Por: Lélio Braga Calhau
É notório que o Ministério Público passou por uma grande transformação com as conquistas institucionais da Constituição Federal de 1988. Também as polícias vêm passando por mudanças significativas e essas conseqüências acabam por se refletir na atuação do Ministério Público, porquanto a prova processual penal é iniciada, em grande número de situações, pela atuação da polícia ostensiva, em nosso estado, atribuição da Polícia Militar.
A Polícia Militar vem passando por uma revolução silenciosa nas últimas décadas. O tema tem passado longe da observação de nossa Instituição, sendo que, pela proximidade das ações e dos objetivos, entendo que o Ministério Público não deve se furtar de discutir e avaliar também essa quebra e rompimento de paradigmas do trabalho de policiamento ostensivo.
A adoção do modelo de policiamento comunitário vem sendo implantada pela cúpula da PM mineira. Isso não tem sido uma tarefa fácil, porquanto a divisão estrutural entre praças e oficiais, e ainda mais após o episódio conhecido como revolta dos praças de 1997, acabou gerando um natural abismo entre esses dois níveis hierárquicos. A Polícia mineira, bem como as demais milícias estaduais, buscam sua nova identidade após esse evento. A adoção de qualquer modelo policial não depende somente de uma decisão da cúpula, mas da compreensão e do engajamento do policial de rua, no seu dia-a-dia.
A segurança urbana depende da efetividade do trabalho policial. O modelo de policiamento comunitário surge da adoção de novas ações por parte da polícia norte-americana e refletiram numa melhoria considerável da efetividade e no rendimento da estrutura policial. Ele busca a construção de um relacionamento cooperativo entre a polícia e a sociedade, com o intuito de buscar uma solução preventiva para os problemas locais. O policiamento comunitário, apesar da franca inspiração norte-americana, é hoje um fenômeno e uma tendência internacional.
Os conselhos de segurança preventiva (Conseps) instalados em diversas cidades de Minas Gerais refletem essa nova tendência. É um meio de fazer a sociedade e a polícia sentarem ao redor de uma mesa e discutir de forma franca os seus conflitos.
Todavia estão ocorrendo diversas distorções com o argumento da defesa de implantação desse modelo. São poucos os conselhos que possuem uma representatividade real da sociedade local. No mais, eles somente arrecadam verbas e as dividem com as polícias de forma quase que automática. Muitas vezes, as multas oriundas do Juizado Especial Criminal são sua maior fonte de arrecadação. Com o dinheiro pagam combustível e consertam viaturas, compram rádios etc. São bastante úteis, mas não foram criados apenas para isso.
O conselho, então, vive somente uma face arrecadatória, quando, em tese, deveria ser principalmente um palco de diálogo efetivo entre a sociedade local e as polícias. Às vezes, os conselhos só legitimam a atuação das polícias, pois os conselheiros, no geral, são pessoas ligadas ás polícias e procuram não se desgastar com essa função. Não é esse o espírito do modelo.
Nesse contexto, entendo que o Ministério Público não deve se furtar de acompanhar essa realidade criminológica e, em sendo possível, participar ativamente, propondo mudanças, acompanhando de perto o destino da aplicação das multas oriundas do Juizado Especial Criminal, expedindo recomendações, para que os reais objetivos dos conselhos de segurança e do modelo de policiamento comunitário não sejam desvirtuados pela burocracia ou por interesses estranhos aos da população. É uma forma de materializarmos também o controle externo das atividades policiais.