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Da Impossibilidade de Considerar os Atos de Improbidade Administrativa como Crimes de Responsabilidade

Por: Gustavo Senna Miranda

Resumo: A tutela repressiva contra os atos de improbidade administrativa por meio da Lei 8.429/1992 configura um dos mais importantes instrumentos no combate à corrupção, hoje uma verdadeira pandemia nacional. Nesse sentido, para a efetividade dos processos coletivos que apuram atos de improbidade administrativa é inexorável entender que tais atos não possuem natureza criminal ou que venham a configurar os impropriamente denominados “crimes de responsabilidade”, sendo, portanto, ilícitos civis, cujo processo e julgamento estão afetos aos juizes de primeiro grau, ainda que o sujeito ativo venha a ser um agente político. Essas são as questões básicas tratadas, com o objetivo de demonstrar o equívoco do posicionamento que vem sendo trilhado pelo STF em relação ao tema, que, a vingar, representará verdadeiro retrocesso social.

Palavras-chave: Improbidade administrativa – crime – crime de responsabilidade – agente político.


Sumário: 1. Introdução 2. Da natureza difusa dos atos de improbidade administrativa 3. Da natureza não-criminal dos atos de improbidade administrativa 4. Da impossibilidade de considerar os atos de improbidade administrativa como crimes de responsabilidade 4.1. Introdução aos denominados “crimes de responsabilidade” 4.1.1. Definição e sanção 4.1.2. Do sujeito ativo 4.1.3. Da competência para julgamento dos crimes de responsabilidade 4.2. Da tese da não incidência da Lei nº 8.429/1992 em relação aos agentes políticos que respondem por crimes de responsabilidade 4.3. Principais obstáculos para a tese da não incidência da Lei nº 8.429/1992 em relação aos agentes políticos que respondem por crimes de responsabilidade 4.3.1. A questão da distinção entre crimes de responsabilidade e at0os de improbidade administrativa 4.3.2. A questão do princípio da separação ou independência de instâncias 4.3.3. A questão do perigo de se criar terreno fértil para impunidade 4.3.4. A questão da violação do princípio da isonomia 4.3.5. A questão do risco para a segurança jurídica 4.3.6. O risco de retrocesso social 4.3.7. Da violação ao princípio da vedação da proteção insuficiente dos bens jurídicos fundamentais 5. Conclusão Referências.


1. INTRODUÇÃO

Atualmente um dos instrumentos mais importantes no combate aos atos de improbidade administrativa, inclusive na sua vertente mais nefasta (a corrupção pública), é a Lei nº 8.429/1992, que tutela a probidade administrativa e que, em síntese, pode ser resumido como o dever de honestidade dos administradores públicos e o agir de forma eficiente com o patrimônio público1.

Para os fins do presente estudo é necessário retroceder no tempo com o objetivo de verificar a evolução legislativa no combate à improbidade administrativa no âmbito da jurisdição extrapenal, pois, assim, se verá que a preocupação com sua prática não nasceu apenas com a Constituição Federal de 1988 e com a Lei nº 8.429/1992, sendo, portanto, tema que já era objeto da atenção do legislador, ainda que não ostentasse, como se verá, a efetividade da Lei nº 8.429/1992.

Com efeito, há tempos o controle da probidade administrativa era objeto de preocupação, podendo aqui ser invocado o Decreto-Lei nº 3.240, do então Presidente Getúlio Vargas, que sujeitava “a seqüestro os bens de pessoas indiciadas por crimes de que resulta prejuízo para a fazenda pública”, técnica que também foi incorporada pela Constituição de 1946, conforme se observa pela redação de seu art. 141, parágrafo 31, segunda parte, ao dispor “sobre o seqüestro e o perdimento dos bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica”.

Na esteira da Constituição de 1946, foi publicada a Lei nº 3.164, de 1º de junho de 1957, denominada “Lei Pitombo-Godói Ilha”, que regulamentou o texto constitucional, prevendo em seu art. 1º o seqüestro e perda de bens adquiridos pelo servidor público por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que tenha incorrido.

Na seqüência, foi editada a Lei nº 3.502, de 21 de dezembro de 1958, conhecida como “Lei Bilac Pinto” (referência ao seu autor) ou “Lei do Enriquecimento Ilícito”, que previa o seqüestro e perda de bens em caso de enriquecimento ilícito por abuso ou utilização de cargo ou função pública, ou de emprego em órgãos autárquicos ou de entidades que a estes se equiparavam e sujeitava os responsáveis ao processo criminal e às sanções previstas na legislação penal.

No campo cível também é de se destacar a “Lei de Ação Popular” (Lei nº 4.717/1965), que possibilita o ajuizamento por qualquer cidadão de ação, visando anular atos lesivos ao patrimônio público.

Assim, como destacado, percebe-se pela evolução da legislação brasileira que a tutela da probidade administrativa vem sendo objeto de preocupação do legislador ao longo do tempo, ainda que de forma pouco eficaz, o que se explica pelo contexto em que foram publicados os diplomas legais.

Pois bem. Também preocupada com a probidade administrativa, a Constituição Federal de 1988 estabelece no § 4º de seu art. 37 que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível, representando um grande avanço em termo de repressão aos agentes ímprobos, criando, assim, um mandado dirigido ao legislador infraconstitucional, no sentido previsão e sancionamento aos atos de improbidade administrativa.

Portanto, na esteira da Constituição Federal foi editada a Lei nº 8.429/92, a denominada “Lei de Improbidade Administrativa”, que entrou em vigor em 03/06/1992, objetivando, assim, regulamentar o art. 37, § 4º, da Constituição Federal, especificando os atos de improbidade administrativa, bem como cominando as respectivas sanções, revogando expressamente as anteriores Leis 3.164/1957 e 3.502/1958.

É inquestionável que a Lei de Improbidade Administrativa se insere em mais um caso de acesso à justiça referente às demandas coletivas, na medida em que o resguardo à probidade administrativa é um interesse difuso de toda coletividade, que espera dos agentes públicos e políticos o respeito aos princípios que regem a administração pública, dentre os quais se destacam os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal). Assim, como todas as demandas coletivas, requer uma reflexão dos operadores do direito sobre noções básicas do processo civil, como advertem Mauro Cappelletti e Bryant Garth2.

Com efeito, apesar das criticas que costumam ser endereçadas por determinada parcela da doutrina à Lei de Improbidade Administrativa, especialmente em relação à sua sistematização e incorporação de redação semelhante a textos penais, tais posicionamentos não se sustentam, pois é patente a importância da citada lei no nosso ordenamento jurídico, vindo a se consagrar como mais um fundamental instrumento de defesa dos interesses difusos, e que surgiu justamente para suprir as deficiências e limitações da legislação então vigente, dentre as quais se destaca a Lei de Ação Popular, que, infelizmente, é de baixa utilização no Brasil, o que se explica, dentre outros fatores, pela ausência de um caráter sancionador como o que se encontra presente na Lei nº 8.429/1992.

Destarte, sem prejuízo de outros mecanismos de combate e controle aos atos atentatórios ao patrimônio público e aos princípios constitucionais da administração pública, como a punição penal, a responsabilização pelos denominados crimes de responsabilidade por meio de julgamento político, o controle exercido pelos tribunais de contas, pelo legislativo, pela ação popular etc., a Lei de Improbidade Administrativa vem a se constituir em mais um instrumento à disposição da coletividade – na verdade um dos mais importantes - para o combate à corrupção e à dilapidação da coisa pública pelos agentes ímprobos e, conseqüentemente, para a concretização dos direitos fundamentais, pois, conforme destaca o inesquecível Noberto Bobbio, em sempre lembrada lição, “o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”3. Assim, urge implementá-los.
Realmente, se apresenta a Lei nº 8.429/1992 como uma ferramenta eficaz para proteção dos interesses da coletividade, na medida em que contribui para a existência de uma administração proba, resguardando-se, portanto, o patrimônio público em sentido amplo, abrangendo não só seu aspecto material, mas também moral, contribuindo, assim, para uma verdadeira cruzada contra a corrupção pública, um flagelo nacional, que envergonha o cidadão brasileiro de bem e que tanto mal causa aos interesses da coletividade, prejudicando a imagem do Brasil até mesmo em nível internacional.4

Com isso, resta evidenciado pela própria Constituição Federal que apenas a punição penal não se apresenta como suficiente, mormente diante das notórias deficiências de uma investigação e um processo criminal, lamentavelmente ainda de baixa densidade na punição de corruptos. Da mesma forma, é insuficiente, como se verá, a responsabilização por crimes de responsabilidade por meio de julgamento político, sabidamente de pífia aplicação no Brasil.

Assim, é fundamental uma interpretação precisa em relação à natureza jurídica dos atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/1992, pois daí decorrerá uma correta aplicação das regras processuais e, consequentemente, um efetivo combate a esses atos que tanto mal causa aos interesses da coletividade, e que comprometem a manutenção do próprio Estado Democrático (e Social) de Direito.
Com efeito, se se entender, por exemplo, que os atos de improbidade ostentam natureza penal, teremos conseqüências em relação ao juiz natural para julgar, sem contar que deverá ser abandonada a aplicação integrada das regras da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor que formam a denominada “jurisdição civil coletiva”, com grande comprometimento para a tutela do patrimônio público e para probidade administrativa, essenciais para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Outrossim, caso se entenda que a Lei nº 8.429/1992 não incide em relação aos agentes políticos que respondam por crimes de responsabilidade, mas tão somente na forma da Lei nº 1.079/1950, então se terá - como regra - um julgamento político, cuja conseqüência será o impeachment.

Trata-se, portanto, de tema de grande relevância prática, notadamente em vista de recente discussão existente no Supremo Tribunal Federal a respeito da não incidência da Lei nº 8.429/1992 em relação aos agentes políticos que respondem por crimes de responsabilidade no julgamento da Reclamação nº 2.138-6/DF, que será objeto de análise posterior. Assim, conquanto a questão, como se verá, ainda esteja pendente de julgamento, é conveniente enfrentá-la, com o objetivo tão-somente de contribuir com o debate já deflagrado, que vem ganhando repercussão na mídia nacional.5

Nessa linha, o presente ensaio tem por finalidade buscar a verdadeira natureza jurídica dos atos de improbidade administrativa, centrando em dois pontos principais: 1) da natureza não-criminal dos atos de improbidade administrativa 2) da impossibilidade de considerar os atos de improbidade administrativa crimes de responsabilidade.

Antes de adentramos nos referidos pontos, cabe observar que muito embora a questão da natureza não criminal dos atos de improbidade administrativa atualmente não ostente grande controvérsia, se podendo até dizer estar superada, foi resgatada recentemente com a edição da Lei nº 10.628/2002, que deu nova redação ao art. 84 do Código de Processo Penal, que inclusive teria tratado de forma simétrica respectivamente em seus § § 1º e 2º crime e atos de improbidade administrativa, regras felizmente extirpadas pelo STF no ano de 2005 por meio de julgamento de ação direta de inconstitucionalidade.6

Portanto, ainda é importante a sua abordagem, não só em vista da sobrevivência de alguns posicionamentos defendendo sua natureza criminal, mas, também, por representar uma etapa necessária para uma adequada compreensão do segundo ponto – da impossibilidade de se considerar os atos de improbidade administrativa crimes de responsabilidade –, para que assim possam ser estabelecidas algumas conclusões, em especial da plena possibilidade de incidência da Lei nº 8.429/1992 em relação aos denominados agentes políticos, ainda que elas respondam por crimes de responsabilidade. 
Porém, antes de se adentrar no tema central, cabe explicitar, em ponto separado, a natureza difusa dos atos de improbidade administrativa, para que não paire qualquer dúvida de que sua tutela integra a denominada jurisdição civil coletiva.

2. Da natureza difusa dos atos de improbidade administrativa

É curial que é pela atividade administrativa que o Estado consegue atender às necessidades essenciais da coletividade, visando promover o bem-estar geral. Por outro lado, o desenvolvimento dessa atividade administrativa só é possível com a observância dos princípios que regem a administração pública, daí porque foram eles expressamente consagrados pela Constituição Federal (art. 37, caput), que também previu, para a máxima efetividade do atendimento do interesse público, severas sanções para os atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º). Portanto, não por outro motivo que a Lei nº 8.429/1992 exige dos agentes públicos o estrito cumprimento das normas legais e regulamentares na prática dos atos administrativos, sancionando-os em caso de descumprimento.

Assim, é inegável o interesse público existente na tutela da probidade administrativa, pois, por meio de sua defesa, torna-se possível permitir ao Estado realizar o dever de prestar (facere – obrigação positiva) aos cidadãos os direitos sociais de forma concreta e efetiva, e, conseqüentemente, proporcionando a todos membros da coletividade uma melhora na qualidade de vida, que é, sem dúvida alguma, um dos objetivos da República Federativa do Brasil, conforme se depreende da análise dos arts. 1º e 2º da Constituição Federal.

Observe, porém, que o interesse público tutelado pela Lei de Improbidade Administrativa é o denominado “interesse público primário”, ou seja, aquele pertencente a toda coletividade, ao povo, que configura obrigação do Estado, não se confundindo, portanto, com aquele conhecido como “interesse público secundário”, que se refere ao interesse privado do Estado, como pessoa jurídica de direito público, e que só podem ser exercidos quando não colidirem com os primeiros.7

Aliás, importante observar que essa obrigação do Estado de atuar positivamente na prestação dos direitos sociais é, como destaca Marcelo Abelha Rodrigues, uma superação da postura omissiva, não intervencionista, do Estado Liberal, que se desenvolveu e se transformou, na atualidade, em um Estado Democrático de Direito. Com efeito, como destaca o autor:


Em conclusão ao que foi exposto, podemos dizer que com a transformação do Estado de liberal para social, o interesse público deixou de ser aquilo que não era individual para ser aquilo que é do povo. Essa mudança de postura estatal (de omissiva a comissiva) fez com que diversos direitos relativos à entrega de qualidade de vida passassem a ser exigidos pela sociedade, impondo-se um dever ao Estado de prestá-los. Nesse ponto, o papel do Estado passou a ser o de efetivar os interesses públicos primários (cujo titular é o povo), separando-os daqueles que correspondem ao seu interesse privado (secundário) e que só podem ser perseguidos quando não confrontem com o interesse primário. O conteúdo desses interesses primários, numa sociedade pluralista como a nossa, só se define no caso concreto, pela proteção destas ou daquela situação pelo ente político competente no exercício de sua função. O fim almejado na adoção desta ou daquela posição do Estado deve ter por norte as regras e princípios constitucionais abstratamente considerados. Os direitos difusos seriam, portanto, esses interesses protegidos pelo Estado em cada caso concreto. 8


Portanto, em face do que foi observado, a constatação é que os atos de improbidade administrativa atingem interesse difuso da coletividade, eis que revelam condutas que, no plano concreto, atingem interesse do povo, na medida em que compromete seriamente o bom funcionamento da administração pública e, conseqüentemente, a obrigação do Estado no cumprimento das prestações sociais, fundamentais para a boa qualidade de vida da população. 
Com efeito, ninguém duvida que a conduta ímproba, especialmente aquelas que revelam atos de corrupção e de dilapidação do erário, acaba comprometendo seriamente várias prestações sociais assumidas pelo Estado para o bem-estar social, como o direito à saúde, à educação, à moradia, à segurança pública, ao lazer, ao meio ambiente equilibrado etc., inclusive com grande comprometimento para economia nacional9.

Dessa forma, é inegável a necessidade de um combate efetivo aos atos de improbidade administrativa, pois, como destacado, recursos que poderiam ser direcionados às áreas acima descritas, acabam sendo desviados, numa verdadeira inversão de valores, desrespeitando princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, como, por exemplo, a supremacia do interesse público sobre o particular e da razoabilidade.

Logo, é fácil perceber que a tutela da probidade administrativa configura interesse de cada um e de todos ao mesmo tempo, sendo exatamente por isso inquestionável que possuem também uma “veia pública”. Daí porque é inexorável concluir que tais interesses podem perfeitamente ser compreendidos entre aqueles considerados de natureza difusa, conforme, inclusive, já reconhecido pela jurisprudência. 10

3. Da natureza não-criminal dos atos de improbidade administrativa

Conquanto algumas das condutas consideradas como atos de improbidade administrativa tenham correspondência com tipos penais, como crimes praticados por funcionários públicos contra a administração pública (arts. 312 a 326 do CP), de responsabilidade dos prefeitos (art. 1º do Decreto-lei 201/67) etc., os atos de improbidade administrativa não são considerados ilícitos criminais, muito menos se situam em um “meio termo” entre o ilícito penal e o civil11, tendo inquestionável natureza civil, como se verá a seguir.

Com efeito, malgrado os argumentos em sentido contrário12, vários são os fundamentos para se afastar a natureza não penal.

Em primeiro lugar, deve ser relembrado, como destacado acima, que para a tipificação dos atos de improbidade administrativa o legislador se valeu da técnica do conceito jurídico indeterminado, o que é perfeitamente possível, levando-se em conta que a prática de muitos atos de improbidade administrativa configura violação de princípios, e estes, como se sabe, ostentam um conceito jurídico indeterminado, o que os diferencias das regras jurídicas. Aliás, é importante observar que as regras da Lei nº 8.429/1992 que tipificam os atos considerados de improbidade se traduzem em proibições com finalidade autônoma, que em muitos casos vedam ações do agente público não por serem lesivas a um bem, mas quando possam dificultar o atingimento de um determinado objetivo do Estado Democrático (e Social) de Direito.

Ora, a técnica do conceito jurídico indeterminado é incompatível com a tipificação das infrações penais13, em observância aos princípios da reserva legal ou da legalidade, consagrado no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal e no art. 1º do Código Penal.

Com efeito, por tal princípio os tipos penais incriminadores somente podem ser criados por lei em sentido estrito, decorrendo dele o princípio da taxatividade, pelo qual as condutas consideradas infração penal devem ser suficientemente clara e bem elaboradas, de modo a não deixar dúvida por parte do destinatário da norma.

Nesse sentido, são oportunas as lições de Luiz Luisi, que ao comentar o princípio da legalidade, com acerto, ensina que


o postulado em causa expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as de natureza incriminadora, sejam claras e mais possível certas e precisas. Trata-se de um postulado dirigido ao legislador vetando ao mesmo a elaboração de tipos penais com a utilização de expressões ambíguas, equívocas e vagas de modo a ensejar diferentes e mesmo contrastes de entendimentos. O princípio da determinação taxativa preside, portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação e competência do legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma linguagem rigorosa e uniforme 14.


Esse cuidado do legislador é perfeitamente justificado em vista da própria natureza da sanção penal (pena privativa de liberdade), do que decorre a conseqüente excepcionalidade da aplicação do direito penal, considerado por quase todos especialistas da matéria a ultima ratio15, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende por afastar outras soluções, só restando a drástica conseqüência da sanção penal ao infrator.
Em segundo lugar, a própria Constituição Federal, no art. 37, § 4º, deixa claro que as punições pelos atos de improbidade administrativa serão aplicadas “sem prejuízo da ação penal cabível”.

Assim, pela simples leitura do § 4º do art. 37 da Constituição Federal, se nota uma clara distinção entre as sanções de índole civil e político-administrativa dos atos de improbidade administrativa de um lado, e aquelas de natureza penal, de outro, sendo inequívoca a conclusão de que o legislador constituinte diferenciou claramente as infrações.16

De igual forma, a Lei de Improbidade Administrativa, em seu art. 12, ressalva a aplicação de sanções penais para os agentes que vierem a praticar atos de improbidade administrativa.

No sentido do aqui sustentado foi a conclusão a que chegaram Flavio Cheim Jorge e Marcelo Abelha Rodrigues, que após tecerem considerações acerca da atecnia de alguns termos penais utilizados pelo legislador, como “Das Penas” (Capítulo III), “Das Disposições Penais” (Capítulo VI), asseveram:


Toda essa crítica poderia levar à conclusão – não tão descabida assim – de que a lei, em sua grande parte, seria manifestamente inoperante. Todavia, graças à clareza do texto constitucional e sua supremacia em relação à lei específica, restou bem nítida a posição da Carta Magna ao isolar as sanções tão comentadas daquelas que seriam objeto de uma ação penal típica. Assim sendo, dúvida não pode haver de que se trata, todas elas, de sanções não-penais, e que devem ser julgadas e apreciadas pelo juízo cível.17


De fato, se a própria Carta Magna, como visto, distingue e separa nitidamente a ação condenatória do responsável por atos de improbidade administrativa às sanções nela previstas da ação penal cabível, é inexorável concluir que aquela demanda não ostenta natureza penal.

Portanto, malgrado uma distinção ontológica entre ilícito penal e ilícito civil seja na visão de muitos impraticável, como observa Nélson Hungria, ao menos em face do direito positivo, é aceitável um critério distintivo relativo ou contingente, não fixável a priori, da suficiência ou insuficiência das sanções não-penais. Assim, somente quando a sanção civil não se afigura como suficiente para a reintegração da ordem jurídica é que se lança mão da enérgica sanção penal, não obedecendo o legislador a outra orientação.

Nesse sentido, sendo conveniente a sanção civil para um ato ilícito, hostil a um interesse individual ou coletivo, não há motivo para a utilização da reação penal, eis que estas representam o último recurso para “conjurar a antinomia entre a vontade individual e a vontade normativa do estado”.18

Pelo exposto, valendo-se mais uma vez das lições de Nélson Hungria19, sem dúvida alguma um dos maiores penalistas brasileiros de todos os tempos, podemos concluir:


Sob o ponto de vista histórico e político-jurídico, que é o único admissível in subjecta materia, ou, melhor, tendo-se em vista a formação, através das leis ditadas pelo Estado dos dois sedimentos jurídicos que se chamam direito civil e direito penal, pode concluir-se que ilícito penal é a violação da ordem jurídica, contra a qual, pela sua intensidade ou gravidade, a única sanção adequada é a pena, e ilícito civil é a violação da ordem jurídica, para cuja debelação bastam as sanções atenuadas da indenização, da execução forçada, da restituição in specie, da breve prisão coercitiva, da anulação do ato, etc.


Nota-se, portanto, que o crime tem como conseqüência uma pena de prisão, isto é, privativa de liberdade, como, aliás, pode-se perceber pela redação do art. 1º do Decreto-Lei nº 3.914, de 09/12/1941 (Lei de Introdução ao Código Penal), que dispõe: “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”.

Assim, percebe-se de forma clara que o conceito legal de crime no Brasil exige, como conseqüência, sempre uma pena privativa de liberdade, quer isolada, quer cumulativa, quer alternativamente com a pena de multa. Logo, a conclusão inexorável a que se chega é que sem que haja uma cominação de sanção do tipo pena de reclusão ou detenção o ilícito poderá ser de qualquer outra natureza, menos crime.

Aliás, como destaca o penalista Luiz Flávio Gomes,


A definição legal de delito tem também cunho formalista. De qualquer maneira, o preceito citado (art. 1º, da LICP) possui algumas virtudes: (a) de distinguir com clareza o que é crime e o que é contravenção (b) de explicar que crime e contravenção são espécies do mesmo gênero infração penal (c) de indicar um dos requisitos imprescindíveis do injusto punível que é a sanção, a cominação formal de pena (ou seja, a punibilidade abstrata). Não basta, assim, que o legislador descreva numa lei a conduta proibida (ou determinada). Mais que isso: tem também que cominar uma determinada sanção. Sem essa cominação abstrata (formal) não há delito. A punibilidade abstrata, como se vê, faz parte do conceito de fato punível (ou injusto penal).20


Logo, a conclusão é que o conceito de crime no Brasil necessita de forma imprescindível de um preceito secundário que tenha como conseqüência uma pena privativa de liberdade. Sem isso, repita-se, não haverá crime, tanto que basta uma análise em todos os tipos penais descritos no Código Penal e na Legislação Penal especial e extravagante que se observará que não há qualquer tipo penal descrito que não tenha como conseqüência uma pena de prisão ou detenção.

Tal tipo de sanção, como se sabe, é ausente nos ilícitos civis, em que a prisão só é admitida em casos excepcionais para o cumprimento de uma obrigação, como se dá nos casos de devedor de pensão alimentícia e do depositário infiel, do que se conclui que as sanções previstas no direito processual civil não configuram um sancionamento geral, eis que destinadas a preservar a garantia de institutos processuais.

Como se observa pela redação, para ilustrar, apenas o inciso I, do art. 12 da lei nº 8.429/9221, percebe-se que nenhum dos atos de improbidade administrativa previsto na lei possui como conseqüência uma sanção que importe em privação da liberdade, o que representa, embora esquecido pela maioria dos autores , mais um forte argumento para não se considerar tais atos como ilícitos penais.

Nem se alegue, como o faz Fernando da Costa Tourinho Filho23, que as sanções cominadas para os atos de improbidade administrativa, como a perda do cargo e a suspensão dos direitos políticos, são reprimendas eminentemente penais. Ora, tanto a suspensão dos direitos políticos como a perda do cargo, pelo Código Penal, não são considerados penas cominadas aos crimes. Aliás, em relação à perda do cargo, o Código Penal, em seu art. 92, inciso I, considera tal medida como um efeito secundário da condenação, isto é, efeito não automático, que precisa ser explicitado na sentença, diferentemente do que ocorre com a pena privativa de liberdade, que configura um dos efeitos principais da sentença condenatória, sendo exatamente um dos principais fatores de caráter formal que distingue o ilícito civil do penal.

Note-se, outrossim, que até mesmo na legislação penal especial, quando a perda do cargo é prevista como pena principal, sempre se faz acompanhar de uma pena privativa de liberdade, como ocorre com a Lei Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/196524).

A vingar entendimento contrário, isto é, de que sanções como perda de cargo configuram penas criminais, teremos que rever várias outras leis administrativas que apresentam como conseqüência a perda do cargo como sanção disciplinar. Assim, a segurança jurídica em se distinguir com clareza crime de ilícitos civis ou administrativos estará perdida, importando em graves conseqüências de ordem prática.

Por fim, para arrematar, outro argumento para afastar a natureza não-penal dos atos de improbidade administrativa é a previsão do art. 8º da Lei nº 8.429/92.25

Com efeito, sendo possível que algumas das sanções por atos de improbidade administrativa alcancem os herdeiros, é inexorável se concluir mais uma vez pela natureza não-penal de tais atos, do contrário, estar-se-ia violando o princípio da intranscendência previsto no art. 5º, XLV, da Constituição Federal, pelo qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”.

Além de argumentos de ordem jurídica, também podem ser invocados outros de natureza política para obstar o equivocado entendimento de que os atos de improbidade administrativa configuram ilícitos penais.

Realmente, a vingar o entendimento de que os atos de improbidade administrativa são de natureza penal teremos inúmeras conseqüências comprometedoras da efetividade do processo e, conseqüentemente, para a tutela da probidade administrativa.

Uma delas diz respeito à imunidade formal (relativa) dos parlamentares (senadores, deputados federais e estaduais) prevista no art. 53, § 3º, da Constituição Federal, que possibilita a sustação do processo por provocação de partido político com representação na respectiva Casa. Os estudiosos da matéria bem sabem que referida regra acaba sendo uma absurda forma de se esquivar do processo crime, sendo uma verdadeira blindagem para a prática de atos ilegais, notadamente quando a suspensão em questão é possível para qualquer tipo de crime cometido, até mesmo aqueles que não guardam relação com o desempenho do mandato, bastando que o parlamentar o tenha cometido durante seu exercício.

Tal absurdo, felizmente, não encontra previsão em sede processual civil, bastando observar a Constituição Federal, que só se refere a crime, bem como o Código de Processo Civil, que trata da suspensão do processo no art. 265, prevendo situações plausíveis para sustar a marcha processual, diferentemente do que ocorre em sede criminal.

Outra questão de ordem prática para obstar a classificação dos atos de improbidade administrativa como de direito penal diz respeito à reparação do dano. Com efeito, conquanto a lei de improbidade disponha de medidas cautelares como o seqüestro (rectius arresto) e de indisponibilidade de bens, é notória a pouca utilização de medidas cautelares patrimoniais nas demandas penais, muito embora tenham previsão no Código de Processo Penal.26 De outra banda, não há previsão expressa no diploma processual penal de tutela antecipada, como ocorre no Código de Processo Civil, apesar de entendermos perfeitamente possível sua utilização na esfera penal por analogia, como permite o art. 3º do CPP. Porém, são muitas as resistências dos doutrinadores em relação a essa posição, ao argumento de que se estaria promovendo um processo de “civilização” do processo penal.

Ademais, se se considerar os atos de improbidade administrativa como de natureza penal, conseqüentemente a ação será penal, sendo impossível valer-se dos princípios do processo coletivo da Lei de Ação Civil Pública e do CDC, o que comprometerá sobremaneira a efetividade do processo para apuração de atos de improbidade administrativa.

Portanto, não há qualquer dúvida de que as condutas consideradas como atos de improbidade administrativa não ostentam natureza penal.

4. Da impossibilidade de considerar os atos de improbidade administrativa crimes de responsabilidade

4.1. Introdução aos denominados “crimes de responsabilidade”

4.1.1. Definição e sanção

Como é sabido, a Lei nº 1.079/1950 dispõe sobre os denominados crimes de responsabilidade praticados pelos agentes políticos, tendo citado diploma – conquanto já contasse com quase quarenta anos quando da promulgação da Constituição Federal de 1988 - sido recepcionado pela Constituição Federal, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal. 27
Um esclarecimento deve ser feito a respeito da natureza jurídica dos atos previstos na Lei nº 1.079/1950. Em verdade, em seu sentido ontológico, referidas condutas não podem ser consideradas como crimes, já que não possuem como conseqüência uma pena privativa de liberdade, uma vez que as sanções previstas no citado diploma são: 1) a perda da função pública (impeachment28) 2) a declaração de inabilitação, por cinco anos, para o exercício de função pública29. Nesse sentido, aliás, é a posição de Paulo Brossard, que em obra clássica sobre o tema30, invocando o magistério de José Frederico Marques, observa:


Destarte, convém seja notado, a expressão ‘crime de responsabilidade’, que ‘entrou na Constituição sem exato conceito técnico ou científico’ – a sentença é de José Frederico Marques – nem sempre corresponde a infração penal. Quando motiva o impeachment, por exemplo, caso em que, sem dúvida, a despeito do nomen juris que lhe dá o Código Supremo e a Lei que lhe é complementar, o ilícito a ele subjacente não é penal. Se o crime de responsabilidade não é sancionado com pena criminal, como delituoso não se pode qualificar o fato assim denominado, pois o que distingue o crime dos demais ilícitos é, justamente, a natureza da sanção abstratamente cominada.


4.1.2. Do sujeito ativo

Em relação aos agentes políticos que podem ser responsabilizados pelos crimes de responsabilidade, torna-se necessário uma análise da Constituição Federal e da Lei nº 1.079/1950. Sendo assim, comecemos primeiro pela Constituição que - em rol taxativo -, prevê os seguintes agentes como sujeitos ativos dos crimes de responsabilidade:

1) O Presidente e o Vice-Presidente da República (arts. 52, inc. I - primeira parte - e 85 da CF). Interessante notar que o artigo por último citado tipifica algumas condutas consideradas crimes de responsabilidade, dentre as quais o ato do Presidente da República que atente contra a probidade administrativa (art. 85, inc. V, CF).
2) Os ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica (arts. art. 52, I - segunda parte - e 102, inc. I, “c”, da CF).
3) Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União (art. 52, inc. II31, da CF).
4) Os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente (art. 102, inc. I, “c”, segunda parte, da CF).
5) Os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Constas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Constas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais (art. 105, I, “a”, da CF).
6) Os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral e os membros do Ministério Público da União (art. 108, inc. I, “a”, da CF).

Questão curiosa – e que certamente traz em seu bojo grandes conseqüências – é que a Lei nº 1.079/1950 não prevê como sujeito ativo da referida infração todos os agentes relacionados na Constituição Federal. Com efeito, analisando a citada lei infraconstitucional, podemos relacionar os seguintes agentes:

1) Presidente da República (art. 4º) 
2) Ministros de Estado (art. 13) 
3) Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 39) 
4) Presidentes de Tribunais Superiores ou não, que exercem cargo de direção ou equivalentes, no que diz respeito aos aspectos orçamentários (art. 39-A, parágrafo único) 
5) Procurador-Geral da República (art. 40) 
6) Advogado Geral da União (art. 40-A, parágrafo único, inc. II) 
7) Procuradores-Gerais do Trabalho, Eleitoral e Militar, aos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, aos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, e aos membros do Ministério Público da União e dos Estados, da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, quando no exercício de função de chefia das unidades regionais ou locais das respectivas instituições (art. 40-A, parágrafo único, inc. II, do art. 40-A, da Lei nº 1.079/1950) 
8) Governadores e Secretários de Estado32 (art. 74 da Lei nº 1.079/19). Curioso notar que não há previsão na Constituição Federal de que os Governadores e Secretários dos Estados venham a responder por crimes de responsabilidade. Porém, considerando que o STF considera que a Lei nº 1.079/1950 foi recepcionada pela Constituição Federal, é praticamente pacífico a incidência da referida lei quando vier os mesmos praticar algumas das condutas típicas.

Portanto, quando se faz uma comparação entre as regras da Constituição Federal e as da Lei nº 1.079/1950, se nota que existem casos em que embora a Constituição Federal não faça qualquer menção de que determinado agente responde por crime de responsabilidade, prevê, todavia, essa possibilidade na Lei nº 1079/1950, como ocorre, conforme visto acima, com os governadores e secretários dos Estados. Apesar de termos reservas em relação ao foro por prerrogativa de função, entendemos até plausível esse entendimento, diante dos princípios da simetria e do pacto federativo, dos quais se extrai a possibilidade de a matéria venha a ser disciplinada nas respectivas constituições estaduais.

Entretanto, questão delicada se dará quando a Constituição Federal trouxer a possibilidade do agente ser processado pelos crimes de responsabilidade, porém, não encontrar previsão na Lei nº 1.079/1950, que traz a tipificação dos citados ilícitos político-adminisitrativos. É o que ocorre, por exemplo, com os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público. Com efeito, em relação a esses agentes a Emenda Constitucional nº 45/2004 deu nova redação ao inciso II do art. 52 da CF, prevendo expressamente a possibilidade deles responderem pelos crimes de responsabilidade. Porém, ao contrário do que ocorre com os membros do Supremo Tribunal Federal e com o Procurador-Geral da República – só para citar alguns casos -, não há atualmente previsão na Lei nº 1.079/1950 de crimes de responsabilidade praticados pelos membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.

Logo, embora haja previsão constitucional, de lege lata, é impossível responsabilizar os aludidos agentes pelos crimes de responsabilidade, por falta de previsão na lei, já que a Constituição Federal se limita a dizer que eles serão julgados pelos referidos crimes perante o STF, contudo, sem especificar as condutas que caracterizariam crimes de responsabilidade. O mesmo raciocínio deverá ser aplicado a outros agentes que estejam em semelhante situação.

Também é importante observar que não há na Constituição Federal ou na Lei nº 1.079/1950 previsão de que os parlamentares (senadores e deputados federais e estaduais e vereadores) possam praticar crime de responsabilidade. Sendo assim, também não estão tais agentes sujeitos ao processo de impeachment, isto é, às sanções da Lei nº 1.079/1950.33

Finalmente, em relação aos prefeitos municipais, não há na Lei nº 1.079/1950 – como também na Constituição Federal - previsão de que venham a responder por crimes de responsabilidade, o que é explicável do ponto de vista da legislação infraconstitucional, já que para esses agentes os citados atos estão previstos no Decreto-lei nº 201/1967, mais precisamente em seu art. 4º, sob a denominação de “infrações político-administrativas”, cujo processo e julgamento, como se sabe, caberá à respectiva Câmara Municipal.34

Nem se alegue que os denominados crimes de responsabilidade praticados por prefeitos municipais são aqueles previstos no art. 1º do Decreto-lei 201/1967, pois, na verdade, o que se tem no aludido artigo são crimes comuns, com previsão de sanção de pena privativa de liberdade, inclusive sujeito a julgamento pelo respectivo Tribunal de Justiça do Estado, sendo reconhecido pela jurisprudência e parte da doutrina35 a impropriedade contida no referido artigo, já que, como destacado, os verdadeiros “crimes de responsabilidade” são os previstos no art. 4º do mesmo diploma legal.36

4.1.3. Da competência para o julgamento dos crimes de responsabilidade

Em relação à competência para o processo e julgamento dos denominados crimes de responsabilidade, caberá ao Legislativo ou ao Judiciário, tudo a depender do sujeito ativo. Com efeito, em sendo os agentes os chefes dos executivos federal, estaduais e municipais, termos uma exceção ao monopólio do Poder Judiciário, vez que o julgamento caberá ao respectivo legislativo.

Assim, sendo o agente o Presidente ou o Vice-Presidente da República o julgamento dos crimes de responsabilidade caberá o Senado (art. 52, inc. I, da CF), após a admissão da instauração do processo pela Câmara dos Deputados (art. 51, inc. I, da CF). Note que também ao Senado caberá o julgamento em relação aos Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos os do Presidente e o Vice-Presidente da República (art. 52, inc. I, segunda parte, da CF), bem como o julgamento dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União (art. 52, inc. II, da CF).

Por sua vez, o julgamento dos Governadores dos Estados caberá às respectivas Assembléias Legislativas, enquanto os prefeitos municipais serão julgados pelas Câmaras Municipais.

Nas demais hipóteses o julgamento estará afeto ao Poder Judiciário (STF, STJ, TRF e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal), tudo a depender do agente político.37

Assim, em breves linhas, foram apresentados alguns dos principais pontos relacionados aos impropriamente denominados crimes de responsabilidade e sua disciplina legal, cabendo agora adentrar no cerne do presente estudo, ou seja, se aos agentes políticos que respondem pelos citados atos estão isentos da aplicação da Lei nº 8.429/1992?

4.2. Da tese da não incidência da Lei nº 8.429/1992 em relação aos agentes políticos que respondem por crimes de responsabilidade

Como já observado, há uma corrente defendida por alguns autores38 no sentido de que a Lei nº 8.429/1992 não terá incidência quando o agente público também possa ser responsabilizado pela prática de “crime de responsabilidade”, previsto na Lei nº 1.079/1950, pois eles seriam submetidos a um regime próprio de responsabilidade previsto na Constituição Federal.

Referido posicionamento tenta encontrar fundamento na Constituição Federal, notadamente pela regra inserta no art. 85, inciso V, que considera crime de responsabilidade do Presidente da República, dentre outros, a prática de ato que atente contra a probidade administrativa, estando sujeito a julgamento pelo Senado Federal, de conformidade com o art. 86, § 1º, inciso II, da Carta Magna, sendo que eventual condenação somente poderá ser proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, limitando-se “à perda do cargo, com inabilitação por oito anos, para o exercício da função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (art. 52, par. único, da Constituição Federal).

Também se invoca para sustentar a citada corrente a própria Lei nº 1.079/1950, pois como restou observado anteriormente a lei em questão também define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo e julgamento, sujeitando ainda ao seu regime, dentre outros, como vimos anteriormente, os governadores dos Estados e seus secretários, quando praticarem os atos definidos como crime na lei.

Conforme já destacado, a referida tese vem ganhando coro no próprio STF, como se pode notar pelo julgamento da Reclamação nº 2.138-6/190-DF39, proposta pela União em desfavor do juiz federal substituo da 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal. Na citada reclamação o Ministro Nelson Jobim, que é o relator, concedeu liminar, suspendendo a eficácia da sentença de primeiro grau. O Ministro, dentre outras teses, fundamentou sua posição em Gilmar Mendes e Arnoldo Wald40, acolhendo o argumento da reclamante no sentido de considerar impossível a incidência da Lei nº 8.429/1992 em relação ao Ministro de Estado, vez que os atos considerados improbidades administrativas pela citada lei correspondem aos crimes de responsabilidade previstos na Lei nº 1.079/1950, sendo essa a norma a ser-lhe aplicada, ainda assim em ação que somente pode ser proposta perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, c, da Constituição Federal.

Aliás, para aclarar, transcrevemos parte da argumentação da reclamante extraída do voto do referido ministro relator, verbis:


Ministro de Estado não responde, por improbidade administrativa com base na Lei n. 8.429/1992, mas apenas por crime de responsabilidade – em ação que somente pode ser proposta perante o Supremo Tribunal Federal. Neste particular, uma interpretação sistemática da Constituição, somada à compreensão constitucionalmente adequada da natureza dos agentes políticos, conduz à conclusão de que esses agentes não podem ser perseguidos por meio da ação de improbidade administrativa e leva à necessidade de se firmar uma redução teleológica do teor da norma constante do art. 2º da Lei n. 8.429/1992.
(...) O exercício das atribuições dos agentes políticos não se confunde com as funções exercidas pelos demais servidores públicos, subordinados a limitações hierárquicas, não dotados de autonomia funcional e sujeitos a um sistema comum de responsabilidade (...) em virtude da necessária liberdade funcional inerente ao desempenho de das funções que a Constituição entrega aos agentes políticos, eles não devem estar sujeitos ao sistema de supervisão e repressão comum dos demais agentes públicos. Eles não podem estar sujeitos aos critérios e procedimentos de apuração de responsabilidade próprios do servidor administrativo (...) a responsabilidade do agente político não deverá ser apurada pelo mesmo padrão e nem pelos mesmos meios com que se averigua a responsabilidade do agente administrativo.41 
Posteriormente, no julgamento de mérito da citada reclamação, o relator, Ministro Nelson Jobim, proferiu seu voto42 , confirmando o posicionamento anteriormente explicitado e julgou procedente a reclamação, aduzindo, em síntese, o seguinte:


Entendo que, aos MINISTROS DE ESTADO, por estarem submetidos a um regime especial de responsabilidade, não se aplicam as regras comuns da lei de improbidade. Há que se afirmar a plena e exclusiva competência do STF para processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, “c”, da Constituição. Não se cuida de assegurar ao MINISTRO DE ESTADO um regime de imunidade em face dos atos de improbidade. O MINISTRO DE ESTADO há de responder pelos delitos de responsabilidade perante os órgãos competentes para processá-lo e julgá-lo.
(...).
Por outro lado, em termos de economia processual, mais sentido faz o ajuizamento dessas ações perante corte de responsabilidade institucional. As demandas serão deslindadas impedindo a inevitável interposição de recursos sucessivos com sérios prejuízos para todo o sistema. Não impressiona, também, a consideração segunda a qual a ação de improbidade seria dotada de caráter reparatório e por inafastável submissão aos juízes de primeiro grau. O sistema brasileiro é rico em ações destinadas à defesa do patrimônio público. Para essa finalidade específica, existem as ações populares, as ações civis públicas, todos os procedimentos ordinários e cautelares. E elas poderão ser ajuizadas na sede própria, conforme a jurisprudência assente desta Corte. Até mesmo o TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO tem poderes de provocar o arresto na defesa do patrimônio público (L. 8.443, 16.07.1992, art. 61). O que não se pode admitir é, valendo-se da possibilidade de pedidos cumulativos, transformar uma nítida ação de natureza penal ou punitiva em ação de caráter reparatório.
(...).
Não tenho a menor dúvida de que o MINISTRO DE ESTADO não se submete ao regime da lei de improbidade. O entendimento contrário importa no completo esvaziamento da competência do STF para processar e julgar, por crime de responsabilidade, os MINISTROS DE ESTADO e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente (CF, art. 102, I, “c”). Desapareceria a competência constitucional da alínea c, do inciso I do art. 102.

Referido voto, até o momento, foi acompanhado por mais cinco ministros (Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Maurício Corrêa e Ilmar Galvão e Cezar Peluso), tendo o Ministro Carlos Velloso se posicionado em sentido contrário, estando atualmente o julgamento suspenso em face de pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa.43

Nesse ponto, para dar maior clareza aos rumos do citado julgamento, vale observar que do voto44 do Ministro Carlos Velloso, na verdade, se pode extrair o entendimento de que o mesmo não diverge totalmente do voto do relator, pois entende que


[...] os agentes políticos mencionados45 somente respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados na lei especial (CF, parágrafo único do art. 85). No que não estiver tipificado como tal, não há se falar em crime de responsabilidade. E no que não estiver tipificado como crime de responsabilidade, mas estiver definido como ato de improbidade, responderá o agente político na forma da lei própria, a Lei 8.429, de 1992, aplicável a qualquer agente público, certo que “reputa-se como agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior” (Lei 8.429/92, art. 2º).

Portanto, se percebe que o Ministro Carlos Velloso também afasta a possibilidade de aplicação da Lei nº 8.429/1992 em relação aos agentes políticos quando a mesma tipificação estiver prevista como crime de responsabilidade (Lei nº 1.079/1950). Contudo, caso a conduta praticada pelo agente não encontre previsão de tipificação como crime de responsabilidade será plenamente possível a incidência da Lei de Improbidade Administrativa.

Porém, com a devida vênia aos Ministros do STF, podem ser apresentadas algumas objeções a respeito do entendimento da não incidência da Lei de Improbidade Administrativa em relação aos denominados agentes políticos, conforme será demonstrado abaixo.

4.3. Principais obstáculos para a tese de não incidência da Lei nº 8.429/1992 em relação aos agentes políticos que respondem por crimes de responsabilidade

Não há como concordar com a tese acima. Realmente, sem embargo das posições em sentido contrário, o aludido posicionamento é equivocada, pois, na verdade, acaba desconsiderando o comando existente no art. 37, § 4º, da Constituição Federal, na medida em que elimina a possibilidade de incidência da Lei de Improbidade Administrativa em relação aos agentes que respondem pela prática dos atos considerados crimes de responsabilidade, submetidos, portanto, a um julgamento político, que poderá ter como conseqüência o impeachment do agente, com possibilidade apenas das sanções de perda do cargo e inabilitação para o exercício da função pública, ambas aplicadas cumulativamente, conforme não deixa dúvida o art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal.

Não bastasse isso, a aludida tese também tenta conferir o direito de foro por prerrogativa de função para referidos agentes, numa patente afronta à Constituição Federal e, conseqüentemente, ao princípio do juiz natural, especialmente em relação ao aspecto do plano da fonte, ou seja, da necessidade de se respeitar o princípio da reserva legal em termos de atribuição de jurisdição.46

Portanto, a comunidade jurídica nacional e a população em geral deve ficar em estado de alerta para os rumos dessa importante questão, notadamente quando coloca em cheque a eficácia de um dos mais importantes instrumentos legais de combate à corrupção pública em todas suas esferas: a Lei nº 8.429/12992.

Contudo, repita-se, não se pode aceitar o mencionado posicionamento que vem ganhando corpo no STF, vez que contra ele podem ser apresentadas algumas objeções, conforme se verá adiante.

4.3.1. A questão da distinção entre crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa

Em primeiro lugar, se pode afirmar que a aludida tese desconsidera a distinção ontológica existente entre crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa. Com efeito, os atos de improbidade administrativa não se confundem com os impropriamente denominados crimes de responsabilidade, uma vez que os primeiros configuram ilícitos de natureza civil (extrapenal) – muito embora tenha conseqüências na esfera administrativa -, enquanto os segundos são infrações político-administrativas.

Daí porque os primeiros – os atos de improbidade administrativa - estão sujeitos a um processo e julgamento realizado exclusivamente pelo Poder Judiciário, isto é, na esfera jurisdicional, valendo-se de um rito próprio sem qualquer aspecto político, enquanto que os segundos – os crimes de responsabilidade -, conforme destacado, estão sujeitos em relação a alguns agentes a processo e julgamento pelo Legislativo (Senado Federal, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais), tendo, assim, forte carga política em sua condução.47

Ademais, em vista das sanções possíveis de serem aplicadas, se tem mais um reforço para a distinção acima. Realmente, não há previsão na Lei nº 1.079/1950 de outros tipos de penalidade a não ser a perda do cargo e inabilitação para o exercício da função pública, diferentemente do que ocorre em relação aos atos de improbidade administrativa, que, de conformidade com o § 4º do art. 37 da Constituição Federal, prevê para o agente ímprobo as sanções de suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, sendo, ainda, complementado pelo art. 12 da Lei nº 8.429/1992, que regula a aplicação das sanções, do que se denota haver uma clara distinção entre os crimes de responsabilidade e os atos de improbidade administrativa.48

Percebe-se, portanto, que os denominados crimes de responsabilidade não se confundem com os crimes comuns e com outros ilícitos de natureza extrapenal, como os atos de improbidade administrativa, sendo, assim, possível a tramitação de processos simultâneos pelo mesmo fato que importe em responsabilidade civil, por crime de responsabilidade e por crime comum, não havendo em que se falar em dupla punição.49

4.3.2. A questão do princípio da separação ou independência das instâncias

Em segundo lugar, a corrente citada também desconsidera o princípio da separação ou independência entre as instâncias consagrado na nossa legislação no art. 935 do Código Civil de 2002, olvidando que “a ilicitude, enquanto contrariedade do fato à norma de direito, pode se estender a diversos ramos do mesmo ordenamento jurídico, podendo um único fato constituir tanto ilícito penal com civil, administrativo e disciplinar, para citar apenas algumas”. 50

Ora, a própria Constituição Federal não deixa dúvidas ao dispor que a punição pelos crimes de responsabilidade não impede a incidência de outras sanções judiciais cabíveis (art. 52, par. único, parte final), podendo, portanto, a referida norma ser interpretada no sentido de que será possível responsabilizar o agente pela prática de crime ou até mesmo de eventual ilícito civil, como os que caracterizam atos de improbidade administrativa. Assim, não há que se falar em contradição ou superposição de instâncias, uma vez que também é possível que a condenação criminal gere a suspensão ou a perda dos direitos políticos, da mesma forma como é possível pela condenação por improbidade administrativa, como se nota pelo art. 15, incisos III e V, da Constituição Federal.51

Portanto, não é obstáculo a esse entendimento o argumento de que em alguns casos os atos de improbidade administrativa encontrem correspondência com os crimes de responsabilidade, pois isso também ocorre com certos delitos previstos no Código Penal ou em leis especiais, bastando aqui lembrar, para exemplificar, o crime de corrupção passiva previsto no art. 317 do CP, que também é considerado como ato de improbidade administrativa, conforme se nota pelo art. 9º, inc. I, da Lei nº 8.429/1992, não impedindo, pelo princípio da independência de instâncias, a incidência simultânea de ações civis e penais, e até mesmo político-administrativa.

Nesse sentido, são oportunas as observações de Rogério Ponzi Seligman, que em interessante artigo sobre o princípio da proporcionalidade em relação aos atos de improbidade administrativa - após destacar que a regra do art. 37, § 4º do art. 37 da Constituição Federal, reiterada pelo art. 12, caput, da Lei nº 8.429/1992, deixar claro que os atos de improbidade são de natureza extrapenal, estando sujeitos a regime próprio de responsabilização, que independe das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica - assevera que:

Fica claro o objetivo da norma constitucional de impor responsabilidades outras não apenas as de natureza criminal, as quais ressalvou. Nada mais coerente com o Direito brasileiro, que respeita a independência entre a responsabilidade penal e a civil, prevendo o art. 935 do Código civil que a sentença penal somente fará coisa julgada no cível nas hipóteses de decisão sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor. Também é do Direito brasileiro a separação entre a esfera judicial e administrativa, sendo defeso a lei afastar da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da Constituição)”.52


Logo, percebe-se que a defesa da probidade administrativa, como destaca Fernando Grella Vieira53, não pode ficar sob a exclusiva tutela da Lei dos Crimes de Responsabilidade, o que comprometeria seriamente a efetividade no controle e combate das condutas consideradas ímprobas54, além de restar claro pelo citado art. 15, III, da Constituição Federal que os atos de improbidade administrativa diferem dos crimes de responsabilidade.

4.3.3. A questão do perigo de se criar terreno fértil para impunidade

Em terceiro lugar, a corrente em tela pode acabar proporcionando terreno fértil para impunidade. De fato, é necessário lembrar que a responsabilização por atos de improbidade administrativa pode se dar até mesmo depois que o agente tenha deixado o cargo, emprego ou função pública, encontrando limite para aplicação de suas sanções apenas no prazo prescricional previsto no art. 23 da Lei nº 8.429/1992.

Por outro lado, a responsabilização pelos atos considerados crimes de responsabilidade só é possível enquanto o agente público estiver no cargo, como não deixa dúvida o art. 15 da Lei nº 1.079/1950 (“A denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo”).

Assim, a vingar o entendimento de não incidência da Lei de Improbidade Administrativa para os agentes que respondem por crimes de responsabilidade, estar-se-á comprometendo seriamente a efetividade no combate à corrupção, à improbidade administrativa, abrindo-se perigosa válvula de escape para a impunidade, colocando em risco todo o sistema criado desde a vigência da Lei nº 8.429/1992 para fiscalizar e punir os ocupantes de cargos públicos, desconsiderando, assim, a orientação constitucional contida no art. 37, § 4º, da Constituição Federal, no sentido de se permitir a responsabilização de todos os agentes públicos (em sentido amplo) que atentem contra a probidade administrativa, sem qualquer ressalva de sua aplicação em relação a qualquer agente.55

De fato, bastará ao agente político deixar o cargo antes do recebimento da denúncia para ser impossível sua responsabilidade pelos ilícitos político-administrativos previstos na Lei nº 1.079/1950. Nesse caso, é de se indagar: será possível a incidência da Lei nº 8.429/1992?

A questão certamente suscitará polêmica. De nossa parte, porém, entendemos que será no mínimo estranho aplicar uma lei que antes era considerada inaplicável ao caso, apenas pelo fato do agente ter deixado o cargo, especialmente por absoluta falta de previsão legal. Ademais, a incidência da Lei nº 8.429/1992 para os ex-agentes e a não incidência para agentes políticos que estejam no cargo, acabará acarretando inequívoca situação de desigualdade, com grande risco para a segurança jurídica.

Enfim, são tantos os problemas decorrentes, são tantas as indagações, que é praticamente certo que se entenderá – e não faltarão defensores dessa corrente – que a Lei nº 8.429/1992 continuará a ser inaplicável, mesmo que o agente político venha a deixar o cargo, levando-se em conta apenas a lei que tinha incidência na época do fato. Em outras palavras, estará sacramentada a impunidade.

Acrescente-se a isso as notórias dificuldades de ter iniciado um processo por crime de responsabilidade, uma vez que para ser possível o julgamento pelo Senado (ou pela Assembléia Legislativa, no caso dos governadores) se exige em alguns casos – como processo contra o Presidente da República e os Governadores dos Estados-, a aquiescência dos parlamentares 56 (Câmara Federal ou Assembléias Legislativas), sendo desnecessário maiores comentários a respeito de como será moroso o caminho para se chegar finalmente a um julgamento, fato que não ocorre com as ações civis por atos de improbidade administrativa, que dispensam qualquer autorização legislativa para o seu processamento.

Não por outro sentido que Paulo Brossard, apesar de destacar que o processo pelos crimes de responsabilidade é um julgamento político que inicia e termina no seio do Poder Legislativo, sendo por isso um importante instrumento para o aprimoramento da democracia, através da apuração da responsabilidade política do Presidente da República, ressalva que em cem anos o processo jamais funcionou, seja porque as denúncias nuca foram objeto de deliberação, seja porque as normas constitucionais têm feito exigências cada vez maiores, motivo pelo qual conclui que “a República não foi feliz ao abandonar a solução construída consuetudinariamente, à margem da Constituição, sem lei que a prescrevesse ou sequer a permitisse, atendendo antes à lógica das instituições democráticas, que há de consagrar a responsabilidade dos eleitos, e a coerência e harmonia entre os Poderes”.57

Muito embora as observações do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal tenham sido feitas antes do emblemático caso Collor, elas continuam a ter atualidade, pois o processo de impeachment a que foi submetido o ex-presidente foi uma exceção na história brasileira, tanto que depois não se teve notícia de efetiva aplicação de qualquer outro processo de igual natureza, inclusive em relação a outras autoridades, como governadores dos Estados, sendo que as tentativas de sua instauração encontraram obstáculo intransponível no legislativo, o que só vem a atestar a ineficácia do julgamento político, sabidamente sujeito a pressões e interesses de todos os tipos.

4.3.4. A questão da violação do princípio da isonomia

Em quarto lugar, a tese da não incidência da Lei nº 8.429/1992 para os agentes políticos acaba por macular claramente o princípio da isonomia, consagrado na Constituição Federal, na medida em que possibilita a punição por atos de improbidade administrativa para determinada categoria de agentes públicos, deixando de fora aqueles que justamente deveriam dar o exemplo no trato com a coisa pública, mormente quando dotados de maior independência do que os outros agentes, meros “mortais”, criando verdadeiro “apartheid jurídico”.58

Nesse sentido, aliás, é a posição de Sérgio Monteiro Medeiros, membro do Ministério Público Federal, que em obra comentada sobre a Lei de Improbidade Administrativa, ao analisar a decisão liminar proferida no julgamento da Reclamação nº 2.138-6/DF, destaca que


[...] essa decisão, se vier, instituirá um sistema de castas na Administração Pública, onde uns poderão ser responsabilizados, enquanto que outros, por maiores que sejam os prejuízos causados ao erário, ficarão indenes. O pequeno peculatário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, continuará – como é certo, aliás – sendo processado e punido na forma preconizada pela Lei de improbidade Administrativa, já o ministro de Estado, por exemplo, que vier a se utilizar do cargo para defraudar as finanças do Estado, em milhões, estará livre de responder pela improbidade perpetrada – o que é errado -, pelo menos ex vi da Lei de Improbidade Administrativa.59


Ademais, uma situação recorrente em processos de improbidade administrativa pode confirmar a violação ao princípio da igualdade, que são os casos em que o ato é cometido por mais de um agente, sendo que nem todos estão sujeitos ao processo por crimes de responsabilidade, por não serem considerados agentes políticos. Logo, a solução para os defensores da tese da não incidência da Lei nº 8.429/1992 seria a seguinte: o agente político estaria sujeito ao processo de impeachment, na forma da Lei nº 1.079/1950, enquanto que o outro agente (público ou não) estaria sujeito ao processo pelas regras da Lei de Improbidade Administrativa, já que a primeira lei, pelas suas peculiaridades e em face das sanções que comina, não teria qualquer incidência sobre outros agentes, como o terceiro particular que concorre ou é beneficiado pelo ato ímprobo.60

Dessa forma, consagra-se uma patente violação ao princípio da isonomia, pois o agente político, como destacado, estará isento de ser responsabilizado pela Lei nº 8.429/1992, só podendo estar sujeito ao processo de impeachment enquanto estiver no cargo por outro lado, os demais agentes públicos e terceiros beneficiados estarão sujeitos ao processo e às sanções de improbidade administrativa, pouco importando que os agentes públicos estejam ou não no exercício do cargo, emprego ou função.

4.3.5. A questão do risco para a segurança jurídica

Em quinto lugar, o entendimento que vem sendo adotado pelo Supremo Tribunal Federal pode configurar grave risco para o princípio da segurança jurídica, pelo qual se evitam alterações surpreendentes que possam vir a provocar instabilidade na situação dos administrados, bem como dos efeitos traumáticos que decorrem de novas disposições jurídicas que alcançariam as situações em curso.61

Com efeito, a prevalecer o entendimento da não incidência da Lei nº 8.429/1992 em relação àqueles agentes políticos quando sua conduta também configurar crime de responsabilidade, acabará atingindo seriamente o princípio da segurança jurídica, na medida em que inúmeras ações de improbidade em curso serão fatalmente atingidas, com inequívoco prejuízo para efetividade do processo e para o combate aos atos de improbidade administrativa.

Aliás, tal situação não passou despercebido pelo então Ministro do STF Carlos Velloso, que em seu voto proferido no julgamento da Reclamação nº 2.138-6/DF, traz um alarmante dado, aduzindo


Recebi do Ministério Público do Paraná, da ilustre Procuradora-Geral de Justiça daquele Estado, Dra. Maria Teresa Uille Gomes, que é, também, Vice-Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, o ofício nº 2.333, de 18.11.2002, no qual sou informado de que, no levantamento do número de ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, propostas em face de agentes políticos, em catorze estados brasileiros, constatou-se a existência de 4.191 (quatro mil, cento e noventa e um) feitos. Em praticamente a metade dos estados-membros, há, portanto, em andamento, mais de quatro mil ações. O entendimento no sentido de que agentes políticos não estariam sujeitos à ação de improbidade ocasionaria a paralisação dessas ações. E mais: administradores ímprobos que foram condenados a restituir dinheiros aos cofres públicos poderiam pedir a repetição desses valores, porque teriam sido condenados por autoridade judicial incompetente”.

4.3.6. O risco de retrocesso social

Como já demonstrado, é extremantes preocupante a tese que vem prevalecendo no STF no julgamento da Reclamação nº 2.138-6/DF, pois, caso vingue, poderá comprometer seriamente a efetividade das ações coletivas no combate à improbidade administrativa, mormente da sua vertente mais nefasta: a corrupção62, representando, portanto, um sério risco para o Estado Democrático de Direito, pois é inegável o papel cada vez mais crescente das ações de improbidade administrativa para concretização das prestações sociais assumidas pelo Estado.

Sendo assim, com a devida vênia ao posicionamento dos ministros do STF, é patente o vício de inconstitucionalidade da tese encampada no julgamento da aludida reclamação, vez que há enorme risco de que se ocorra verdadeiro retrocesso social, olvidando que a Constituição Federal consagra implicitamente o princípio de proibição de retrocesso social, decorrente do Estado Democrático de Direito, e que assegura o respeito às conquistas sociais obtidas e já estabelecidas, do que decorre que “nenhuma emenda constitucional, por mais que formalmente lícita, pode ocasionar retrocesso social”63. De igual forma, também não pode a interpretação dos tribunais – inclusive do STF – invalidar ou esvaziar quase que por completo normas que funcionam como forma de ampliação dos direitos fundamentais.

Aliás, sobre tal princípio são oportunas as seguintes observações de Canotilho


O legislador pode revogar estas disposições legais concretizadas, mas não se considera legitimado a anular, neutralizar ou reduzir o nível já alcançado da realização do princípio. A justificação do fenômeno é fornecida de várias maneiras: criação de um direito subjetivo público, alicerçamento de uma pretensão subjectiva derivada, proibição do venire contra factum proprium, princípio da confiança, autovinculação do legislador. Todavia, se as aproximadas concretizações do princípio não beneficiarem do pressuposto do consenso básico e da radicação na consciência jurídica geral continua por ficar a explicar a força heterovinculante ou heterodeterminante que se pretende atribuir à concretização legislativa. É que, nestes casos, não é apenas importante, sob o ponto de vista político, que o retrocesso social constitua um limite para o legislador, interessa também que, sob o ponto de vista jurídico-constitucional, esse retrocesso surja como arbitrariedade violador das imposições ou programa constitucional. Mais do que um simples “princípio de confiança” do legislador ou de uma “justiça do sistema” (Systemgerechtigkeit), prefere-se falar da força dirigente irradiante das normas constitucionais directivas e da constitucionalização (pelo menos material) dos preceitos legais concretizadoras.64


Ora, é inequívoco que a ação civil pública, como já demonstrado, é atualmente um importante mecanismo para concretização dos direitos sociais já incorporadas à Constituição Federal, sendo incabível a reversão do sistema no sentido de dificultar, sem apresentar qualquer medida compensatória, o exercício de tal ação, o que certamente ocorrerá, caso seja consagrada a inaplicabilidade da Lei nº 8.429/1992 em relação aos agentes políticos que respondem por crimes de responsabilidade, a sacramentar uma verdadeira reformatio in peius para os direitos da pessoa humana. Daí porque julgamos perfeitamente possível invocar, como obstáculo para o aludido entendimento do STF, o princípio de proibição de retrocesso social. 65

4.3.7. Da violação ao princípio da vedação da proteção insuficiente dos bens jurídicos fundamentais

O art. 37, § 4º, da Constituição Federal não deixar qualquer dúvida da existência de um comando existente na Constituição da necessidade de proteção suficiente ao princípio da probidade administrativa, punindo severamente os agentes que contra ele atentarem, o que é plenamente justificado, vez que o desrespeito à probidade administrativa impede – em diversas hipóteses - que recursos públicos sejam corretamente aplicados, comprometendo a prestação de direitos de segunda dimensão, como o direito à saúde, educação, moradia, alimentação etc., acarretando, portanto, a diminuição na qualidade de vida da população.66

Portanto, como não poderia ser diferente, há um verdadeiro mandado constitucional de penalização para os agentes ímprobos, que desconsideram os princípios básicos da boa Administração Pública. Daí porque deve haver uma efetividade no combate aos atos que caracterizam atos de improbidade administrativa, sendo inconstitucional qualquer tentativa – legislativa ou judicial – em se diminuir a efetividade das regras existentes para tutela do patrimônio público, notadamente quando da sua proteção depende a concretização das prestações sociais assumidas pelo Estado na Constituição Federal.

Assim, caso prevaleça o posicionamento que vem sendo trilhado pelo STF na Reclamação nº 2.138-6/DF, estar-se-á violando o princípio da vedação da proteção insuficiente, que configura um dos desdobramentos do princípio da proporcionalidade, pois esse princípio - dentre outros significados – não quer significar apenas a vedação de proibição de excesso dirigida ao legislador e ao aplicador do direito, mas, também, a vedação de proteção insuficiente de determinados bens jurídicos fundamentais para a pessoa humana. Portanto, haverá de se ter presente sempre a noção, entre nós enfaticamente defendida por Juarez Freitas, de que “o princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução de seus objetivos. Exageros para mais ou para menos configuram irretorquíveis violações ao princípio”.67

Destarte, tendo o legislador constituinte originário erigido e definido medidas protetivas para a probidade administrativa, não cabe ao intérprete restringir esse alcance, sob pena de proteger de forma insuficiente referido bem jurídico, fundamental para manutenção do próprio Estado Democrático (e Social) de Direito.

E isso é exatamente o que ocorrerá caso prevaleça a tese que vem encontrando aceitação no STF da não incidência da Lei nº 8.429/1992 em relação a determinados agentes políticos, pois diante de tudo que foi abordado, a referida tese acabará frustrando o dever de proteção do Estado, no sentido de atuar de modo suficiente para proteção constitucionalmente exigida de bens ou princípios fundamentais para a própria dignidade da pessoa humana, como o respeito à probidade administrativa, deixando, portanto, de cumprir um imperativo constitucional.

Dessa forma, se esfera que haja uma reflexão por parte dos Ministros do STF em relação aos comandos de proteção suficiente existentes na Constituição Federal.

5. Conclusões

Portanto, em que pese a posição que vem sendo trilhada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Reclamação nº 2.138-6/DF, entendemos que ainda que o agente político possa ser responsabilizado pela prática de atos considerados como crimes de responsabilidade, acaso sua conduta também configure ato de improbidade administrativa tipificado na Lei nº 8.429/1992, também poderá ser submetido ao processo civil coletivo, sujeitando-se às sanções prevista na citada lei, em consonância ainda com o art. 37, § 4º, da Constituição Federal, que configura, como já destacado, o regramento constitucional para responsabilização dos agentes que atentam contra a probidade administrativa, sem constar qualquer ressalva em relação aos agentes políticos, como, aliás, não poderia ser diferente, diante do princípio da isonomia de tratamento em se tratando do exercício da res publica.68

Preservar a possibilidade de incidência da Lei nº 8.429/1992 para todos agentes políticos é fundamental para que se tenha o respeito ao princípio constitucional da isonomia é fundamental para que se tenha uma proteção suficiente da probidade administrativa, conforme determinou a Constituição Federal em seu art. 37, § 4º, da Constituição Federal é fundamental para a manutenção do Estado Democrático (e Social) de Direito enfim, é fundamental para que seja respeitado o princípio da dignidade da pessoa humana.

Com efeito, no estágio atual da realidade brasileira, em que se multiplicam os atos de corrupção, com grande risco para o efetivo e concreto cumprimento das prestações sociais pelo Estado, mais do que nunca se reclama da necessidade de se conferir a máxima efetividade à Lei de Improbidade Administrativa, o que - com certeza - estará seriamente comprometido caso se entenda inaplicável a Lei nº 8.429/1992 em relação a determinados agentes, criando uma verdadeira sociedade de castas entre os agentes públicos em sentido amplo, com efeitos nefastos perante toda coletividade.

Enfim, caso se consagre o esvaziamento da Lei nº 8.429/1992 estaremos diante de um dos mais duros golpes no combate incessante contra a corrupção pública, que, na atualidade, configura uma verdadeira pandemia nacional. Com isso, para nosso desencanto - e desesperança -, será absolutamente correta a frase de que “as leis são como as teias de aranha os pequenos insetos prendem-se nelas, e os grandes rasgam-nas sem custo” (Anacarsis).

Porém, ainda temos esperança, pois como observa com sua pena privilegiada o imortal Rui Barbosa

O Brasil não é ‘isso’. É ‘isso”. O Brasil, senhores, sois vós. O Brasil é esta Assembléia. O Brasil é este comício imenso, de almas livres. Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas do Tesouro. Não são os mercadores do Parlamento. Não são as sangues-sugas da riqueza pública. Não são os falsificadores de eleições. Não são os compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema republicano.

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1 Não se desconhece a polêmica a respeito do conceito de probidade administrativa e seu contraponto (a improbidade administrativa). Porém, a discussão extrapola os limites do presente estudo. Sobre o tema confira, dentre outros: GARCIA, Emerson ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004 MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

2 Cf. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, pp. 49/40. Conforme destacam os autores: “A concepção tradicional do processo civil não deixa espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo civil era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares”. 
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2004, p. 45.
4 Nesse ponto, vale lembrar que o Brasil, segundo o ranking de índice de percepção de corrupção divulgado pela ONG Transparência Internacional, em 2004, ocupa uma incomoda 59ª posição entre 146 países avaliados, obtendo a pontuação de 3,9 (cf. reportagem “Corrupção no país não diminui e Brasil fica na 59ª posição”, publicado no Jornal A Gazeta, no caderno de Política, p. 23). Importante destacar que o índice varia de 0 a 10 pontos, sendo que 10 indica menor grau de corrupção. Aliás, repetindo o desempenho obtido no ano de 2004, a situação não melhorou em nada no ano de 2005, no qual o Brasil aparece agora em 62ª posição entre 159 países, obtendo pontuação de 3,7. Com efeito, conforme opinião dos observadores internacionais, refletida no Indicie de Percepção de Corrupção divulgado em 18/10/2005 pela Transparency Internacional, o grau de corrupção atribuído ao Brasil não se alterou em relação aos sete anos anteriores, isso porque é impossível determinar a evolução comparando-se a lista do ano passado (que incluía 146 países) com o ano de 2005 (com 159 países). Portanto, referida comparação deve ser feita eliminando-se da lista de 2005 os países que não apareciam na lista de 2004 e reordenando a lista resultante, levando-se, ainda, em consideração a margem de erro que afeta a posição de cada país. Portanto, a conclusão é que o Brasil não piorou nem melhorou (Fonte: http://www.transparencia.org.br/index.html. Acesso em: 18 out. 2005. Aliás, também no ano anterior foi divulgado o ranking de 2005 pelo Banco Mundial, no qual o Brasil aparece com 53,2 pontos na escala de controle de corrupção, que vai de zero a 100 (cf. reportagem “Temporada de caça aos Ratos”, publicada na Revista Veja, ano 38, nº 21, de 25/05/2005, p. 46-53).

5 Cf. editorial do jornal Folha de São Paulo do dia 22 de janeiro de 2006, com o título “O risco da impunidade”, que faz um importante alerta a respeito das conseqüências que poderão advir caso se confirme a posição do STF a respeito da não incidência da Lei nº 8.429/1992 em relação aos agentes políticos que respondem por crimes de responsabilidade, pois “Existem cerca de 10 mil processos e inquéritos instaurados com base nessa norma, e muitos deles correm o risco de ser extintos caso se confirme a decisão do STF”. 
6 Trata-se do julgamento da Adin 2797 ajuizada pela CONAMP, visando a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 10.628/2002, que teria acrescentado os § § 1º e 2º no art. 84 do CPP. A decisão do STF teve como voto condutor o proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence (v. Informativo 362 do STF), que foi acompanhada por mais seis ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento definitivo da ação direta de inconstitucionalidade, ocorrido no dia 15 de setembro de 2005, sepultando, por enquanto, a imoralidade contida nas regras dos § § 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal. Acompanharam a posição do Ministro Sepúlveda Pertence os ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Marco Aurélio de Mello, Carlos Velloso e Celso de Mello, sendo extraídos dos votos os seguintes pontos principais: 1) que a Lei nº 10.628/2002 acabou configurando uma tentativa de neutralizar a decisão do STF que teria cancelado a súmula 394 2) que em sede de foro por prerrogativa de função prevalece o princípio da atualidade do exercício da função, não carregando tal prerrogativa o ex-titular do cargo, mandato ou função pública, vez que, do contrário, consagrar-se-ia um privilégio pessoal e não funcional 3) que a competência do STF é fixada de forma exaustiva na Constituição Federal, não podendo o legislador ordinário alterá-la 4) que o § 2º do art. 84 do Código de Processo Penal acabava equiparando a ação civil por improbidade administrativa e o delito penal, contrariando o § 4º do art. 37 da Constituição Federal 5) que o Congresso Nacional não tem legitimidade para ampliar ou restringir a competência originária do STF, do STJ, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça dos Estados, pois, do contrário, consagrar-se-ia indevida ingerência 6) que somente por meio de emenda constitucional se poderia permitir a ampliação ou restrição da competência originária dos tribunais. Os votos divergentes foram dos Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Ellen Gracie, merecendo destaque o voto do primeiro, que abriu a divergência, considerando que a ação de improbidade administrativa tem reflexo de natureza penal, razão pela qual aqueles que cometerem irregularidades no exercício do cargo, deveriam responder no foro especial originário, ressalvando-se os casos já julgados em primeira instância. Também observou que, mesmo depois de afastado da função pública, o agente deve continuar a ser processado e julgado perante o foro definido por prerrogativa de função, destacando, por fim, que o agente político não responde por ação de improbidade administrativa, se estiver sujeito a crime de responsabilidade pelo mesmo fato, não incidindo, nesses casos, as regras da Lei nº 8.429/1992, vez que a punição do agente já encontra previsão na Lei nº 1.079/1950 (Fonte: <http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas>. Acesso em: 16 set. 2005). Como se vê, apesar das regras previstas nos § § 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal não terem mais validade no nosso ordenamento jurídico, vez que declaradas inconstitucionais pelo STF em sede de controle concentrado, a matéria do foro por prerrogativa de função, em sede de improbidade administrativa, ainda suscitaria, como está suscitando, intenso debate na jurisprudência em relação à análise dos casos concretos que envolvam agentes políticos.
7 Cf. ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano. 2. ed. Milão: Giuffrè, 1960, p. 197-198.
8 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Ambiental. Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 50. Ainda do mesmo autor: Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 2. ed. São Paulo: Forense. 2004, pp. 55-56. 
9 Estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas sobre o custo da corrupção revelou que a economia brasileira perde com sua prática nefasta de 3% a 5% do PIB, o que equivale a 72 bilhões de reais, representando - só para se ter uma idéia do volume - mais de sessenta vezes o valor que o Governo Federal investiu em todo o setor de transportes no ano de 2004. No mesmo estudo, é noticiado que a redução de apenas 10% no nível de corrupção aumentaria em 50% a renda per capita do brasileiro num período de 25 anos, bem como a de que os países que forem bem-sucedidos no combate à corrupção, podem aumentar seu produto interno bruto em até 400%, o último dado é segundo a ONU. O problema é tão grave que em um país corrupto, levando-se em contra o pagamento de propinas e as perdas de produtividade com a burocracia, um investimento acaba saindo, em média, 20% mais caro, conforme dados do Banco Mundial, que também informa que a cada ano, tanto países desenvolvidos como em desenvolvimento, mais de 1 trilhão de dólares são pagos em propina (cf. reportagem Temporada de caça aos Ratos”, publicada na Revista Veja, ano 38, nº 21, de 25/05/2005, p. 46-53).
10 Observa Wallace Paiva Martins (Probidade Administrativa, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 96), citando acórdão do TJSP (8ª Câm. Cív., AgI 213.408-1/4, São Paulo, Rel. Des. Walter Theodósido, 31-8-1994), que “Na jurisprudência, pôs-se a questão em seus adequados termos, asseverando que ‘o enriquecimento ilícito por administrador público em detrimento da Administração Pública, através de conduta ímproba, atinge interesse difuso, o interesse de todos sob a forma indeterminada (...) À luz desse rápido perfil, não há que se afastar o interesse da Nação em torno da probidade administrativa, no uso da máquina estatal, como um dos seus interesses difusos, isto é, transindividual’ (considerando a probidade administrativa como anseio nacional e condição de bom desempenho da Administração Pública, com ‘feição geral, indeterminado na titularidade, já que origina de todo meio social’), constituindo o ‘enriquecimento ilícito em gestão pública, como gesto lesivo ao patrimônio público’”. Também lembra o autor que “Igualmente, no Superior Tribunal de Justiça já se assentou ao abrigo de ação civil pública promovida na defesa do patrimônio público (ressarcimento para os cofres públicos municipais de quantias recebidas de modo indevido pelo Prefeito Municipal) que, ‘em tais casos, além do interesse individual da Fazenda Pública Municipal há o interesse da coletividade, que tem direito a que o dinheiro público seja usado legalmente’”. 
11 Entendendo ser uma figura híbrida que se situa em um “meio termo” entre o ilícito penal e o civil, conferir: GIACOMUZZI, José Guilherme. A Moralidade Administrativa e a boa-fé da Administração Pública – o conteúdo dogmático da moralidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 297. 
12 WALD, Arnold. MENDES, Gilmar Ferreira. Subversão da hierarquia judiciária. O Estado de São Paulo, 01.04.1997, Espaço Aberto. Tais autores, contrariamente ao sustentado por nós, entendem que a lei contemplaria delitos com “foros de crimes de responsabilidade”.
13 É verdade que atualmente, quando se fala de um direito penal de uma sociedade de risco, se pode pensar até na flexibilização dos postulados de um direito penal tradicional, sendo emblemático o exemplo da responsabilidade penal da pessoa jurídica, inaplicável com as premissas de uma teoria do delito tradicional, porém, possível se se trabalhar com outra tendência político-criminal mais adequada a uma sociedade de risco, na qual a efetiva proteção ao meio ambiente é garantia para a própria sobrevivência humana.
14 Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 18.
15 Em relação a determinados crimes, como aqueles que caracterizam crimes de corrupção (pública e privada), pela lesividade social que ostentam (atingem vítimas difusas), entendemos que seria possível, em tese, até trabalhar com a premissa da prima ratio e, ainda, com a concepção de um direito penal de terceira velocidade (cf. SÁNCHEZ, Jesús Maria Silva. La expansión del drecho penal: Aspectos de la política criminal em lãs sociedades postindustriales. Madrid: Civitas Ediciones, 1999).
16 Nesse sentido, é o entendimento de Alexandre de Moraes (Constituição do Brasil Interpretada. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 2.648): “A natureza civil dos atos de improbidade administrativa decorre da redação constitucional, que é bastante clara ao consagrar a independência da responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa e a possível responsabilidade penal, derivadas da mesma conduta, ao utilizar a fórmula ‘sem prejuízo da ação penal cabível’. Portanto, o agente público, por exemplo, que, utilizando-se de seu cargo, apropria-se ilicitamente de dinheiro público responderá, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.429/92, por ato de improbidade, sem prejuízo da responsabilidade penal por crime contra a administração, prevista no Código Penal ou na legislação especial”.
17 JORGE, Flavio Cheim RODRIGUES, Marcelo Abelha. A Tutela Processual da Probidade Administrativa. Improbidade Administrativa – Questões Polêmicas e Atuai., São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 177. Também, do primeiro autor citado, conferir: A Improbidade Administrativa (Lei N. 8.429, de 2 de junho de 1992), op. cit., p. 1141.
18 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. V. I. Tomo 2º - arts. 11 a 27. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1955, p. 32. 
19 Ibid., pp. 32/33.
20 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal – Parte Geral – Teoria constitucionalista do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pp. 16/17.
21 “Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: I - na hipótese do artigo 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos”.
22 Tal fato não passou despercebido a Fábio Medina Osório, que ao discorrer de excelente obra sobre o direito administrativo sancionador, observa que: “Permanece em vigor o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, que prevê o critério da sanção carcerária para definir crimes e contravenções. De fato, a expressão ‘pena’, reafirmo, é utilizada até no direito privado, v.g., cláusulas penais, sem que tais previsões contratuais tenham merecido a marca de normas criminais. Daí que seria um caminho interpretativo muito pobre, data venia, este de considerar que a expressão ‘pena’ designaria sempre uma resposta do direito penal a um fato ilícito” (Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 147). 
23 Da Competência pela Prerrogativa de Função. In Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. N. 28. Out – Nov. 2004, p. 21.
24 “Art. 6º: O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa, civil e penal.
§ 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos arts. 42 a 56 do Código Penal e consistirá em: a) multa de cem cruzeiros a cinco mil cruzeiros b) detenção por 10 (dez) dias a 6 (seis) meses c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo de até 3( três) anos.”
25 “Art. 8º: O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta Lei até o limite do valor da herança”.
26 Note que existe arte quem entenda na doutrina que houve revogação das regras do CPP a respeito de medidas cautelares patrimoniais como seqüestro, hipoteca legal e arresto. Nesse sentido é o posicionamento de Afrânio Silva Jardim: “Somos que a hipoteca legal do art. 134 do citado diploma legislativo, bem assim como o seqüestro, que tem por finalidade assegurar a sua efetivação (art. 136), são medidas cautelares civis indevidamente embutidas no processo penal, vez que têm por escopo garantir o ressarcimento do dano causado pela prática criminal. Quero crer que, como tal, se encontram revogados pelo Código de Processo Civil de 1973 que disciplinou integralmente a matéria em livro próprio” (Reflexão Teórica sobre o Processo Penal. In Direito Processual Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 38). 
27 Emblemático a respeito é o julgamento do ex-Presidente Fernando Collor de Mello (cf. DJ, 7-4-1995, p. 8871, MS 21689/DF). Ainda a respeito: “ a definição de crimes de responsabilidade e a regulamentação do processo e do julgamento são de competência da União (Constituição Federal, art. 85, parágrafo único, e 22, I). Vigência da Lei nº 1.079/50 e aplicação de seus dispositivos, recepcionados com modificações decorrentes da Constituição Federal” (ADIN- 1628/SC, DJU, 26-9-1997, p. 47475).
28 Segundo Alexandre de Moraes (Constituição do Brasil Interpretada, op. cit., p. 1246), “O impeachment surgiu no direito brasileiro com a República, com base na Carta de 1891, segundo o modelo norte-americano, mas com características e peculiaridades próprias, principalmente em relação à definição dos crimes de responsabilidade, seu procedimento e julgamento que, no Brasil, serão definidos por lei ordinária”.
29 Cf. art. 2º da Lei nº 1.079/1950: “Os crimes definidos nesta Lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até 5 (cinco) anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou ministros de Estado, contra os ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o procurador-geral da República”.
30 O Impeachment. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 70. Na linha desse entendimento é a posição de Eugênio Pacelli de Oliveira (Curso de Processo Penal. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, pp. 87-88), que acrescenta: “Não bastasse, e se necessário fosse ir mais longe, não se pode perder de vista que o crime é fenômeno social, sempre ligado às regras da convivência humana, do que resulta a exigência de um Direito Penal de intervenção mínima, como ultima racio, legitimando-se a criminalização somente diante de ofensas, efetivas ou potenciais, a bens jurídicos indispensáveis à sobrevivência do corpo social”. Ademais “Os crimes de responsabilidade, quando não tipificados também como crimes comuns, não têm a dimensão coletiva e difusa própria dos interesses do Direito Penal, no que se refere aos bens selecionados para a necessária tutela. Relembre-se, como exemplo, o fato definido no art. 9º, item 7, da Lei n. 1.079/50, que estabelece ser crime de responsabilidade do Presidente da República o proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. Percebe-se, aqui, e a toda evidência, que semelhante tipificação não ostenta nem sequer atributos mínimos daquela própria do Direito Penal, na medida em que deixa exclusivamente ao juízo político do Senado da República a fixação dos critérios em que deveria se pautar o Chefe do Executivo para atender ao decoro do cargo”. Importante destacar que o STF possui posição diversa do aqui sustentado, reconhecendo a natureza criminal do processo de impeachment, como restou patenteado no julgamento do Mandado de Segurança nº 21.564-0-DF impetrado pelo ex-Presidente Fernando Collor. Aliás, mais recentemente a posição foi reafirmada, como se nota no julgamento das PET-1954 (DJ 01.08.2003) e PET-1.656-DF – Rel. Min. Maurício Corrêa, Informativo n. 281. Também na doutrina a posição do STF tem seus defensores, destacando-se, aqui, o posicionamento de Cármen Lúcia Antunes Rocha (Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 405), que invocando o julgamento do caso Collor, conclui que “O processo de impeachment é de natureza político-penal, conforme a maioria das opiniões dominantes, tendo sido esse tema abordado no Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do ‘caso Collor’”. Enfim, como se percebe, a questão é polêmica, não cabendo nos limites do presente estudo sua abordagem de forma aprofundada. 
31 Inciso com redação determinada pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
32 Em relação ao Governador do Distrito Federal, aos Governadores dos Territórios e a seus respectivos secretários, a previsão se encontra no art. 1º da Lei nº 7.106, de 28.06.1983, que dispõe: “são crimes de responsabilidade do Governador do Distrito Federal ou de seus Secretários, quando por eles praticados, os definidos na Lei 1.079, de 10 de abril de 1950, ou ainda quando simplesmente tentados”.
33 Essa também foi a conclusão que chegou Flávio Cheim Jorge, por ocasião da palestra proferida nas VI Jornadas de Direito Processual Civil, realizada em outubro de 2005, em Brasília-DF (A tutela da Probidade Administrativa: Crime de Responsabilidade ou Ação Civil de Improbidade Administrativa?, texto ainda pendente de publicação, gentilmente cedido pelo autor): “Não respondem, portanto, por crimes de responsabilidade os membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados Estaduais e Federais e Vereadores), mas podem os membros ser cassados e inabilitados para funções públicas por quebra de decoro parlamentar (art. 56 da CF e 7º do Dec.Lei201)”. 
34 Como destaca acertadamente Flávio Cheim Jorge (ibid), “Interessante notar, quando se analisa comparativamente as duas legislações federais de regência, que o Dec.Lei 201 – ao contrário da Lei 1.079/50 – não aponta a prática de atos de improbidade administrativa como crime de responsabilidade e tampouco prevê a pena de inabilitação para o exercício do cargo”.
35 Com razão observa Waldo Fazzio Júnior (Corrupção no Poder Público, São Paulo: Atlas, 2002, p. 70/71): “É bom destacar que, se o agente público for prefeito municipal, na órbita penal comum, pelos crimes contra a Administração em geral, responderá à ação penal pública proposta pelo Procurador Geral de Justiça perante o Tribunal de Justiça do Estado (art. 29, inciso X, da CF), visando a sua condenação pela prática de crime funcional (art. 1º e seus incisos, do Decreto-lei nº 201/67), seja de crime contra a Administração Pública, nos termos do Código Penal, conforme a subsunção típica de seu comportamento ilícito. (...) Na esfera político-administrativa, se ocorrer ilícito previsto como crime de responsabilidade ou infração político-administrativa (art. 4º e seus incisos do mesmo Decreto-lei), será processado e julgado pela Câmara Municipal, que, se procedente à imputação, lhe cassará a investidura. Ao Poder Judiciário poderá caber, em grau de recurso, o exame revisional da legalidade do processo camarário”.
36 Nesse sentido, já se manifestou o STF: “Direito Penal e Processual Penal. Prefeito Municipal. Crime previsto no art. 1º, do Decreto-lei nº 201, de 1967. Ação penal que pode prosseguir, ou ser proposta, mesmo após a extinção do mandato. 1. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento plenário ocorrido a 13-4-1994, no HC nº 70.671-Piauí, de que foi relator o Ministro Carlos Velloso, reviu sua antiga jurisprudência, ficando assim expressa a ementa do julgado: ‘ Ementa: PENA. PROCESSUAL PENAL. PREFEITO. CRIME DE RESPONSABILIDADE. DL. 201, DE 1967, ARTIGO 1º: Crimes comuns. I – Os crimes denominados de responsabilidade, tipificados no art. 1º do DL 201, de 1967, são crimes comuns, que deverão ser julgados pelo Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores (art. 1º), são de ação pública e punidos com pena de reclusão e de detenção (art. 1, par. 1º) e o processo é o comum, do CPP, com pequenas modificações (art. 2). No art. 4, o DL 201, de 1967, cuida das infrações político-administrativas dos prefeitos, sujeitos ao julgamento pela Câmara de Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato. Essas infrações é que podem, NA TRADIÇÃO DO DIREITO BRASILEIRO, SER DENOMINADAS DE CRIMES DE RESPONSABILIDADE. II – Ação penal contra prefeito municipal, por crime tipificado no art. 1 do DL 201, de 1967, pode ser instaurada mesmo após a extinção do mandato. III – Revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. IV – ‘Habeas Corpus.’ 2. Adotados os fundamentos deduzidos nesse último precedente do Plenário, o ‘HC’ e indeferido na hipótese” (DJU, 3-3-1995, p. 4105).
37 Cf. arts. 102, I, “c”, 105, I, “a” e 108, I, “a”, todos da CF. 
38 Cf. MARTINS, Ives Gandra. Aspectos procedimentais do instituto jurídico do impeachment e conformação da figura da improbidade administrativa, in Revista dos Tribunais, v. 685, 1992.
39 Rcl 2138-DF, DJ 17.09.2002. A reclamação em tela, ajuizada pela Advocacia-Geral da União, insurge-se contra decisão de 1ª instância proferida na ação nº 1999.34.00.016727-9, que julgou procedente os pedidos formulados em ação de improbidade promovida pelo Ministério Público Federal, condenando o réu nas penalidades previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/1992, e art. 37, § 4º, da CF. A inicial imputava conduta ímproba ao réu, então Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE da Presidência da República, o Sr. Ronaldo Mota Sardenberg, consistente “na solicitação e utilização indevidas de aeronaves da FAB para transporte particular seu e de terceiros, sem vinculação às suas atividades funcionais. A solicitação de aeronaves deu-se a partir de comunicações feitas pelas autoridades federais ao Chefe de Gabinete do Ministério da Aeronáutica em Brasília-DF, e a utilização ilegal das aeronaves ocorreu a partir de Brasília-DF ou nela foi finalizada”. Como observa Fábio Medina Osório (Obstáculos processuais ao combate à Improbidade Administrativa: uma reflexão geral, op. cit., p. 199), “Curiosamente, a Advocacia-Geral da União figura como defensora direta dos interesses do acusado, o que não deixa de ser uma distorção em si mesma, em se tratando de ação punitiva endereçada pessoalmente contra determinada figura, e não contra entidade estatal”.
40 Tais autores, que entendem que há uma competência implícita do STF para o julgamento de ações de improbidade administrativa contra Ministros de Estado e membros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União, consideram que a ação de improbidade é uma “ação civil de forte conteúdo penal”, destacando que “a sentença condenatória proferida nessa peculiar ‘ação civil’ é dotada de efeitos que, em alguns aspectos, superam aqueles atribuídos à sentença penal condenatória (MENDES, Gilmar WALD, Arnoldo. Competência para julgar ação de improbidade administrativa. Revista de Processo, nº 107. p. 254, jul./set. 2002).
41 Rcl 2138-DF, DJ 17.09.2002. Na decisão, o Ministro Nelson Jobim, deixou assentado: “Assim, em análise preliminar, não parece haver dúvida de que os delitos previstos da Lei 1.079/1950, tais como os arrolados na Lei 8.429/1992, são delitos político-administrativos. É certo que a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-á uma interpretação ab-rogante ao disposto no art. 102, I, c, da Constituição. Se, ao contrário, se entender que os agentes políticos, como os Ministros de Estado, por estarem submetidos a um regime especial de responsabilidade, não se aplicam as regras comuns da lei de improbidade, há que se afirmar a plena e exclusiva competência do STF para processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, c, da Constituição”. Posteriormente, o STF voltou a abraçar o entendimento de que os atos de improbidade administrativa configuram crimes de responsabilidade, como se percebe pela Reclamação nº 2.186-DF, proposta pelos então Ministro da Fazenda, Pedro Malan, Ministro da Casa Civil, Pedro Parente, e Senador da República, José Serra, em razão da existência de ações civis de improbidade administrativa ajuizadas perante a primeira instância da Seção Judiciária do Distrito Federal. O relator da presente Reclamação, o Min. Gilmar Mendes, deferiu a medida liminar requerida, suspendendo o andamento das ações, destacando em seu voto: “Assim, na linha adotada pelo Ministro Nelson Jobim, ao concluir que os delitos de que trata a Lei n. 8.429/1992, são, efetivamente, ‘crimes de responsabilidade’, afigura-se imperioso o reconhecimento da competência do Supremo Tribunal Federal toda vez que se tratar de ação movida contra Ministros de Estado ou contra integrantes de tribunais superiores (CF, art. 102, I, ‘c’).”
42 Pendente de publicação.
43 Cf. informativo nº 413, de 12 a 19 de dezembro de 2005 (Fonte: <www.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriroes/informativo>, acesso em 02/02/2006. 
44 Pendente de publicação.
45 Faz referência aos agentes públicos que respondam por crimes de responsabilidade segundo previsão em lei (Lei nº 1.079/1950 e Decreto-lei 201/1967).
46 Nesse sentido, são oportunas as seguintes ponderações de Flávio Cheim Jorge, (A improbidade Administrativa - Lei N. 8.429, de 2 de junho de 1992, op. cit., p. 1150), ao discorrer sobre o foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa: “De outra parte, apesar de não deixarmos de reconhecer a importância da interpretação lógico-extensiva em matéria de competência, difundida por Canotilho, pensamos que a mesma não pode ter incidência na hipótese vertente. É que, conforme ressaltou o Ministro Milton Luiz Pereira, em seu voto na reclamação citada (trata-se da Reclamação 591-SP, julgada pelo STJ), ‘porque tudo o que diz respeito à jurisdição e competência jurisdicional, no estado de direito, subordina-se ao princípio da reserva legal, obviando-se que, potesta própria, o Judiciário não pode atribuir-se jurisdição, como não delimitá-la, fixando competência para seus órgãos’. Além disso, interpretação diferente, conduziria, por certo, à violação do ‘princípio do juiz natural’, garantia constitucional (art. 5º, XXXVII, CF/88) não só para o réu, mas também para o autor, que em tal hipótese, estaria sendo completamente privado dela”. 
47 Trata-se da denominada jurisdição política, que, conforme observa Eugênio Pacelli de Oliveira (op. cit., pp. 86-87), será exercitada “ainda quando a competência para o julgamento seja atribuída a órgãos do Judiciário – responsável pelo processo e julgamento de infrações políticas, isto é, infrações praticadas por agentes políticos do poder público, no exercício de cargos e funções públicas. Tais infrações, embora historicamente tratadas por crimes de responsabilidade, não constituem, a rigor, infrações penais, abarcadas pelo Direito Penal”.
48 Não se desconhece a polêmica a respeito da possibilidade ou não de aplicação de todas as sanções a determinados agentes, como o Presidente da República. Realmente, nesse ponto - especialmente em relação à perda do cargo e à suspensão dos direitos políticos - a matéria é polêmica, fugindo aos limites do presente estudo. Porém, ainda que se defenda a não aplicabilidade de algumas sanções a certos agentes políticos, tal posicionamento não pode levar ao absurdo esvaziamento da Lei nº 8.429/1992, no sentido de considerá-la inteiramente inaplicável, como é a tese defendida na Reclamação nº 2.138-6/DF.
49 Aliás, a respeito dessa possibilidade, são oportunas as observações de Paulo Brossard (ob. cit., p. 71): “Embora possa haver duplicidade de sanções em relação a uma só falta, desde que constitua simultaneamente infração política e infração criminal, ofensa à lei de responsabilidade e ofensa à lei penal, autônomas são as infrações e de diversa natureza as sanções aplicáveis num e noutro caso. Aliás, a circunstância de ser dúplice a pena está a indicar que as sanções têm diferente natureza, correspondentes a ilícitos diferentes”.
50 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. op. cit., p. 87.
51 “Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: (...) III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º”. 
52 SELIGMAN, Rogério Ponzi. O princípio constitucional da proporcionalidade na conformação e no sancionamento aos atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92. Revista de Direito Administrativo, nº 238, p. 246, outubro/dezembro-2004.
53 Ação Civil Pública de Improbidade – Foro Privilegiado e Crime de Responsabilidade. In A Ação Civil Pública após 20 anos: efetividade e desafios. Coordenador Edis Milaré, 2005, p. 178.
54 Conforme observa com propriedade Wallace Paiva Martins Júnior (Probidade Administrativa, op. cit., p. 104), “A tutela da probidade administrativa, entretanto, não se exaure na previsão constante do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, regulada na Lei Federal n. 8.429/1992. É vigente a repressão eleitoral à improbidade administrativa, em virtude do disposto também na Constituição Federal, que remete à lei complementar o estabelecimento de outros casos de inelegibilidade, a fim de que proteger ‘a probidade administrativa, a moralidade e legitimidade das eleições contra influência do poder econômico ou abuso do exercício da função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta’ (tarefa cumprida pela Lei Complementar Federal n. 64/90, com alterações introduzidas pela Lei Complementar Federal n. 81/94), consoante dispõe o art. 14, § 9º, e institui a admissibilidade excepcional de cassação dos direitos políticos, cuja perda ou suspensão poderá ocorrer nos casos de improbidade administrativa, segundo o preceituado no art. 15, V. Há também a repressão político-administrativa da improbidade administrativa, consoante o art. 85, V, da Constituição Federal, que considera crime de responsabilidade atos que atentem contra a probidade na administração, matéria regulada nos níveis federal e estadual pela Lei Federal n. 1.079/50, no municipal pelo Decreto-lei Federal n. 201/67 e no art. 55, II e § 1º, da Constituição Federal para os membros das corporações legislativas. E tudo isso sem prejuízo da tutela da probidade administrativa, de seu sancionamento no âmbito administrativo-disciplinar e do ajuizamento de ação popular para o combate a ato ofensivo à moralidade administrativa (embora com escopo restringido à sua anulação e ressarcimento do dano), pois é instrumento constitucional de defesa de interesses coletivos e comunitários, servindo para ‘exaltar as regras da boa administração’, conforme anota Manoel de Oliveira Franco Sobrinho”.
55 Destaque-se, aliás, as palavras do prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990. V. 1, p. 259), que ao comentar o art. 37, § 4º, da CF, observa que “reflete-se neste parágrafo a revolta do povo brasileiro contra a corrupção nos escalões governamentais e administrativos”. 
56 Cf. Art. 86, caput, da CF: “Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”. 
57 Ob. cit., p. 5 e 14.
58 A expressão é Cid Vasques, membro do Ministério Público do Paraná, citado por Cláudia Trevisan, em matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, de 08.12.2002, caderno Brasil, intitulada “STF pode criar ‘blindagem’ para 1º escalão”, que critica veementemente a decisão em comento. 
59 Lei de Improbidade Administrativa. Comentários e anotações jurisprudenciais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 37.
60 Cf. art. 3º da Lei nº 8.429/1992.
61 Sobre o citado princípio confira: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 17. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 72. Para o consagrado doutrinador o presente princípio é o maior dos princípios gerais do direito.
62 No voto (pendente de publicação) proferido na Reclamação nº 2.138-6-DF, o então Ministro Carlos Velloso, com o brilhantismo que lhe é peculiar, destaca: “No ‘ ranking’ dos paises onde há corrupção, estamos muito mal colocados. Esse ‘ranking’ é organizado, de regra, por organizações não governamentais que combatem esse mal. Precisamos, portanto, nos esforçar, cada vez mais, para eliminar a corrupção na administração pública. Ora, o meio que me parece mais eficiente é justamente o de dar a máxima eficácia à Lei de Improbidade. Refiro-me, especialmente, às administrações municipais. Temos mais de cinco mil municípios. Em cada um deles, há um promotor fiscalizando a coisa pública municipal. Abolir a ação de improbidade relativamente aos agentes públicos municipais seria, repito, um estímulo à corrupção”.
63 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 706.
64 Apud ROTHENBURGO, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p. 47. Sobre tal princípio vide também: BARROSO, Luís Roberto. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In Temas de Direito Constitucional. Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, especialmente p. 44-45.
65 Nesse passo, são oportunas as colocações de Patrícia do Couto Villela Abbud Martins, que ao discorrer sobre o princípio em tela, observa que “a proibição de retrocesso social representa um limite jurídico ao legislador, que se encontra submetido aos direitos sociais adquiridos. Faz transmutar para o Estado a obrigação antes positiva de concretizar o direito, em obrigação negativa, forçando-o a se abster de atentar contra a realização daquele direito fundamental social já estabelecido” [...] Concorrentemente, a vedação ao retrocesso social objetiva a preservação da harmonia do sistema jurídico, ao resguardar a observância dos princípios da confiança e da segurança, identificadores de um Estado de Direito. Proporciona na comunidade um sentimento de certeza e tranqüilidade em relação a bens e posições jurídico-subjetivas já alcançadas” (A Proibição do Retrocesso Social como Fenômeno Jurídico, in A Efetividade dos Direitos Sociais, Coordenador Emerson Garcia, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 402).
66 Aliás, nesse passo, são oportunas as observações de José Marcelo Menezes Vigliar, que ao discorrer sobre o elemento da “tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço”, citado por Rodolfo Camargo Mancuso como sendo um dos quatro que integram o conceito de interesse difuso, explicando que tal elemento depende dos valores dominantes no momento e local de sua preservação, observa: “[...] fora do aspecto temporal, lembremos ainda que o congressista-constituinte de 1988, de forma absolutamente cristalina, determinou que o patrimônio público fosse também defendido pela chamada ação civil pública. Por que? Por que no nosso país a defesa do patrimônio público é um imperativo: atribuir instrumentos processuais variados para sua preservação, ampliar o rol dos legitimados, mostrou-se entre nós (portanto uma particularidade local, que pode até não ocorrer em outras nações) essencial” (VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela Jurisdicional Coletiva, op. cit., p. 71).
67 FREITAS, Juarez O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 56-57.
68 Nesse sentido é a posição, dentre outros, de Francisco Chaves dos Anjos Neto (Princípio da Probidade Administrativa – Regime Igualitário no Julgamento dos Agentes Políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 101), que embora abrace a corrente da natureza penal dos crimes de responsabilidade, é contrário ao entendimento de que em relação aos agentes políticos não incide a Lei nº 8.429/1992, lançando a seguinte conclusão: “Portanto, a responsabilidade política, a justificar um julgamento do tipo impeachmentista – ou uma jurisdição penal extraordinária, para usar uma linguagem mais técnica e infensa a neologismos -, convive lado a lado com a responsabilidade penal, por crime comum, se a hipótese também se enquadrar nessa perspectiva, bem assim como a responsabilidade civil, de o

* Gustavo Senna Miranda
Promotor de Justiça/ES
Mestre em Direito
Professor da FDV


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