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Poder Normativo dos Órgãos de Controle Externo do Judiciário e do Ministério Público

Por: Wallace Paiva Martins Júnior

A par das considerações sobre a proeminência inconstitucional do Poder Executivo no domínio orçamentário-financeiro a Reforma da Emenda n. 45/04 confere aos conselhos nacionais o controle da atuação financeira do Poder Judiciário que desrespeita sua autonomia financeira constitucionalmente assegurada (assim como a do Ministério Público), a cláusula da competência do controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário e do Ministério Público pelos órgãos de controle externo criados não vai tão longe como se pensa. Sua previsão para o Poder Judiciário é assimétrica em relação ao Ministério Público, tendo alcance mais amplo do que a reservada ao Parquet revelada pela expressão “cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura”, constante do art. 103-B, § 4°, que não é repetida no art. 130-A, § 2°. Ou seja, a lei poderá conceder maiores poderes ao órgão controlador do Poder Judiciário, não ao do Ministério Público, muito embora essa extensão deva ter conformidade com o núcleo e o alcance da própria concepção constitucional do órgão controlador, não podendo ir além.

Os órgãos de controle externo da Magistratura e do Ministério Público não dispõem, a partir da Emenda Constitucional n. 45/04, poder normativo ou regulador. Em razão da autonomia constitucional outorgada na Constituição o Poder Judiciário e o Ministério Público eram e são portadores de poder normativo ou regulador no âmbito de suas próprias esferas, desde que não tangenciasse o exercício dessa prerrogativa – natural decorrência da teoria dos poderes implícitos, não obstante expressas previsões normativas constitucionais e infraconstitucionais – a esfera de direitos de terceiros, matéria reservada ao princípio da legalidade em sua concepção mais estrita (reserva de lei, legalidade formal), anotando aí alguns a existência de regulamentos autônomos.

Não se tratava de poder regulamentar na medida em que este, tecnicamente considerado, pertence exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo, senão de poder normativo ou regulador compreendido como a faculdade de edição de normas para disciplina do funcionamento de seus serviços.

A análise da Emenda n. 45/04 denota que os órgãos controladores têm competência limitada e restrita às matérias nela arroladas pelos meios expressamente previstos porque em se tratando de controle externo as prerrogativas do sujeito controlador não se presumem, diferentemente do que ocorre com os órgãos de controle interno em que o fundamento da hierarquia concebe prerrogativas implícitas e decorrentes desse princípio.

Assim sendo, falece competência aos órgãos de controle externo na emissão de normas que extravasem o funcionamento de seus serviços e atinjam, por exemplo, a esfera de direitos de terceiros, a reserva legal ou a competência normativa secundária dos órgãos controlados dotados de autonomia que não dissipou com a Emenda Constitucional n. 45/04. A edição de tais medidas está maculada de evidente inconstitucionalidade.

É inidônea a veiculação de normas por esses órgãos de controle externo disciplinando assuntos que configuram restrições de comportamentos administrativos dos órgãos controlados – v.g., proibição do nepotismo, código de ética -, não obstante acertadas do ponto de vista substantivo, porque tal matéria é da reserva legal.

Acresce considerar que ao Conselho Nacional de Justiça, como ressaltado acima, outras competências poderão lhe ser confiadas pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional ou pelo Estatuto da Magistratura, conforme previsto no art. 103-B, § 4°, que, todavia, não vale ao Conselho Nacional do Ministério Público porque essa cláusula não foi repetida no art. 130-A, § 2°, muito embora, como já exposto, tenha duvidosa constitucionalidade a atribuição de um poder normativo ao órgão de controle externo da magistratura nesse limite por violação do princípio federativo além das observações já expendidas. De qualquer maneira, à míngua de expressa previsão legal, falece-lhe poder regulador.

Nem se alegue que a competência do inciso I do art. 103-B, § 4°, e do art. 130-A, § 2°, I, socorre tese contrária. Ali está exposto que compete aos órgãos de controle externo o zelo pela autonomia funcional e administrativa e pelo cumprimento do regime jurídico das duas funções públicas com a possibilidade de emissão de atos regulamentares no âmbito de sua competência ou a recomendação de providências. A cláusula não indica a existência de um poder regulador ilimitado, usurpador da reserva legal e da autonomia dos órgãos controlados, e configura o exercício de um poder normativo secundário restrito e subordinado à competência de zelo da autonomia administrativa e financeira e do cumprimento das normas de seus regimes jurídicos peculiares. Isso não quer dizer que haverá um vazio. Se houver ofensa a norma jurídica de matiz constitucional ou infraconstitucional, os órgãos competentes deverão ser provocados pelos órgãos de controle externo para solução da questão no seio do autocontrole (reservado aos órgãos de controle interno) ou na seara do controle judiciário de atos ou omissões administrativas (v.g., ação civil pública). A hipótese do nepotismo é simbólica. A par de algumas regras o proibirem expressamente, convém reparar que, de um lado, a sua permissão é inconstitucional por ferir o princípio da moralidade administrativa e a inexistência de proibição ou permissão conduz à sua anulação por contradição com o mesmo princípio constitucional, e de outro, que essa postura também pode ser exigida em relação aos Poderes Executivo e Legislativo.

Tampouco o inciso II de ambos preceitos normativos. Pois, se eles cometem aos órgãos de controle externo a competência para zelar pela observância dos princípios da administração pública (art. 37, da Constituição) na gestão administrativa do Poder Judiciário e do Ministério Público indicam exatamente as prerrogativas inerentes, a saber: apreciação dos atos administrativos praticados e sua desconstituição, revisão ou fixação de prazo para adoção de providências para o exato cumprimento da lei, supondo, portanto, sua incidência a casos concretos, não a possibilidade de edição de normas abstratas.

Tais normas instituem um aspecto diferente a merecer consideração. Em verdade, elas adornam os órgãos de controle externo como garantes da autonomia e do regime jurídico peculiar da Magistratura e do Ministério Público, como resulta do inciso I do art. 103-B, § 4° e do art. 130-A, § 2°, da Constituição de 1988 na redação dada pela Emenda n. 45/04. Portanto, os órgãos de controle externo devem empenho contra qualquer afronta à autonomia administrativa e financeira (como os cortes lineares de propostas orçamentárias, o represamento de repasses de duodécimos, a inviabilização do provimento de cargos vagos etc.) assim como aos predicados de seus regimes jurídicos especiais (independência funcional, irredutibilidade de subsídios ou vencimentos, vitaliciedade, inamovibilidade etc.).

* Wallace Paiva Martins Júnior é 4° Promotor de Justiça da Cidadania de São Paulo, Mestre e Doutor em Direito do Estado (USP), Professor de Direito Administrativo (Unisanta e ESMP-SP)


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