Por: César Dario Mariano da Silva
8º PJ do II Tribunal do Júri
Trata-se de questão de difícil elucidação e que vem causando dúvidas na doutrina e jurisprudência.
É sabido que o dolo é elemento subjetivo do tipo implícito, integrando a conduta, ou seja, a norma não diz que o tipo é doloso, limitando-se a descrever a conduta com todos seus elementos.
O dolo eventual é uma das modalidades do dolo (em sentido amplo) e vem previsto no artigo 18, inciso I, parte final, do Código Penal. Com efeito, o agente que cometer crime agindo com dolo direto ou eventual receberá a mesma pena, não havendo qualquer diferença entre essas espécies de dolo (direto ou eventual) para efeito de causalidade e mensuração da pena.
O mesmo já não ocorre com o crime culposo. Enquanto a regra é o tipo penal ser doloso, o culposo é a exceção. Assim, só haverá a conduta culposa se ela estiver expressamente prevista no tipo penal (art. 18, parágrafo único do Código Penal). Esse dispositivo deixa evidente que o dolo é a regra e a culpa a exceção para efeito de tipificação legal.
Na denúncia caberá ao Membro do Ministério Público descrever como se deu a ação ou a omissão do agente e explicitar no que consistiu o dolo eventual, não havendo necessidade de mencionar expressamente que o sujeito assim agiu, ou seja, com dolo eventual, bastando narrar os fatos com todas as suas circunstâncias. Após a descrição dos fatos é recomendável dizer que o denunciado assumiu o risco de produzir o resultado morte, embora, como já dito, não seja necessário.
No entanto, no que é pertinente ao libelo e à redação do questionário, a situação merece especial atenção. O libelo deve seguir determinadas regras previstas no artigo 417 do Código de Processo Penal e será a base para a elaboração do questionário que, por sua vez, deve obedecer aos requisitos elencados no artigo 484 do mesmo diploma legal.
O primeiro quesito versará sobre a autoria e a materialidade, enquanto o segundo sobre a letalidade. Dessa forma, aonde deve ser inserido o quesito sobre o dolo eventual? No primeiro, no segundo ou no terceiro quesito, logo após a pergunta sobre a letalidade no crime consumado?
Não poderá ser indagado no primeiro quesito se o sujeito agiu com dolo eventual por um motivo simples. A negativa ensejaria a absolvição do réu por não ter sido o autor do crime, ou por falta de nexo causal, que implica impossibilidade de ser votada a desclassificação para crime culposo, situação essa corriqueira nos meios forenses. A desclassificação é tese votada em quesito próprio, logo após a letalidade (2º quesito). Votando-se “não” logo no primeiro quesito o julgamento é encerrado com a absolvição do acusado.
O mesmo ocorrerá se a pergunta acerca do dolo eventual for colocada no segundo quesito que trata da letalidade. Negada a indagação, haverá desclassificação e não se poderá indagar dos jurados se o réu agiu culposamente no homicídio, uma vez que os Jurados já decidiram que os ferimentos suportados pela vítima não foram a causa de sua morte, bem como que ele agiu com dolo direto.
Colocando-se o quesito sobre o dolo eventual logo após o da letalidade o resultado poderá ser ainda mais equivocado. Negado o dolo eventual, como já houve reconhecimento da autoria e da materialidade ao ser votado afirmativamente ao primeiro quesito, bem como da letalidade no segundo, o sujeito estará indevidamente condenado por ter agido com dolo direto, caso não seja indagado dos Jurados sobre a ocorrência da culpa. Perguntado aos Jurados sobre a ocorrência de culpa na conduta do agente, após ser negado o quesito acerca do dolo eventual, e sendo a resposta positiva, o crime estará corretamente desclassificado para culposo. No entanto, negados os quesitos atinentes ao dolo eventual e à culpa, o acusado estará condenado por ter agido com dolo direto, já que o primeiro e segundo quesitos foram respondidos afirmativamente. Como o dolo integra a conduta, que foi reconhecida pelos Jurados ao votarem positivamente ao primeiro quesito, a equivocada solução é a condenação por crime praticado com dolo direto, haja vista a negativa da ocorrência do dolo eventual e da culpa em sentido estrito. Nesse caso, o julgamento está eivado de nulidade absoluta, uma vez que o acusado foi denunciado e pronunciado por crime cometido com dolo eventual e acabou condenado por delito praticado com dolo direto.
Como proceder para que não haja resultado contraditório e contra a vontade dos Jurados? Como não existe diferença entre dolo direto e eventual no que tange à causalidade, basta que no primeiro quesito, que trata da autoria e da materialidade, seja a conduta delituosa descrita como na denúncia, mas sem fazer qualquer referência direta à ocorrência do dolo eventual e à assunção do risco de produzir o resultado morte. Podemos citar como exemplo os quesitos abaixo:
1) No dia 25 de maio de 2.006, por volta das 16:00 horas, na avenida Deputado Soares Porto, esquina com a rua dos Navegantes, Santana, nesta Capital, o réu PAULO DA SILVA, na condução do automóvel da marca Fiat, modelo Elba, placa 1111/SP, no sentido centro/bairro, embriagado (cf. laudo de fls 23), em velocidade muito acima da permitida para o local, avançou o semáforo que lhe estava desfavorável (vermelho) e atropelou Andréa da Silva, que atravessava a via na faixa de pedestres, causando-lhe os ferimentos descritos no laudo de exame necroscópico de fls. 26?
2) Essas lesões foram a causa da morte da vítima?
Caso a tese da defesa seja a de que o réu agiu com imprudência, basta haver a respectiva indagação no terceiro quesito, que poderia ficar assim:
3) O réu, ao conduzir o veículo embriagado, em velocidade muito acima da permitida para o local, e ao avançar o semáforo que lhe estava desfavorável (vermelho), agiu com culpa na modalidade imprudência?
Votado sim ao primeiro e ao segundo quesitos e negado o terceiro, haverá condenação por homicídio com dolo eventual. Afirmados o primeiro, o segundo e o terceiro quesitos, o sujeito estará condenado por homicídio culposo.
Entretanto, deve ser salientado que, mesmo elaborado o questionário da forma como por nós proposta, poderá ocorrer resultado indesejado e contraditório quando a defesa negar situação fática narrada no primeiro quesito, como não ter o réu avançado o sinal vermelho, não estar embriagado etc. Isso porque, negado pelos Jurados o primeiro quesito, o resultado será a absolvição e sequer se indagará sobre a culpa, que poderá ser tese de uma das partes. Nesse caso, caberá ao Magistrado, ao verificar a alegação defensiva durante os debates, desmembrar o quesito em dois, de modo que a indagação sobre o dolo eventual se faça logo após o quesito que trata da letalidade, e torcer para que não haja resultado contraditório. Também cabe ao Promotor de Justiça cuidar para que somente o que puder ser provado conste do libelo. Se o caso, a denúncia poderá ser aditada quando do oferecimento das alegações finais, justamente para evitar resultado indesejado quando da votação do questionário.
Cuidando-se, porém, de tentativa, a situação é muito mais simples, uma vez que a negativa ao segundo quesito leva à desclassificação do delito e, por conseqüência, o julgamento pelo Juiz Presidente. Nesse caso, pode ser quesitada a tentativa de homicídio com dolo eventual da seguinte forma:
1) No dia 25 de maio de 2.006, por volta das 16:00 horas, na avenida Deputado Soares Porto, esquina com a rua dos Navegantes, Santana, nesta Capital, o réu PAULO DA SILVA, na condução do automóvel da marca Fiat, modelo Elba, placa 1111/SP, no sentido centro/bairro, atropelou Andréa da Silva, que atravessava a via na faixa de pedestres, causando-lhe os ferimentos descritos no laudo de exame de corpo de delito de fls. 26?
2) O réu, ao conduzir veículo embriagado, em velocidade incompatível com o local e por avançar o semáforo, que lhe estava desfavorável (vermelho), assumiu o risco de produzir o resultado morte, que não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade, uma vez que a vítima foi submetida a pronto e eficaz socorro médico?
A votação positiva ao primeiro e ao segundo quesitos enseja a condenação do acusado por tentativa de homicídio com dolo eventual. A votação positiva ao primeiro quesito, e negativa ao segundo, enseja a desclassificação do delito, remetendo a decisão ao Juiz Presidente.
Embora essa forma de quesitação não seja perfeita, entendemos ser a melhor e que proporciona maiores chances de resultados desejados pelas partes e pelos Jurados.