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A "Reforma Do Judiciário" Vai Reduzir Os Crimes?

Por: Lélio Braga Calhau

A “Reforma do Judiciário” foi promulgada e a criminalidade não será reduzida em quase nada. Essa reforma possui um poderoso caráter simbólico e nesse ponto se identifica com um grande número de leis criminais brasileiras. Elas dão a impressão que algo está sendo feito, mas na prática os resultados positivos são minguados. A reforma, em si, não é ruim. O problema é a clara exploração de uma (falsa) mensagem que houve um grande avanço, pois estão prometendo coisas para a população que a reforma por si só não poderá resolver.

O Brasil tem leis penais severas. O problema ocorre na aplicação dessas leis nos casos concretos. Isso se faz através do processo penal, fato que não foi tratado por essa emenda constitucional e que vem sendo anunciado numa próxima reforma legislativa. Alguns pontos demandam uma necessária reavaliação.

A prescrição de crimes no Brasil é sinônimo de impunidade, pois diversos delitos médios prescrevem em prazo muito curto  (exemplo: o abuso de autoridade prescreve em dois anos), existe um excesso de recursos processuais penais, os julgamentos pelo Tribunal do Júri são quase sempre complicados e é comum sua anulação posterior pelo Tribunal (com a realização tardia de outro julgamento) por falha no procedimento. São comuns os casos que ocorrem nulidades e os réus acabam sendo julgados novamente por falha no procedimento. Não é difícil encontrar situações onde os jurados também se confundem ao votar os quesitos e o processo acaba sendo anulado também pelo tribunal.
  
Os foros privilegiados deveriam ter o seu número atual reduzido, mas o Congresso Nacional sinaliza optar pelo sentido contrário. Mesmo sendo julgados posteriormente inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, os processos criminais vão se arrastando e as prescrições irão acontecer em massa. Quando isso não ocorrer, a prova já será sensivelmente prejudicada. Nosso sistema processual penal utiliza com preponderância a prova testemunhal. A coleta dessa prova anos depois do crime fica enfraquecida, pois as testemunhas acabam esquecendo detalhes dos crimes.

Muitos crimes no Brasil deveriam ser descriminalizados e transformados em infrações administrativas (punidos com multa, não com prisão). Todavia, a pena do restante dos crimes deveria ser reavaliada. A situação atual estarrece qualquer um.  Não existe proporcionalidade nas penas de vários delitos. Por exemplo, a pena mínima de maus tratos de animais é de três meses de detenção, já a do crime de maus tratos de seres humanos é de dois meses. Ora, a reprovabilidade de um crime contra uma pessoa é maior do que o mesmo delito praticado contra um animal, mas a pena mínima quando a vítima é um animal é maior. Isso ocorre com freqüência e também tira a confiabilidade do sistema criminal.

As vítimas criminais deste país (ao contrário do que pensa uma grande parte do Poder Judiciário) estão bem descontentes com o Juizado Especial Criminal. Cada vez mais são publicados livros afirmando que o Juizado Especial Criminal caminha para ser o “Titanic” do meio jurídico, se nada for feito para alterá-lo. Inexiste uma fiscalização efetiva do cumprimento das penas alternativas. Muitas vezes, quando esse descumprimento é detectado, a pena já é tarde e nada pode ser feito. A adoção pelo Poder Judiciário da tese que a contravenção penal de vias de fato exige representação das pessoas agredidas simplesmente oficializou no Brasil a violência doméstica. Kant de Lima, Amorim e Burgos alertam, ainda, para o alto percentual de desistência das vítimas nos juizados especiais criminais do Brasil. Pois sendo alta a desistência é sinal de que o sistema não tem atuado efetivamente sobre o conflito, devolvendo-o às partes para que (não) o resolvam, e o que é pior, sinalizando que as instituições não estão em condições de dar respostas.        

* Lélio Braga Calhau é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha).Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). Presidente da seção mineira da Sociedade Brasileira de Vitimologia


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