Por: Jorge Assaf Maluly
Jorge Assaf Maluly, Promotor de Justiça (MP/SP)
O sistema de videoconferência nos âmbitos criminal e cível tem sido aplicado em diversos países, para viabilizar a produção de provas. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, um dos primeiros casos em que este sistema foi empregado foi do terrorista conhecido como Unabomber , preso no Estado da Califórnia, onde respondia por diversas acusações de terrorismo. Concomitantemente, foi aberta uma ação penal por um homicídio ocorrido em Newark, Estado de Nova Jersey, do lado oposto do país. Em razão das dificuldades que o seu deslocamento traria, foi realizada a audiência criminal, por meio de videoconferência.
Da mesma forma, em outras nações admite-se a oitiva de testemunhas por áudio e videoconferência, como no Reino Unido (Lei Geral de Cooperação Internacional em Matéria Penal), na Espanha (Lei de Proteção a Testemunhas, Lei Orgânica do Poder Judiciário e o Código de Processo Penal), na França (Code de Procédure Penale) e na Itália (Lei nº 11, de 7-01-1998) .
O uso de videoconferência foi reconhecido no âmbito da Organização das Nações Unidas como um meio eficaz para a produção de provas, especialmente no combate à criminalidade transnacional. A utilização dos recursos de informática para a colheita do interrogatório do réu e das oitivas das vítimas e testemunhas está prevista na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida, arts. 32, §2º, e 46, §18), na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo, art. 24, §2º, letra “b”). O Tratado de Assistência Judicial em Matéria Penal, assinado pelos países membros da União Européia, autoriza, também, a realização de audiências criminais por um sistema de comunicação audiovisual a distância. Esta Convenção incidiu, inclusive, nos julgamentos do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia.
A propósito, o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, tratado este introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, após aprovação do Congresso Nacional (Decreto Legislativa nº 231, de 2003). Neste tratado, como já destacado, foi instituído o uso de videoconferência, entre outras medidas, para facilitar a cooperação internacional no combate à criminalidade organizada.
Assim, se a nossa legislação já admite a utilização deste recurso tecnológico na repressão ao crime organizado internacional, deixa de existir qualquer restrição legal para a sua aplicação, da mesma forma, no âmbito interno.
No campo nacional, o uso de videoconferência para viabilizar os atos processuais a distância também tem se expandido. Há iniciativas do Tribunal de Justiça da Paraíba e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Provimento nº 5, de 2005, da Corregedoria-Geral). A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (Resolução nº 330 do Conselho de Justiça Federal) pode realizar sessões virtuais, sem necessidade de deslocamento de seus membros.
O artigo 154, parágrafo único, do Código de Processo Civil (com redação dada pela Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006) permitiu aos Tribunais Estaduais a disciplina da prática e da comunicação de atos processuais por meios eletrônicos. Como se vê, esta norma, que tem inteira aplicação no âmbito do Processo Penal, admite a realização de atos processuais, incluindo-se o interrogatório e a audiência, com recursos tecnológicos mais adequados à realidade nacional.
Finalmente, no Estado de São Paulo foi promulgada a Lei nº 11.819, de 5 de janeiro de 2005, que dispõe sobre a implantação de aparelhos de videoconferência para interrogatório e audiência de presos a distância, com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual. Neste esteio, o Secretário Chefe da Casa Civil editou a Resolução nº CC – 41, de 11/05/2004, criando um “Grupo Técnico com a finalidade de elaborar estudos e proposta de implantação do Sistema de Videoconferência para interrogatórios e depoimentos à distância”.
Como se vê, tem se expandido a utilização de meios tecnológicos na persecução penal em juízo, para a realização do interrogatório do acusado a distância, bem como para assegurar a sua presença na instrução probatória. Já é uma realidade em inúmeras nações e, no Brasil, em diversos órgãos do Poder Judiciário.
4. A chamada “audiência telemática”, expressão utilizada por Enzo Zappalà , representa uma inovação tecnológica na produção de provas, especialmente nos processos que têm como objeto o crime organizado. Muitos são os fundamentos para a introdução dessa tecnologia. Em primeiro lugar, a busca da eficiência processual, frente ao chamado gigantismo processual que pode paralisar o andamento processual, porque os processos que tratam do crime organizado possuem características especiais, tais como o grande número de acusados e de crimes cometidos, que aumentam a sua complexidade, comprometendo a própria persecução penal.
Mas não é só.
A necessidade de garantir a segurança pública, durante a dilação probatória, quando do deslocamento dos acusados envolvidos na organização criminosa, não raramente perigosos, e o dispêndio dos recursos públicos para tal mister também justificam a adoção do sistema de videoconferência, evitando, assim, ações de resgate dos réus por outros criminosos .
O sistema de videoconferência, de fato, busca dar maior efetividade à pratica de atos processuais já existentes no nosso ordenamento legal. Representa um avanço tecnológico, telemático, que auxilia a realização do processo, pelo uso combinado do computador e dos meios de comunicação. Não há qualquer mudança do rito processual em si, mas apenas do meio de sua execução. Não se trata da introdução de uma norma processual, mas, tão-somente, de um veículo para o cumprimento das regras legais já existentes.
A Administração Pública, forçoso lembrar, deve orientar-se pelo princípio da eficiência, disposto no art. 37, caput, da CF e a adoção de videoconferência constitui um meio para que o Poder Judiciário cumpra o seu objetivo constitucional (art. 5º, inciso XXXV), exercendo a sua jurisdição, como instrumento de proteção contra ameaças e lesões aos direitos e garantias do cidadão. O princípio da eficiência, no dizer de Alexandre de Moraes,
“é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se os desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para satisfação do bem comum”.
Além disso, como é próprio da independência e da harmonia entre os Poderes (Constituição Federal, art. 2º), o Judiciário pratica seus atos internos com autonomia — que, como se sabe, é o poder, de que o titular goza, para dar direção própria aos assuntos de sua própria competência ou, mais simplesmente, para administrar a si mesmo.
Essa prerrogativa institucional impede que terceiros dêem ordens e instruções de serviço ao Poder Judiciário, vedando-lhes, pois, a função de dirigi-lo, aí compreendida a definição do local em que os Juízes podem realizar interrogatórios. O problema se insere, claramente, na Administração Judiciária e no autogoverno da Magistratura, que é ínsito ao modelo brasileiro de separação de poderes. De fato, em virtude da dimensão que se atribui, entre nós, à respectiva independência, cada Poder recebe um mínimo de autonomia para a sua organização e estruturação interna. Esta, aliás, é a origem dos poderes administrativos interna corporis de que também gozam o Legislativo e o Executivo .
Bem por isso, não é convincente a invocação do Código de Processo Penal para obstar a utilização dos recursos de telemática na realização de atos processuais. Afinal, nem todos os poderes que esta lei confere aos juízes são jurisdicionais: ao lado destes, outros há que são simplesmente administrativos. Aliás, uma coisa é o ato processual em si (isto é, o próprio interrogatório) e outra a providência burocrática, pertinente à preparação do espaço, e que viabiliza sua realização (como é o caso da definição de uma sala adequada, situada ou não em um Fórum).
Essa distinção entre poderes jurisdicionais e poderes administrativos (ou de polícia), segundo se trate das funções que o juiz exerce (a) no processo, como sujeito da relação processual, (b) ou fora, como autoridade judiciária, para assegurar a ordem e o normal desenvolvimento dos trabalhos forenses, é afirmada, sem discrepâncias, pela doutrina .
A linha divisória entre as duas funções — que são substancialmente inconfundíveis — foi superiormente traçada pelo saudoso José Frederico Marques , como se pode conferir na seguinte passagem:
“Os poderes que o juiz exerce no processo são aqueles decorrentes da função jurisdicional de que está investido. Cumpre-lhe julgar e dizer qual a norma aplicável à pretensão ajuizada, bem como praticar atos processuais que preparem a decisão ou que tornem efetiva a realização das sanções impostas ao vencido no título executório.
“Tais poderes, que podem denominar-se de jurisdicionais, se exercem dentro do processo. Outros há, porém, de caráter administrativo, que são exercidos em torno do processo, para que este se desenvolva regularmente, sem tumultos ou desvios perturbadores.
“O Cód. de Proc. Penal, numa síntese feliz, focaliza muito bem o assunto e o seu art. 251 dá, assim, ao juiz, durante o desenrolar da relação processual, duas espécies de atribuições: a primeira é a de “prover à regularidade do processo”, e a outra a de “manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a força pública”. (...)
“Além dos poderes de ordem processual (...), o juiz está investido de poderes administrativos para que o andamento e curso do procedimento não sejam perturbados “de fora para dentro” .
Frise-se que não se está disciplinando o processo penal, competência constitucional reservada à União (art. 22, inc. I, da CF), quando se regula o emprego desse recurso da telemática (computação + meios de comunicação) no curso da instrução. Não se trata de um meio de prova que está sendo introduzido na área processual. Assim já ocorreu, por exemplo, quando se questionou a Constitucionalidade do Provimento do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, nº CXCI/84, que dispunha sobre o interrogatório do réu em outra comarca, por meio de carta precatória, sob o argumento de que não existia na legislação processual qualquer norma sobre o tema. Na época, foi editada a norma, em razão da situação gravíssima, vivenciada pelo Poder Judiciário, decorrente da limitação das celas nos Fóruns e do transporte de presos, para os seus interrogatórios. No julgamento da Representação nº 1.280/SP (RTJ 116/889), o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, em acórdão relatado pelo Ministro RAFAEL MAYER, decidiu que as normas deste Provimento do Poder Judiciário do Estado de São Paulo não conflitavam com os preceitos constitucionais (art. 8º, XVII, “b”, e art. 153, §15).
Nessa ocasião, foi acolhido o douto parecer firmado pelo então Subprocurador-Geral Assis Toledo, com o referendo do preclaro titular, Sepúlveda Pertence, do qual se destaca o seguinte trecho:
“Como se vê, há precedente da Corte admitindo, em caso de necessidade (réus sem recursos), o interrogatório por precatória, realizado por juiz que não o competente para o julgamento da causa. E há também precedente permitindo, em tese, aos Conselhos da Magistratura a expedição de normas tendentes à dinamização dos trabalhos forenses, também em (RTJ 97/17).
No último julgado, entendeu-se que se defeito houvesse no ato processual praticado, como conseqüência do provimento, isso poderia . Portanto, pura questão de direito processual, sem extrapolar para a área de incidência da Representação por inconstitucionalidade.
Tais precedentes, a nosso ver, podem ser invocados, neste caso, para fundamentar mutatis mutandis, a rejeição às alegações de infringência dos arts. 8º, XVII, b, e 153, §15, da Constituição, pois a situação é bastante semelhante”.
Com efeito, a questão é bastante semelhante. O sistema de videoconferência também foi determinado pelas dificuldades forenses (complexidade dos processos de crime organizado, com grande número de acusados, e o excessivo dispêndio de recursos para o seu transporte - muitas vezes presos em comarcas distantes - e para garantir a inocorrência de qualquer fuga), além do que não é vedado expressamente pela legislação processual, devendo, por isto, qualquer alegação de violação às garantias constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo legal ser analisada concretamente, à luz do direito processual.
5. A realidade de sua utilização em diversos países, inclusive naqueles processualmente adiantados e em cuja legislação não raramente nos espelhamos, bem demonstra a compreensão internacional da sua necessidade. Frise-se, o emprego do sistema de videoconferência, por si só, não ofende as garantias constitucionais da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório. A sua introdução no cotidiano forense não pode ser rejeitada prima facie, sob qualquer argumentação preconceituosa a respeito de sua inconstitucionalidade ou mesmo de desconforto com a tecnologia. Desde que assegurado o exercício dessas garantias no ato processual, não há porque invalidá-lo. Pelo contrário, a audiência telemática pode auxiliar na defesa desses direitos processuais do acusado, como a de estar presente durante a oitiva da vítima e testemunhas. A propósito, inúmeras audiências são realizadas sem a apresentação do réu preso, com a concordância do seu defensor, e inclusive aquelas realizadas por carta precatória, nas quais somente se reconhece a nulidade, se demonstrado o prejuízo. Nesta última hipótese, aliás, há decisões do próprio STF reconhecendo que o Código de Processo Penal não exige a presença do réu para presenciar a inquirição de testemunhas em outra jurisdição, sendo suficiente a intimação das partes (RTJ 95/561, 63/776 RT 673/379, 551/415, JSTF 202/308-9, 194/386, HC nº 70.313/SP, rel. Min. Néri da Silveira, 2ª Turma, DJU 03/12/1993, p. 26.357 HC nº 68.083/SP, rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJU de 10/08/1990, p. 7.557 HC nº 63.206/SP, rel. Min. Aldir Passarinho, 2ª Turma, DJU de 28/02/1986 RE nº 105.483/SP, rel. Min. Carlos Madeira, 2ª Turma, DJU de 12/12/1985, p. 23.211). Em outra hipótese, o Código de Processo Penal admite a retirada do acusado da sala de audiência, quando sua presença pode influir no ânimo da testemunha, de modo que prejudique a verdade do depoimento (art. 217, CPP).
Destaca-se a lição de Marco Antonio de Barros :
“De qualquer maneira, impõe admitir que não existe qualquer vedação legal expressa no ordenamento jurídico capaz de inviabilizar a colheita de provas por meio eletrônico. Ao invés disso, o que se encontra na legislação moderna e de caráter transnacional é a disposição de se permitir a adoção deste sistema quando necessário para melhor apuração dos fatos”.
De fato, não há qualquer norma constitucional obrigando, e a legislação ordinária não o exige, a presença física, no mesmo ambiente, do réu na sala de audiências do Fórum. Se o réu pode assistir a tudo que está se passando na audiência, intervir e comunicar-se com o seu defensor reservadamente, para viabilizar a sua defesa técnica, ou mesmo com o próprio juiz de direito, não há limitação a suas garantias constitucionais. O acusado estará frente a frente com todos os sujeitos processuais. A sua comunicação com estes será em tempo real. Como bem lembra Vladimir Aras ,
“O meio utilizado não desnatura nem contamina o ato. O que importa é que, em qualquer das hipóteses, se assegure ao acusado o direito de ser acompanhado por defensor e os direitos de falar e ser ouvido, de produzir e contrariar prova e o direito de permanecer em silencia quando lhe convier (art. 5º, LXIII, da CF)”.
É bom lembrar que a garantia da ampla defesa, vista em seu aspecto objetivo, exige o exercício concreto da defesa, consubstanciada na autodefesa (por meio do interrogatório, na participação na audiência de instrução etc), na defesa técnica (direito de ser defendido por profissional habilitado) e o direito de produzir provas lícitas e de ver estas apreciadas, influindo no convencimento do julgador . Engloba, assim, o direito do acusado de ser ouvido pelo juiz e, conseqüentemente, de estar presente nos atos processuais. A regra da imediatidade consiste exatamente nesse contato direto do juiz com as partes, testemunhas, peritos etc. e na utilização do julgador dos meios de prova mais diretos para o fato probando.
Ora, se no contexto de uma audiência telemática não houver qualquer restrição a essa regra da imediatidade, possibilitando, assim, o exercício concreto de uma defesa seja por meio da autodefesa seja por meio da defesa técnica ou influindo no julgamento, garantindo-se esse contato direto do acusado com o juiz e os demais sujeitos processuais, não haverá qualquer lesão a direito processual fundamental do acusado.
Não se pode interpretar ou dar a essa regra da imediatidade um sentido obscurantista, que iniba o aperfeiçoamento da atividade estatal, por meio do emprego dos recursos telemáticos. Eventual desconforto dos sujeitos processuais no emprego da tecnologia não pode justificar a sua imediata repulsa. Aliás, a situação assemelha-se àquela observada quando se introduziu a máquina de datilografar no cotidiano forense. Conta-se que um auto de prisão em flagrante foi anulado por um juiz de direito porque este teria sido elaborado com uma máquina de escrever, e não de próprio punho da autoridade. No caso, felizmente, o Tribunal cassou a decisão do juiz monocrático, validando, assim, o ato.
É compreensível a preocupação de doutrinadores e de entidades de classe, no sentido de que o uso de videoconferência pode restringir direitos fundamentais do acusado. Mas, também, é indispensável a compreensão de que o direito de defesa pode ser limitado, frente à necessidade de proteção de outros direitos constitucionais e identicamente relevantes, respeitado um adequado balanceamento na persecução da finalidade e dos valores de igual importância .
Naturalmente, essa compatibilização entre a limitação dos direitos fundamentais e a busca pela garantia a outros direitos de igual importância deve ser construída à luz do princípio da proporcionalidade .
6. Por outro lado, a presença do acusado na audiência telemática é real, podendo nela intervir e participar com seu advogado. Como já firmado, não há qualquer exigência legal para o comparecimento físico do réu na sala de audiência. Desta forma, também, não pode dizer que alguma formalidade legal está sendo omitida, gerando uma nulidade (art. 564, inc. IV, do CPP).
Mesmo que se concluísse que a presença física do acusado preso fosse essencial para a realização do ato, o que não é (lembrando-se da possibilidade de realização da audiência de instrução por precatória apesar de sua ausência e da retirada do acusado da sala, a pedido da pessoa ouvida), a nulidade não poderia ser sempre presumida ou considerada absoluta. De fato, o Código de Processo Penal adotou, em seu artigo 563, o princípio básico de que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa” (pás de nullité sans grief). Em complemento, o art. 563 do Código de rito não admite o reconhecimento da nulidade que não tenha influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa. É o conhecido princípio da instrumentalidade das formas, também consagrado no art. 566 do CPP, que prestigia a finalidade do ato em detrimento do formalismo na sua execução. No magistério de José Frederico Marques, “O aspecto ritual do ato cede passo, portanto, ao seu sentido teleológico o respectivo modus faciendi à sua causa finalis, e sua configuração procedimental ao objetivo processual” . Assim o é, afirma o eminente processualista, porque não se pode subordinar-se as normas processuais a um formalismo rígido e hipertrofiado, que coloque em segundo plano a finalidade do ato a ser praticado.
A propósito, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já apreciou o tema, em um caso semelhante, em que foi questionada a realização de um interrogatório do réu, por meio do sistema de conferência em “real time”. A C. 5ª Turma, em acórdão relatado pelo eminente Ministro Félix Fischer, negou provimento ao recurso de habeas corpus da defesa, assentando que “Inexistindo a demonstração de prejuízo, o ato reprochado não pode ser anulado, ex vi art. 563 do CPP” (RHC nº 6.272/SP, DJU de 05/05/1997, RT 742/579).
No caso em apreço, convém registrar que o impetrante, na condição de advogado de Jair, teve uma participação ativa na audiência, contraditou testemunhas e as inquiriu, demonstrando que não ocorreu qualquer restrição à efetiva defesa do paciente. Reclamou que a defesa do paciente foi prejudicada, mas não apontou qualquer fato concreto neste sentido, isto é, em que ponto a defesa do paciente não foi efetiva, o que poderia ter sido realizado, mas não foi pelo causídico na audiência, que se restringiu a fazer conjecturas sobre tal prejuízo.
7. Concluindo, a videoconferência é um recurso recomendado pela Organização das Nações Unidas e utilizado no combate à criminalidade organizada por diversos países, tais como os Estados Unidos, a Itália, a Inglaterra, a França e a Espanha. O Brasil, por tratados internacionais, admitiu o seu uso na repressão desta espécie de delito. A Constituição Federal não veda o seu emprego, mesmo implicitamente, bem como a legislação ordinária não dispõe de qualquer norma que conflite com o seu uso cotidiano.
Além disso, o seu emprego não exige uma alteração na legislação processual, uma vez que se trata apenas de um recurso tecnológico a disposição da administração pública para fazer cumprir as suas obrigações legais, atendendo, assim, o princípio constitucional da eficiência.
Qualquer nulidade processual deve ser apreciada em consonância com os artigos 563 e 566 do Código de Processo Penal, isto é, à luz das regras de que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa” (pas de nullité sans grief) e da instrumentalidade das formas.
De qualquer forma, a videoconferência deve ser empregada somente em situações excepcionais, como na repressão ao crime organizado, em virtude da complexidade que envolve o seu processo. Assim, as garantias da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório devem se compatibilizar com os princípios da eficiência da administração pública e da inafastabilidade da prestação jurisdicional, observando-se o princípio da proporcionalidade.