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Parto anônimo

Por: Maria Regina Fay de Azambuja

Todos nós temos uma origem, querendo ou não. É fato incontestável. Pois bem, circula anteprojeto de lei denominado Parto Anônimo. Dito documento, no artigo segundo, em nome do superior interesse da criança, assegura à mãe o direito de dispor da maternidade e manter em sigilo sua identidade. Na justificativa, é ressaltado o elevado número de crianças abandonadas, em especial recémnascidas. Nenhum dado estatístico, no entanto, é anunciado. Aduz que a criminalização da mãe que pratica o abandono não tem o condão de evitar as trágicas ocorrências, pelo contrário, agravaria a situação. O medo da punição levaria as mães a buscar formas mais cruéis e indignas de praticar o abandono. Será?

No embasamento do anteprojeto, há menção à velha e ultrapassada roda dos expostos, afirmando que o Parto Anônimo segue a mesma tônica, o mesmo mecanismo, oferecendo à mãe a segurança de que sua identidade se manterá em sigilo em nome do direito de dispor da maternidade que pretende instituir com a aprovação da iniciativa legislativa. Tem mais. Os hospitais e postos de saúde deverão manter um local de acesso não identificado, destinado às mães que pretendem fazer uso do novo direito. Local secreto? É possível esconder a vida que a mulher carrega no ventre? Em nome de quem?

Ao tempo da roda dos expostos, dispúnhamos de ínfimos conhecimentos sobre o desenvolvimento do bebê se compararmos com o que a ciência hoje nos disponibiliza. A criança, naquele tempo, não era sujeito de direitos, condição que a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança lhe conferiu somente no final do século passado, em 1989.

A justificativa conclui que o Parto Anônimo encontra respaldo jurídico na Constituição Federal e no artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio, em condições dignas de existência. Não haveria outras políticas públicas a serem priorizadas em defesa da dignidade da criança sem a necessidade de reinventar a roda?

O tema é complexo e está a exigir reflexão e estudo, com a participação de todos os segmentos envolvidos com a criança. É preciso, ao contrário do que dispõe o anteprojeto de lei, tirar da clandestinidade o drama das mães que não conseguem acolher seus bebês, trazendo ao debate, ao lado dos legisladores e juristas, os profissionais da saúde mental, da pediatria, do serviço social e de todos aqueles que efetivamente se dedicam à criança, ainda que recém-nascida e abandonada.

*Maria Regina Fay de Azambuja é Procuradora de Justiça e professora na PUC / RS


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