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Associação ocasional (artigo 18, III, da Lei nº. 6.368/76)

Por: Eloísa de Souza Arruda e César Dario Mariano da Silva

Eloísa de Souza Arruda, Procuradora de Justiça (SP) e César Dario Mariano da Silva, Promotor de Justiça (SP)

Com o advento da nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06) uma questão interessante está sendo levantada no mundo jurídico: a causa de aumento de pena da associação ocasional que era prevista no artigo 18, III, da Lei nº. 6.368/76 ainda pode ser aplicada aos fatos ocorridos sob a égide desta última?

Antes de adentrar o tema é necessário fazer uma análise do artigo 35, "caput", da atual Lei de Drogas, que era tipificado de maneira semelhante no artigo 14 da revogada Lei Antitóxicos.

A conduta típica consiste em associarem-se duas ou mais pessoas com o objetivo de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, "caput" e § 1o, e 34 da Lei de Drogas.

O verbo "associarem-se" significa a reunião com vínculo estável e permanente (tempo indeterminado), no caso, de duas ou mais pessoas.

Como já ocorria no regime anterior, há necessidade de vínculo psicológico para a prática dos delitos por tempo indeterminado. Faltando esse elemento, o crime não estará caracterizado.

A expressão "reiteradamente" significa repetidamente, ou seja, com continuidade. Na associação para o tráfico pode existir, ou não, o propósito de praticar os delitos (artigos 33, "caput", § 1º ou 34) reiteradamente. No entanto, não há necessidade de que os crimes sejam cometidos, mas que a associação se dê com esse propósito.

Com efeito, são elementos desse crime:

1) reunião de duas ou mais pessoas

2) vínculo psicológico para o tráfico de drogas (artigos 33, "caput", § 1º, ou 34) por tempo indeterminado.

Como ocorria na legislação anterior (artigo 14), não basta simplesmente o dolo de agir em concurso para a prática de tráfico de drogas, mas a especial intenção associativa de forma estável por tempo indeterminado. Assim, não configura esse delito a associação ocasional para o tráfico de drogas, mesmo que um ou mais crimes sejam cometidos, mas sem o animus associativo. Se na traficância houver o envolvimento de duas ou mais pessoas, mas sem o vínculo associativo, ocorrerá mero concurso de agentes.

O crime de associação para o tráfico, do mesmo modo que o de quadrilha ou bando, é autônomo em relação aos demais delitos praticados. Dessa forma, havendo o cometimento dos crimes para o qual houve a associação, ocorrerá concurso material de delitos, haja vista nova violação à objetividade jurídica.

Como já visto, o delito em questão exige vínculo psicológico para o tráfico de drogas (artigos 33, "caput", § 1º, ou 34) por tempo indeterminado. A reunião ocasional e esporádica, sem o vínculo associativo, não o enseja. Pela Lei nº. 6.368/76, havendo a mera associação ocasional, justificava a aplicação da causa de aumento de pena prevista no artigo 18, III. No entanto, a lei nova não mais contempla essa majorante, ocorrendo o fenômeno da novatio legis in mellius.

Surge, portanto, a seguinte indagação: é possível aplicar o artigo 383 do Código de Processo Penal e reconhecer o crime autônomo (artigo 14) hoje previsto no artigo 35, "caput", da Lei nº. 11.343/06 para aquela pessoa que está sendo processada ou já foi condenada em primeiro grau por tráfico de drogas com a majorante da associação ocasional?

Poder-se-ia argumentar que, como a associação está descrita na denúncia, o Magistrado estaria autorizado a condenar o agente por tráfico de drogas em concurso com a associação para o tráfico de drogas (artigo 14, da Lei nº. 6.368/76).

Não nos parece correto esse entendimento. É certo que o Juiz analisa os fatos descritos na inicial acusatória e não a classificação jurídica a eles dada. Isso porque o acusado se defende da conduta a ele imputada e não da tipificação legal. O Juiz, por força do artigo 383 do Código de Processo Penal, poderá dar ao fato definição jurídica diversa da capitulada na denúncia, mesmo que tenha de aplicar pena mais grave.

Contudo, o réu foi acusado de delito com uma causa de aumento de pena. Não houve imputação de dois crimes, mas de apenas um agravado. Assim, haveria violação do contraditório e da ampla defesa caso fosse o réu condenado por uma infração da qual não foi formalmente acusado.

E se não bastasse esse argumento, quando há imputação da causa de aumento de pena e não do crime de associação para o tráfico de drogas, é porque o representante do Ministério Público entendeu não estar presente o vínculo psicológico para o tráfico por tempo indeterminado, ou seja, que ocorreu apenas uma associação ocasional, que se confunde com o concurso de pessoas.

Com efeito, o acusado não se defendeu do crime de associação para o tráfico, mas da imputação de delito com uma causa de aumento de pena, que não possui os mesmos requisitos do crime autônomo, que era previsto no artigo 14 da revogada Lei de Tóxicos e no artigo 35 da atual. Inadmissível, desse modo, que se utilizando da chamada emendatio libelli, o juiz termine condenando o réu por um fato do qual não foi denunciado.

E nem seria o caso de aplicação do disposto no artigo 384, parágrafo único do Código de Processo Penal, utilizável quando o mesmo fato ganha contornos jurídicos mais graves do que aqueles constantes da inicial acusatória. Surgindo circunstância elementar capaz de alterar a modalidade delituosa, a fim de que se cumpra o princípio da correlação entre a imputação e a sentença, o Ministério Público é chamado a aditar a denúncia e a defesa a produzir provas se quiser. Mas aqui estamos falando de um mesmo fato que, por força de novas circunstâncias surgidas no curso da instrução e até então desconhecidas, tornou-se mais grave, podendo resultar para o réu uma condenação mais severa do que a inicialmente pretendida pelo acusador. Inviável, todavia, se proceda mutatio libelli objetivando condenar o réu pela conduta dos artigos 12 ou 13 e também do art.14 da revogada Lei de Tóxicos, pois desse último crime, o réu nem ao menos foi acusado.

Estando o processo em grau de recurso, maiores as restrições, haja vista não ser viável o aditamento da denúncia e a aplicação do artigo 384 do Código de Processo Penal em segundo grau (Súmula 453 do STF).

É outra a solução caso tenha sido ofertada denúncia com base na revogada Lei 6368/76, imputando a alguém a conduta prevista nos artigos 12 ou 13 com a causa de aumento de pena do artigo 18, III, e surjam, no curso da instrução, indicativos de que os agentes mantinham especial intenção associativa de forma estável por tempo indeterminado para a prática de tráfico de drogas. Nessa hipótese, a denúncia poderá ser aditada para inclusão do crime do qual agora se apurou indícios. Dependendo do andamento da ação penal original, nada obsta que, aplicada a regra do artigo 80 do Código de Processo Penal, proceda-se a separação dos processos, passando a tramitar contra o réu ou os réus, duas ações penais, uma pela acusação de tráfico e outra pela acusação de associação para o tráfico. É importante salientar que, a fim de evitar dupla valoração (bis in idem), havendo aditamento da denúncia para inclusão do artigo 14 da revogada Lei de Tóxicos, por fato ocorrido durante sua vigência, deverá ser afastada a causa de aumento de pena da associação ocasional (artigo 18, III).

No caso de ação penal na qual o Promotor de Justiça ofertou denúncia imputando ao agente as condutas dos artigos 12 ou 13 e 14 da Lei 6368/76, tendo sido proferida sentença condenatória afastando esta última figura, mas reconhecendo a causa de aumento do artigo 18, III da Lei 6368/76, ainda é possível que o acusado reste condenado pela acusação inicial. Se houve recurso do Ministério Público se insurgindo contra a desclassificação, nada impede que o Tribunal, no julgamento da apelação, reconheça sua procedência condenando o apelado pelas condutas descritas na inicial acusatória. Mas, se o recurso é exclusivo da defesa, não restará ao Tribunal outra solução que não seja afastar a figura do artigo 18, III da Lei 6368/76, mesmo no caso de julgar improcedente o apelo. Como a nova lei não mais contempla a figura da associação ocasional para o tráfico de drogas, essa deverá ser afastada da condenação, com a conseqüente redução da pena.


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