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Da imparcialidade do juiz togado frente aos jurados

Por: Jerson Ramos de Souza *

INTRODUÇÃO

O Tribunal do Júri é um tema que vem atravessando séculos. No Brasil, foi criado em 1822, com a função restrita de julgar os crimes de opinião ou de imprensa. Seu conselho de sentença era formado por vinte e quatro jurados, e dele só cabia recurso ao príncipe regente. Em 1824, com o advento da primeira Constituição, passou a ter uma abrangência maior dos delitos, e tendo desta feita, sido composto por dois conselhos, que eram formados por um júri de acusação, com vinte e três componentes, e um júri de sentença, formado por doze jurados. Naquela época, o caráter de representatividade passou a ser questionado, na medida em que, em uma sociedade escravocrata, só podiam ser jurados os cidadãos que podiam ser eleitos, ou seja, os chamados “homens bons”, e tais cidadãos eram classificados por deterem uma determinada renda e pertences, por consequência, as chamadas classes dominantes. Com o passar do tempo, o júri passou por várias reformulações, chegou a passar à direção da polícia, voltando, após, à órbita do Poder Judiciário. A Constituição do Estado Novo, em 1937, não assinala a existência, sendo que somente no ano seguinte foi regulamentada. De salientar, que em 1934, o Tribunal do Júri já tinha passado o capítulo “Dos Direitos e Garantias Individuais” para o que tratava “Do Poder Judiciário”, saindo, assim, da esfera da cidadania para a órbita do Estado. Em 1938, perdeu a soberania, sendo recuperado com a Constituição de 1946, quando foi recolocado no capítulo “Dos Direitos e Garantis Individuais”, com a competência específica para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Tal dispositivo foi mantido pela Constituição de 1967 e pela emenda de 1969, a qual, entretanto, não fez menção à soberania do Júri, reabrindo, por consequência, sobre a sua relevância em nossa sociedade. Com o advento da Constituição de 1988, o Tribunal do Júri voltou a ter status de garantia dos direitos individuais e coletivos, recuperando, inclusive, sua soberania.

1.      ASPECTO PROCESSUAL NO TRIBUNAL DO JÚRI

Na lei adjetiva penal, o artigo 74 define quais os crimes de competência para o julgamento do Tribunal do Júri, “expressis verbis”:

“ Art. 74 – A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §1º, 121, §2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.

De se observar que quando há um crime doloso contra a vida, a primeira coisa que acontece, é um ato de reprovação por parte da sociedade e familiares da vítima, gerando assim uma expectativa de todos quanto a feitura da justiça, iniciando-se  as investigações por parte da autoridade policial, e após depois de movimentar toda a equipe e departamentos relata o inquérito policial enviando-o ao Ministério Público que através de seu órgão o Promotor de Justiça, oferece a denuncia que após recebida, instaura-se a competente ação pena. Começa ai toda a movimentação da máquina do judiciário para providenciar a citação, e intimação das testemunhas.

Concluída a fase instrutória, é dada vista às partes para apresentação de suas derradeira alegações, quando então se for o caso estando presentes autoria mesmo que indiciaria e a materialidade, o Juiz pronuncia o réu para ser ele submetido ao crivo do Tribunal do Júri.

Lembramos, que em toda Comarca, o Juiz observando os critérios estabelecidos no art. 436 do Código de Processo Penal, elabora a lista dos jurados que dependendo da região passa de uma centena de pessoas, e,  havendo processo pronto  para a seção periódica a se instalar, é marcado dia para sorteio dos vinte e oito jurados que farão parte do grupo que se submeterá à escolha do conselho de sentença sendo vinte e um principais e sete suplentes, e para tanto, é movimentado mais uma vês vários funcionários para tal sorteio.

Marcado o dia do julgamento, são emitidas as intimações e convocação de Policiais para o chamamento de todos com o fito de comparecerem em dia e hora para o conclave, e isso mais uma vês, movimenta funcionários. Chegado o dia, presentes Réu, Advogado(s), policiais, Escrivão, Oficiais de Justiça, Promotor de Justiça, Juiz, etc. inicia-se desta feita o julgamento, observando-se o que dispõe o Código de Processo Penal, é feito o pregão, anunciando-se o processo, em seguida, inicia-se o sorteio dos jurados, tendo as partes, a acusação e defesa, o direito de recusar até três deles, salientando entretanto, que tal recusa não obedece nenhuma conotação de cunho pessoal, mas sim de estratégia ou mesmo, excepcionalmente, a pedido do próprio jurado, formado o conselho de sentença, que é composto por sete pessoas, são eles compromissados com o juramento após lida a seguinte exortação:

- “Senhores jurados, em nome da lei, concito-vos a examinar, com imparcialidade esta causa, e a proferir a vossa decisão, de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça”. 

Os jurados, nominalmente chamados responderão:

- “Assim o prometo”.

Neste ponto, os jurados, atraem para si a competência do julgamento, eis que sendo o Tribunal do Júri a mais alta instituição de representatividade democrática, posto que formado por membros leigos da sociedade, adquire o poder de julgar e proferir o veredicto de um ato anti-jurídico, praticado por um de seus pares, observa-se pois, que a figura do juiz togado, neste momento, passa a ser de apenas condutor do ritual público, velando pela ordem dos trabalhos e a tranqüilidade dos membros do conselho de sentença, devendo sua conduta ser austera, prudente, com brandura e total imparcialidade.

Inicia-se assim pois, a cerimônia do julgamento, com o interrogatório do réu, devendo o juiz observar o que dispõe o artigo 188 do Código de Processo Penal, e a seguir, é feito um breve relatório de forma verbal pelo juiz, para que os jurados tomem conhecimento do que contém no processo do julgamento.

As partes, neste momento, poderão requerer leitura de peças, as quais serão lidas pelo escrivão, sendo também facultado aos jurados a leitura de qualquer documento incluso no processo.

Prosseguindo-se, se testemunhas houverem, serão elas ouvidas pela ordem: acusação e defesa, e nos dias de hoje, o que por pouco juizes não é aceito, nada impede que as partes e os jurados inquiram as testemunhas pessoalmente.

Terminada essa fase, é dada a palavra ao Promotor de Justiça para sustentação do libelo, que é o resumo da sua tese de acusação, que a sustentará por duas horas, com direito a uma réplica de mais meia hora, tempo este também assegurado a defesa para contrariedade da peça acusatória, bem como mais trinta minutos para a tréplica, valendo salientar, que o tempo de duas horas e mais meia hora para a réplica é concedido quando tratar-se de apenas um réu, pois sendo dois ou mais, este tempo passa a ser de três horas, com mais uma para a réplica e/ou tréplica.

Terminada a fase dos debates, são distribuídas ao jurados, duas cédulas uma com a palavra SIM e outra com a palavra NÃO, para que os jurados respondam afirmativa ou negativamente o quesito formulado.

Portanto, desde o início do fato típico cometido pelo acusado, até a sentença final, prevê a lei adjetiva um prazo de oitenta e um dias, isto quando está o Poder Judiciário totalmente aparelhado e dimensionado para aquela Comarca onde os fatos se deram, o que infelizmente nos dias de hoje, fatalmente não ocorre.

Vê-se pois que para que um fato chegue a julgamento muito tempo e atores se movimentam para até o veredicto final.

Saindo de  cena as partes, ingressa o juiz para a explicação dos quesitos, e nessa hora, deve o magistrado policiar-se o máximo possível para não influenciar nos votos, sua postura, forma de falar sem qualquer conotação nas frases, não deverá de forma nenhuma criticar qualquer  instituição, ou legislação, ao nosso ver deverá ele se posicionar como apenas um porta-voz da quesitação, sem direcionar nem sequer com olhar ou gestos sua opinião pessoal, eis que sua figura centralizadora dos trabalhos, atrai muito a observância do conselho de sentença que após várias horas de silencio passa a ouvir a derradeira voz e essa voz cai como uma posição indicadora de opinião.

3- ASPECTOS QUE LEVAM OS JURADOS A TOMAREM UMA DECISÃO DE VOTAREM CONTRARIAMENTE ÀS PROVAS DOS AUTOS ANTE A EXPLICAÇÃO DOS QUESITOS POR PARTE DO JUIZ

Estando o juiz de posse da quesitação, iniciará ele a leitura e proferirá a indagação, nesta hora, o magistrado, deve tomar todo o cuidado, para não adentrar no mérito dos autos, nem manifestar sua opinião se a resposta sim ou não é a mais certa, ou criticar o sistema carcerário, ou ainda falar para os jurados que cadeia não conserta ninguém, ou que é a medida mais acertada, ou que não concorda com a instituição do Júri, ou que os jurados estão julgando a liberdade de um indivíduo,  deve ele acerverar para o conselho de sentença, que está ali para julgar o fato em função das provas apresentadas pelas partes, pois, se assim não for, certamente alguns jurados depositarão seus votos de acordo com a condução pessoal das palavras do juiz, prevalecendo assim a vontade deste e não o veredicto do jurado.

A consequência disto, será certamente uma decisão contrária a prova dos autos, que por certo acarretará uma injustiça popular por única e exclusivamente influência do juiz, e, via reflexa, sendo a instituição do Tribunal do Júri aquela que tem acesso toda a população, o sentimento de impunidade ou de injustiça, ganhará vulto, motivando muitos ao descrédito da Justiça.

O Juiz togado, quando na Presidência do Tribunal do Júri, representa a mais alta personalidade do poder terreno, tendo em vista que em sua posição central e altiva, sob uma toga, tem sobre ele todos os olhares representando para os presentes a espada da justiça encarnada, e qualquer dos seus atos são passivos de admiração e paradigma.

Sua consciência no dia a dia e mormente naquele dia da presidência de uma seção do Júri, deverá estar desprovida de todas as vaidades ou qualquer outro sentimento de auto-afirmação, ou se os tiver deverá ele proceder de forma que não transpareça para evitar ser a imparcialidade mandatoria maculada, e não obtenha a sociedade uma decisão injusta.

Para que tal imparcialidade se aflore é preciso que o juiz tenha em sua consciência o significado de retidão e nesta linha de visão, sem influência de qualquer que seja outros conceitos ou adjetivos.

Vale ressaltar também, que a quesitação exposta aos jurados para resposta do julgamento deve estar em consonância com o artigo 484 do Código de Processo Penal.

De acordo com o ilustre Promotor de Justiça de Belo Horizonte Fernando A. N. Galvão da Rocha:

“Como o Tribunal do Júri é composto por jurados leigos, as indagações devem ser formuladas unicamente sobre matéria de fato, não podendo conter expressões ou termos cuja compreensão exija conhecimento jurídicos. Reconhecidos no caso concreto os elementos fáticos e necessários ao acolhimento das teses defendidas pelas partes, caberá ao juiz presidente determinar as conseqüências jurídicas pertinentes...”

Levando-se em conta que na grande maioria, os Conselhos de Sentença são formados por pessoas leigas ao direito, deve o juiz, na sua responsabilidade, procurar de maneira mais didática possível, explicar os quesitos, tomando sempre o cuidado de não influenciar na resposta, por que, como já foi dito, sendo o jurado leigo, diante da figura do magistrado, e ávido também, de votar acertadamente, qualquer que seja a indução do magistrado, por mais insignificante que pareça, é fator decisivo no sufrágio do voto.

Também de considerar que a pena a ser aplicada para os casos de condenação, a sua quantidade tem fator preponderante na decisão dos jurados e sobre tal punição, não deve o magistrado togado dar muita ênfase, seja ela de grandes proporções, seja ela branda, ao explicar o montante da pena, não deve, ao nosso ver, o presidente dos trabalhos impostar a voz, exclamando a consequência do voto naquele quesito, que aumente ou diminua a pena.

Posto que isso provoca ao juiz do fato uma luta subjetiva com a sua consciência, pois embora leigos, são eles membros de uma sociedade e que de alguma forma, conhece a impunidade, como ainda os aspectos negativos de uma prisão.

A vista disso, ao juiz presidente é aconselhável não chamar muita atenção no tocante a esse particular, por que, como já dissemos, qualquer que seja a sua demonstração pessoal sobre os efeitos da pena, certamente, levará alguns jurados a depositarem seu voto em concordância com o posicionamento do magistrado, e desta forma, se materializará uma justiça distorcida.

4. CONCLUSÃO

Com tais considerações, sendo a instituição do júri uma instituição constitucional, que espelha a mais alta definição da democracia, assim como, transparece à sociedade o exercício amplo da cidadania, e quando está a sessão em funcionamento, aberta ao público, para que todos os membros da sociedade tenham acesso e assistência, e também o caráter pedagógico que aquele ritual impõe aos que dele participam e assistem, caráter esse que incute de forma direta a materialização da reprovação social e a aplicação da lei, é que devem os atores envolvidos mormente aqueles responsáveis para fazer valer a espada da justiça, estarem livres para sufragarem sua posição através de um voto de quaisquer influências externas, mas apenas com reflexo do juízo de valor gerado em sua consciência, senso de justiça e cidadania, principalmente o juiz togado, que tem uma posição precípua de manter a sua imparcialidade e em nenhum momento deixar que seu conhecimento jurídico ou entendimento pessoal aflore, de forma que induza os membros do Conselho de Sentença a proclamarem em seu veredito uma decisão contrária a prova dos autos, seja para condenar o acusado, seja para absolvê-lo, se inocente.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1)      BONFIM, Edilson Mougenot. Júri : do inquérito ao plenário. São Paulo : Saraiva, 1994.

2)      PÓVOA, Liberato. O procedimento no juízo criminal. Belo Horizonte : Del Rey, 1995.

3)      ROCHA, Fernando A. N. Galvão da Rocha. Quesitos sobre o elemento subjetivo do tipo. Revista da associação paulista do Ministério Público, São Paulo, ano IV, n. 32, p. 59-63, abr.  – mai. /2000.

4)      STRECK, Lênio Luiz. Tribunal do júri. 2. Ed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1993.

* Associação Espírito-Santense do Ministério Público


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