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O Crime Culposo: Desafio do Terceiro Milênio

Por: Lélio Braga Calhau

O recente incêndio em uma discoteca na cidade de Buenos Aires (pelo menos 175 vítimas fatais), a tragédia similar ocorrida em agosto de 2004 no Paraguai num centro comercial (pelo menos 296 mortos), acidentes de trabalho fatais e elevado número de mortes no trânsito no Brasil, inclusive em Minas Gerais, provocam uma breve reflexão sobre os caminhos que devemos adotar para reprimir os crimes culposos.

O crime culposo, em resumo, é o praticado com imprudência, negligência ou imperícia. Ele difere do crime doloso, porque nesse o agente quer o resultado (dolo direto) ou assume o risco de sua ocorrência (dolo eventual). Para que haja dolo eventual essa assunção do risco deve prever e aceitar o resultado, pois senão o crime é considerado culposo por falta grave. No crime culposo o causador deveria tomar as medidas preventivas para que o resultado não ocorresse e não o faz. Ele geralmente age com desídia ou desprezo com a situação de risco gerada para terceiros, mas não quer efetivamente a morte de ninguém.

Em regra geral, o final de um processo criminal por crime culposo (com uma, duas ou dez vítimas fatais) será o de condenação ao cumprimento de uma pena restritiva de direito, sendo que na maioria das vezes, é escolhida a prestação de serviço á comunidade. Já que a resposta final do Poder Público para o crime culposo é bastante desproporcional á dor causada ás vítimas e suas famílias, deveria haver um maior esforço de todos os Poderes no impedimento das situações de riscos.

A forma mais presente de crime culposo hoje em nossas vidas é a de trânsito. O trânsito brasileiro é muito violento. Quando o Código Brasileiro de Trânsito (CTB) foi sancionado em 1997 diversos setores se insurgiram contra o mesmo dizendo que era excessivo e injusto. Pois bem, o CTB só previu 11 crimes de trânsito. Apenas a título de comparação a Lei dos Crimes Ambientais de 1998 possui quase 60 crimes. A maioria das infrações de trânsito são administrativas e procuram evitar, em grande parte, o surgimento das situações de risco no trânsito. Os poucos crimes que foram adotados pelo CTB foram sendo esvaziados por posteriores entendimentos jurisprudenciais técnicos, mas profundamente destoados da realidade social do Brasil, como o julgado do Supremo Tribunal Federal de 2001 que passou a exigir o perigo concreto no crime de dirigir veículo automotor sem habilitação.

Ainda não existe um julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade ou não do uso do bafômetro, mas, em sendo confirmada a sua proibição ou o não surgimento de uma presunção (passível de contra-prova) em desfavor do motorista embriagado, a impunidade vai estar sacramentada de vez no Brasil, nessa área. Os bafômetros mais modernos emitem um comprovante impresso dos dados que foram analisados. Tudo pode depois ser avaliado e não há prejuízo para a defesa. O paradoxo é que o próprio Poder Judiciário que não aceita o bafômetro, depois entende que a prova testemunhal não é suficiente para comprovar que uma pessoa estava ou não embriagada quando praticou um crime de trânsito. As vítimas acabam ficando no prejuízo pois, ou ocorrerá uma condenação branda, ou em muitos casos o acusado será absolvido, pois a prova não vai ser admitida como válida pelo Poder Judiciário.

Enfim, o desafio da sociedade nesse terceiro milênio é encontrar um ponto de equilíbrio nas medidas que devem ser adotadas para restringir as situações de risco que levam á ocorrência de crimes culposos, sem que isso descambe para uma excessiva intervenção do Poder Público em nossas vidas. Mas algo há de ser feito efetivamente, pois todos os Poderes (sem exceção) têm sua quota na responsabilidade de minimizar esse grave problema social.

- Artigo publicado no Jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte, Minas Gerais, 07.01.05, página 02.

* Lélio Braga Calhau
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha). Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). Presidente da seção mineira da Sociedade Brasileira de Vitimologia


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