financeira e seus agentes a latere da origem ilícita dos recursos que venham a receber. Caso todas as medidas de caráter ordinário, compatíveis com a atividade desenvolvida, sejam adotadas, as suspeitas se desvanecerão e não será passível de invocação a teoria da cegueira deliberada. Caso não o sejam, a própria concepção de movimentação suspeita perderá a sua razão de ser, já que o desconhecimento voluntário caminha em norte contrário à realização de um juízo de valor dessa natureza, que é um dos pilares do sistema de combate à lavagem de dinheiro. 

Não é demais lembrar que a lavagem de dinheiro (Geldwäsche) é “a parte central da criminalidade organizada[36], sendo o sistema financeiro um dos instrumentos mais importantes para a sua efetivação. Essa constatação bem demonstra a necessidade de a interpretação dos institutos andar de braços dados com a realidade.  

            Uma vez identificado e contextualizado no âmbito naturalístico, não impositivo, o consenso estará necessariamente suscetível às modificações do contexto sociopolítico, que podem se manifestar nos planos (1) temporal, (2) pessoal ou (3) espacial, indicando, respectivamente, as alterações valorativas que se manifestam com o fluir do tempo, as modificações no quadro de atores sociopolíticos a serem levados em consideração na identificação dos pontos de convergência, e a base física que delimita a amostragem da base valorativa que alicerça o consenso. Na compreensão da importância dessas modificações, deve ser considerado o quão intensa é a permeabilidade do consenso, exigindo seja identificado se estamos perante áreas de convergência que poderíamos denominar de abertas ou fechadas. No primeiro caso, tem-se a flexibilidade do consenso, que se compatibiliza com sua compreensão enquanto evento naturalístico. No segundo, o seu enrijecimento e consequente insensibilidade axiológica, só sendo admitida a sua alteração a partir de nova imposição normativa. A constatação da estabilidade ou de eventuais alterações do consenso, além de condicionada à capacidade do dinamismo social em produzir pontos de dissenso, exigirá uma constante reapreciação dos fatores de revelação anteriormente referidos.

5. A lavagem de dinheiro, a cegueira deliberada e o elemento subjetivo do agir

            A lavagem de dinheiro tem sido concebida em uma perspectiva trifásica[37]: (a) a primeira fase é a da colocação (placement), na qual os valores de origem ilícita são inseridos no sistema, nele circulando e paulatinamente se distanciando da origem ilícita, a exemplo do que se verifica com a aquisição de bens, como imóveis e joias[38]; (b) a segunda fase é a da ocultação ou dissimulação (layering), na qual são celebrados negócios jurídicos com o objetivo de encobrir a origem ilícita, a exemplo da transferência dos valores para uma pluralidade de contas[39]; e (c) a terceira fase é a da integração (integration), em que os valores de origem ilícita adquirem a aparência de ilicitude, o que se dá com a prática de atos lícitos, a exemplo da compra de bens, completando o ciclo da lavagem de dinheiro. Essas fases nem sempre serão integralmente percorridas para que seja alcançado o objetivo da lavagem de dinheiro, o de conferir aparência de licitude a bens, direitos e valores obtidos com a prática de infração penal. A lavagem de dinheiro pode ser vista como crime que, embora autônomo, é derivado de uma infração penal antecedente, do qual o agente não precisa ter participado[40].

            A Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, adotada em Viena, em 1988,[41] dispôs sobre a obrigação de os Estados-partes criminalizarem a lavagem de dinheiro proveniente do tráfico, tendo recebido forte influência do Money Laudering Control Act norte-americano, de 1986.  De acordo com o art. 3º, 1, b, da Convenção, os Estados-partes devem adotar as medidas necessárias à tipificação, como infrações penais, das condutas que importem em lavagens de ativos, “com conhecimento de que eles provêm” do tráfico.

            A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova Iorque, em 2000,[42] também conhecida como “Convenção de Palermo”, dispôs, em seu art. 6º, a, i e ii, sobre a necessidade de os Estados-partes criminalizarem a lavagem de ativos quando o agente “tem conhecimento de que esses bens são produto de crime”.

            A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada em Mérida, em 2003[43], estatuiu, em seu art. 23, 1,  a e b, que os Estados-partes deveriam adotar as medidas necessárias para qualifica como delito a lavagem de ativos “sabendo-se que esses bens são produtos de delito”.

            Vale lembrar que as Convenções de Viena (art. 3, 3), Palermo (art. 6, 2, f) e Mérida (art. 28) dispõem, em termos similares, que o conhecimento, a intenção ou a finalidade requeridos, como elementos do crime de lavagem de dinheiro, podem ser inferidos das circunstâncias objetivas do caso.

            Essas convenções refletiam uma zona de consenso mínimo entre os sujeitos de direito internacional que as celebravam, a respeito da condutas que deveriam ser criminalizadas. Não excluíam, obviamente, que outras mais fossem criminalizadas pela legislação interna ou mesmo que o significante “conhecimento” viesse a sofrer interpretações condizentes com a realidade em que deveria se projetar. Em outras palavras, o reducionismo que a lógica binária do conhecimento x desconhecimento traz consigo não é compatível com uma pluralidade de potenciais significados intermédios, incluindo o desconhecimento involuntário e o desconhecimento voluntário, que pode ser subdividido em construído ou preservado.[44]

            No âmbito do Conselho da Europa, merece destaque a Convenção  sobre Lavagem de Dinheiro, Busca, Apreensão e Confisco dos Produtos do Crime, adotada em Estrasburgo, em 1990, que ampliou o rol de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro e contou com a participação de países não europeus, como a Austrália, o Canadá e os Estados Unidos. Além disso, previu, em seu art. 6º, a, 3, a possibilidade de cada Estado parte criminalizar as condutas dolosas nos casos em que o sujeito “deveria ter presumido que os bens eram produto de um delito”. A Convenção de Estrasburgo foi sucedida pela de Varsóvia, de 2005, que passou a disciplinar as medidas de prevenção e repressão à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. De acordo com o item 1 do seu art. 9º, cada Estado-parte deve adotar providências para a coibição de atos de lavagem de dinheiro “praticados intencionalmente”,  tendo o item 3 acrescido que o mesmo deveria ocorrer quando o ofensor “suspeitou que a propriedade era ilícita” ou “deve ter assumido que a propriedade era ilícita”.

            A Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, por ocasião do XXII período ordinário de sessões, aprovou, em junho de 1992, o Regulamento Modelo sobre os Crimes de Lavagem de Dinheiro relacionados ao Tráfico Ilícito de Drogas e outros Crimes Graves, elaborado por um grupo de peritos, que periodicamente o atualiza. De acordo com o seu art. 2º, as condutas serão tipificadas como lavagem de dinheiro quando praticadas com dolo direito (sabendo-se) e dolo eventual (ignorância intencional), bem como com imprudência (devendo saber), ressaltando-se que esta última modalidade, de contornos culposos, deve seguir os padrões de cada Estado-membro da Organização. Vale lembrar, como ressaltado por Eduardo A. Fabián Caparrós[45], que “el castigo del blanqueo imprudente no constituye una prioridad en el marco internacional”.

            Estas últimas iniciativas se ajustam a uma realidade cambiante e multifacetária, na qual infratores em potencial buscam redutos para práticas ilícitas, de modo a eximir-se da responsabilização pelos atos praticados. Sensível a essa constatação, no julgamento da AP nº 470/DF (Caso Mensalão), a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal reconheceu a compatibilidade do dolo eventual com a redação da Lei nº 9.613/1998 vigente à época dos fatos[46] e, como muito maior razão, após a alteração que a Lei nº 12.683/2012 promoveu no art. 2º, § 2º, I. De acordo com a redação original desse preceito, incorreria na mesma pena daquele que praticou a conduta do art. 1º quem utilizasse, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que soubesse ser provenientes dos crimes indicados. Com a alteração, foi suprimida a exigência de conhecimento da origem ilícita, além de ser previsto que qualquer infração penal poderia configurar o ilícito antecedente. Acresça-se a não utilização, nos tipos penais dos arts. 1º e 2º, de qualquer expressão que possa restringir a configuração da lavagem de dinheiro ao dolo direto, o que indica ser possível a sua prática com o dolo eventual[47].

            Não é incomum argumentar-se que a admissão do dolo eventual no crime de lavagem de dinheiro importaria em uma carga excessiva aos agentes que atuam no setor financeiro, já que, com exceção das situações em que a licitude da relação jurídica que originou os valores seja patente, todas as demais seriam suscetíveis de oferecer indícios de ilicitude.[48] Esse aspecto seria potencializado pela falta de informações a respeito de sua origem e, mesmo com a adoção das medidas de verificação exigidas pela normativa vigente, ainda haveria espaço para a dúvida que a mera suspeita da ilicitude traz consigo.

            Em relação a essa espécie de argumento, observa-se que a teoria da cegueira deliberada decorre de exigências da realidade e das linhas argumentativas normalmente utilizadas pelos infratores para eximir-se da possibilidade de responsabilização pessoal. Essa teoria, aliás, muitas vezes norteia as relações entre o cliente e o seu defensor e a forma como este último se posiciona a respeito da assunção da defesa do responsável por um comportamento de grande lesividade para o ambiente social. Na síntese de John B. Mitchell[49], a tese do desconhecimento a respeito da culpa do cliente costuma ser utilizada em quatro sentidos diferentes, todos invariavelmente subjetivos: o metafísico, o negativo, o auto-enganador e o factual. O sentido metafísico indica que, como “tudo é possível em um universo infinito, eu jamais poderei verdadeiramente saber tudo, logo, eu não posso saber se o meu cliente é culpado”. O sentido negativo do desconhecimento denota um consciente evitar da verdade: “como oriento meus clientes a não me dizer se eles fizeram, eu nunca sei se eles fizeram”. O sentido auto-enganador parte da premissa de que, para atuar como um defensor, o profissional convence a si mesmo de que, a despeito dos fatos, ele não sabe se o seu cliente é culpado. Por fim, o sentido factual do desconhecimento é o mais comum no ambiente social, reduzindo-se à premissa de que “como tudo que ouvi é que ele foi preso, não ouvindo um único fato sobre o caso, não sei se ele é culpado”.

            Não vislumbramos, portanto, qualquer ônus excessivo na utilização da teoria da cegueira deliberada. Afinal, o reconhecimento do dolo eventual como apto à configuração do fato típico rende total homenagem à proporcionalidade, conforme os contornos dogmáticos que lhe foram atribuídos por Robert Alexy[50], na tríplice dimensão da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Mostra-se adequado por ser meio idôneo à coibição de um comportamento recorrente; é necessário, considerando a grande lesividade da prática que se pretende coibir, já que a escusa da ignorância, caso acolhida em sua integridade, simplesmente inviabilizaria a resposta penal à lavagem de dinheiro, o que justifica a restrição à esfera jurídica individual; e é proporcional em sentido estrito, já que a coibição à lavagem de dinheiro, praticada com o auxílio da cegueira deliberada, se projeta na contenção da própria criminalidade organizada, sendo os benefícios auferidos pela coletividade bem mais amplos e relevantes que a conduta exigida das pessoas naturais para que não adentrarem no plano da ignorância voluntária.

            A teoria da cegueira deliberada está umbilicalmente ligada à existência de um liame fático-jurídico entre agentes diversos, daí decorrendo a imposição, a um deles, do dever de inteirar-se dos atos praticados pelo outro. O seu pondo nodal reside justamente nesse liame e no seu nível de desenvolvimento.[51]             

            É factível que a cegueira deliberada se ajusta ao dolo eventual, considerando que a conduta potencialmente ilícita está na esfera de previsibilidade do agente, que voluntariamente decide não se inteirar da sua existência e dos respectivos efeitos. Como ressaltado por Glanville Williams[52], “ele suspeita do fato; percebe a sua probabilidade; mas se contém na obtenção da confirmação final, pois almeja poder negar conhecimento a respeito do evento. Isto, e apenas isto, é cegueira deliberada”. Dessa maneira, “finge não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem indevida[53]. Não é por outra razão que também se fala em “instrução do avestruz” (ostrich instruction). Sob certa perspectiva, como ressalta Bernardo Feijoo Sánchez[54], a teoria da cegueira deliberada é muitas vezes utilizada não só para solucionar casos de “cegueira fática”, como de “cegueira moral”, na qual o agente dispõe de um importante acervo cognitivo, mas prefere neutralizá-lo, de modo a facilitar o processo formativo de uma decisão “motivada por ganância, avareza ou razões e motivos similares”.

            Para a identificação do dolo eventual, assume singular relevância a análise contextual, em que a consciência dos aspectos periféricos tem concretude suficiente para se concluir pela assunção do risco do resultado ilícito, in casu, a lavagem de dinheiro[55]. Como a responsabilidade pessoal é subjetiva, afigura-se nítido que o comportamento do agente deve ser avaliado em conformidade com suas características individuais, não de acordo com referenciais objetivos, a exemplo da conduta esperada do homo medius ou de qualquer outro paradigma de análise similar[56].

            A consciência e a voluntariedade na criação de óbices ao conhecimento das práticas potencialmente ilícitas podem ser avaliadas a partir de uma pluralidade de fatores, que podem oscilar desde ordens expressas, de modo que as operações potencialmente suspeitas não sejam submetidas ao agente que tenha poder decisório, até mecanismos indiretos, como a total desestruturação ou a simples não criação de órgãos internos incumbidos da realização dessa análise. Nesse particular, assumem singular relevância os mecanismos de compliance.

            O importante é que haja grande probabilidade de que bens, direitos e valores provenham de infração penal, o que deve ser contextualizado no âmbito das regras de experiência, e que o agente assuma o risco de praticar o crime de lavagem de dinheiro ao decidir permanecer indiferente a essa probabilidade, o que faz ao zelar pela existência e continuidade do estado de ignorância.

            A análise acerca da origem ilícita do bem se desprende da culpa e alcança o dolo eventual quando o agente não permanece indiferente ao “desconhecido” e assume uma posição de plena aceitação de uma faceta em particular desse referencial “desconhecido”, a sua ilicitude[57]. Para que essa aceitação esteja presente, é necessário que as regras de experiência apontem para a existência de condutas normalmente praticadas a jusante do direito, verificáveis a partir de atos ao alcance das possibilidades ordinárias do agente. Aliás, são estas mesmas regras de experiência que apontam para o desinteresse na verificação de práticas ilícitas que possam redundar em benefícios indiretos para o agente[58]. Portanto, não nos parece adequada a crítica de Costanza Bernasconi e Fausto Giunta[59], no sentido de que estamos perante uma transformação em dolo de um comportamento substancialmente culposo.            

Epílogo

 

A partir da singela constatação de que o direito em geral, e o direito penal em particular, não podem permanecer indiferentes à realidade, é fácil perceber a importância assumida pela teoria da cegueira deliberada no âmbito da lavagem de dinheiro. Afinal, tem sido recorrente a utilização do desconhecimento voluntário, por alguns agentes, como subterfúgio para que não sejam alcançados pela responsabilização penal. Ignorar essa constatação, que decorre diretamente das regras de experiência, é premiar a perspicácia alheia, caminhando em norte contrário aos objetivos da lei penal. A teoria da cegueira deliberada, ademais, é plenamente compatível com o dolo eventual, fazendo surgir um juízo de certeza em relação à assunção do risco de que bens, direitos ou valores tenham origem ilícita.

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[1] A expressão willful blindness foi inicialmente cunhada por autoridades inglesas e coexiste com outras que expressam o mesmo conceito, a exemplo de connivance, conscious avoidance, constructive knowledge, deliberate ignorance, deliberate indifference, deliberate or willful shutting for the eyes, knowledge of the second degree, purposely abstaining from ascertanting e studied ignorance. Cf.  ROBBINS, Ira P. The Ostrich Instruction: Deliberate Ignorance as a Criminal Mens Rea. In. Journal of Criminal Law and Criminology, vol. 81, Issue 2, p. 191 (191-192). Note-se que willful é a grafia utilizada nos Estados Unidos da América, enquanto wilful é a preferida nos demais países de língua inglesa.

[2] U.S. vs. Jewell, 532 F.2d 697, 704 (9th Circuit). O writ of certiorari para a Suprema Corte norte-americana foi negado (426 U.S. 951, 1976).

[3] La teoría de la ignorância deliberada en Derecho Penal: una peligrosa doctrina jurisprudencial. In InDret – Revista para el Análisis del Derecho, jul/2015, p. 1(2).

[4] Cf. ROBBINS. The Ostrich Instruction... p. 191 (192).

[5] 169 Eng. Rep. 1296 (Cr. Cas. Res. 1861). De acordo com o Juiz Willes, “the jury have not found, either that the man knew that the stores were marked, or that he willfully abstained from acquiring that knowledge” (169 Eng. Rep. 1302).

[6] 1 Q.B.D. 84, 1875. Nas palavras do Juiz Davis, “actual knowledge in the sense of seeing or hearing by the party charged is not necessary, but there must be some circunstances fron which it may be inferred that he or his servants had connived at what was going on” (1 Q.B.D. 88).

[7] 74 Cal. 306, 16 P., 1887. De acordo com o Tribunal, “if a case could arise... in wich it should appear that he suspected the fact, and abstained from inquiry lest he should know, knowledge might be inferred” (74 Cal. 306, 16 P, 3). 

[8] 174 U.S. 728, 1899. No entendimento do Tribunal, “evil design may be presumed if the officer purposely keeps himself in ignorance of whether the drawer has Money in the bank” (174 U.S. 735). 

[9] Cf. ROBBINS. The Ostrich Instruction..., p. 201-203.

[10] 395 U.S. 646, nº 93, 1969.

[11] 396 U.S. 398, 1970.

[12] The Ostrich Instruction..., p. 203.

[13] 532 F.2d 697 (9th Cir.), 1976.

[14] Vide: U.S. vs. Erwin, 625 F.2d 838, 841 (9th Circ.), 1980; e U.S. vs. Beckett, 724 F. 2d 855, 856 (9th Circ.), 1984.

[15] Tratado da Natureza Humana (A Treatise of Human Nature). Trad. de Serafim da Silva Fontes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 163.

[16] A Lógica das Provas em Matéria Criminal, vol. I. Trad. de Waleska Girotto Silverberg. Rio de Janeiro: Conan Editora Ltda, 1995, p. 59.

[17] A Lógica das Provas..., p. 61.

[18] Cf. MALATESTA. A Lógica das Provas..., p. 66.

[19] MALATESTA. A Lógica das Provas..., p. 67.

[20] A Lógica das Provas..., p. 68.

[21] Cf. MALATESTA. A Lógica das Provas..., p. 72.

[22] Intepretação Constitucional. A resolução das conflitualidades intrínsecas da norma constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 226-231, ora parcialmente reproduzidas. 

[23] Cf. PUTNAM, Hilary. Meaning and the moral sciences. London: Routledge, 1978, p. 9 e ss..

[24] Cf. KAUFMANN, Arthur. La Filosofia del Derecho en la Posmodernidad (Rechtsphilosophie in der Nach-Neuzeit) Trad. de luis Villar Borda. Bogotá: Editorial Temis, 2007, p. 36.

[25] Cf. KAMMEN, Michael. A Machine that Would go of Itself. The Constitution in American Culture. New Brunswick e London: Transaction Publishers, 2006, p. 90.

[26] Cf. FRANKENBERG, Günther. A Gramática da Constituição e do Direito (Autorität und Integration. Zur Gramatik von Recht und Verfassung). Trad. de Elisete Antoniuk. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007, p. 158-159.

[27] Innocence and experience. USA: Harvard University Press, 1989, p. 189.

[28] Como anota Giandomenico Falcon, o direito fundado sobre o consenso e o direito fundado sobre a força ocupam posições extremas. Mesmo a tirania não pode subsistir sem um mínimo de consenso (Lineamenti di Diritto Pubblico. 3ª ed. Padova: CEDAM, 1991, p. 12).

[29] Cf. WALDRON. Law and disagreement. Oxford: Oxford University Press, 1999, p. 1.

[30] Teoría de la acción comunicativa: complementos e estúdios prévios. Madrid: Ediciones Cátedra, 1989, p. 113 e ss., em especial p. 131 e ss.

[31] Reformismus und Pluralismus. DDR: Hoffmann und Campe, 1973, p. 395 e ss.

[32] A Preface to Democratic Theory. Chicago: University of Chicago Press, 1956, p. 22 e 82-83.

[33] Cf. RAWLS, John. O Liberalismo Político. Trad. de Dinah de Abreu Azevedo. 2ª ed. 2ª imp. São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 190 e ss..

[34] GAFISUD. Estándares Internacionales sobre la Lucha contra el Lavado de Activos y el Financiamiento del Terrorismo y de la Proliferación. 2012, p. 33.

[35] A respeito do beneficiário efetivo, com análise contextualizada no direito belga, vide: DELRUE, Geert. Le blanchiment de capitaux et le financement du terrorism. 2ª ed. Apeldoorn: Éditions Maklu, 2014, p. 35 e ss..

[36] ACHNEIDER, Friedrich, DREER, Elisabeth e RIEGLER, Wolfgang. Geldwäsche. Formen, Akteure, Grössenordnung – und warum die Politik machtlos ist. Wiesbaden: Gabler, 2006, p. 11.

[37] DELRUE, Geert. Le blanchiment de capitaux et le financement du terrorism. 2ª ed. Apeldoorn: Éditions Maklu, 2014, p. 147 e ss..

[38] Como anota Luigi Domenico Cerqua, é típico dessa fase o fracionamento das operações realizadas em dinheiro vivo (smurfing), com o objetivo de evitar a obrigação de declaração a cargo das instituições financeiras [Il delito di riciclagio dei proventi illeciti (art. 648bis C.P.). In CAPPA, Ermano e CERQUA, Luigi Domenico (orgs.). Il riciclagio del denaro. Il fenômeno, il reato, lei norme di contrasto. Milano: Giuffrè Editore, 2012,  p. 47 (49)].

[39] A respeito das inúmeras técnicas de dissimulação (v.g.: transferências anônimas, aquisições pela internet, atuação de holdings, títulos endossáveis etc.), vide: IZWEL, Patrice Kayombo A. Entrepreneuriat et blanchiment d’argent en R. D. Congo. 2ª ed. Congo: Lulu, 2019, p. 87-95. A transferência eletrônica de recursos, como observa Cerqua, é o método mais moderno e insidioso utilizado, o que decorre da velocidade das transações, da reduzida distância entre as sucessivas alocações, dos reduzidos vestígios deixados e do anonimato dos beneficiários [Il delito di riciclagio dei proventi illeciti (art. 648bis C.P.). In CAPPA, Ermano e CERQUA, Luigi Domenico (orgs.). Il riciclagio del denaro. Il fenômeno, il reato, lei norme di contrasto. Milano: Giuffrè Editore, 2012,  p. 47 (49)].

[40] Cf. STJ, 6ª Turma, REsp. nº 1.342.710/PR, rel. Min. Maria Tereza de Assis Moura, j. em 22/04/2014, DJe de 02/05/2014.

[41] O Brasil aprovou a Convenção por meio do Decreto Legislativo nº 162, de 14 de junho de 1991, promulgou-a na ordem interna por meio do Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991 e depositou o instrumento de ratificação em 17 de julho de 1991.

[42] O Brasil aprovou a Convenção por meio do Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, depositou o instrumento de ratificação em 29 de janeiro de 2004 e promulgou-a na ordem interna por meio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004.

[43] O Brasil aprovou a Convenção por meio do Decreto Legislativo nº 348, de 18 de maio de 2005, depositou o instrumento de ratificação em 15 de junho de 2005 e promulgou-a na ordem interna por meio do Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006.

[44] Luiz Flávio Gomes oferecia a subdivisão (1) conhecimento, (2) ignorância sabida, (3) ignorância ignorada e (4) ignorância deliberada (rectius: cegueira deliberada) [Beccaria (250 anos) e o drama do castigo penal – civilização ou barbárie. São Paulo: Saraiva, 2017, item 4.5].

[45] Algunas observaciones sobre el Blanqueo Imprudente de Capitales (Aspectos Doctrinales y Jurisprudenciales). In Justitia, dez/2010, p. 59 (66). Note-se que o art. 301.3 do Código Penal espanhol tipifica o crime de lavagem de dinheiro praticado com imprudência grave. A imprudência estará caracterizada, não o dolo eventual, quando o agente não tem consciência da procedência ilícita do bem, direito ou valor, nem da elevada probabilidade de ilicitude, existindo, portanto, pura e simples ignorância, decorrente da inobservância do dever de cuidado e cautela em se inteirar dos fatos.

[46] De acordo com a Min. Rosa Weber, “o profissional da lavagem, contratado para realiza-la pelo autor do crime antecedente, adota, em geral, uma postura indiferente quanto à procedência criminosa dos bens envolvidos e, não raramente, recusa-se a aprofundar o conhecimento a respeito. Doutro lado, o autor do crime antecedente quer apenas o serviço realizado e não tem motivos para revelar seus segredos, inclusive a procedência específica dos bens envolvidos, ao lavador profissional. A regra no mercado profissional da lavagem é o silêncio”. No direito espanhol, a teoria da ignorância deliberada é equiparada ao dolo eventual (vide: Sentenças do Tribunal Supremo nº 390/2007, de 26 de abril; 797/2006, de 20 de julho; 374/2009, de 28 de janeiro; e 961/2010, de 11 de novembro). Cf. FABIÁN CAPARRÓS. Algunas Observaciones..., p. 73.

[47] Nesse sentido: LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 322.

[48] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy e BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à lei 9.613/1998 com as alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 92.

[49] The Ethics of a Criminal Defense Attorney – New Answers to Old Questions. In 32 Stanford Law Review 293, 1980.

[50] Theorie der Grundrechte. Baden-Baden: Suhrkamp Taschenbuch Verlag, 1994,  p. 100-104; e Balancing, constitutional review, and representation”. In: International Journal of Constitutional Law vol. 3, nº 4, 2005, p. 572 (572-573), 2005.

[51] À luz das mais variadas infrações penais que exigem o conhecimento para a responsabilização pessoal, observa Robbins que os casos envolvendo narcóticos, nos Estados Unidos, são as fontes mais comuns de ignorância deliberada [The Ostrich Instruction... p. 191 (192)].

[52] Cf. WILLIAMS, Glanville. Criminal Law: The General Part. 2ª ed., London: Stevens & Sons Ltd., 1961, § 57, p. 150.

[53] STF, AP nº 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, dias 17, 29 e 30/08/2012, Inf. nº 677; e STJ, 5ª T., AgRg no REsp. nº 1.565.832/RJ, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. em 06/12/2018, DJe de 17/12/2018.

[54] La teoría de la ignorância deliberada..., p. 1(17).

[55] A Corte de Cassação italiana reconheceu o dolo eventual na lavagem de dinheiro (riciclaggio del denaro) “quando l’agente ha la concreta possibilità di rappresentarsi accettandone il rischio, la provenienza delituosa del denaro ricevuto ed investito” (Sez. II, Sentenza nº 36.893, de 31 de julho de 2018). No caso concreto, os fundos utilizados estavam alocados em países off shore e circularam por pessoas jurídicas constituídas para impedir a individualização do real beneficiário. Também admitindo o dolo eventual: Cassazione penale, Sez. V, Sentenza nº 21.925, de 17 de maio de 2018. É relevante observar que o art. 648bis do Código Penal italiano, a exemplo da legislação brasileira, não utiliza expressões que permitam circunscrever o fato típico ao dolo direto.

[56] Nesse sentido: CALLEGARI, André Luís e WEBER, Ariel Barazetti. Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Atlas, 2014, p. 98.

[57] Lê-se, na Canadian Encycloped Digest (Ontario), no verbete wilful blindness, que a cegueira deliberada produz justamente o efeito de excluir a aceitação da culpa como tese de defesa (vol. 23. 3ª ed. Toronto: Carswell, 2002, § 171, p. 104).

[58] Os requisitos a serem exigidos para a punição da ignorância deliberada foram assim sintetizados pelo Tribunal Supremo espanhol, cuja primeira decisão que encampou a “doctrina de la ignorancia deliberada” remonta a 1999 (Sentencia nº 1.637/1999, de 10 de janeiro), verbis: “de lo que se trata, en fin, es de fijar los presupuestos que permitan la punición de aquellos casos de ignorancia deliberada en los que se constate la existencia de un acto de indiferencia hacia el bien jurídico que sugiera la misma necesidad de pena que los casos de dolo eventual en su sentido más estricto. Para ello sería necesaria la concurrencia de los siguientes requisitos: 1º - Una falta de representación suficiente de todos los elementos que definen el tipo delictivo de que se trate. Esa falta de representación, si es absoluta, nunca podrá fundamentar la imputación subjetiva a título de dolo. Los supuestos abarcados estarán relacionados, de ordinario, con la conciencia de que se va a realizar, con una u otra aportación, un acto inequívocamente ilícito. La sospecha puede incluso no llegar a perfilar la representación de todos y cada uno de los elementos del tipo objetivo, al menos, con la nitidez exigida de ordinario para afirmar la concurrencia del elemento intelectual del dolo. Sin embargo, sí ha de ser reveladora de una grave indiferencia del autor hacia los bienes jurídicos penalmente protegidos, pues, pese a representarse el riesgo que su conducta puede aparejar, no desiste del plan concebido. 2º- Una decisión del sujeto de permanecer en la ignorancia, aun hallándose en condiciones de disponer, de forma directa o indirecta, de la información que se pretende evitar. Además, esa determinación de desconocer aquello que puede ser conocido, ha de prolongarse en el tiempo, reforzando así la conclusión acerca de la indiferencia del autor acerca de los bienes jurídicos objeto de tutela penal. 3º - Un componente motivacional, inspirado en el propósito de beneficiarse del estado de ignorancia alentado por el propio interesado, eludiendo así la asunción de los riesgos inherentes a una eventual exigencia de responsabilidad criminal” (Sentencia nº 234/2012, de 16 de março, Ponente Manuel Marchena Gómez). 

[59] Introduzione. In. BERNASCONI, Costanza e GIUNTA, Fausto. Riciclaggio e obblighi dei professionisti. Milano: Giuffrè, 2011, p. 1 (16).