O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a nomeação de membros do Ministério Público (MP) para o exercício de cargos que não tenham relação com as atividades da instituição. A decisão foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 388, e estabeleceu o prazo de 20 dias, a partir da publicação da ata do julgamento, para que haja a exoneração dos membros do MP que estejam atuando perante a administração pública em desconformidade com entendimento fixado pela Corte – ou seja, em funções fora do âmbito do próprio Ministério Público, ressalvada uma de magistério.
A ação julgada parcialmente procedente foi ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS) para questionar a nomeação do procurador de Justiça do Estado da Bahia Wellington César Lima e Silva para o cargo de ministro da Justiça. Em seguida, o pedido inicial foi aditado para requerer também a declaração de inconstitucionalidade da Resolução 72/2011, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que revogou dispositivos de resolução anterior que "previa a vedação do exercício de qualquer outra função pública por membro do Ministério Público, salvo uma de magistério. No julgamento, os ministros afastaram a eficácia da resolução.
Relator
O Plenário acompanhou por maioria o voto do relator da ação, ministro Gilmar Mendes, para quem a vedação ao exercício de cargos públicos por membro do Ministério Público, prevista expressamente no artigo 128, artigo 5º, inciso II, “d”, da Constituição Federal, serve para fortalecer a instituição e garantir a sua autonomia, a qual é derivada do próprio princípio da separação entre os Poderes. O dispositivo coloca como exceção apenas a atuação no magistério. No entendimento do relator, a participação de membros do MP na administração, em cargos sob influência política e sujeição a hierarquia no Poder Executivo, pode comprometer os objetivos da instituição, como a fiscalização do poder público.
“Ao exercer cargo no Poder Executivo, o membro do Ministério Público passa a atuar como subordinado ao chefe da administração. Isso fragiliza a instituição, que pode ser potencial alvo de captação por interesses políticos e de submissão dos interesses institucionais a projetos pessoais de seus próprios membros”, afirma Gilmar Mendes.
O relator ajustou seu voto durante o julgamento para adotar sugestão do ministro Dias Toffoli – ponto em que foi acompanhado pelos demais ministros – para transformar o julgamento da liminar da ADPF em julgamento de mérito.
CNMP
O relator criticou a atuação do CNMP na questão, uma vez que o órgão revogou, em 2011, parte de uma resolução editada em 2006 em que foram estabelecidas restrições à atuação de membros do MP na administração pública.
Para o ministro Gilmar Mendes, apenas alterando a Constituição seria possível admitir a atuação de membros do MP em cargos na administração pública fora da instituição, exceto o magistério. Assim, a Resolução CNMP 72/2011 e a prática instalada em sua sequência são, para o ministro, “sob o pretexto de interpretar, uma tentativa de emendar informalmente a Constituição”.
“O Conselho não agiu em conformidade com sua missão de interpretar a Constituição e por meio de seus atos normativos atribuir-lhe densidade. Pelo contrário, se propôs a mudar a Constituição com base em seus próprios atos”, diz o voto do relator.
O argumento usado pelo Conselho para fundamentar seu entendimento está em dispositivo do artigo 129 da Constituição, segundo o qual é função institucional do MP exercer outras atividades, desde que compatíveis com sua finalidade. Para o ministro Gilmar Mendes, o argumento não se sustenta, uma vez que o dispositivo trata de funções institucionais do MP, e não da atuação individual de seus membros.
Votos
Primeiro a votar após o relator, o ministro Edson Fachin ressaltou que assumir o cargo de ministro da Justiça ou qualquer outro que coloque membro do Ministério Público em condição de subordinação é sujeitar a própria instituição, a qual deveria controlar e investigar outro órgão em grau de igualdade e com absoluta liberdade. Para ele, essa situação fere a independência assegurada ao Ministério Público e a seus membros.
De acordo com o ministro Luís Roberto Barroso, membro do MP não pode ocupar cargo político no âmbito do Poder Executivo como são, por exemplo, os cargos de ministro de Estado e secretário de Estado que têm atuação político-partidária. “O papel de ministro de Estado, além da sua subordinação à vontade do presidente da República, é fazer valer o programa de governo, seja do partido, seja da administração, que tem uma dimensão essencialmente política”, destacou. Para o ministro, membro do MP não pode exercer função de governo. “Função de Estado exige distanciamento crítico e imparcialidade e função de governo exige lealdade e engajamento”, completou ao seguir o voto do relator.
No entendimento do ministro Teori Zavascki, a jurisprudência do STF veda aos membros do Ministério Público o acúmulo de funções, exceto o magistério. Segundo ele, o artigo 129 da Carta define as funções institucionais do MP, admitindo que um procurador de Justiça exerça, por exemplo, cargo em conselho, mas na qualidade de representante da instituição, sem que seja necessário se afastar das atividades. “Não se pode considerar função institucional do Ministério Público aquela que, para ser exercida, deva seu membro se afastar do cargo”, afirmou.
A ministra Rosa Weber observou que, conjugando os artigos 127 e 128 da Constituição Federal, fica claro o impedimento a que membros do Ministério Público exerçam outros cargos, ainda que estejam em disponibilidade. A ministra salientou que afasta em seu voto a interpretação sistemática do artigo 129, inciso IX, que permite o exercício de funções conferidas ao integrante do Ministério Público, porque, em seu entendimento, essa autorização refere-se à representação da instituição.
Para o ministro Luiz Fux, a regra do artigo 128 é clara ao vedar aos integrantes do MP o exercício de outras funções públicas. Ele considera que a regra constitucional maior sobre o Ministério Público não inclui o exercício de outro cargo público. Segundo ele, as funções passíveis de serem exercidas por procuradores de Justiça ou promotores são apenas as interna corporis ou as de representação da instituição.
O ministro Dias Toffoli seguiu o entendimento do relator e apresentou ao Plenário a proposta de transformar a análise da medida liminar em julgamento de mérito, de forma a pacificar em definitivo a matéria, além de fixar o prazo de 20 dias, a contar da publicação da ata, para que se aplique o entendimento firmado na ação.
A ministra Cármen Lúcia observou que a Constituição Federal veda afirmativamente aos membros do Ministério Público o exercício de outra função. Em razão da autonomia da instituição, a ministra entende ser incompatível que seus membros exerçam cargos nos quais figurarão como auxiliares de autoridade do Poder Executivo, como presidente da República ou governador de Estado. “O auxiliar é submetido, é submisso, e a submissão é incompatível com os princípios estabelecidos no artigo 127 da Constituição para os membros do Ministério Público”, destacou.
O ministro Marco Aurélio votou no sentido de não conhecer da ADPF, por entender que o pedido apresentado pelo PPS é incabível. “Essa é uma questão institucional e no caso não cabe flexibilizar as normas de regência, nem a interpretação ampliativa dessas normas”, entendeu. O ministro também observou que não deveria haver a extensão do pedido formulado, isto é, afastando as nomeações realizadas nos estados brasileiros.
Segundo ele, há outro meio eficaz para questionar a nomeação do ministro da Justiça e citou a ação popular já admitida pelo juízo da 1ª Vara Federal de Brasília e com liminar deferida. Vencido quanto à questão preliminar de cabimento da ação, o ministro indeferiu o pedido de liminar. Quando proferiu o seu voto, o Plenário ainda não havia convertido o julgamento da cautelar em definitivo.
Na sequência dos votos, o ministro Celso de Mello seguiu integralmente o relator, ressaltando que o exame da ADPF não envolve qualquer questão pessoal quanto à recente nomeação de ministro da Justiça. O decano do STF lembrou discussões travadas na época da Assembleia Nacional Constituinte em relação ao Ministério Público para assinalar que a extensão das mesmas garantias e vedações relativas à magistratura teve como fundamento a necessidade de preservar a autonomia institucional do MP e a imprescindibilidade de fazer prevalecer a independência funcional de seus membros.
“Os integrantes do MP hão de prestar reverência unicamente à supremacia da Constituição Federal e à autoridade das leis da República”, afirmou. Para Celso de Mello, a “flexibilização hermenêutica” introduzida pelo resolução do CNMP instaura desequilíbrio favorável aos membros do MP em relação aos integrantes do Poder Judiciário, embora esses sejam a referência quanto à titularidade das prerrogativas e impedimentos que, em bases idênticas, lhes foram estendidos pela Constituição.
O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, iniciou seu voto esclarecendo que a decisão tomada nesta sessão não anula a nomeação do atual ministro da Justiça nem cerceia o direito da presidente da República de nomear e demitir livremente ministros de Estado. “Estamos firmando uma tese, a da incompatibilidade de um membro do Ministério Público assumir cargo no Executivo”, afirmou. “Trata-se de uma tese em abstrato. O ministro da Justiça pode permanecer no cargo se quiser se exonerar do MP”.
Lewandowski, ao acompanhar integralmente o relator, reiterou que segue sua própria posição de longa data e em acordo com diversos precedentes do STF, entre eles a ADI 3574, da qual foi relator. No seu entendimento, o exercício por membro do MP de qualquer cargo ou função que não digam respeito às atribuições do órgão colidem com o artigo 129, inciso IX, da Constituição da República.
Com informações do STF