A 7ª Conferência Regional da International Association of Prosecutors (IAP) na América Latina prosseguiu em Fortaleza, Ceará, com o painel intitulado "O uso de novas tecnologias e Crimes Cibernéticos". O evento, organizado pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) e pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), em parceria com a IAP, reuniu renomados especialistas e membros do Ministério Público para discutir o desenvolvimento e os desafios na investigação de crimes cibernéticos.
Presidindo o painel, Moacyr Rey Filho, Conselheiro Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público, deu início às discussões enfatizando a relevância do tema e a necessidade de atualização constante para lidar com as ameaças do mundo digital.
A primeira palestra foi proferida por Andrea Veronica Andoniades, Promotora de Justiça de San Martín, Argentina. Com vasta experiência na área, ela abordou o tema "Desenvolvimento e Desafios na Investigação de Crimes Cibernéticos". A palestrante ressaltou a rápida evolução das tecnologias e como isso tem impactado os crimes cibernéticos. Ela destacou a importância de uma abordagem multidisciplinar para investigar e combater delitos digitais, levando em consideração aspectos técnicos, legais e de cooperação internacional.
Andrea Veronica destacou o inevitável crescimento da tecnologia em nossas vidas. Ela ressaltou que as crianças já nascem com celulares em suas mãos, tornando-se parte essencial de nossas rotinas diárias. No entanto, essa mesma tecnologia que é positiva e indispensável também resultou em um aumento significativo nos crimes, principalmente por meio da internet e das redes sociais. A promotora mencionou que, na Argentina, houve um aumento de 3.000% nos crimes cibernéticos, de acordo com estatísticas oficiais, especialmente a partir do ano de 2020, quando o isolamento social devido à pandemia se tornou mais presente.
Andrea Veronica também compartilhou sua experiência na província de Buenos Aires, onde registrou mais de 30 mil crimes econômicos em 2023, todos ocorrendo no meio cibernético. Ela destacou que essas fraudes ocorrem por meio de técnicas como phishing e roubo de dados bancários, aproveitando a vulnerabilidade e a solidão das pessoas.
A promotora apontou que a maioria desses crimes econômicos e fraudes consiste em oferecer à população subsídios, ajuda social ou prêmios falsos. Os golpistas induzem as pessoas a fornecerem senhas bancárias, PINs de acesso ao celular e até mesmo solicitam fotos de documentos para obterem crédito. Ela mencionou um caso específico em que as vítimas eram enganadas pelo WhatsApp, recebendo falsas senhas para tomar vacinas contra a COVID-19. Os recursos eram distribuídos em várias contas bancárias, deixando as vítimas sem dinheiro, com dívidas impossíveis de pagar e com restrições em órgãos de crédito.
Segundo Andrea Veronica, as vítimas, em sua maioria, são pessoas mais velhas que realizam compras em plataformas menos seguras, como marketplaces ou Instagram. Ela destacou que os bancos não ofereciam suporte aos clientes vítimas de golpes, limitando-se a indicar que procurassem um advogado. Diante dessa situação, a promotora teve que buscar medidas judiciais para evitar prejuízos maiores, como solicitar que os bancos não descontassem mais os créditos ou congelar e bloquear os bens das vítimas quando os casos fossem comunicados imediatamente. Somente no ano passado, o Banco Central da Argentina emitiu um comunicado solicitando que os bancos aumentassem o nível de segurança nas transações de crédito para evitar fraudes.
Andrea Veronica também mencionou as medidas de investigação adotadas para identificar os autores desses crimes. Ela explicou que foi necessário solicitar a manutenção de perfis no Facebook para averiguar os endereços IP. Assim, descobriram que a maioria dos crimes estava sendo cometida por detentos que tinham acesso a celulares dentro das prisões. Diante dessa situação, a promotora pediu a implantação de bloqueadores de sinais para evitar o uso indevido dos aparelhos.
Finalizando suas declarações, Andrea Veronica destacou que o hackeamento do WhatsApp se tornou um crime muito comum, permitindo que os criminosos tenham acesso a todos os dados importantes das vítimas. Essas informações compartilhadas durante o painel enfatizaram a necessidade de conscientização e medidas efetivas para enfrentar os desafios dos crimes cibernéticos.
Em seguida, foi a vez de Antonio Segovia, Diretor da Unidade de Cooperação Internacional e Extradições da Procuradoria do Chile, apresentar sua palestra sobre "Cooperação Internacional e Evidências Digitais". Segovia discutiu a importância da cooperação entre os países para lidar com os desafios trazidos pela natureza transnacional dos crimes cibernéticos. Ele enfatizou a necessidade de estabelecer mecanismos eficientes de cooperação internacional para o compartilhamento de evidências digitais, a fim de facilitar a identificação e a responsabilização dos criminosos.
Antonio Segovia ressaltou a importância das evidências digitais em processos penais, uma vez que todos os nossos dispositivos do dia a dia estão conectados à internet ou possuem capacidade de armazenar informações valiosas. Segovia explicou que existem três níveis de evidências digitais. O primeiro nível é a informação fornecida a um provedor de serviços ao abrir uma conta, como endereço de e-mail e número de telefone. Em seguida, há outros aplicativos que utilizam dados mais sensíveis, como o Uber, que solicita informações de cartão de crédito para debitar as corridas. Nesses casos, é possível obter o endereço IP, que registra todo o histórico no provedor de serviços. Por fim, temos os dados de tráfego, que mostram as comunicações entre os atores, e os dados de conteúdo, como o que foi compartilhado entre contas no Twitter, por exemplo.
Segovia também discutiu os diferentes tipos de cooperação internacional que podem ser utilizados nesses casos. Ele sugeriu que a primeira medida a ser tomada seja solicitar aos provedores que congelem os dados durante o período de investigação. Para casos menos graves, é possível solicitar essa cooperação diretamente aos promotores. No entanto, para dados de tráfego ou conteúdo, é necessário um requerimento formal, que deve ser feito por meio de um processo judicial. Segovia enfatizou que os procedimentos variam de acordo com a natureza das informações buscadas.
Em relação à cooperação internacional em crimes cibernéticos, Segovia destacou que atualmente há apenas um único instrumento disponível, que é o Convenção de Budapeste. Esse tratado aborda questões relacionadas à discriminação, xenofobia e cibercrime, e é o principal instrumento utilizado para englobar sistemas de cooperação internacional nessa área.
As informações compartilhadas por Antonio Segovia durante o evento enfatizaram a necessidade de uma abordagem colaborativa e regulamentada para lidar com os desafios apresentados pelos crimes cibernéticos, bem como a importância da cooperação internacional e dos instrumentos legais adequados para garantir a efetividade das investigações nesse âmbito.
Durante as palestras, os participantes tiveram a oportunidade de debater sobre as dificuldades enfrentadas na investigação de crimes cibernéticos, como a rápida evolução tecnológica, a proteção de dados pessoais e a necessidade de capacitação contínua dos profissionais envolvidos.
O painel sobre Crimes Cibernéticos foi mais um momento de destaque na 7ª Conferência Regional da IAP na América Latina, demonstrando a importância de se discutir e buscar soluções efetivas para os desafios trazidos pelo mundo digital. A troca de conhecimentos e experiências fortaleceu a compreensão sobre o tema e reforçou a necessidade de cooperação internacional para enfrentar os delitos cibernéticos de forma eficaz. O evento foi realizado com o apoio dos patrocinadores: Aegea; Arcelor Mittal; Banco do Brasil; Banco do Nordeste; Cagece; Governo do Ceará; Aesbe; Senai; Sesi; SAJ Softplan; Grupo TechBiz; e Siena Corretora de Seguros.