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A Lei 11.106 de 2005 e Polêmicas

Por: Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira

A Lei 11.106/2005, de 28/3/2005 e publicada no DOU no dia 29/03/2005, em todas as suas mudanças, por ser norma de Direito Material, não retroage para os casos anteriores à vigência(leia-se, anteriores a 29/3/2005), em face do artigo 5º, XL da CF/88(“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”), por tratar-se de novatio legis in pejus em diversas de suas disposições.

Todavia, nos crimes por ela revogados houve abolitio criminis, sendo que:
(a) na fase de conhecimento deverá ser o processo extinto por falta de possibilidade jurídica do pedido superveniente 
(b) na fase de execução de penal, o processo deve subir imediatamente concluso ao juiz das execuções para extinção da punibilidade pelo artigo 66, I da LEP.Na fase de execução a Súmula 611 do STF é taxativa: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”.

Vejamos as mudanças e alguns comentários relevantes:

Legenda:

Preto = legislação atual

Vermelho = mudanças trazidas pela Lei 11.106/2005

Azul – comentários do Professor Thales Tácito



LEI Nº 11.106, DE 28 DE MARÇO DE 2005 

DOU 29.03.2005-03-29
DATA DE SUA ENTRADA EM VIGOR



Altera os arts. 148, 215, 216, 226, 227, 231 e acrescenta o art. 231-A ao Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal e dá outras providências.


O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:


Art. 1º Os arts. 148, 215, 216, 226, 227 e 231 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal, passam a vigorar com a seguinte redação:

Seqüestro e cárcere privado

Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 1º A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos:

I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos 

Redação antiga: 
I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge do agente ou maior de 60 (sessenta) anos (Redação dada ao inciso pela Lei nº 10.741, de 01.10.2003, DOU 03.10.2003, com efeitos a partir de 90 dias da publicação)
Thales Tácito: foi incluído no inciso I pela nova lei a expressão “ou companheiro”, o que já era consagrado na Doutrina diante das leis da união estável e da própria CF/88 que equipara tal instituto ao casamento.

II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital 

III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias.

IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos 

V - se o crime é praticado com fins libidinosos.

Thales Tácito: foram incluídos os incisos IV e V.
No tocante ao inciso V dois institutos devem ser lembrados:

(1) Princípio da continuidade-normativa típica1 : o rapto violento(artigo 219 do CP, com pena de 2 a 4 anos) foi revogado e resgatou o antigo rapto violento no crime de “seqüestro ou cárcere privado para fins libidinosos”, cuja pena agora é de 2 a 5 anos.

E os crimes que ocorreram antes de 29/3/05, como deve ser feita a denúncia ?

A denúncia, mesmo sendo crime ocorrido antes de 29/3/2005 deve classificar o crime com a “nova roupagem”, leia-se, artigo 148, §1º, V(eis que o artigo 219 do CP foi revogado pela Lei 11.106/05, artigo 5º), porém, a pena a ser pleiteada deve ser a do artigo 219 do CP(face o artigo 5º, XL da CF/88).

E se já houve denúncia a casos anteriores a 29/03/2005 com a classificação do artigo 219 do CP, hoje revogado ?
O MP pode:
(a) aditar a inicial acusatória(aditamento voluntário) para classificar apenas o delito para 148, §1º, V(eis que o artigo 219 do CP foi revogado pela Lei 11.106/05, artigo 5º), pleiteando a pena, porém, do artigo 219 do CP, ou, se preferir,
(b) na fase de alegações finais pedir ao magistrado, em preliminar, aplicar o artigo 383 do CPP(emendatio libelli) para fazer o ajuste alhures mencionado, eis que houve “definição jurídica diversa superveniente”.


O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVA TÍPICA VS AÇÃO PENAL

Tormentosa é a questão de aplicar ou não o princípio da continuidade normativa-típica em se tratando de ação penal.


Assim, quando o rapto violento deixou de ser crime autônomo para integrar a elementar do seqüestro, deixou de ser ação penal privada para ser pública incondicionada.

Com isso, se questiona:


NASA: Quando um crime “troca de roupa”(de tipo), inclusive de “blaiser/paletó”(ação penal), este também se sujeita à continuidade normativa típica, ou seja, passa a ser de nova ação penal para casos anteriores à vigência da nova lei, ou seja, quando o rapto violento(artigo 219 do CP) deixou de existir como figura autônoma para integrar o crime do 148, parágrafo primeiro, V do CP, passou de ação penal privada para pública incondicionada, logo, isto também ocorrerá para casos anteriores a vigência da Lei 11.106/05 ?

Aqui haverá 3 correntes:

Corrente1: como ação penal é matéria puramente processual, aplica-se imediatamente a nova lei, conforme comando do artigo 2º do CPP, ou seja, tem aplicação imediata inclusive para casos anteriores, aplicando-se, assim, o princípio da continuidade-normativa típica para ação penal, não se falando em retroatividade benigna da ação penal, como ocorre com a pena e liberdade provisória(artigo 5º, XL da CF/88)


Corrente 2: como ação penal é matéria de norma mista, tanto que prevista no CP e CPP, uma vez que apesar da “fachada de norma processual” tem acentuado caráter de direito material(penal), eis que interfere na liberdade do réu, eis que na ação penal privada existem institutos extintivos da punibilidade como decadência, renúncia, perdão e perempção, quando na pública incondicionada não os possui, neste caso não incide o princípio da continuidade normativa típica para ação penal, ou seja, segue ela as regras do Direito penal por ser norma mista, ficando o antigo rapto violento como de ação penal privada(artigo 5º, XL da CF/88.

Corrente 3(Prof. Thales): numa corrente que estabeleço de forma intermediária, os casos anteriores à Lei 11.106/05 serão analogicamente tratados conforme à Súmula 714 do STF, ou seja:

(a) se já tiver sido ajuizado ação penal privada, permanece esta, não se aplicando o princípio da continuidade normativa típica em face de irretroatividade de lei mista maligna, permanecendo a decadência, renúncia, perdão e perempção como causas extintivas de punibilidade 
(b) se contudo, não tiver sido ajuizada queixa-crime nos casos anteriores, ao invés de ser ação penal privada(lei velha – artigo 219) ou mesmo pública incondicionada(lei nova – artigo 148, §2º V do CP), a mesma passa a ser pública condicionada à representação, ou seja, depende da vítima manifestar ao MP, a partir da vigência da lei, no prazo de 6 meses, o desejo de providências na ação penal, restando apenas a decadência como causa extintiva de punibilidade, consagrando, aqui, a Justiça salomônica ao caso concreto.

Portanto, para essa minha terceira corrente, o princípio da continuidade normativa típica sofreria restrição em sua aplicação por ser norma mista e aplicável somente no caso de não ter sido ajuizada queixa crime nos casos anteriores e ainda assim transmudando-se em pública parcial(condicionada à representação da vítima) e não pública plena(incondicionada).

Para esta corrente, portanto, o artigo 225 do CP teria que ser lido assim:

Regra: ação penal privada

Exceção 1: ação penal pública incondicionada - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador

Exceção 2: ação penal pública condicionada à representação da vítima ou seu representante legal:

(a) se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família, sendo que a ação do Ministério Público depende de representação

(b) no caso de rapto violento ocorrido antes de 29/3/05(Lei 11.106/05), por ação penal privada, se já oferecida em juízo ou, não oferecida queixa-crime em juízo, mediante representação da vítima(analogia à Súmula 714 do STF apenas no tocante a dupla legitimidade da vítima).


(2) Circunstância subjetiva e não mais elementar(artigo 30 do CP): “fins libidinosos” deixa de ser elementar do artigo 219 do CP e passa a ser circunstância subjetiva, leia-se, deixa de ser elemento da conduta(do tipo) para ser componente acessório da figura típica, de forma que sua ausência não faz desaparecer o tipo do artigo 148. Quando era elementar(do antigo artigo 219 do CP), comunicava ao co-autor, se este tivesse conhecimento dela. Porém, sendo circunstância subjetiva, não se comunica a co-autor, pois ser de índole pessoal(artigo 30 do CP), de forma que se duas pessoas combinam seqüestro e uma é para fins libidinosos, esta responderá pelo artigo 148, §1º, V, enquanto que a outra apenas pelo artigo 148, caput ou uma das outras qualificadoras do parágrafo primeiro, se o caso.

Posse sexual mediante fraude

Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Redação antiga:
Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude
Thales Tácito: foi suprimida da nova lei a expressão “honesta”, até para evitar discriminação odiosa e machista.

Parágrafo único. Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Atentado ao pudor mediante fraude

Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Redação antiga:
Art. 216. Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Thales Tácito: o legislador suprimiu a expressão “mulher honesta” e além disto trocou o antigo verbo “permitir” por “submeter-se”. ANTES, NO ATENTADO AO PUDOR MEDIANTE FRAUDE, O TERMO OFENDIDA ERA PARA MULHER(e ainda “honesta”), AGORA PARA MULHER OU HOMEM, EIS QUE USADO O TERMO UNISEX - “VÍTIMA”


Parágrafo único. Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.” (NR)

Redação antiga:
Parágrafo único. Se a ofendida é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Thales Tácito: o legislador trocou a expressão “ofendida” por “vítima”, não havendo repercussão neste sentido do ponto de vista etimológico, SALVO NO TOCANTE AO PONTO DE VISTA JURÍDICO: ANTES, NO ATENTADO AO PUDOR MEDIANTE FRAUDE, O TERMO OFENDIDA ERA PARA MULHER(e ainda “honesta”), AGORA PARA MULHER OU HOMEM, EIS QUE USADO O TERMO UNISEX - “VÍTIMA”

Art. 226. A pena é aumentada:
I - de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas 
II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela 
III - (revogado).

Redação antiga:

Art. 226. A pena é aumentada de quarta parte:
I - se o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pessoas 
II - se o agente é ascendente, pai adotivo, padrasto, irmão, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela 
III - se o agente é casado. 
Thales Tácito: o legislador ao invés de manter o aumento único de quarta parte, estabeleceu aumentos distintos em cada inciso.
Além disto, no inciso II, suprimiu a expressão “pai adotivo”, pois ascendente, seja ele pai biológico ou adotivo não pode ter essa distinção, pela própria CF/88, ou seja, o antigo “pai adotivo” também terá causa de aumento de pena pois é ascendente.
Além disto, ainda no inciso II o legislador acrescentou “madrasta”(princípio da igualdade) e outras pessoas que não constavam: “tio”, “cônjuge” e companheiro”
Importante destacar que o inciso III foi revogado, leia-se, o fato do agente ser casado não pode mais aumentar a pena e se aumentou em casos pretéritos, deve ser detraído pelo juiz das execuções(artigo 66, I da LEP).

CAPÍTULO V
DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOAS

Thales Tácito: o artigo 3º da Nova Lei mudou o título do Capítulo V, Título VI da Parte Especial do CP, ou seja, ao invés dos delitos serem denominados “Dos Crimes contra os costumes”, passando a vigorar com o seguinte título: “DO LENOCINIO E DO TRÁFICO DE PESSOAS”.

Art. 227. Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 1º Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Redação antiga:
§ 1º. Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador ou pessoa a que esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:
Thales Tácito: o legislador substituiu a expressão “marido” por “cônjuge ou companheiro”.

§ 2º. Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º. Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.


Tráfico internacional de pessoas

Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

Redação antiga:
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
Thales Tácito: o legislador acrescentou o verbo “intermediar”, bem como suprimiu a expressão “de mulher” por “pessoa”, pois o sujeito passivo agora tanto faz ser mulher ou homem

§ 1º Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do artigo 227:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

Redação antiga:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
Thales Tácito: o legislador acrescentou a pena de multa.

§ 2º Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Redação antiga:
§ 2º. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
Thales Tácito: o legislador acrescentou a pena de multa.

§ 3º (revogado)

Redação antiga:
§ 3º. Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Art. 2º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -
Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 231-A:

Thales Tácito: a nova lei criou um tipo novo:

Tráfico interno de pessoas
Art. 231-A. Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha exercer a prostituição:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
Parágrafo único. Aplica-se ao crime de que trata este artigo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 231 deste Decreto-Lei.


Art. 3º O Capítulo V do Título VI - DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal, passa a vigorar com o seguinte título: “DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOAS”.

Thales Tácito: comentário já feito.


Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Thales Tácito: a antinomia da lei demonstra a intenção do legislador de não aplicar a vacatio legis, pois expressamente manifestou a intenção de entrada em vigor da data da sua publicação, leia-se, 29/03/05.

Art. 5º Ficam revogados os incisos VII e VIII do art. 107, os arts. 217, 219, 220, 221, 222, o inciso III do caput do art. 226, o § 3º do art. 231 e o art. 240 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

Thales Tácito: Portanto, os artigos revogados foram:

(1) Artigo 107, VII do CP:

Art. 107. Extingue-se a punibilidade:

VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código.

Thales Tácito: Neste ponto surge uma dúvida: com essa alteração, como fica o artigo 1520 do Novo Código Civil ?

Diz o artigo 1520 do NCC: “Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1.517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez”.

Portanto, o artigo 1520 do NCC, que versa sobre o casamento, excepcionando a regra da idade núbil, permitindo-o para evitar a imposição de pena criminal, realmente terá parte como letra-morta(e não derrogado) por força do desaparecimento jurídico do artigo 107, VII e VIII, ou seja, prevalecerá apenas a parte que autoriza o casamento abaixo da idade núbia quando resulta gravidez, eis que a outra parte ficou sem “alma”.

(2) Artigo 107, VIII do CP, também revogado:
Art. 107. Extingue-se a punibilidade:
VIII - pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração 

Thales Tácito: Portanto, com a revogação dos artigos 107, VII e VIII do CP pela Lei 11.106/05, teremos as seguintes situações:

(a) se o crime sexual for de ação penal pública, não mais extingue a punibilidade pelo casamento da vítima com o réu ou com terceiro, sendo que:
- no caso de ação penal pública condicionada à representação da vítima: caberá a vítima pobre retratar da representação ofertada(artigo 225 do CP) antes do oferecimento da denúncia(artigo 25 do CPP), para evitar imposição criminal, e,
- no caso de ação penal pública incondicionada(relação de parentesco – artigo 225 2 do CP, ou resultar lesão leve -Súmula 608 do STF), o processo não permitirá nenhuma causa extintiva, salvo a morte do autor(art. 107, I do CP) ou prescrição(art. 107, IV, 1a figura do CP)

(b) se o crime sexual for de ação penal privada, não mais extingue a punibilidade pelo casamento da vítima com o réu ou terceiro, porém, a vítima poderá de outras formas provocar a extinção da punibilidade: pela decadência da queixa-crime(escoamento do prazo legal), pela renúncia tácita à queixa-crime(por ser o casamento ato incompatível com o exercício da ação penal), pela perempção(artigo 60 do CPP) e pelo perdão tácito(eis que o casamento neste caso é ato incompatível com o exercício da ação penal privada). No caso de renúncia tácita o casamento ocorre antes de ajuizada a ação penal, enquanto que no perdão tácito o casamento sobrevém a ação penal privada já ajuizada.

Thales Tácito: na nova lei, os casos de abolitio criminis são:

(3) Artigo 217 do CP:

Sedução
Art. 217. Seduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze), e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

(4) Artigo 219 do CP:

Rapto violento ou mediante fraude
Art. 219. Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

(5) Artigo 220 do CP:

Rapto consensual
Art. 220. Se a raptada é maior de 14 (catorze) anos e menor de 21 (vinte e um), e o rapto se dá com seu consentimento:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Professor Thales Tácito: o rapto consensual já havia sido, pela tipicidade conglobante do jurista argentino Eugênio Raúl Zaffaroni, eliminado do cenário jurídico com a maioridade civil fixada em 18 anos pela Lei 10.406/02, pois pela objetividade jurídica deste não era possível aplicar o artigo 2043 do NCC. Assim, a Lei 11.106/05 veio consagrar esta tese.

A tipicidade penal implica em antinormatividade(contrariedade à norma), não admitindo que na ordem normativa uma norma ordene o que a outra proíbe, pois neste caso deixa de ser ordem e de ser normativa e torna-se uma “desordem” arbitrária, a saber, quando o sistema jurídico entra em colapso, leia-se, uma norma proíbe e outra permite, neste caso prevalece a” compensação” para o réu, ou seja, o princípio do in dubio pro reo, anulando-se a proibição pioneira.

Para o mestre, as normas jurídicas não “vivem” isoladas, mas num entrelaçamento em que umas limitam as outras,e não podem ignorar-se mutualmente, pois uma ordem normativa não é um caos de normas proibitivas amontoadas em grandes quantidades, depósito de proibições arbitrárias, mas uma ordem de proibições, um conjunto de normas que guardam entre si uma certa ordem, cujo objetivo final é evitar a guerra civil.

Assim, essa ordem jurídica mínima que as normas devem guardar entre si impede que uma norma proíba o que a outra ordena, como também impede que uma norma proíba o que a outra fomenta(incentiva).

Portanto, pela interpretação lógica, o tipo não pode proibir o que o direito ordena ou fomenta.
Partindo desse prisma, o mestre separa o tipo penal(que passa a ser gênero) em duas partes ou seções(espécies do gênero tipo legal):
a) tipicidade legal – mero juízo de subsunção de leis
b) tipicidade conglobante – após análise do tipo legal, devemos averiguar da proibição do tipo legal através da indagação do alcance proibitivo da norma, mas não a observando apenas naquele tipo isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa, ou seja, o que Zaffaroni propõe é olhar a norma proibitiva na tipicidade legal e checá-la no conjunto das demais normas do Direito, o que conhecemos como interpretação sistemática(inter relação entre o Direito, ou seja, análise do Direito Penal com o próprio Direito Penal, Constitucional, Civil, Processual etc). Dessa, passaremos para interpretação lógica onde o tipo legal não pode proibir o que o direito em outra norma ordena ou fomenta.

Portanto, com relação à Tipicidade Conglobante, Zaffaroni ensina que quando no ordenamento jurídico existir uma norma que autoriza ou fomenta determinada conduta, esta não poderá ser proibida, pois a tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que poderá excluir do âmbito do típico condutas que aparentemente estão proibidas no tipo legal.

Assim, no momento da verificação da tipicidade devemos analisar todo o ordenamento jurídico, sistematicamente, pois se uma norma jurídica autorizar a conduta, esta não pode ser proibida. Por outro lado, se existir um conflito entre uma norma proibitiva e outra norma permissiva, prevalece a última, anulando a primeira, em face do princípio do favor rei.

A tipicidade conglobante está para o tipo penal, assim como o estado de necessidade está para a antijuridicidade. Dessa forma, não se confundem os institutos. Na tipicidade conglobante é necessário uma norma expressa permissiva ou um conflito entre uma norma permissiva com outra proibitiva, prevalecendo a primeira. Já o estado de necessidade não tem previsão legal de suas espécies, e sim, apenas, do seu gênero(artigo 24 do Código Penal), devendo haver a subsunção do caso concreto no artigo 24 do CP(tipo aberto), num contexto justificante.

Por fim, a tipicidade conglobante é uma forma de imputação objetiva do resultado: “O resultado jurídico não deve ser fomentado ou tolerado ou autorizado ou determinado pelo ordenamento jurídico”.

Sobre o aprofundamento do tema – tipicidade conglobante - conferir na obra – Direito Eleitoral Brasileiro, 3a edição, Del Rey,www.delreyonline.com.br, Capítulo 36(A TEORIA DO DELITO, IMPLICAÇÕES NO DIREITO ELEITORAL & NOVAS LEIS PENAIS ELEITORAIS), Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira.

(6) Artigo 221 do CP:

Diminuição de pena
Art. 221. É diminuída de um terço a pena, se o rapto é para fim de casamento, e de metade, se o agente, sem ter praticado com a vítima qualquer ato libidinoso, a restitui à liberdade ou a coloca em lugar seguro, à disposição da família.

(7) Artigo 222 do CP:

Concurso de rapto e outro crime
Art. 222. Se o agente, ao efetuar o rapto, ou em seguida a este, pratica outro crime contra a raptada, aplicam-se cumulativamente a pena correspondente ao rapto e a cominada ao outro crime.

(8) o inciso III do artigo 226 do CP:

Aumento de pena 
Art. 226. A pena é aumentada de quarta parte:
III - se o agente é casado.


(9) o § 3º do artigo 231 do CP:

§ 3º. Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.


(10) Artigo 240 do CP: 

Adultério
Art. 240. Cometer adultério:
Pena - detenção de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses.

§ 1º. Incorre na mesma pena o co-réu.
§ 2º. A ação penal somente pode ser intentada pelo cônjuge ofendido, e dentro de 1 (um) mês após o conhecimento do fato.
§ 3º. A ação penal não pode ser intentada:
I - pelo cônjuge desquitado 
II - pelo cônjuge que consentiu no adultério ou o perdoou, expressa ou tacitamente.
§ 4º. O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - se havia cessado a vida em comum dos cônjuges 
II - se o querelante havia praticado qualquer dos atos previstos no artigo 317 do Código Civil.

Thales Tácito: com a revogação do adultério e a manutenção do crime do artigo 236 do CP(Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento), este passou a ser a única hipótese de ação penal privada personalíssima.


Conclusões

A Lei 11.106/05 veio consagrar a tese do princípio da subsidiariedade do Direito Penal, ou seja, o Direito Penal somente poderá intervir se e somente os demais ramos do Direito não resolverem a questão. Assim, deixou para o campo do Direito Civil, em particular Direito de Família, a questão de separação judicial ou ação de danos morais contra casos de sedução, adultério etc.,abolindo do Código Penal tais figuras, até mesmo pela evolução da sociedade, que não mais convive com conceitos machistas de outrora(CC/1916) como mulher “honesta” e outros.

Da mesma forma, ajustou tecnicamente o crime de rapto violento em outro tipo(seqüestro ou cárcere privado), fazendo-o mudar de “roupa”(princípio da continuidade normativa típica) e o transformando em circunstância e não mais elementar.

Houve aumento de pena e criação de tipo novo, valendo novamente colação a não retroatividade de leis penais mais severas.

O legislador, assim, pelo menos nesta lei, não trouxe nenhuma “caixa de pandora”, apenas valeu-se da boa técnica legislativa e constitucional para acompanhar a evolução da sociedade e dos conceitos morais e éticos nela inerentes, fazendo do Direito o verdadeiro instrumento de adequação social.

Para despedir, como não poderia deixar de ser, faço duas questões da “NASA”, que certamente serão temas de concurso e ainda da vida forense:

NASA 4: A partir do momento que adultério não é mais crime, isto significa que não haverá mais crime contra a honra, quando uma pessoa ofender ou imputar fato a outra no sentido do adultério ?

A pergunta é obnubilante, pois não será mais calúnia, pois este consiste imputar um FATO a alguém, tido como crime(logo, se for tido como contravenção, não é calúnia e sim difamação, outra “pegadinha”). Porém, poderá ser INJÚRIA, se for uma imputação de um adjetivo ou qualificação negativa, pejorativa(“seu adúltero”, seu “traidor” etc – ofensa a uma honra subjetiva, leia-se, conceito que a pessoa tem de si mesma – basta chegar ao conhecimento dela), ou, ainda, pode ser DIFAMAÇÃO, quando for imputado um FATO ofensivo a honra(“eu vi Fulano, no dia tal, hora tal, traindo sua esposa..) ou feita uma qualificação negativa dentro do contexto de um FATO(Fulano é “adúltero” ou “traidor” porque no dia tal, hora tal, traiu sua esposa com a enfermeira... – veja que a ofensa foi no contexto de um fato, que por não mais ser crime, não pode ser calúnia e sim difamação – ofensa a honra objetiva, leia-se, conceito da pessoa perante a sociedade, de forma que tal crime deve atingir terceiro).


Portanto, se imputo um FATO a uma pessoa, tido como contravenção ou mesmo adultério, o caso será tipificado como crime de difamação se imputo uma qualificação negativa(adjetivo pejorativo), tido como contravenção(“seu bicheiro”) ou adultério(“seu adúltero”), o caso será de injúria.

Evidente, que para ser difamação e injúria deve haver o elemento subjetivo do tipo(dolo), além do ânimo sereno, eis que a momentânea exaltação de ânimo ou falta de dolo(num jogo de truco chamar outro de “seis ladrão”) não caracteriza o crime.

NASA: A Lei 7960/89 em seu art.1º inc. III "h", prevê a possibilidade de decretação de prisão temporária para o crime de rapto violento do art. 219 c/c art. 223 caput e parágrafo . Como fica essa hipótese frente à lei que revogou esse artigo do CP? Caberá prisão temporária quando o crime for o de seqüestro para fins libidinosos, já que é uma medida restritiva de liberdade?

Não se aplica aqui o princípio da continuidade normativa típica, ou seja, não caberá prisão temporária para o seqüestro com fins libidinosos, em que pese ser este a continuidade do antigo rapto violento, eis que o rol dos crimes da prisão temporária deve ser estritamente considerados, não podendo haver interpretação em sentido ampliativo, face o artigo 5º , XL da CF/88.

Todavia, isto não impede a prisão preventiva(artigos 312 e ss), se presentes os pressupostos legais, eis que “a Justiça pode ser cega, mas têm cérebro”.


1 O fato de uma lei revogar a outra não significa, por si só, abolitio criminis, quando ocorrer o chamado princípio da “continuidade normativa típica”, consagrado no Direito Português.

Os fatos típicos anteriores que se seguiram regulados pela nova lei subsumem-se a ela, devendo a denúncia ser feita com base na nova Lei. Já para os 4 verbos novos não se aplica os fatos anteriores à lei(princípio da irretroatividade da lei penal maligna – CF/88, artigo 5º).Porém, apesar da tipificação nova, o preceito secundário(pena) deve ser da lei anterior, por ser benéfico. Idem quanto à Liberdade Provisória

O jurista de escol Luiz Flávio Gomes, Direito Penal, Parte Geral, RT, volume 1, página 175 leciona:
“não se pode confundir mera revogação formal da lei penal com abolitio criminis. A revogação da lei anterior é necessária para o processo de abolitio criminis, porém, não o suficiente. 
Além da revogação formal impõe-se verificar se o conteúdo normativo revogado não foi(ao mesmo tempo) preservado em(ou deslocado para) outro dispositivo legal, pois se foi, não se dará a abolitio criminis e sim, uma continuidade normativa-típica(o tipo penal não desapareceu, apenas mudou de lugar).

Para a abolitio criminis, como se vê, não basta a revogação da lei anterior, impõe-se sempre verificar se presente(ou não) a continuidade normativa-típica”

Exemplos de leis recentes que se sujeitam a mencionado princípio: a Lei 10826/03(em relação a Lei 9437/97) a Lei 11.101/05 – Nova lei de falência(em relação aos crimes, referentes ao antigo Decreto-Lei de 1945). Agora, o artigo 219 do CP passou a ser o artigo 148, §1º, V(Lei 11.106/05)

Abuso do poder familiar, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.

3 Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, in Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 4º edição, RT

4 Em aulas ministradas no DIEX(www.diex.com.br) costumamos denominar questões difíceis de “questão da NASA”.

*Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira
Promotor de Justiça/Promotor Eleitoral - MG
Integrante da CONAMP- Setor Eleitoral - Brasília/DF
Professor de Direito Processual Penal da FADOM(graduação) - Divinópolis/MG
Professor de Direito Eleitoral da FADOM(pós-graduação) - Divinópolis/MG
Professor de Pós-graduação(Direito Eleitoral) da Fundação Escola Superior do
Ministério Público-Belo Horizonte
E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Site: www.thales.tacito.nom.br


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