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Considerações sobre a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei Antitóxicos

Por: César Dario Mariano da Silva (8º PJ do II Tribunal do Júri) e Pedro Ferreira Leite Neto (26º PJ da Capital)

Logo após a publicação da nova lei antitóxicos algumas questões controvertidas começaram a surgir. Uma delas é sobre os parâmetros que devem ser observados por ocasião da aplicação da nova causa de diminuição de pena.

O § 4º do artigo 33 prevê a redução da pena dos crimes previstos no seu “caput” e § 1º quando o agente for primário, possuir bons antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas e nem integrar organização criminosa. Faltando qualquer um desses requisitos, a diminuição da pena, que pode ser de um sexto a dois terços, não deverá ser aplicada. Cuida-se de dispositivo que visa beneficiar o pequeno e eventual traficante. O profissional do tráfico e o que teima em delinqüir não merece atenuação da pena.

Presentes os requisitos previstos na norma a diminuição da pena é obrigatória, não ficando ao alvedrio do Juiz operar a redução ou não. Embora a norma empregue a expressão “as penas poderão ser reduzidas”, não se trata de atividade discricionária do Juízo, mas de direito subjetivo do acusado.

Aliás, a primariedade e bons antecedentes deverão ser demonstrados pelo acusado, ao passo que caberá ao Ministério Público o ônus de provar que o réu se dedica à atividade criminosa ou que pertença à organização criminosa. Não cabe ao réu a prova de fatos negativos, mas a quem alega, no caso, o Ministério Público.

A grande celeuma quanto a esse dispositivo é saber qual o critério que será empregado pelo juiz para a maior ou menor diminuição da pena. Não nos parece correto defender que as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) poderão ser aplicadas para mensurar a maior ou menor diminuição. Isso porque elas são analisadas na primeira fase de fixação da pena e as causas de diminuição na terceira fase, em obediência ao critério trifásico (art. 68 do CP). Isso levaria o juiz à quase sempre diminuir a pena no máximo (dois terços), uma vez que a primariedade e bons antecedentes são elementos indispensáveis para o reconhecimento da minorante. Além disso, não é cabível diminuir ou aumentar a pena duas vezes pelo mesmo fato (princípio da proibição da dupla valoração – no bis in idem). Assim, apenas outros elementos, que não incidirem na fixação da pena base ou de alguma forma a diminuírem por outro motivo, é que poderão ser considerados para a maior ou menor diminuição da pena.

Observamos, ainda, que o artigo 42 traz circunstâncias que preponderarão sobre as judiciais do artigo 59 do Código Penal, ou seja, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. No que é pertinente às duas últimas, já se encontram descritas no art. 59 do Código Penal, mas passarão a preponderar sobre as demais lá constantes.

Porém, parece-nos que não haverá dupla valoração quando ocorrer o aumento e depois a diminuição da pena pelo mesmo fundamento. Isto é, resultando o aumento da pena em virtude das circunstâncias descritas no artigo 42, a pena poderá ser diminuída com fundamento no § 4º do art. 33 por esses mesmos fatos, haja vista a diversidade de incidência (aumento e depois diminuição).

Com efeito, pensamos que as circunstâncias descritas no artigo 42 da Lei Antitóxicos poderão servir de parâmetro para o Julgador quando da diminuição da pena (art. 33, § 4). Assim, v.g., quanto mais potente a droga ou maior a sua quantidade, menor será a diminuição da pena e vice-versa. O que não se faz possível é a dupla diminuição pelo mesmo fato. Destarte, nada impede que o Juiz, a fim de que não haja dupla valoração, deixe de aplicar essas causas por ocasião da fixação da pena base e as faça incidir na terceira fase da dosimetria para a maior diminuição da pena, sempre verificando o que será melhor para o acusado.

Como a norma penal em estudo é mais benéfica para o acusado, retroagirá e alcançará os processos em andamento e os já definitivamente julgados (art. 5º, inciso XL, da CF, e art. 2º, parágrafo único, do CP). A diminuição da pena poderá ser pleiteada ao juiz da instrução, no caso de processos em andamento, ou ao juiz da execução, no que é pertinente aos processos com sentença condenatória transitada em julgado. Estando o processo em grau de recurso, o benefício deverá ser pleiteado ao relator.

A questão que surge é a seguinte: sobre qual norma incidirá a diminuição da pena no caso de retroatividade? A da lei revogada (nº 6.368/1976) ou da lei em vigor?

Não nos parece correto que a diminuição se opere sobre a pena fixada com fulcro na Lei nº 6.368/1976, que tinha como patamar mínimo três anos de reclusão. O dispositivo determina a diminuição da pena dos delitos previstos no art. 33, “caput”, e § 1º, da nova lei, cuja pena mínima cominada é de cinco anos de reclusão, ou seja, superior ao mínimo legal cominado na legislação anterior.

Embora haja controvérsia sobre o assunto, não entendemos possível aplicar esse dispositivo sobre tipos penais já revogados, ou seja, conjugando normas de uma lei revogada com normas de uma lei em vigor. Isso porque não cabe ao Judiciário a função de legislar e criar uma terceira lei, que conjugue dispositivos de lei revogada com lei em vigor. Nelson Hungria, com a sapiência que lhe era peculiar, assim aduziu:

“[...] preliminarmente, cumpre advertir que não podem ser entrosados os dispositivos mais favoráveis da lex nova com os da lei antiga, pois, de outro modo, estaria o juiz arvorado em legislador, formando uma terceira lei, dissonante, no seu hibridismo, de qualquer das leis em jogo. Trata-se de um princípio prevalente em doutrina: não pode haver aplicação combinada das duas leis” (Comentários ao Código Penal, v.1, p. 112).

Compartilha desse mesmo entendimento Aníbal Bruno:

“Mas não é lícito tomarem-se na decisão elementos de leis diversas. Não se pode fazer uma combinação de leis de modo a tomar de cada uma delas o que pareça mais benigno. A lei considerada mais benévola será aplicada em sua totalidade. Note-se que se trata exclusivamente de aplicar uma ou outra das leis existentes, no seu integral conteúdo, não sendo lícito ao juiz compor, por assim dizer, uma lei nova com os elementos mais favoráveis das que realmente existem”. (Direito Penal, v.1, tomo 1, p. 263-264).

Como a norma mais benévola deve necessariamente retroagir para beneficiar o acusado, que seja por inteiro, i.e., a causa de diminuição de pena deverá incidir sobre a pena mínima cominada aos delitos previstos nos artigos 33, “caput”, e § 1º.

Com efeito, caso a pena fixada com base na lei anterior seja inferior ao mínimo cominado no tipo penal em vigor (cinco anos de reclusão), será sobre esse montante (cinco anos) que deverá incidir a diminuição. Por outro lado, superado o limite mínimo de cinco anos, será sobre a maior pena que deverá incidir a diminuição, haja vista estar dentro dos limites estabelecidos pela lei nova.

No caso de ser procedida a diminuição com fulcro na lei nova e a pena superar a fixada com base na lei revogada, esta última é que deverá prevalecer, deixando-se de aplicar a lei nova, que passou a ser prejudicial ao acusado. Assim, a lei revogada, mais benéfica, é que será aplicada em sua integralidade aos fatos ocorridos durante a sua vigência.

Antes do advento da nova Lei Antitóxicos havia divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a possibilidade, ou não, da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos para o condenado por tráfico de drogas, haja vista não haver norma proibitiva expressa. Com a nova lei essa questão restou superada, uma vez que o dispositivo em estudo veda expressamente a substituição quando ocorrer a diminuição da pena.

Observamos, ainda, que o artigo 44, “caput”, da nova lei igualmente veda a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ao condenado por um dos delitos previstos nos arts. 33, “caput”, e § 1º, e 34 a 37, independentemente da pena aplicada. Com efeito, mesmo que preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos previstos no artigo 44 do Código Penal, a substituição não será possível.

Bibliografia

Bruno, Aníbal, Direito Penal, v.1, tomo 1, Editora Nacional de Direito, 1956. 
Filho, Vicente Greco, Tóxicos, Saraiva, 1992.

Hungria, Nélson. Comentários ao Código Penal, vol. I, 4ª ed., Forense, 1958.

Mariano da Silva, César Dario, Manual de Direito Penal, parte geral, Rio de Janeiro, 4ª ed., Forense, 2006.


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