conamp

O Ministério Público e o combate ao crime organizado

Por: José Carlos Cosenzo

Acreditando que uma entidade representativa de classe, além da grave responsabilidade pela mantença inflexível dos princípios constitucionais e prerrogativas conferidas a seus membros, tem igual e enorme compromisso no aperfeiçoamento institucional, o então presidente da Associação Paulista do Ministério Público, JOSÉ JUAREZ STAUT MUSTAFÁ, assumiu a coragem histórica de realizar na cidade de São Paulo, no período de 20 a 23 de setembro de 2000, o I Congresso Mundial do Ministério Público, reunindo na maior capital do País, em evento sem precedentes, a elite mundial de penalistas e pensadores, cujo propósito foi a discussão sobre o papel da instituição diante da criminalidade contemporânea.

A excepcional qualidade dos palestrantes e o elogiável interesse institucional proporcionaram um atraente intercâmbio e interessante troca de informações entre os participantes, fruto do aprofundamento da matéria discutida, apontando constatações diversas, como ser a criminalidade um fenômeno universal, sem fronteiras, e responsável pela movimentação de um imenso fluxo de riquezas em todo o mundo, a comprometer significativa parcela do PIB global, em manifesto prejuízo ao equilíbrio socioeconômico das nações e comunidades registradas na “Carta de São Paulo”, aprovada no seu encerramento.

Constatou-se também, de forma aqui resumida, que a globalização, responsável pela aproximação comercial entre os países, foi aproveitada por empreendimentos criminosos marcados pela sofisticação do modus operandi, estimulado pelo aperfeiçoamento dos recursos tecnológicos. A alta lucratividade decorrente da atividade criminosa instigou o recrutamento de homens e mulheres, e até de crianças, em todo o planeta, estimulando, principalmente nas nações menos desenvolvidas, a prática da corrupção envolvendo todos os escalões da estrutura governamental dos Estados, levando à fragilização dos mecanismos de combate à delinquência.

O tráfico de substâncias entorpecentes se constitui danosa modalidade delitiva, envenenando milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente jovens, crianças e adolescentes, cooptados à dependência e condenados à perda do próprio futuro. O comércio ilegal de armas facilita o acesso dos criminosos aos mais modernos instrumentos bélicos e, pelo alto poder de intimidação de quem os detêm, traz o sucesso imediato e dissemina as práticas delitivas, com isonômica vitimização internacional. O “crime do colarinho branco” trouxe a sacrificação difusa, pois os delitos praticados nos altos escalões governamentais subvertem a ideia de Estado de Direito, fulminando o princípio da isonomia, apesar de atingir com maior gravidade os mais humildes.

Constatou-se, ainda, naquela ocasião, que o combate ao crime organizado encontra obstáculos na soberania dos Estados que os palestrantes e estudiosos representavam ou pertenciam, embora paradoxalmente a criminalidade constitua a negação de toda e qualquer soberania, fato agravado quando observadas as intransponíveis dissonâncias da legislação penal e processual penal entre os países, ainda que do mesmo continente. É evidente que, apesar das garantias de um processo justo constituírem valor essencial para caracterizar o moderno Estado de Direito, o conjunto diferente de garantias processuais estimula a criminalidade, respaldada em grandes defensores e estudiosos contratados pelos criminosos, voltados essencialmente ao encontro das falhas.

Dentre as constatações, é perfeitamente possível destacar, acolhendo-se o princípio da legalidade como fundamental para a preservação do Estado de Direito, que o Ministério Público é essencial para contrapor a vontade dos delinquentes e seu corpo de juristas em detrimento da vontade da ordem jurídica, incumbindo à instituição o respeito ao ordenamento jurídico dos Estados independentes.

Tal constatação decorre de premissa maior, pois, sem embargo das peculiaridades estruturais e constitucionais que caracterizam cada uma das soberanias espalhadas pelo planeta, o Ministério Público detém, universalmente, a missão indelegável de empreender o combate à criminalidade, em todas as suas formas de manifestação, surgindo no cenário internacional como instituição indispensável à defesa da sociedade contra o delito, atuando na persecução penal com o objetivo de obter a efetiva punição dos criminosos.

Após o exame desse conjunto de fatores e proclamar o fortalecimento do Ministério Público no plano internacional e das respectivas soberanias; o combate a todas as formas de delinquência, especialmente a globalizada; o respeito aos direitos humanos, pautado na proteção das garantias fundamentais; a necessária cooperação entre os países, com eficiente troca de informações, tomando-se o crime como nocivo a todos e seu combate de natureza supranacional; prioridade no combate ao tráfico de entorpecentes e organizações criminosas; a necessidade do Ministério Público mundial caminhar na busca de modelo único de estrutura e organização; criação de estrutura e condições de especialização no sentido de combater a criminalidade organizada por meio de Escola Mundial, destinada ao aperfeiçoamento e intercâmbio de seus integrantes, os participantes – membros dos Ministérios Públicos de inúmeros países representados – aprovaram importante conclusão.

O arremate trouxe a reafirmação da importância da atuação no combate ao crime, tanto no limite da soberania dos Estados, quanto no plano internacional, com a necessária adoção de medidas destinadas ao fortalecimento e intercâmbio permanente de seus agentes.

Reconheceu-se, por outro lado, a necessidade de adaptação às características das ações criminosas contemporâneas, dos mecanismos legais e materiais de combate à criminalidade, assim como de preservação das garantias fundamentais, em especial as de vítimas do delito em todo o mundo.

Enfatizou-se, finalmente, que o Ministério Público surge como a grande esperança na realização dos ideais de igualdade, justiça social e democracia; na proteção do fraco contra o forte; na luta do bem contra o mal; na substituição da guerra pela paz; no triunfo da fraternidade sobre o ódio; na vitória da igualdade sobre a exclusão; na predominância da legalidade sobre o arbítrio; no repúdio a todas as formas de injustiça.

O brado está prestes a completar uma década, e não foi repetido. O primeiro congresso ainda é único, mas, como se vê das constatações, sustentações e conclusão, foi certamente o ponto de partida para a busca de uma atuação intensa, especializada e com inteligência no combate à criminalidade organizada.

Aquele inicial reconhecimento é reafirmado por grandes estudiosos, de que o crime organizado é fenômeno mundial, deixa sua mácula nas instituições governamentais e privadas, e conta com a participação efetiva de membros do Poder Público.

O efeito prático devastador na sociedade deve ser permanentemente alertado. Os historiadores evidenciam que a notoriedade desse fenômeno pôde ser sentida a partir da massificação da imigração europeia, especialmente italianos e irlandeses, ao continente americano. Entretanto, um breve passeio na história nos autoriza a dizer que, há séculos, os homens voltados à vida marginal buscam uma maneira organizada de se sobrepor à lei e à ordem. Ao custo de muitas vidas, a Tríade chinesa remonta ao século XVI. A japonesa Yakusa tem registros do século XVIII. No século XIX, as mais conhecidas tinham base no território italiano, como a Cosa Nostra, N´Dranghetta e Camorra, cujo final de período nos possibilitou conhecer outra tão violenta quanto aquelas, a Máfia Russa (Vor v zakone). A indústria cinematográfica americana tornou famosa no mundo todo as “máfias” que controlavam os jogos e a distribuição de bebidas naquele país, cujos integrantes tinham como objetivo o ganho fácil, a dominação e a corrupção de agentes do Estado, sem abrir mão da violência, regada a banhos de sangue e imposição de silêncio sepulcral.

Idênticos registros de crimes organizados temos na história brasileira, como o Cangaço, no Nordeste (século XIX), o Jogo do Bicho, no Rio de Janeiro, com contraventores dominando vários segmentos, péssimo exemplo seguido pela Falange Vermelha e Comando Vermelho, que surgiram nas décadas de 70 e 80 e, nos anos 90, com vestígios iniciais na Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital.

Menos estrepitosas, porém com mais requinte e sofisticação, apareceram no cenário nacional inúmeras organizações que passaram a atuar no campo político, fulminando a probidade administrativa que deve revestir a conduta do agente político na preservação do patrimônio público. A corrupção, que muitas vezes era praticada por políticos de renome, integrantes das oligarquias que dominavam os “feudos”, recebeu a repetida sofisticação, notadamente quando o avanço da informática obstaculizava os desvios rudimentares.

Ante o tema em epígrafe, sem especificar rigorosamente como devem atuar os membros do Ministério Público, e muito menos buscar o academicismo ou debate com centenas de doutrinadores, mas trazer uma abordagem política, aqui tratada como habilidade no trato das relações humanas, com vistas à obtenção dos resultados desejados, cabe-nos uma pequena digressão sobre a nossa instituição.

Hoje é perfeitamente possível sustentar que as dificuldades dos dilapidadores do patrimônio público cresceram em grandes proporções com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que mudou radicalmente a faceta da atuação do Ministério Público, saltando da condição de “homem só” para “guardião da cidadania”.

É oportuno dizer que o constituinte, na busca da construção do novo Estado Democrático de Direito, vislumbrou que, para sua efetividade e segurança, haveria de existir uma instituição suficientemente forte, independente, com agentes preparados para utilização de ferramentas em favor do novo regime e também voltados à intransigente defesa da sociedade. Esse espírito, grafado no art. 127, caput, da Carta Magna de 1988, assevera que o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

O ofício que o Ministério Público exerce passou a ser elo comum a permitir pensar-se cada vez mais como instituição e seus agentes como órgãos independentes, sujeitos aos mesmos princípios gerais em todas as unidades da Federação, com propostas de construção, de trabalho e de ser o agente transformador da realidade social.

A importância da Carta de 1988 para o Ministério Público tem que ser compreendida não de um ponto de vista restrito, e sim considerando-o dentro do conjunto de instituições de constituição profundamente humanista. Esse é o ponto principal, porque o tratamento do Ministério Público na Constituição não se deu exclusivamente para uma criação formal, mas a de uma instituição que é instrumento fundamental à realização dos valores que o texto constitucional consagrou. Isso é essencial.

O Ministério Público, portanto, na definição de seus instrumentos de atuação, nos seus princípios e objetivos, nada mais é do que um meio para a realização de um programa que o legislador constituinte instituiu. A Constituição de 1988 deu o pontapé inicial para a eliminação das injustiças reinantes na época de sua promulgação. Por isso é que se pode compreender que, mesmo não sendo um poder, o Ministério Público foi alçado ao plano constitucional equivalente.

Como sustentam vários doutrinadores, se hoje temos um país em que a realização dos valores consagrados na Carta de 88 está muito distante, mesmo com claros avanços, não é relevante saber se o Ministério Público tem muito ou pouco poder. O que realmente importa é saber se ele tem poder ou instrumentos, táticas e estratégias suficientes para a realização de valores, como, por exemplo, inclusão social; promoção da cultura e da educação; defesa do meio ambiente; superação das desigualdades regionais; probidade administrativa e especialização no combate às organizações criminosas.

Voltando ao raciocínio primitivo, sempre nos ressentimos, no direito pátrio, da conceituação de crime organizado. A Interpol o define como “qualquer grupo que tenha uma estrutura corporativa, cujo principal objetivo seja o ganho de dinheiro através de atividades ilegais, sempre subsistindo pela imposição do temor (ameaça e violência) e a prática da corrupção”.

As formas de combate ao crime organizado têm a propensão de reproduzir as peculiaridades de cada nação, mas, com o efeito da globalização como característica da criminalidade organizada, alguns países absorvem a legislação aplicada naqueles mais avançados. Assim, inspirada na italiana, em 3 de maio de 1995 entrou em vigência a Lei nº 9.034, conhecida como “Lei de Combate ao Crime Organizado”, que instituiu a atuação repressiva, duramente criticada pela má técnica legislativa e pelas inovações, notadamente pela ausência de definição de condutas típicas e inconstitucionalidade de alguns dispositivos, depois alterada pela Lei nº 10.217, de 12 de abril de 2001, que introduziu a expressão “organizações criminosas”.

Grandes avanços, entretanto, são trazidos no PLS nº 150/06, de autoria da Senadora Serys Slhessarenko e que tem como Relator o Senador Aloizio Mercadante, o qual dispõe sobre a investigação criminal, meios de obtenção de prova, crimes correlatos e procedimento criminal a ser aplicado [art. 1º] e, atendendo às postulações da comunidade jurídica, traz a definição de crime organizado: “promover, constituir, financiar, cooperar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, associação, sob forma lícita ou não, de cinco ou mais pessoas, com estabilidade, estrutura organizacional hierárquica e divisão de tarefas para obter, direta ou indiretamente, com o emprego de violência, ameaça, fraude, tráfico de influência ou atos de corrupção, vantagem de qualquer natureza, praticando um ou mais dos seguintes crimes: (...)” [art. 2º].

Dentre os avanços mencionados, além da definição da conduta de crime organizado, estabelece a maneira como se desenvolve a investigação criminal e os meios de provas, a colaboração premiada, a ação controlada, o acesso a dados cadastrais, documentos e informações, bem como os delitos praticados por quem investiga, além do procedimento criminal com celeridade e segurança. O PL nº 150/06 foi aprovado no âmbito da CCJ do Senado Federal e aguardava inserção em pauta para exame no plenário. Entretanto, o deferimento de requerimento apresentado pelo Senador Romeu Tuma fez a matéria retornar àquela Comissão e atende apenas um objetivo: o corporativismo de parte da polícia judiciária, que pretende substituir a expressão “investigação” por “inquérito policial”, fruto de um trabalho classista que sustenta a exclusividade para realizar as investigações em detrimento da sociedade brasileira, que poderia ser contemplada por uma legislação que, se não atende totalmente os anseios, ao menos proporciona uma sensível melhora na apuração e punição dos integrantes de organizações criminosas.

Todos aqueles que atuam no combate a esse complexo afã têm clara noção de que a atividade de inteligência é de fundamental importância tanto para a prevenção das ações criminosas, quanto para o fornecimento de dados úteis à repressão aos delitos e, sobretudo, para o estabelecimento de cenários e estratégias de atuação nas áreas de segurança pública e institucional. Desde quando ainda se idealizava uma atuação aperfeiçoada no combate à criminalidade organizada, sempre se buscou a parceria e a cooperação entre agentes e instituições.

Estudiosos da área de inteligência comprovam que, além de operações de busca dos conhecimentos protegidos, é importante desenvolver trabalhos de análise estratégica, utilizando procedimentos sistemáticos, estudos e criteriosas avaliações, visando a identificação e compreensão das características e o modus operandi das organizações criminosas e de seus componentes, e isso se faz utilizando toda a estrutura do Poder Público, por meio da ação coordenada dos diversos órgãos.

Reconhecidamente, seja pela complexidade ou abrangência das organizações criminosas nacionais e internacionais, torna-se infrutífero combater o crime organizado somente com atividades exclusivas de caráter policial. Tais especialistas indicam que o trinômio “cooperação, coordenação e controle” deve ser integrado à inteligência, como medida eficaz para anular as ações criminosas. Assim, é imprescindível que o Ministério Público desenvolva, junto com a polícia, atos tendentes a enaltecer a inteligência.

Por isso, sendo o destinatário das investigações, como titular exclusivo da ação penal pública, é incompreensível a tentativa de se alijar o Ministério Público da parte pré-processual, notadamente quando é recorrente a necessidade de se pleitear medidas judiciais cautelarmente, como buscas, apreensões e interceptações de comunicações. O Ministério Público nunca pretendeu assumir os atos investigatórios com habitualidade, mas sim realizá-los em questões especialíssimas, subsidiariamente. Aliás, não há um único texto legal que confira à polícia a mesma exclusividade.

Ademais, primeiramente, e de grande importância, salienta-se que a questão da possibilidade de investigação pelo Ministério Público já foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 91.611-9, relatado pela Ministra Ellen Gracie. Segundo a Relatora, a coleta de elementos de prova como forma de demonstrar a autoria e a materialidade de delitos pelo Ministério Público é possível, e “essa conclusão não significa retirar da polícia judiciária as atribuições previstas constitucionalmente”.

É sabido que ao Ministério Público é possível a promoção de procedimento administrativo, de cunho investigatório, a fim de que seja promovida a ação penal, portanto, segundo a decisão do STF, “não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente à obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal”.

Ora, ao conferir a titularidade da ação penal pública ao Ministério Público, a Constituição da República assegura, também, a promoção das medidas necessárias à garantia dos direitos nela estabelecidos, possibilitando, ainda, o exercício de outras funções, desde que compatíveis com a sua finalidade.

É notório que a polícia judiciária não possui condições de investigar todos os fatos noticiados, seja pela falta de pessoal qualificado e treinado, conhecimento técnico e aparato tecnológico, seja pelas influências sofridas pelos outros Poderes. A polícia acaba tendo a sua atuação restrita, deixando, muitas vezes, de investigar práticas criminosas graves da maneira minuciosa que exigem, assim como de combater a futura atuação criminosa. A atividade da polícia judiciária é, sobretudo, um trabalho técnico e requer uma atuação ostensiva, que não é atendida integralmente a ponto de ser admissível dispensar a atuação do Ministério Público nas investigações criminais.

A exclusividade na investigação, pretendida pela emenda apresentada ao PLS nº 150/06, representa não só a privativa iniciativa na investigação criminal, mas, antes de tudo, o que é infinitamente mais grave, a exclusividade de NÃO INVESTIGAR, pois aquilo que os órgãos policiais não contarem com condições de fazer, a ninguém mais será dada a oportunidade de fazê-lo. Aliás, especificamente sobre essa particularidade, vale citar as palavras do Presidente da Associação dos Delegados da Polícia do Estado de São Paulo, SÉRGIO MARCOS ROQUE, no sentido de que “só 5% das ocorrências são investigadas”. Significa dizer, no caso da aprovação da exclusividade proposta na emenda ao PLS nº 150/06, que a polícia terá, também, a exclusividade de NÃO INVESTIGAR 95% das ocorrências registradas.

O Ministério Público, por seu turno, ao contar com autonomia administrativa e financeira, além de independência funcional, é capaz de realizar investigações profundas que, muitas vezes, se mostram inacessíveis para a polícia judiciária, possuindo condições de requisitar ou mesmo realizar perícias e diligências úteis para o esclarecimento de casos de maior complexidade, reitere-se, sem pretender substituir a polícia judiciária. A verdadeira intenção é apenas a de deter legitimidade para a investigação e poder realizá-la nas oportunidades em que, por falta de recursos, pelas influências sofridas ou mesmo por omissão da polícia, esta não se tenha realizado de forma adequada.

A sociedade, que sofridamente recolhe altos tributos, não pode ficar à mercê de questiúnculas e quer ver resultados. A mesma sociedade sabe que as maiores e mais profícuas investigações para desvendar e reprimir a criminalidade organizada se deve à atuação conjunta da polícia e do Ministério Público.

Corrupção e criminalidade organizada são parceiras quase que indissociáveis, e enquanto as ações para combatê-las, sem um mecanismo jurídico eficiente e atual, caminham vagarosamente, as atividades ilícitas avançam em maior velocidade.

Com a competência notória, BORIS FAUSTO, em artigo atualíssimo, trata do assunto, em perspectiva histórica, lembrando alguns objetivos bem amplos. Inicialmente, a necessidade do fortalecimento das instituições públicas, tornando-as cada vez mais estáveis e menos dependentes de cada governo; depois, a imposição da noção de responsabilidade aos dirigentes das grandes empresas. Nesse raciocínio lógico, idealiza a luta pela limitação da prática da corrupção na sociedade, condicionando-a à combinação de dois fatores: repressão e educação.

Por uma outra ótica, apenas de interpretação, faço a inversão dos fatores. O primeiro, de extrema relevância, a que certamente deve se incumbir o Ministério Público, é a transformação de nossa cultura transgressora, indispensável tarefa de longo prazo, ainda que seja obrigado a bater às portas da Justiça para exigir o cumprimento, pelo Estado, dos direitos sociais postos pelo art. 6º da Constituição Federal, como educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, e assistência aos desamparados. O segundo é a repressão e punição eficazes dos membros de organizações criminosas, que resultariam em efeito extraordinário no conjunto da vida social. Trata-se aqui de bandidos, autênticos ladrões de sonhos que não merecem qualquer piedade. Aliás, transcende a lição de VICTOR HUGO:

“A compaixão nem sempre é uma virtude. Quem poupa a vida do lobo, condena à morte as ovelhas”.

*José Carlos Cosenzo é promotor de Justiça em São Paulo e exerce o cargo de presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP


Imprimir