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Sua Majestade, o Traficante

Por: Cristiano Ledur

Recentes reportagens na mídia têm mostrado a impotência do Estado ante o flagelo de jovens dependentes, principalmente de crack, levando à ruína até mesmo sólidas estruturas familiares. Tal situação, se não na íntegra, mas em grande parte, origina-se na atual e permissiva abordagem dada às substâncias entorpecentes.

O processo legislativo, por essência, deveria acompanhar a evolução da sociedade, regulando carências e impondo limites. A questão relativa a entorpecentes, assim, não deveria ser exceção à regra. Todavia, a atual Lei Antidrogas (Lei nº 11.343/06), que se esperava viesse impor sanções mais severas ao comércio de entorpecentes, transformou o traficante em uma divindade, um criminoso diferente e merecedor do maior crédito estatal. A ele não mais se aplica o princípio de que todos são iguais perante a lei, sendo-lhe concedida absurda redução de pena caso primário, o que o torna um criminoso especial aos benevolentes olhos do legislador.

Em um exemplo real, e não apenas figurativo, é possível que um traficante, preso no início do ano letivo, retorne às ruas já no segundo semestre, vendendo drogas a jovens em frente a qualquer escola deste país. A hipótese pode chocar, mas, caso imposta pena mínima, terá de cumprir apenas oito meses antes de voltar à liberdade. A prisão, assim, passa a ser uma abstração, e não uma regra, como era de se esperar.

E, no tocante ao consumidor, a situação não é diferente. É justo e coerente que não se imponha privação de liberdade ao usuário de drogas, por vezes impotente vítima de seu vício. Todavia, a aplicação de penas alternativas já existia desde 1998 e sempre foi a regra em tais casos, restando a prisão apenas como forma de coerção pelo descumprimento injustificado de, por exemplo, um serviço comunitário. Agora não, o usuário, fomentador incontestável do comércio e única razão da existência do tráfico, ganhou o maior benefício de todo o sistema penal, não podendo mais ser preso, ainda que, de forma intencional, desrespeite punição alternativa a que judicialmente foi obrigado a cumprir.

A lei antiga, mais sábia, permitia diferenciar o usuário que financia o tráfico do dependente, aplicando a eles tratamento condizente. A atual, ao contrário, tornou-os vítimas, desconsiderando que é o prazer egoísta do consumidor que mantém a estrutura de financiamento do crime organizado. E isso é um erro que terá conseqüências severas nas novas gerações.

A atual lei, ao criar benefícios especiais para traficantes, desprestigiando o trabalho de repressão policial e tornando inócuas decisões judiciais, veio na contramão da História. Tropa de Elite pode incomodar os mais puritanos, mas uma análise desapaixonada mostra que Capitão Nascimento tem razão, pois não é certo que a sociedade tenha de portar-se, resignada, tal qual súditos diante de Sua Majestade, o Traficante.

*Cristiano Ledur é promotor de Justiça de Carazinho / RS


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