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Parâmetros da atuação do Ministério Público no Processo Civil em face da nova ordem constitucional

Por: José Galvani Alberton

José Galvani Alberton, Procurador de Justiça (SC)

Sumário: 1. Introdução. 2. A moldura jurídica do Ministério Público na Carta de 1988. 3. Natureza da atuação institucional. 4. Compatibilidade das funções com os parâmetros axiológicos da Constituição. 5. Valores tutelados pelo Ministério Público. 5.1 A ordem jurídica. 5.2 O regime democrático. 5.3 Os interesses sociais. 5.4 Os direitos individuais indisponíveis. 5.4.1 Direitos individuais homogêneos. 5.4.2 Limitações à forma de agir na defesa dos direitos individuais indisponíveis. 6. Considerações críticas à proposta de racionalização da atuação do Ministério Público. 6.1 A essencialidade à função jurisdicional. 6.2 Redução da pauta de trabalho e privilégios corporativos. 6.3 O débito político do Ministério Público. 7. Relações com o Judiciário em face da ruptura com o sistema tradicional de atuação. 8. Considerações finais.

1. Introdução

Ressalvada a mestiçagem liberal-socialista que tingiu levemente a Constituição de 1934, a ideologia liberal foi a nau condutora das Cartas políticas brasileiras, dentro e fora da democracia, até o advento da Constituição de 1988. Daí, compreensivelmente, a idéia de um Estado-mínimo, não intervencionista, defendida pelo discurso liberal, nunca estimulou o Estado a celebrar compromissos com a promoção direta do bem comum, restringindo-se o trabalho das instituições públicas, basicamente, a buscar a proteção dos direitos e garantias fundamentais do cidadão na área da educação, saúde e segurança. Os pálidos avanços no campo dos direitos sociais registrados em 1934, conquanto reeditados na Constituição de 1946, não foram suficientes para mudar esse perfil: as ações positivas do Estado em favor da sociedade, quando não inexistentes, mantiveram-se tímidas e limitadas. Fatores históricos e, principalmente políticos concorreram para isso: a Carta de 1934 teve vida curtíssima, sucumbindo à ditadura de 1937, que se estendeu até 1946 e ensaio democrático que se iniciou com a Carta de 1946 acabou capitulando diante do Golpe de 1964, que, à margem das garantias democráticas, inaugurou um modelo de governo centralizador e autoritário só encerrado em 1988.

Em verdade, foi com a Constituição de 1988 que o Brasil fez as pazes com a democracia e incorporou ao seu ordenamento postulados inerentes ao Estado Social — o que implicava o compromisso político de implementá-los mediante ações positivas, na perspectiva da realização do bem comum.

Paulo de Tarso Brandão, amparado no texto da Constituição de 1988, destacadamente o dos artigos 1º e 3º, afirma que “fica evidente o compromisso que o Estado brasileiro assume com a função social”. Mas adverte:

Todavia, de nada adiantariam os enunciados de ordem constitucional se não tivesse a Sociedade Civil (e os próprios cidadãos individualmente, embora estes não sejam objeto de preocupação no presente trabalho) instrumentos capazes de garantir a efetivação de tais direitos. Eles são a porta de acesso à “via por onde a sociedade entra no Estado”, utilizando uma figura de linguagem de Norberto Bobbio¹.

No campo jurídico, os reflexos dessa transformação política foram profundos, impondo a adequação dos ângulos de observação e a revisão dos padrões exegéticos até então utilizados no trabalho de integração das normas jurídicas. Em matéria processual, por exemplo, o caráter individualista que demarcava o conceito de direito de ação abriu espaço para o albergamento da tutela judicial coletiva, indispensável ao agenciamento dos interesses de massa colocados sob a proteção da nova Carta Política e com garantia integradora mediante ações positivas do Estado, expressamente previstas no texto constitucional².

Logicamente, o panorama jurídico que então se delineara trouxe conseqüências importantes para o Ministério Público, inclusive no que tange à forma como tradicionalmente vinha atuando no processo civil.

2. A moldura jurídica do Ministério Público na Carta de 1988

A moldura jurídico-institucional do Ministério Público está definida no art. 127 da Constituição Federal: é uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Para realizar essa tarefa, além das funções expressamente previstas no art. 129 do texto constitucional, ficou aberta a possibilidade de lhe serem conferidas outras, desde que sejam compatíveis com sua finalidade constitucional e não envolvam representação judicial e consultoria de entidades públicas (CF, 129, IX).

Razoável concluir que, dentro deste balizamento, deve ser construída toda a hermenêutica relativa à atividade do Ministério Público, inclusive a relacionada com a sua intervenção no processo civil — o que reclama reflexão em torno de determinados aspectos, que adiante serão destacados.

3. Natureza da atuação institucional

Cabe refletir, por exemplo, a respeito da roupagem com a qual, no contexto do processo ou do plano operativo da jurisdição, deve o Ministério Público se apresentar para o desempenho de sua tarefa constitucional — cuja execução não pode deixar de traduzir (ou de vislumbrar) resultado que não signifique, pelo menos, uma contribuição à consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, 3º). Identificá-la não demanda maiores esforços exegéticos: primeiro, necessariamente, ela há de afeiçoar-se aos parâmetros da social-democracia que orientou a estruturação do Estado brasileiro, conforme se extrai do Preâmbulo e dos Princípios Fundamentais da Carta de 1988 segundo, deve ajustar-se ao perfil de órgão agente, atendendo o estabelecido no art. 127 da Constituição, que expressamente incumbiu o Ministério Público da “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Inequivocamente, está-se diante de uma proposta positiva, que reclama ação, iniciativa. Seja como parte, seja como simples fiscal da lei, a ação do Ministério Público deve importar atos de defesa das quatro ordens de valores contempladas no art. 127 da Carta. E, ao falar-se em defesa, a regra é afastar, até por questão de incompatibilidade semântica, as hipóteses de mera e estéril coadjuvância com as partes ou de posicionamentos redundantes e às vezes, absolutamente desnecessários ao encaminhamento da solução judicial da causa.

Fábio Konder Comparato é incisivo:

Ora, no Estado contemporâneo, o Ministério Público exerce, de certo modo, esse poder impediente³, pela atribuição constitucional que lhe foi dada de impugnar em juízo os atos dos demais Poderes, contrários à ordem jurídica e ao regime democrático. A isto se acresce, ainda, a nova atribuição de promover a realização dos objetivos fundamentais do Estado, expressos no art. 3º da Constituição, pela defesa dos interesses individuais e sociais indisponíveis, consubstanciados no conjunto dos direitos humanos. A conjugação de ambas essas atribuições, a impediente e a promocional, faz do Ministério Público um órgão eminentemente ativo, que não pode nunca recolher-se a uma posição neutra ou indiferente, diante da violação de direitos fundamentais, mormente quando esta é perpetrada pelos Poderes Públicos4.

Também o Ministro Sepúlveda Pertence está entre os que vêem o Ministério Público na condição de órgão agente, especialmente a partir da vigência da Carta de 1988:

[...] desvinculado de seu compromisso original com a defesa judicial do Erário e a defesa dos atos governamentais ao laços de confiança do Executivo, está agora cercado de contrafortes de independência e autonomia que o credenciam ao efetivo desempenho de uma magistratura ativa de defesa impessoal da ordem jurídica democrática, dos direitos coletivos e dos direitos da cidadania.5 (Grifos nossos).

E não custa acrescentar que a concepção de órgão ativo de defesa defendida pelo Ministro firma-se ainda mais como paradigma exegético no contexto semântico das funções previstas nos nove incisos do art. 129 da Constituição Federal, regidas pelo verbo “promover”, de conotação marcantemente positiva e presente em pelo menos quatro daqueles incisos. Se lhe fosse possível analisar o perfil do Ministério Público brasileiro, certamente Chiovenda hoje repetiria com ainda maior convicção que “o mais importante instrumento que a lei confia ao Ministério Público”, para o desempenho de suas funções, “é a ação judicial”6, confirmando-lhe os atributos de órgão agente, cuja inerência de há muito reconhecera.

4. Compatibilidade das funções com os parâmetros axiológicos da Constituição

Outro aspecto relevante envolve a compatibilidade da função institucional com a proposta de defesa dos valores previstos no caput do art. 127 e com a vedação prevista no inciso IX do art. 129 da Carta. Ou seja, a função que tenha sido ou venha a ser atribuída ao Ministério Público necessariamente há de evidenciar-se eficaz à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, 127) e, ao mesmo tempo, não potencializar ações que possam importar “representação judicial” ou “consultoria jurídica” a entidade pública. Não se compatibilizaria com a ordem constitucional a atribuição ou o exercício de função que lhe permitisse o patrocínio de interesse individual disponível ou de interesse típico de pessoa jurídica de direito público. Por exemplo, o do servidor perceber determinada vantagem pecuniária ou, a Fazenda Pública, determinado crédito tributário.

Obviamente, não se pode chegar ao exagero de supor que, das ações do Ministério Público, não possam resultar benefícios diretos — até mesmo de natureza pecuniária — a pessoas jurídicas de direito público, tal como acontece, entre outras, nas ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de ato de improbidade administrativa e nas ações penais em face de crimes contra a ordem tributária em que o autor do delito opta pelo pagamento do tributo. É que, em tais hipóteses, concorrem interesses de duas ordens: o interesse primário da sociedade de ver preservado o patrimônio moral e material da Nação, inerente a res publica, e o interesse secundário de que é detentora a pessoa jurídica de direito público de, enquanto tal, preservar e fomentar nos limites da lei o seu acervo financeiro e material.

Feitas essas ressalvas, significa, em resumo, que o Ministério Público somente deve agir para defender (ou na perspectiva de defender) alguns daqueles valores cuja salvaguarda o constituinte lhe confiou, nos termos do art. 127, caput, da Carta. Fora daí sua atividade corre o risco de colidir com outras normas e princípios constitucionais, entre eles o da eficiência e o da responsabilidade dos agentes públicos, que estão na essência do modelo republicano no qual se assenta a estrutura do Estado Brasileiro.

5. Valores tutelados pelo Ministério Público

Outro aspecto importante envolve os valores a serem tutelados. Não são todos os valores, ainda que juridicamente relevantes, que podem ser objeto de defesa pelo Ministério Público, mas somente aqueles compreendidos dentro dos parâmetros demarcados pelos conceitos de ordem jurídica, regime democrático, interesses sociais e interesses individuais indisponíveis, tal como delimitado pelo caput do art. 127 da Constituição Federal. Defender valores estranhos a esse universo axiológico pode significar atuação desarmônica com a ordem constitucional, já que ele própria, além de preconizar racionalidade e eficiência no desempenho dos serviços estatais (CF, art. 37), instituiu órgãos e instrumentos específicos (a Advocacia — pública e privada — e a Defensoria Pública, por exemplo) para a tutela de interesses não contemplados no rol daqueles cuja guarda confiou ao Ministério Público. localizados fora do campoSomente podem (e devem) por ele ser defendidos aqueles inerentes às categorias axiológicas previstas no caput do art. 127, que são, reprisando, a ordem jurídica, o regime democrático, os interesses sociais e os interesses individuais indisponíveis.

5.1 A ordem jurídica

Sem desconsiderar as multifárias contribuições da doutrina, supõe-se permitido compreender a ordem jurídica (ou ordenamento jurídico) como o elenco das normas e princípios explícitos e implícitos que, harmonizados com uma Constituição, escrita ou não, orientam o convívio, o desenvolvimento humano e o funcionamento do Estado em todos os âmbitos, internos e externos, territoriais ou não, onde se assentam ou gravitam os interesses da sociedade por ele tutelada.

A propósito, Alessandro Groppali escreve:

O conjunto destas normas que se destinam a manter a ordem pública e a assegurar a cooperação social, e que são fixadas e aplicadas directamente pelo Estado e indirectamente por outros Entes públicos, como as Províncias e as Comunas dentro dos limites em que o Estado lhes reconhece poderes, constitui, considerado em sua unidade orgânica, aquilo a que se chama direito objectivo ou leis em sentido geral (Disp. prel., arts. 17º-27º) ou ainda ordenamento jurídico (Cód. Civil, Disp. prel., art. 12º e arts. 832º e 1322º)7. (Grifos nossos)

Miguel Reale, discorrendo sobre o ordenamento jurídico à luz da teoria kelseniana (da qual não parece discípulo), anota que

[...] essa distribuição lógica das normas significa, segundo a teoria que estamos expondo, que elas se ordenam, subordinando-se umas às outras, gradativamente, obedecendo à estrutura de uma pirâmide: na base estão inúmeras regras ou normas particulares, seguindo-se, em ordem de subordinação crescente, as jurisprudências, as legais de Direito Privado e as de Direito Público, até se atingir, no âmbito deste, o plano normativo supremo que é o Constitucional, plano originário das competências, do qual se originam todas as expressões normativas que dele recebem a sua validade.8 (Grifos do original)

Sem distanciar-se dessa linha de entendimento, José Joaquim Gomes Canotilho escreve que, considerada em “seu conjunto, a ordem jurídica é uma derivação normativa a partir da norma hierarquicamente superior, mesmo que se admita algum espaço criador às instâncias hierarquicamente inferiores quando concretizam as normas superiores”9. Em outra passagem, acrescenta:

[...] nenhuma norma de hierarquia pode estar em contradição com outra de dignidade superior — princípio da hierarquia — e nenhuma norma infraconstitucional pode estar em desconformidade com as normas e princípios constitucionais, sob pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia — princípio da constitucionalidade10.

Estabelecido nestes termos o conceito de “ordem jurídica”, há de ser compreendido que o papel do Ministério Público, no que tange à sua defesa, traduz-se, fundamentalmente, no exercício sistemático e eficaz do controle da constitucionalidade das leis e atos normativos11, nos termos do art. 103 da Constituição Federal e dos preceitos simetricamente inscritos nas Constituições dos Estados federados. Tanto assim que, no propósito de legitimá-lo expressamente ao exercício desse múnus, o constituinte inseriu entre as funções específicas do Ministério Público a de promover a “ação direta de inconstitucionalidade ou a representação para fins de intervenção da União e dos Estados” (CF, 129, IV).

Conforme adverte Konrad Hesse, “entre a norma fundamental estática e racional e a realidade fluida e irracional, existe uma tensão necessária e imanente que não se deixa eliminar”12. Diante da validade desse raciocínio, evidenciada cotidianamente, e do alargado leque de fontes legislativas nos três níveis da República, válido concluir que o controle de constitucionalidade representa uma das mais relevantes funções do Ministério Público. E seu exercício deve merecer contínuo estímulo e aperfeiçoamento, uma vez que a estabilidade da ordem jurídica, assentada na supremacia da Constituição, erige-se em um dos valores mais caros da sociedade, tanto do ponto de vista jurídico quanto social e político. Por isso o Supremo Tribunal Federal a reconheceu como a “garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos”13.

Não se pode olvidar, na linha do pensamento kelseniano, a circunstância de as decisões judiciais poderem integrar também o acervo normativo albergado no conceito de ordem jurídica. Partindo daí, poderia restar encorajado o raciocínio de que a “defesa da ordem jurídica” referida no art. 127 da Constituição importaria para o Ministério Público o dever de sindicar, sob o ponto de vista da constitucionalidade, não apenas as leis e atos normativos formalmente considerados, mas também as decisões judiciais reguladoras de situações concretas.

O raciocínio, todavia, conquanto válido como exercício teórico, não parece sustentar-se. É que as decisões judiciais, ainda que possam compor o acervo normativo da ordem jurídica, não conseguem alçar-se ao plano da abstração e da generalidade, condições imprescindíveis para o ingresso no universo axiológico dos interesses coletivos. Mesmo porque, abstraídas as sentenças com efeitos erga omnes e as denominadas “súmulas vinculantes”, introduzidas pela Emenda Constitucional n. 45, as decisões judiciais tendem a arrastar consigo, inexoravelmente, o manto protetor de um interesse pessoal, individualizado — para cuja tutela pode não estar legitimado o Ministério Público.

5.2 O regime democrático

O conceito de “regime democrático”, por seu turno, — outro aspecto de singular importância — não pode ser tomado nos limites estreitos da acepção clássica conhecida como “governo do povo, pelo povo e para o povo”, apanágio da vontade popular na eleição dos chefes do Poder Executivo e dos integrantes dos Parlamentos. Mesmo porque, conforme adverte Schumpeter14, não há garantia de que o voto seja invariavelmente exercido de forma racional e independente e resulte da leitura isenta e objetiva dos fatos.

É um questionamento antigo. Há cerca de um século, Gustave Le Bon lembrou que “póde ser interessante para alguns philosophos conhecer a verdade, mas para os povos as chimeras parecerão sempre preferíveis”. E concluiu: “O sonho, o ideal, a lenda, em uma palavra, o irreal, eis o que conduz a Historia.”15

Na doutrina atual, Flávia Piovesan, destaca que “a democracia invoca conceito aberto, dinâmico e plural, em constante processo de transformação”, acrescentando que, no aspecto material, “não se restringe ao primado da legalidade, mas também pressupõe o respeito aos Direitos Humanos”. Segundo ela, “não há democracia sem o exercício dos direitos e liberdades fundamentais” ou sem que reste assegurada “a igualdade no exercício de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais”. E conclui:

Para a consolidação da democracia, emerge o desafio da construção de um novo paradigma, pautado por uma agenda de inclusão, que seja capaz de assegurar um desenvolvimento sustentável, mais igualitário e democrático, nos planos local, regional e global. A prevalência dos Direitos Humanos e do valor democrático há de constituir a tônica desse novo paradigma, sob as perspectivas de gênero, raça e etnia. Ao imperativo da eficácia econômica deve ser conjugada a exigência ética de justiça social, inspirada em uma ordem democrática que garanta o pleno exercício dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais16.

Bobbio não se distancia:

O discurso sobre o significado da democracia não pode ser considerado concluído se não se dá conta do fato de que, além da democracia como forma de governo de que se falou até agora, quer dizer, democracia como conjunto de instituições caracterizadas pelo tipo de resposta que é dada às perguntas “Quem governa?” e “Como governa?”, a linguagem política conhece também o significado de democracia como regime caracterizado pelos fins ou valores em direção aos quais um determinado grupo político tende e opera. O princípio destes fins ou valores, adotado para distinguir não mais apenas formalmente mas também conteudisticamente um regime democrático de um regime não democrático, é a igualdade, não a igualdade jurídica introduzida nas Constituições liberais mesmo quando estas não eram formalmente democráticas, mas a igualdade social e econômica (ao menos em parte).17

Mais próximo, o magistério de Ruy Samuel Espíndola busca estabelecer o conteúdo e os contornos da democracia, na dimensão cuja defesa está confiada ao Ministério Público:

É a democracia fundada na idéia do consenso estabelecido não só pela confluência do número de decisores, mas também pela eleição e autovinculação do consenso em torno do razoável do razoável como o racionalmente aceito como bem de todos, em todos os tempos e lugares, para verificação, em cada tempo e lugar, daquilo que pode, concretamente, ser feito a bem do maior número possível.

E essa idéia do razoável fundando o consenso instituinte da democracia, contempla a idéia da democracia justa, da democracia edificada e vivida sob a égide dos direitos humanos, cujo fundamento seria a igualdade absoluta de todos os homens, em sua comum dignidade de pessoas humanas (segundo o pensamento de Fábio Konder Comparato).18

Presume-se que neste âmbito de abrangência deve ser tomado o conceito de “regime democrático” (CF, 127), dimensionando-se a partir daí as iniciativas mediante as quais o Ministério Público concorreria para a sua defesa, as quais, certamente, não se esgotam nas rotinas tradicionalmente cumpridas perante a Justiça Eleitoral. É também nesta linha de grandeza que devem ser interpretadas, mensuradas, implementadas e avaliadas quanto ao seu alcance e resultados, as funções previstas no art. 129 da Carta, especialmente as dos incisos I, II, III e IV19, que sinalizam as iniciativas tendentes à promoção e defesa dos valores submetidos à guarda do Ministério Público.

5.3 Os interesses sociais

Outra questão merecedora de análise é a dos “interesses sociais”. Tangenciando e, por vezes, invadindo o território axiológico demarcado pelo conceito de democracia, também eles se apresentam credenciados à defesa por parte do Ministério Público. São interesses que, certamente, transcendem o campo temático ocupado pelas questões típicas relacionadas ao trabalho e à seguridade social — muito embora estas se mantenham incluídas, alvo de atenção especial por parte de um segmento específico do Ministério Público: o Ministério Público do Trabalho.

Mazzilli os identifica com o “interesse público primário (bem geral)” ou, ainda, com “o interesse da sociedade ou da coletividade”20. Mas é Eduardo Appio, em obra mais recente, que, qualificando-os de “bens sociais”, busca definir-lhes o conteúdo e o alcance:

Os bens sociais são, efetivamente, os bens sobre os quais convergem os interesses difusos. Constituem-se em gênero, do qual os bens públicos são uma das espécies.

Os bens sociais asseguram a manutenção dos valores previstos na Constituição, dentre os quais se destacam a dignidade da pessoa humana e a cidadania. Muito embora tradicionalmente vinculados ao Direito Previdenciário e ao Direito do Trabalho, bens sociais assumem uma nova conformação no Estado Democrático de Direito, tendo sido expressamente arrolados no art. 6º da CF/88. A saúde pública, por exemplo, apresenta-se como um bem social de enorme importância no contexto social brasileiro, constituindo-se em verdadeiro direito fundamental do cidadão, motivo pelo qual a Constituição Federal prevê em seu art. 196 os princípios aplicáveis ao setor, dos quais se originam deveres para a Administração Pública.21

Tem-se, a partir desse magistério, que os “interesses sociais” podem até mesmo ultrapassar os limites jurídico-axiológicos estabelecidos no art. 6º da Constituição Federal, trazendo para seu bojo, para efeito de implementação e tutela, outros valores além daqueles ali expressamente aludidos, quais sejam, “a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados...”

Pela sua natureza, urdida na ideologia que inspirou a Carta de 1988, sabe-se que refletem valores jurídicos de difícil implementação. Em 1984, Mauro Cappelletti já advertia:

É a criação de novos direitos, os direitos sociais dos pobres, os direitos sociais dos trabalhadores, os direitos sociais das crianças e dos velhos, das mulheres, dos consumidores, do meio ambiente, etc. São direitos muito diferentes dos direitos tradicionais, pois exigem uma intervenção ativa, não somente uma negação, um impedimento de violação, mas exigem uma atividade para se realizarem. Esta é a dificuldade dos direitos sociais: necessitam de uma atividade.22 (Grifos nossos)

Não obstante as aventadas dificuldades, vale lembrar, como o fez a Ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, que “a Constituição Federal de 1988 revolucionou o Direito Administrativo brasileiro, ao substituir o modelo do Estado liberal, traçado na Era Vargas, para o Estado social e democrático de direito”. Segundo ela,

O novo modelo ensejou a multiplicação de modos de solução de problemas, mediante negociações, acordos, protocolos de intenções. Esse intricamento de vínculos torna impossível a previsão, em normas legais, de todas as diretrizes de conduta a serem observadas e de soluções a serem adotadas.

Essa digressão sociológica é importante para direcionar o raciocínio de que não é mais possível dizer, como no passado foi dito, inclusive por mim mesma, que o Judiciário não pode imiscuir-se na conveniência e oportunidade do ato administrativo, adentrando-se na discricionariedade do administrador. E as atividades estatais, impostas por lei, passam a ser fiscalizadas pela sociedade, através do Ministério Público, que, no desempenho de suas atividades precípuas, a representa.23

Portanto, parece permitido concluir que a defesa dos “interesses sociais”, na dimensão admitida pelo próprio Judiciário, reclamará do Ministério Público adequações em seu modelo operativo, prestigiando suas legitimações ativas para a busca de prestações positivas do Poder Público, em favor das coletividades sobre as quais recaia a titularidade daqueles direitos.

5.4 Os direitos individuais indisponíveis

Merecedora de análise, também, é a questão pertinente aos denominados “direitos individuais indisponíveis” (CF, 127).

Sabidamente, tratando-se de direitos individuais, a regra é a livre disposição. A indisponibilidade apresenta-se como exceção, que só se justifica em face da presença de superiores razões de ordem pública que, tanto sob o prisma jurídico quanto sob o ponto de vista ético ou político, transcendem o interesse do titular do direito ou da pessoa que o represente — e cuja manutenção se insere no contexto dos valores que informam a proposta política da própria sociedade, a destacar a justiça e a paz social, já que a titularidade, no caso, não decorre de um ato de vontade da pessoa que a detém, mas de circunstância externa que refoge ao seu controle.

É o que sucede, por exemplo, com os chamados “direitos da personalidade”24.

Conforme anota Maria Helena Diniz,

Para Goffredo Telles Jr., os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a vida, a integridade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação ou honra, a imagem, a privacidade, a autoria etc. São direitos subjetivos ‘excludendi alios’, ou seja, direitos de exigir um comportamento negativo dos outros, protegendo bens inatos, valendo-se de ação judicial.25(Os grifos são do original)

Diante da indisponibilidade do direito, tem-se que o Ministério Público deve atuar no sentido de que a disposição não se opere. É a forma de defendê-lo, conforme preconizado pela Constituição. No caso, a motivação não é o patrocínio de interesse privado individual (muito embora, a partir da Carta de 1988, este esteja circunstancialmente autorizado26, mas a salvaguarda do interesse público consistente na manutenção do interesse no domínio de seu titular.

Cândido Rangel Dinamarco esclarece que

O Ministério Público é por definição a instituição estatal predestinada ao zelo do interesse público no processo. O interesse público que o Ministério Público resguarda não é o puro e simples interesse da sociedade no correto exercício da jurisdição como tal — que também é uma função pública — porque dessa atenção estão encarregados os juízes, também agentes estatais eles próprios. O Ministério Público tem o encargo de cuidar para que, mediante o processo e o exercício da jurisdição, recebam o tratamento adequado certos conflitos e certos valores a eles inerentes. Aceitando a premissa de que a Constituição e a lei são autênticos depositários desses valores, proclama aquela que ao Ministério Públicoincumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.27 (Grifos do original)

5.4.1 Direitos individuais homogêneos

Merece particular cuidado a questão pertinente aos chamados “direitos individuais homogêneos”. É que, embora credenciados à tutela através de ação coletiva, nem sempre se apresentam com atributos aptos a garantir-lhes tal privilégio. Merecem-no — e este parece ser o posicionamento pacificado no Superior Tribunal de Justiça — apenas quando, do fato comum do qual se originaram, resulta, concreta ou potencialmente, uma lesão ou risco de lesão a bem jurídico coletivo. Conforme proclamou aquele órgão, “o MP está legitimado a defender direitos individuais homogêneos, quando tais direitos têm repercussão no interesse público.”28 Ou: “O Ministério Público Estadual tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos quando existente interesse social compatível com a finalidade da instituição,[...]”29

No mesmo sentido se pronunciou o ex-Ministro daquela Corte, Athos Gusmão Carneiro:

Os direitos individuais homogêneos somente podem ser objeto de tutela por parte do MP, através de ação coletiva, quando esta apresente como objetivo maior o da tutela de 'interesses coletivos', acima e com prevalência aos interesses de ordem meramente individual.30

E ainda, harmonicamente, Cândido Rangel Dinamarco:

São indisponíveis, antes de todos, os direitos e interesses transindividuais qualificados como difusos, coletivos ou individuais homogêneos, cuja transgressão é capaz de trazer abalos mais ou menos sensíveis ao convívio social, ou impactos de massa (Barbosa Moreira).31 (Grifos do original)

Portanto, em situações que envolvam direitos e interesses da espécie, o Ministério Público, seja na condição de agente, seja na de fiscal da lei, deve perquirir sua legitimação para agir. Só estará legitimado se a lesividade do fato ultrapassar a esfera demarcada pela soma dos direitos e interesses individuais disponíveis atingidos e projetar reflexos no campo dos interesses público e social ou dos direitos individuais indisponíveis, cuja defesa, por força do art. 127 da Constituição Federal, pode ser promovida pelo Ministério Público “mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada”32. Mas é fundamental que “tenham repercussão no interesse público”33. Nessa linha, poderia presumir-se duvidosa sua legitimidade para agir em defesa, por exemplo, dos condôminos de um edifício de luxo construído em desacordo com o memorial descritivo.

5.4.2 Limitações à forma de agir na defesa dos direitos individuais indisponíveis

No tocante aos direitos e interesses individuais indisponíveis, não sendo o Ministério Público parte ativa, releva atentar para o conteúdo e a natureza de sua intervenção, nos processos em que tais direitos (ou interesses) estejam sendo discutidos. Competindo-lhe defendê-los (CF, 127), não parece razoável que venha a postar-se como assistente da parte que a eles se contraponha. Exemplificando: intimado a manifestar-se em ação indenizatória intentada por incapaz, não lhe seria lícito migrar para o território do demandado, para coadjuvá-lo no patrocínio de suas teses.

Se por justificável razão não lhe for possível, como fiscal da lei, patrocinar a defesa do direito ou interesse indisponível objeto da lide, pode até reduzir sua intervenção a singelo pronunciamento de cunho meramente formal, mas soa de plausibilidade duvidosa pugnar pelo não reconhecimento daquele direito ou interesse, erigindo-se em assistente do titular de direito cuja defesa não lhe foi legalmente confiada. Cumpre observar que cada instituição tem seus domínios e compromissos delimitados. E, para defender direitos e interesses disponíveis, foram qualificados expressamente a Advocacia e a Defensoria Pública (CF, arts. 133 e 134).

Cândido Rangel Dinamarco corrobora a afirmativa quando diz que, nas causas em que há interesses de incapazes (CPC, art. 82, I),

[...] o Ministério Público intervém par ajudá-los e é portanto seu assistente — tendo portanto o dever de atuar sempre no interesse desses assistidos, sendo ilegítima e constituindo desvio funcional a emissão de parecer contra eles, interposição de recurso contra decisões ou sentenças que os favoreçam etc.

Por isso, não há nulidade a cominar quando o Ministério Público deixa de oficiar em tais causas e o sujeito a quem prestaria assistência obtém vitória, uma vez que o objetivo da ajuda omitida foi atingido: pas de nullité sans grief.34 (Grifos do original)

Da mesma maneira, tendo a celeridade da justiça sido erigida a direito fundamental (CF, 5º, LXXVIII), de natureza indisponível, e estando a outorga da jurisdição sujeita também ao princípio da racionalidade e da eficiência (CF, 37), não se harmoniza com as diretrizes e preceitos constitucionais o procedimento do Ministério Público que, em demanda travada em torno de direito indisponível, venha a retardar o deslinde da questão mercê de simples reprise argumentativa aderente às teses sustentadas pelo titular do direito indisponível, a rigor não essencial à outorga da jurisdição nem à defesa dos interesses colocados sob sua guarda pela Constituição.

No início da década de 70, bem antes da vigência da Carta de 88, Celso Agrícola Barbi escrevia que “a função do Ministério Público nessas causas é de vigilância, para suprir eventual falha da defesa dos interesses dos incapazes”35. (Grifos nossos)

Portanto, parece permitido concluir que, atuando como fiscal da lei em feitos relativos a direitos individuais indisponíveis, a manifestação do Ministério Público somente pode dar-se em favor da parte titular do interesse timbrado pela indisponibilidade. E, para não ferir os princípios da eficiência e da celeridade da jurisdição, resumir-se ao preenchimento do vácuo eventualmente deixado pelo patrono responsável pela defesa daquele interesse, abstendo-se de manifestações redundantes e não imprescindíveis à dicção justa e regular da jurisdição.

6. Exercício crítico à proposta de racionalização da atuação funcional

Aos argumentos expendidos, poder-se-ia aduzir a censura de que a proposta de racionalização das atividades do Ministério Público como fiscal da lei importaria afronta ao preceito que lhe outorga o título de instituição “essencial à função jurisdicional do Estado” (CF, 127). Ou, pior: que preconizasse o esvaziamento da sua pauta de trabalho, na perspectiva de propiciar apenas a comodidade de seus membros.

Ambos os contrapontos não se sustentam.

6.1 A essencialidade à função jurisdicional

A primeira hipótese suscitada não decorre de mera abstração. Maria Helena Barboza noticia que “alguns magistrados, atentos exclusivamente à letra da lei, passaram a entender que, sendo o Ministério Público essencial à função jurisdicional do Estado, necessária seria sua intervenção em todas as causas”. Transcreve despacho exarado nos Autos n. 1.857, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro, no qual, refutando manifestação ministerial pela dispensabilidade da intervenção, entendeu o magistrado que, por imperativo constitucional, “não pode mais o Poder Judiciário prescindir, em qualquer ação, mesmo nas demandas entre particulares, da presença do Ministério Público”36.

De fato, o Ministério Público é “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”. Mas essa essencialidade não lhe impõe um papel meramente escritural. Ou de ampla, formal e decorativa auditoria dos feitos judiciais, por cuja regularidade, por múnus próprio, zelam os juízes. É essencial porque lhe incumbe, perante o Judiciário, defender valores que são fundamentais para o equilíbrio e a paz social — e que, em determinadas hipóteses, somente o Ministério Público está autorizado a defender, como sucede na justiça penal, por exemplo. Valores, ainda, como a “ordem jurídica”, o “regime democrático” e os “interesses sociais”, cujo patrocínio regular e sistemático importa o fortalecimento e o prestígio da própria função jurisdicional, valorizando o seu contributo à consecução dos objetivos fundamentais da República.

Há de ressalvar-se, contudo, que essa essencialidade não se espraia para todos feitos submetidos à jurisdição do Estado: alcança apenas aqueles que encerrem discussão em torno dos valores contemplados no art. 127 da Carta. É o que ensina Celso Agrícola Barbi: “O Ministério Público, quando oficiar nos mandados de segurança, o fará em parecer, com a finalidade de defesa dos valores e interesses mencionados no art. 127, e não em defesa da pessoa de direito público ré na ação”37. No que é secundado por Cândido Rangel Dinamarco:

O Ministério Público tem o encargo de patrocinar os interesses públicos primários, que remontam à sociedade como tal e a seus valores — e não os secundários, cujo titular é o Estado pro domo sua, ou seja, como pessoa jurídica. Ao Ministério Público é categoricamente vedado o patrocínio de entidades estatais (art. 129, inc. IX). Constitui aberração a intervenção do Ministério Público em causas nas quais é parte uma entidade estatal, só pela presença destas no processo.38 (Grifos do original)

Significa dizer, em última análise, que a essencialidade do Ministério Público, no contexto da função jurisdicional do Estado, restringe-se aos feitos cujo objeto compreenda a tutela dos valores jurídicos contemplados no art. 127, caput, da Constituição Federal. São eles que demarcam o campo de atuação do Ministério Público perante o Poder Judiciário.

6.2 Redução da pauta de trabalho e privilégios corporativos

Equivocada, por outro lado, a hipótese de que, submerso na proposta de racionalização das atividades do Ministério Público como fiscal da lei, pudesse estar presente o propósito eticamente censurável de esvaziar-lhe a pauta de trabalho, na perspectiva da construção de privilégios corporativos, a destacar-se a comodidade decorrente da mitigação dos encargos funcionais.

A construção teórica da racionalização é antiga. E sempre teve razões de superior interesse público a inspirá-la. Já em 1961, Miguel Seabra Fagundes proclamava:

É tempo de sair dos lindes estreitos do privativismo, que tem comandado até hoje a iniciativa do Ministério Público no cível, para sòmente autorizá-la na defesa do interêsse social, quando afetado êste através de um interêsse privado merecedor de particular proteção, e inovar, ampliando-a no sentido da defesa de interêsses totalmente impessoais, porém com reflexos profundos no bem estar de tôda a coletividade.39

Hoje, como se a história houvesse feito cumprir aquela proclamação profética, o Ministério Público não apenas está legitimado a racionalizar sua presença nos “lindes estreitos do privativismo”, como tem sobre os ombros o encargo de defender a ordem jurídica, a democracia e os interesses sociais. Logo, é imperioso que busque caminhos — e caminhos eficazes — para resgatar com a devida presteza e eficiência o compromisso que a sociedade lhe outorgou.

O resgate desse compromisso é múnus público que decorre não apenas da dimensão ética e política da função, mas da positividade jurídica emanada do princípio da responsabilidade, inserido na base do ideário republicano consagrado na Carta Política da Nação.

Geraldo Ataliba, em estudo produzido antes da vigência da atual Constituição, já asseverava que o “regime republicano é regime de responsabilidade”. E arrematava, reproduzindo as palavras de João Barbalho:

É da essência do regime republicano que quem quer que exerça uma parcela do Poder Público tenha a responsabilidade desse exercício ninguém desempenha funções públicas por direito próprio nele, não pode haver invioláveis e irresponsáveis, entre os que exercitam poderes delegados pela soberania nacional.40

Neste sentido, a responsabilidade do agente público reclama não apenas o regular exercício da função, mas a geração de resultados que concorram efetivamente para a realização dos objetivos fundamentais da República. Não se compatibilizam com o princípio republicano atividades públicas geradoras de resultados meramente escriturais, decorativas, sem nenhuma ou com minguada contribuição ao enriquecimento do Bem Comum.

Logo, ao pretender racionalizar suas atividades como fiscal da lei, outro objetivo não parece ter o Ministério Público senão o de encontrar caminhos capazes de permitir-lhe o resgate de seu compromisso institucional, concorrendo, nos limites de suas atribuições e das conseqüentes responsabilidades, para atender as demandas atuais da sociedade brasileira, precipuamente aquelas postas em face do sistema de justiça.

Além disso, abstraído o aspecto relativo à operacionalidade funcional, impõe-se aprofundar ainda mais a análise da questão — especialmente para, à luz da nova ordem constitucional, perquirir não apenas se, sob uma ótica discricionária, o Ministério Público deve ou não deve intervir em determinados feitos, mas se, sob o prisma jurídico-constitucional, pode ou não pode — ou de que forma pode — atuar em tais feitos.

6.3 O débito político do Ministério Público

Faz-se óbvia a afirmação de que as atribuições legais do Ministério Público cresceram vertiginosamente nas duas últimas décadas. O fenômeno é visível. Mas é imperioso admitir que, ao lado desse crescimento, alargou-se o abismo entre ou “legal” e o “real”, ou seja, entre aquilo que o ordenamento jurídico, explícita ou implicitamente, preconiza como atribuição do Ministério Público e aquilo que a instituição efetivamente produz em termos de resultados concretos, prestáveis ao resgate de seu múnus constitucional. Pode impressionar, estatisticamente, o número de pareceres e de processos cíveis e criminais deflagrados. Mas, senão insuficiente, tem se mostrado ineficaz para, no plano real, impedir, por exemplo, o aumento da violência e da corrupção, garantir a dignidade e a presteza dos serviços públicos e proteger o meio ambiente. O abismo persiste. Logo, o Ministério Público está em débito com a sociedade brasileira — política e juridicamente.

Sem desprezo a outras, sabe-se que as principais fontes alimentadoras da pauta de trabalho do Ministério Público são o Poder Judiciário (em matéria cível) e a Polícia (em matéria criminal). O Judiciário age mediante provocação do interessado e em grande medida assim também procede a Polícia, mercê de ocorrências levadas aos balcões das delegacias.

Esse modelo operacional, certamente, permite que notícias tanto de lesões a interesses privados quanto a bens jurídicos penalmente protegidos cheguem em expressivo número ao Poder Judiciário, para a dicção oficial do direito, com aplicação das medidas sancionadoras e reparatórias devidas. Mas, mesmo sem opor os problemas relacionados com a efetividade e eficácia da jurisdição, seria ingenuidade imaginar que a prestação jurisdicional daí resultante pudesse atender em sua plenitude (ou em medida satisfatória) as necessidades e expectativas da sociedade. Lesões difusas das mais variadas ordens e naturezas, muitas vezes envoltas pela névoa da obscuridade, acontecem e se renovam diariamente, molestando o patrimônio moral da sociedade e fazendo-a carente de justiça.

Reportagem veiculada recentemente em conceituada revista de circulação nacional fornece uma idéia pálida do fenômeno41.

Tal sucede, por exemplo, com o crime não investigado (ou investigado e não punido42 com a desproporção entre o delito e a pena (ou entre a pena e o delito) com a desproporção entre a pena de um agente e a de outro com a corrupção não descoberta ou não apurada (ou com a apurada e não punida) com os gastos abusivos e irregulares em publicidade oficial com a omissão e o despreparo dos órgãos das polícias administrativas com a prestação de serviços públicos insuficientes e de má qualidade, com destaque para a saúde e a educação com as gestões desvirtuadas dos orçamentos públicos legalmente aprovados com a negligência na concepção e implemento de políticas públicas voltadas ao bem-estar da coletividade com a produção e aplicação de normas visivelmente inconstitucionais com as fraudes e abusos nas relações de consumo com as agressões ao meio ambiente com a inobservância dos direitos assegurados aos idosos, crianças e pessoas portadoras de distúrbios mentais ou de deficiências...

Em todas essas aventadas situações, afora outras que, em número mais expressivo, afetam os valores e interesses legítimos da coletividade, o Ministério Público não apenas está autorizado como tem o dever constitucional de promover-lhes a defesa, buscando contribuir para a justiça e a paz social. Este é o mandamento inscrito no art. 127, caput, da Constituição da República — ao que se percebe, não inteiramente cumprido.

A circunstancial inexistência de uma práxis forense que, frente a tais situações, alimente de forma ordenada e sistemática as atividades judiciais e extrajudiciais do Ministério Público não significa a inexistência, também, de responsabilidade de agir. Ao contrário, é nessas situações que ela se agiganta. Porque, presentes os fins (a solução dos problemas) e indefinidos os meios (rotinas procedimentais), a tarefa compreende tanto a identificação e estabelecimento destes quanto a realização daqueles.

Conforme lembra Konrad Hesse,

Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem.43

De fato, seria demasiadamente cômodo justificar a omissão, alegando ausência de praxes processuais ajustadas à nova ordem constitucional — como se destas fosse refém o direito, no que ele apresenta de mais importante para a sociedade: a sua essência material. Estar-se-ia em face de uma absurda inversão de valores. Existindo o direito material, repugna à democracia e ao ideário da República (CF, 3º) deixar de protagonizá-lo — e são os protagonistas credenciados que trazem, imanente, o encargo político e jurídico de encontrar os meios adequados para garantir o êxito dessa função integradora, fazendo-os inserir na práxis operativa, mitigando, assim, o risco de enfraquecer o Direito. Não podem ser olvidadas as palavras de Calamandrei, quando alertou que o processo só não se reduz “a uma pálida forma sem sangue” se conseguir, como um “cordão umbilical”, fazer circular o “direito substancial” — e com ele alimentar o processo44.

Não se pode negar que, a partir de 1985, com o advento do inquérito civil e da ação civil pública, houve notável incremento das iniciativas voltadas à defesa dos direitos e interesses difusos e coletivos. Porém, parece não ter sido suficiente — ou, então, produziu resultados insatisfatórios. Em pesquisa recente sobre o índice de confiabilidade de algumas instituições brasileiras, realizada pelo IBOPE e catalogada sob o n. 165/200645, o Ministério Público ficou com 44%, o Poder Judiciário, com 40% e, a Polícia, com modestos 33%.

Sem conferir à pesquisa atributo de verdade absoluta, sobram poucas dúvidas de que o sistema brasileiro de justiça — no qual se inclui o Ministério Público — está muito a dever à sociedade, justificando quaisquer iniciativas que, com honestidade de propósitos e despidas de vaidades e volúpias corporativas, se proponham a reduzir esse débito — inclusive a de adequar aos preceitos constitucionais e racionalizar a atuação do Ministério Público na condição de fiscal da lei.

7. Relação com o Judiciário em face das mudanças do sistema tradicional

Evidentemente, a proposta não chega ao exagero de propor o estancamento completo do fluxo de processos do Judiciário para o Ministério Público. Em destaque precedente foi ressaltado que, do ponto de vista numérico, a mais importante fonte de alimentação da pauta de trabalho do Ministério Público, em matéria cível, reside no Poder Judiciário.

Desta forma, mesmo que a atuação como fiscal da lei se restrinja à defesa dos valores contemplados no caput do art. 127 da Constituição e, circunstancialmente, ao suprimento de falhas ou lacunas deixadas pelos patronos dos titulares dos direitos ou interesses indisponíveis em torno dos quais tenha se instaurado a lide, ainda assim o fluxo mantém sua importância, já que não podem ser desconsideradas virtuais deficiências do trabalho profissional desenvolvido na defesa daqueles interesses, especialmente quando esta fica a cargo da assistência judiciária gratuita —circunstância que tenderia a demandar, em complemento, o socorro do Ministério Público.

A par disso, pode acontecer, especialmente nos mandados de segurança ou em ações em que figure como parte pessoa jurídica de direito público ou, de algum modo, envolva bem público, que ao Ministério Público convenha perquirir os fatos nelas deduzidos, seja para, mediante ação própria, obstar a repetição continuada de atos administrativos ilegais, seja para sindicar eventuais improbidades. Era o que preconizava Othon Sidou, antes mesmo da vigência da Carta de 1988: “deixar ao exclusivo critério do dito órgão (o Ministério Público) compor, ou não, a relação processual, embora obrigatoriamente cientificado”46.

Muito embora seja prerrogativa do juiz de intimar ou dar vista dos autos ao Ministério Público, já que é ele quem conhece e avalia preliminarmente o interesse presente na causa, sua discricionariedade sofre balizamentos. Não lhe é facultado, por exemplo, suceder-se no juízo reservado ao Ministério Público acerca da oportunidade, natureza ou conteúdo da intervenção. São questões que apenas ao representante ministerial cabe resolver, à luz dos valores jurídicos, éticos e políticos compreendidos nos limites de sua independência funcional. Será ele o único responsável por seus atos — e por eventuais omissões. Já o dizia Egas Muniz de Aragão: “... o juiz ou o tribunal não são senhores de fixar a conveniência ou a intensidade e profundidade da atuação do Ministério Público. Este é que a mede e desenvolve”47.

E, sem aprofundar a pesquisa, este é também o entendimento de outros respeitáveis processualistas. Celso Agrícola Barbi, em exegese do inciso III do art. 82 do CPC, propõe, como forma apta à aplicação da norma, que se considere a “disposição como simples faculdade do Ministério Público de participar de causas em que, a seu juízo, haja interesse público”48 . Arruda Alvim, igualmente, reconhece que a decisão quanto a intervir ou não se insere no poder discricionário do Ministério Público, não do Poder Judiciário49. E, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, firmou-se o entendimento no sentido da “impossibilidade de coagir o órgão a manifestar-se”, considerando-se “efetivo o pronunciamento se o Ministério Público, abordando a questão de fundo, entende que, por força da substância da mesma, não deve atuar como custos legis”.50

Mesmo porque, conforme adverte de Adroaldo Furtado Fabrício,

A posição do Ministério Público é de inteira autonomia em face do Poder Judiciário, ao qual não se liga por qualquer espécie de vínculo hierárquico, administrativo ou organizacional. Portanto, ao Poder Judiciário falecem atribuições para supervisionar a atuação do Ministério Público no que se refere à forma, à intensidade, eficácia ou extensão de sua intervenção51.

De fato, como observou oportunamente Calmon de Passos, “não se deve, pois, confundir participação obrigatória, que existe, com atuação obrigatória, que inexiste”, posto que, conquanto “obrigado a ser sujeito da relação processual, não é ele obrigado a praticar atos no processo”52.

Em verdade, mesmo sob o ponto de vista semântico, conforme se lê no Dicionário Aurélio, há substancial diferença entre os verbos intervir (“tomar parte voluntariamente meter-se de permeio, vir ou colocar-se entre, por iniciativa própria ingerir-se”) e atuar (“exercer atividade, ou estar em atividade agir”). Trazendo o enfoque para o campo processual, a ação traduzida pelo primeiro se aperfeiçoaria com o simples ingresso voluntário no processo, enquanto a do segundo demandaria ingressar e agir, no sentido de praticar algum ato processualmente relevante.

Com base neste raciocínio, parece perfeitamente possível desdobrar a intervenção do Ministério Público no processo civil, quando provocado a fazê-lo na condição de fiscal da lei, em pelo menos duas modalidades: substancial e formal. Seria substancial quando importasse um “atuar”, ou seja, um ato de defesa em face de quaisquer dos valores a que alude o art. 127, caput, da Constituição Federal. E seria formal quando, cumprindo exigência legal, significasse apenas a integração do Ministério Público ao processo, hipótese em que resultaria atendida mediante simples conhecimento oficial da matéria deduzida nos autos. Supõe-se, porém, que, mesmo sendo meramente formal a intervenção, far-se-ia necessário, em cumprimento do dever funcional estabelecido no art. 43, inciso III, da Lei n. 8.625/1993, e em respeito ao princípio da publicidade dos atos processuais (CF, 5º, LX), que o Ministério Público declinasse, ainda que de maneira sucinta, as razões de seu posicionamento.

8. Considerações finais

A racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil como fiscal da lei é uma questão que precisa ser olhada, sobretudo, sob a ótica do compromisso e da responsabilidade das instituições públicas com a realização dos fins do Estado (CF, 3º), afastando-se por inteiro as paixões pessoais ou corporativas. Não podem os integrantes do Ministério Público, egoisticamente, contrapor o argumento de que a proposta levaria à perda de espaços institucionais politicamente relevantes, da mesma maneira como é incogitável que a ela venham a aderir estimulados apenas pela perspectiva de uma virtual diminuição da carga de trabalho. E, no plano externo, não seria lícito a nenhuma outra instituição interpretá-la como uma tentativa velada do Ministério Público banquetear-se na omissão e na comodidade. Ou, quiçá, de fazer-se menos solidário com a instituição da Magistratura, no árduo e dignificante trabalho de outorga da jurisdição.

Não existem segredos a autorizar especulações dessa índole. O que existe é uma ordem jurídica rígida e formal, que contempla uma estrutura orgânica e um elenco de funções e objetivos fundamentais de Estado, cujo implemento se impõe como dever inarredável de todos os entes que compõem aquela estrutura — que estão ligados entre si pelo vínculo da responsabilidade, corolário e apanágio da República sob cuja égide se estruturou juridicamente a Nação.

Em 27.1.2007.



1. BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações Constitucionais: novos direitos e acesso à justiça. Tese de doutoramento em Direito, UFSC. Florianópolis: Habitus Editora, 2001, p. 68-69.

2. Essas alterações já foram reconhecidas pelo Superior Tribunal de Justiça em debate travado no julgamento do REsp 493.811-SP, relatora a Ministra Eliana Calmon.

3. Conforme esclarece o autor, o “poder impediente”, consiste no poder de vetar decisões tomadas pelos órgãos legislativos e administrativos. Era a função da Tribunitia Potestas, da antiga Roma antiga, ulteriormente distinguida por Montesquieu como la faculté d’empêcher.

4. COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais. Belo Horizonte: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, n. 40, jul/dez 2001, p. 63.

5. STF – Pleno. MS n. 21.239-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence. RTJ 147/129-30.

6. CHIVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, vol. II. Trad. J. G. Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969, p. 87.

7. GROPPALI, Alessandro. Introdução ao Estudo do Direito. 3ª Ed. Trad. Manuel de Alarcão. Coimbra: Coimbra Editora, 1978, p. 95-96.

8. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 192-93.

9. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, p. 1116.

10. CANOTILHO, J. J. Gomes. Ob. cit., p. 1113.

11. No Estado de Santa Catarina, consoante prescreve o art. 85, inciso VII, da Constituição Estadual, os representantes do Ministério Público nas comarcas estão legitimados a aforar diretamente, perante o Tribunal de Justiça, ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal contestado em face da Carta Estadual.

12. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1991, p. 10.

13. STF, ADIn 293-7/600, rel. Min. Celso de Mello. RT 700/221, 1994.

14. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.

15. LE BOM, Gustave. A Revolução Francesa e a Psychologia das Revoluções. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1922, p. 15-16.

16. PIOVESAN, Flávia. Democracia, Direitos Humanos e Globalização. Disponível em www.dhnet.org.br. Consulta em 9.1.2007.

17. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade. Para uma teoria geral da política. 11ª ed. Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 1994, p. 157.

18. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Democracia, Constituição e princípios constitucionais: notas de reflexão crítica no âmbito do direito constitucional brasileiro. Disponível em: www.tre-sc.gov.br. Consulta em 9.1.2007.

19. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição

20. MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 72.

21. APPIO, Eduardo. A Ação Civil Pública no Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, 2005, p. 46.

22. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Trad. Tupinambá Pinto de Azevedo. Conferência pronunciada em Porto Alegre, em 26.11.1984. Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul – separata, vol. 1, n. 18, p. 15, 1985.

23. STJ, 2ª Turma. REsp. 493.811-SP, rel. Min. Eliana Calmon. J. 11.11.2003. Disponível em: www.stj.gov.br. Consulta em 9.1.2007.

24. O Código Civil estabelece: “Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”

25. DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 32.

26. Decisões recentes do STJ têm admitido legitimidade ativa do Ministério Público para ações em defesa de direito individual considerado indisponível nos termos da Constituição, como, por exemplo, o direito à saúde e à educação (REsp 865.901, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU 14.12.2006, e REsp 851.174, rel. Min. Luiz Fux, DJU 20.11.2006). Da ementa do último julgado consta (www.stj.gov.br, consulta: 17.1.2006): [...] 6. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis. 7. Sob esse enfoque, se destaca a Constituição Federal no art. 230: ‘A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida’. Conseqüentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129). 8. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto do Idoso, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. 9. Outrossim, o art. 74, inc. III, da Lei 10.741/2003 revela a autorização legal a que se refere o art. 6º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como ‘substituição processual’. 10. Impõe-se, ressaltar que a jurisprudência hodierna do E. STJ admite ação individual capitaneada pelo MP (Precedentes: REsp 688052/RS, Ministro HUMBERTO MARTINS, DJ 17.08.2006 REsp 822712/RS, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 17.04.2006 REsp 819010/SP, Ministro JOSÉ DELGADO, DJ 02.05.2006).

27. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 683.

28. STJ, Corte Especial, EDivREsp 114.908-SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 7.11.2001, DJU 20.5.2002, p. 95.

29. STJ, REsp 182.556-RJ, rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 20.5.2002. Disponível em www.stj.gov.br. Consulta em 16.1.2007.

30. CARNEIRO, Athos Gusmão. Ação Civil Pública. Direitos Individuais Homogêneos. Limitações a sua tutela pelo Ministério Público. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil n. 12. Jul/Ago 2001, p. 5.

31. DINAMARCO, Cândido Rangel. Ob. cit., p. 683.

32. STJ, 1ª Turma, REsp 865901-RS, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 5.12.2006, DJU 14.12.2006, p. 316

33. STJ, 6ª Turma, AgRg no Ag 2004.0032616-1, rel. Min. Nilson Naves, j. 30.5.2006, DJU 14.8.2006, p. 340.

34. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 431.

35. BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, tomo II, arts. 56 – 153. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 378.

36. BARBOZA, Heloisa Helena. O poder discricionário do Ministério Público na avaliação dos interesses indisponíveis. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, vol. 1, n. 2, p. 48, jul.-dez. 1995.

37. BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 167.

38. DINAMARCO, Cândido Rangel. Ob. cit., p 684.

39. FAGUNDES, M. Seabra. O Ministério Público e a preservação da ordem jurídica no interêsse coletivo. São Paulo: Revista Justitia, vol. 35, 4º trimestre 1961, p. 9.

40. ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 38.

41. Segundo a revista Veja, edição de 10.1.2007, p. 47, no Estado de Minas Gerais, 9,2% da população foi vítima de roubo — mas 73% das vítimas não acionaram a Polícia.

42. No Brasil, 570 mil mandados de prisão expedidos pela Justiça ainda não foram cumpridos (Revista Veja, ed. 10.1.2007, p. 46).

43. HESSE, Konrad. Ob. cit., p. 19.

44. CALAMANDREI, Piero. Estudos de Direito Processual. Trad. Karina Fumberg. Campinas (SP): LZN Editora, 2003, p. 112.

45. A pesquisa, realizada em julho de 2006, teria sido encomendada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP. Todavia, não está publicada no sítio oficial da entidade. Nem no do IBOPE.

46. SIDOU, J. M. Othon. Do Mandado de Segurança. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1969, p. 378.

47. ARAGÃO, Egas Dirceu Muniz de. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. II, 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 301.

48. BARBI, Celso Agrícola. Ob. cit. p. 380. Os grifos são nossos.

49. ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, vol. I, 10ª ed. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 2006, p. 501.

50. STJ, 1ª Turma. REsp 696.339-CE, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 6.9.2005. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: 12.1.2007.

51. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 542.

52. PASSOS, J. J. Calmon de. Intervenção do Ministério Público nas causas a que se refere o art. 82, III, do Código de Processo Civil. Revista Forense: Rio de Janeiro, vol. 268, p. 51, jul./dez. 1979.


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