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Debate relevante - Repatriação de Capitais

Por: José Carlos Cosenzo

A aprovação do PL 5.228/05 na CFT da Câmara dos Deputados, agora em exame na CCJR, traz um debate tão polêmico quanto importante para o país: a repatriação de capitais. O deputado José Mentor (PT-SP) quer conceder anistia fiscal para legalização ou repatriação de recursos enviados por brasileiros ao exterior, não declarados à Receita. O projeto extingue a punibilidade dos delitos relativos à evasão destes recursos, mas exclui dos benefícios da nova lei valores obtidos por meio de crimes hediondos, improbidade administrativa e outros. O autor nega qualquer vantagem aos criminosos, autores de delitos como tráfico de pessoas, órgãos, drogas e armas, entre outros, e beneficia a sociedade, ao reintroduzir no país valores de vulto, estimados entre US$ 70 bilhões e US$ 150 bilhões. Como outro ponto favorável à aprovação da matéria, registra que a legalização ou a repatriação não se daria sem ônus, pois quem optar por declarar valores existentes no exterior pagará a alíquota de 15% de IR sobre os recursos legalizados; já o optante por legalizar e repatriar, isto é, trazer de volta ao país esses valores, pagará 10% de IR. Os críticos apontam dois aspectos para a rejeição da proposta: o caráter inconstitucional da extinção da punibilidade do agente e a possibilidade de beneficiar um seleto grupo de pessoas, que apostaram “num caminho fácil e covarde”.

É importante recordar alguns pontos já apreciados na tramitação do projeto. Em audiência na Câmara, Ministério Público, Magistratura e outros segmentos puderam se manifestar, e a maioria ampla, na qual me incluo, foi favorável à aprovação do projeto, com algumas sugestões de aperfeiçoamento.

No aspecto jurídico, ciente da dificuldade do Estado de conseguir as provas necessárias da saída ilegal de dinheiro do país, e dos objetivos dos beneficiários, o autor tomou a cautela de traçar, com base na gradação da pena hoje existente em nossa legislação, a diferença entre a figura do sonegador e o bandido de alta periculosidade, como traficantes, homicidas e outros autores de crimes hediondos, que não poderão se beneficiar da lei. Com prazo inflexível de até 180 dias para exercício da opção, o texto procura anistiar a sonegação e reprimir os crimes nos quais a periculosidade é mais acentuada, com clareza e transparência. Sem a pretensão de defender os sonegadores, implacavelmente perseguidos pelo Ministério Público, vale dizer que a proposta legislativa traduz o espírito que reveste os tratados internacionais.

O debate foi profícuo e os poucos contrários acenam com idêntico discurso: “alto custo moral, prêmio a infratores, existência de um governo fraco, ausência de fiscalização e efeitos reduzidos.” Os favoráveis têm argumentos mais fortes: “benefício coletivo, retorno à legalidade, sinalização de cerco maior à evasão, bons efeitos a curto e médio prazo, aumento da base tributável, redução dos cus tos da fiscalização e favorecimento à regularidade fiscal.” Todavia, o que mais seduz no projeto é o êxito de ações similares em países que os implementaram, como Alemanha, Bélgica e Itália, além de Argentina, México, Rússia e Estados Unidos.

A legitimidade para sua análise é exclusiva do parlamento, sob pena de aumentarmos a grave judicialização da política. A divisão de poderes é fundamental para que as liberdades possam se exprimir, e, nesse contexto, é importantíssimo que se demarquem as diferenças entre processo legislativo e processo judicial. Uma questão tão relevante como a repatriação de capitais, seja no aspecto político ou social, certamente haverá de merecer um tratamento mais amplo que a submissão à via judicial. É hora de se valorizar o parlamento, e não obstar sua atuação.

Ainda que o PL 5.228/05 necessite aperfeiçoamento, o importante é que: 1) ele brota da experiência do autor na relatoria da CPI do Banestado; 2) os valores a serem repatriados são de grande monta, com destinação social extremamente interessante, principalmente em momento de crise mundial. O Brasil não pode prescindir da experiência e do sucesso de outros países. Alguns posicionamentos isolados de expoentes da sociedade, ainda que imbuídos dos melhores propósitos, não podem subtrair do parlamento brasileiro essa grave missão. Por outro lado, nada impede que ideias sejam encaminhadas, como colaboração, a seus legítimos destinatários. A discussão está na mesa, e o projeto é claramente viável.

*José Carlos Cosenzo é promotor de Justiça em São Paulo e presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (artigo publicado no jornal O Globo, em 07/01/2010)


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