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O veto equivocado à Lei n.º 11.719/2008

Por: André Estefam

A Lei n.º 11.719, de 20 de junho de 2008, quando entrar em vigor, trará diversas alterações no procedimento penal. Com respeito à citação, haverá importantes modificações, como a previsão de citação por hora certa se o réu estiver se ocultando para não ser citado.

Duas modificações implementadas pelo Congresso Nacional, contudo, foram vetadas pelo Presidente da República: (i) o novo art. 366, o qual estabeleceu que, se o réu estiver em local inacessível, deverá ser citado por edital (ii) os §§ 2.º e 3.º do art. 363, que disciplinam de modo detalhado as conseqüências da suspensão do processo decorrente de citação editalícia.

Eis a redação do art. 363, com a transcrição dos dispositivos vetados (grifo nosso): "Art. 363. O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado.
§ 1º Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por edital.
§ 2º (VETADO) Não comparecendo o acusado citado por edital, nem constituindo defensor:
I – ficará suspenso o curso do processo e do prazo prescricional pelo tempo correspondente ao da prescrição em abstrato do crime objeto da ação (art. 109 do Código Penal) após, recomeçará a fluir aquele 
II – o Juiz, a requerimento da parte ou de ofício, determinará a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida 
III – o Juiz poderá decretar a prisão preventiva do acusado, nos termos do disposto nos arts. 312 e 313 deste Código.
§ 3º (VETADO) As provas referidas no inc. II do § 2.º deste artigo serão produzidas com a prévia intimação do Ministério Público, do querelante e do defensor público ou defensor dativo designado para o ato.
§ 4º Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o processo observará o disposto nos arts. 394 e ss. deste Código".

Note que o legislador visava a disciplinar de modo mais técnico e completo a suspensão do processo em virtude de citação por edital (atual art. 366 do CPP). Seu intento, contudo, não prevaleceu diante do veto, o qual, segundo entendemos, deveria ser derrubado pelo Congresso Nacional.

De acordo com a Presidência da República, nas razões do citado veto: "A despeito de todo o caráter benéfico das inovações promovidas pelo Projeto de Lei, se revela imperiosa a indicação do veto do § 2º do art. 363, eis que em seu inc. I há a previsão de suspensão do prazo prescricional quando o acusado citado não comparecer, nem constituir defensor. Entretanto, não há, concomitantemente, a previsão de suspensão do curso do processo, que existe na atual redação do art. 366 do Código de Processo Penal. Permitir a situação na qual ocorra a suspensão do prazo prescricional, mas não a suspensão do andamento do processo, levaria à tramitação do processo à revelia do acusado, contrariando os ensinamentos da melhor doutrina e jurisprudência processual penal brasileira e atacando frontalmente os princípios constitucionais da proporcionalidade, da ampla defesa e do contraditório. Em virtude da redação do § 3º do referido dispositivo remeter ao texto do § 2º há também que se indicar o veto daquele. Cumpre observar, outrossim, que se impõe ainda, por interesse público, o veto à redação pretendida para o art. 366, a fim de se assegurar vigência ao comando legal atual, qual seja, a suspensão do processo e do prazo prescricional na hipótese do réu citado por edital que não comparecer e tampouco indicar defensor. Ademais, a nova redação do art. 366 não inovaria substancialmente no ordenamento jurídico pátrio, pois a proposta de citação por edital, quando inacessível, por motivo de força maior, o lugar em que estiver o réu, reproduz o procedimento já previsto no Código de Processo Civil e já extensamente aplicado, por analogia, no Processo Penal pelas cortes nacionais".

O veto, contudo, foi equivocado, pois decorrente de má interpretação da lei. O fato de o art. 363, § 2º, I, somente dispor sobre a suspensão da prescrição (quando o acusado, citado por edital, não comparecesse e não constituísse defensor), sem determinar de modo textual a correspondente suspensão do processo, decorre do fato de que tal suspensão está estabelecida (implicitamente) em outro dispositivo da lei: o art. 396, par. ún., do CPP ("No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído"). Ora, se o prazo da defesa, na hipótese de citação editalícia, somente correrá do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído, é evidente que, nesse caso, o processo ficará suspenso (a resposta escrita, no novo rito, será peça obrigatória, sem a qual o processo permanecerá, necessariamente, com seu curso obstaculizado).

Conclui-se, então, que se mostrava correta a sistemática adotada pela Lei n. 11.719, ao determinar: (i) a suspensão da prescrição da pretensão punitiva no art. 363, § 2º, I, disciplinando todas as questões subjacentes nos demais incisos e no § 3º e (ii) a suspensão do processo (implicitamente) no art. 396, par. único.

Roga-se, pois, que o Congresso Nacional derrube o veto, fazendo valer as disposições por ele aprovadas.

*André Estefam é promotor de Justiça e Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP.


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