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A Lei 11.113 de 2005 e o “Veto Pleonástico” do Presidente da República / Ministro da Justiça

Por: Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira

“Em uma terra de fugitivos,
aquele que anda na direção contrária 
parece estar fugindo”(TS.Eliot)


Vejamos as mudanças e alguns comentários relevantes:

Legenda:

Preto = legislação atual

Vermelho = mudanças trazidas pela Lei 11.113/2005

Azul – comentários do Professor Thales Tácito



Mais uma vez, esquecendo que a lei processual penal tem aplicação imediata, o Sr. Presidente da República e Ministro da Justiça vetam dispositivo da Lei 11.113, de 13 de maio de 2005, como se fosse possível “vacatio legis” para lei processual penal.

A Lei 11.113 de 2005 disciplina a mudança no artigo 304 do CPP, versando, pois, sobre matéria de processo penal(auto de prisão em flagrante delito), dando nova redação ao "caput" e ao § 3º do art. 304 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º. O caput e o § 3º do art. 304 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.
§ 3º. Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que tenham ouvido sua leitura na presença deste." (NR)

Redação antiga:

Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e as testemunhas que o acompanharam e interrogará o acusado sobre a imputação que lhe é feita, lavrando-se auto, que será por todos assinado.

Nota: A diferença da nova lei com a antiga, no tocante ao caput, está exatamente na colheita de assinaturas reais de todos presentes, inclusive do condutor, desde logo, com cópia para este do termo e do recibo da entrega do preso, para evitar que o condutor não saiba ou não lembre em juízo do que realmente foi feito no APFD, dando mais legitimidade e ampla defesa ao próprio preso, evitando com isso mera confirmação em juízo do que foi falado na fase policial quando sequer se lembrava o condutor do que havia dito ou mesmo registrado, fingindo a Justiça acreditar em tudo aquilo.

§ 3º. Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que lhe tenham ouvido a leitura na presença do acusado, do condutor e das testemunhas.

Nota: Por outro lado, sendo fiel da balança, o legislador suprimiu a exigência das “testemunhas a rogo” ouvirem a leitura das peças na presença do investigado, condutor e demais testemunhas, ou seja, basta a leitura para as testemunhas a rogo(duas) e na presença do investigado, não precisando mais na presença de todos demais testemunhas e do condutor, eis que o investigado estará presenciando tudo e tendo o princípio da informação do que é acusado quando se recusa a assinar(princípio da inocência – não é obrigado a se auto acusar) ou quando for analfabeto ou não puder faze-lo(braço quebrado, lepra, outra doença etc).


Art. 2º. (VETADO).

Brasília, 13 de maio de 2005 184º da Independência e 117º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Márcio Thomaz Bastos 
DOU, de 16.05.2005

O que chama atenção na Lei 11.103/05 foi o veto no artigo 2º, que dizia: “esta lei entra em vigor na data de sua publicação”.

Como se sabe, as leis processuais penais, em razão do art.2º do CPP, são exceções em relação à LICC, pois nestas, no silêncio da lei, eles entram em vigor 45 dias depois da publicação, enquanto que nas leis processuais penais, pelo art. 2º do CPP, no silêncio da lei, elas entram em vigor imediatamente.

Um intérprete, se entender pelo sofisma do veto, que a lei somente vigorará em 45 dias, estará dando causa à irregularidade do auto de prisão em flagrante, com possível relaxamento deste por inobservância da nova formalidade legal, que entrou em vigor na data da publicação da lei, ou seja, 16 de maio de 2005(artigo 2º do CPP).

Portanto, lei processual penal que tenha artigo dizendo que “entra em vigor na data de sua publicação”, vetando ou não este dispositivo, ela entrará em vigor na data de sua publicação, ou seja, haverá um “pleonasmo jurídico” se houver veto, induzindo muitos a erro, pois somente o Pode Legislativo poderia dispor expressamente de modo diverso, jamais o Poder Executivo no veto, face o artigo 2 º do CPP.

Talvez tenha sido a data da lei que causou “azar” neste veto(sexta-feira 13), esquecendo o Sr. Presidente da República e Ministro da Justiça do artigo 2º do CPP.

Esta não é a primeira vez que o Presidente da República e Ministro da Justiça provocam um “veto com pleonasmo” ou numa neologia, “veto pleonástico”.

Isto aconteceu também com a Lei 10.732, de 5 de setembro de 2003, publicada no dia 8 de setembro do DOU, que instituiu o interrogatório no rito dos crimes eleitoras, eis que era o único rito sem previsão de interrogatório, sendo não recepcionada pela CF/88 ausência deste quando esta consagrava a ampla defesa e contraditório.

Vejamos o motivo do veto da Lei 10.732/03:

MENSAGEM Nº 444, DE 5 DE SETEMBRO DE 2003.
Mensagem no 444
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariar o interesse público, o Projeto de Lei no 79, de 2001 (no 2.448/00 na Câmara dos Deputados), que "Altera a redação do art. 359 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral (institui a obrigatoriedade do depoimento pessoal no processo penal eleitoral)".
Ouvido, o Ministério da Justiça manifestou-se pelo veto ao dispositivo a seguir:
Art. 2o 
"Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação."
Razão do veto
"Dadas as implicações para a imediata implantação do procedimento a ser adotado, o interesse público recomenda veto ao seu art. 2o, atinente à imediata entrada em vigor da norma. 
Em conseqüência do veto a esse dispositivo, a lei vigorará quarenta e cinco dias após sua publicação oficial, segundo expressa o art. 1o do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942 (a chamada Lei de Introdução ao Código Civil), o que possibilitará à Justiça Eleitoral adotar as medidas necessárias a ajustar-se ao novo comando."
Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o dispositivo acima mencionado do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Conforme se observa, o motivo do veto foi dar a nova lei o instituto da vacatio legis, ou seja, um intervalo entre a publicação da Lei(dia 08 de setembro de 2003) e sua entrada em vigor, intervalo este de 45 dias no Brasil e 3 meses no exterior, segundo a Lei de Introdução ao Código Civil, possibilitando aos destinatários e aplicadores da lei um tempo mínimo para ajuste de pautas e procedimento dentro da Justiça Eleitoral.
Ledo engano.
A vacatio legis, sem dúvida, se aplica quando a lei omite em seu texto, o dia exato da sua entrada em vigor, pois quando consagra a data, prevalece a vontade do legislador(teoria da vontade expressa do legislador)(cf. LC 95/98).
Porém, não se aplica a vacatio legis em duas situações:
1ª - na lei que alterar o processo eleitoral – artigo 16 da CF/88 - segundo este artigo, a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, porém, não se aplicará à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. 
Não confundir vigência (aplicação imediata – não incidência da vacatio legis) com eficácia(“aplicação um ano após a sua promulgação). 
Portanto, toda lei que alterar o processo eleitoral, tem vigência imediata à data de sua publicação.
Porém, terá apenas eficácia imediata(efeitos já aplicados), se publicada um ano antes da eleição em trâmite, pois do contrário terá vigência imediata e eficácia contida(para próximas eleições).
Trata-se da eficácia condicionada ao intervalo de um ano, preservando o princípio da rules of game, para impedir leis casuísticas, elitistas e frutos de poder econômico ou político.

2ª - na lei que alterar o processo penal – artigo 2º do CPP- segundo este artigo, a lei que alterar o processo penal, se expressamente não mencionar em seu texto quando entrará em vigor, terá aplicação imediata, ou seja, se uma lei de processo penal silenciar quanto à sua entrada em vigor, terá aplicação imediata, não se aplicando, também, a vacatio legis. É o caso da Lei 11.113 de 2005, em comento.


Portanto, como a Lei 10.732 de 5 de setembro de 2003, publicada no dia 8 de setembro de 2003(DOU), em virtude do veto presidencial, silenciou a data de sua entrada em vigor, segundo o artigo 16 da CF/88, por tratar-se de alteração do processo eleitoral criminal, terá vigência imediata e também eficácia imediata(já que publicada antes de um ano das eleições de 2004, ou seja, mais de um ano antes de 03 de outubro de 2004). E mesmo que assim não se entendesse, o artigo 364 do Código Eleitoral impõe a aplicação subsidiária do CPP, logo, por força do artigo 2º do CPP, a lei que altera o processo penal(como mudança no interrogatório do réu) tem aplicação imediata(e sendo norma subsidiária do CPP, não se aplica o artigo 16 da CF/88).


CONCLUSÕES.

Desta forma, se a Lei 10732/03 não fosse aplicada imediatamente(CF/88, artigo 16), ocorreria nulidade absoluta 1 , em virtude da violação dos princípios constitucionais da ampla defesa(o interrogatório é meio de defesa e não de prova, face o princípio constitucional da inocência) e do contraditório(já que no interrogatório o réu pode dar sua versão contrária à acusação elaborada na prefacial acusatória).


De igual sorte(ou azar da Autoridade Policial que confiar numa “falsa vacatio legis”), a nova redação do artigo 304, parágrafo segundo do CPP tem aplicação imediata à sua publicação(16/5/05), sendo ilegalidade(e não “nulidade” do IP, eis que neste vigora o princípio inquisitório e informativo) o não cumprimento da mesma a partir desta data, podendo provocar a perda coercitiva do auto de prisão em flagrante delito, caso não cumprida, provocando o relaxamento do flagrante.
Finalmente, cumpre registrar e atualizar, ainda na fase do auto de prisão em flagrante delito que o STJ entendeu recentemente que a Lei 10.792/03, ao revogar o artigo 194 do CPP, também derrogou tacitamente os artigos 15 e 262 do CPP, face a incompatibilidade da nova lei com o CPP(derrogação tácita da LICC).

Portanto, agora não é mais preciso curador ao investigado que possuir entre 18 anos completos a 21 anos de idade, seja na fase judicial(diante da revogação do artigo 194 do CPP pela Lei 10792/03), seja na fase policial(derrogação tácita pela LICC, segundo STJ, diante da interpretação lógica, ou seja, se não mais exige curador para o mais – fase judicial, onde há contraditório e ampla defesa – não se pode exigir para o menos – fase policial, onde não há contraditório e ampla defesa).

Neste sentido o STJ decidiu pela “derrogação tácita” do artigo 15 do CPP:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 16.947 - PR (2004/0167122-5)
RELATOR : MINISTRO GILSON DIPP
RECORRENTE : LEANDRO VAZ CORREA (PRESO)
ADVOGADO : JULIANO MATTAR MARTINS DO CARMO
RECORRIDO : TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DO PARANÁ

EMENTA
CRIMINAL. RHC. PORTE ILEGAL DE ARMA. NULIDADE DO FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE CURADOR AO RÉU MENOR. INOCORRÊNCIA. LEI Nº 10.792/03. EXIGÊNCIA AFASTADA. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. MOTIVAÇÃO FULCRADA EM CONJECTURAS. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I. Não se reconhece nulidade do auto de prisão em flagrante, decorrente da falta de nomeação de curador ao réu menor, se o ato foi realizado após a vigência da Lei nº 10.792/03, que extinguiu a figura do curador com a revogação do art. 194 do CPP.
II. Derrogação tácita dos arts. 15 e 262 e da parte final da alínea “c” do inciso
III do art. 564, todos do CPP.
III. Exige-se concreta motivação para o indeferimento do pedido de liberdade provisória, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. Precedentes.
IV. As elucubrações sobre a possível instauração de inquéritos para apurar outros supostos delitos atribuídos ao recorrente não podem respaldar a medida constritiva.
V. Deve ser concedido o benefício da liberdade provisória ao recorrente, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgador de 1º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação
concreta.
VI. Recurso parcialmente provido.


Portanto, a figura do curador somente permanece para o índio culturado, cujo representante é membro da FUNAI(Estatuto do Índio), uma vez que o índio aculturado é inimputável.



1 Apesar do artigo 564, III, “e” c/c artigo 572 sugerir que a nulidade é relativa(Paes de nulitté sans grief), cabendo a parte demonstrar o prejuízo, a nulidade será absoluta por força da quebra do dogma constitucional da ampla defesa e do contraditório.

Referência infra-constitucional:
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa.

Art. 572. As nulidades previstas no artigo 564, III, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão sanadas:
I - se não forem argüidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no artigo anterior 
II - se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido seu fim 
III - se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos.

* Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira
Promotor de Justiça/Promotor Eleitoral - MG
Integrante da CONAMP- Setor Eleitoral - Brasília/DF
Professor de Direito Processual Penal da FADOM(graduação) - Divinópolis/MG
Professor de Direito Eleitoral da FADOM(pós-graduação) - Divinópolis/MG
Professor de Pós-graduação(Direito Eleitoral) da Fundação Escola Superior do
Ministério Público-Belo Horizonte
E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Site: www.thales.tacito.nom.br


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