Por: Haroldo Caetano da Silva
O EXAME CRIMINOLÓGICO E A OPORTUNA
RESOLUÇÃO Nº 9/2010 DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
Haroldo Caetano da Silva*
O Conselho Federal de Psicologia mais uma vez mostra a posição de vanguarda da classe dos psicólogos no trato de questões relacionadas à violência e ao sistema prisional brasileiro. Depois da publicação, em 2008, do excelente trabalho “Falando sério sobre prisões, prevenção e segurança pública”, o CFP agora materializa de forma corajosa a Resolução nº 9/2010, regulamentando a atuação do psicólogo no sistema prisional e, dentre muitas e importantes disposições, vedando a atuação do psicólogo na realização do exame criminológico.
O exame criminológico funda-se na ideia de que o cárcere é capaz de transformar a personalidade do homem‑criminoso, transformando‑o em um homem não‑criminoso, e que, assim, serviria em auxílio ao juiz na concessão da liberdade ao preso a partir do diagnóstico de melhora do seu quadro criminológico. Além da expressa revogação por força de lei, em 2003, o exame criminológico parte de premissas falsas, especialmente aquela de que o psicólogo possa prever o comportamento futuro do homem, isso segundo elementos colhidos de sua subjetividade. Apresenta‑se o exame criminológico, pois, como uma espécie de instrumento destinado à aferição do índice de contaminação do homem pela doença do crime.
Acontece que crime não é doença. Diversamente, p. ex., do câncer, patologia que pode ser diagnosticada a partir do exame da próstata, o crime não pode ser aferido pelo exame criminológico, essa precária avaliação da personalidade, como se um homem, por razões de natureza subjetiva, estivesse mais propenso a crimes do que outros. Essa figura de traços lombrosianos não se sustenta.
A reincidência criminal tem muitos fatores, dentre os quais se destaca a situação de vulnerabilidade social a que são jogados os homens e mulheres que, após o cumprimento da pena de prisão, obtêm a liberdade, não sendo lícita a negativa dessa liberdade com base em previsões futurológicas profundamente subjetivas e que não levam em consideração outros aspectos distintos, porém inseparáveis, da situação do homem encarcerado. Quem ainda não viu, assista ao filme Um sonho de liberdade, indicado ao Oscar em 1994, e observe como se dá a avaliação criminológica do personagem representado pelo ator Morgan Freeman, para ter uma idéia de como se realiza e a que se destina tal exame.
A atuação do psicólogo no sistema prisional é de suma importância para a garantia da dignidade da população carcerária, mas não na condição de laudista ou de agente disciplinador, funções assumidas quando participa desse exame fajuto, mas, sim, como realçado na Resolução nº 9 do CFP, trabalhando no acompanhamento terapêutico do preso, buscando “compreender os sujeitos na sua totalidade histórica, social, cultural, humana e emocional”, na “promoção da saúde mental, visando a criação ou o fortalecimento dos laços sociais e comunitários” etc.
Vale lembrar que a prisão constitui-se em ato de violência, embora legítima, praticada pelo Estado contra o autor de um crime, mas que tem efeitos colaterais danosos, sobre o condenado e sobre toda a sociedade, inclusive como fator que incrementa os índices de criminalidade. Daí a necessidade de se repensar a utilização desse espaço desumanizador que é o cárcere, reservando-o estritamente para os casos em que não seja viável outro tipo de punição.
Mas voltando ao tema proposto, se por um lado algumas patologias (como no exemplo citado do câncer) podem ser prevenidas por exames clínicos ou laboratoriais, por outro, o crime não é doença, de sorte que o exame criminológico (talvez fosse mais adequado falar-se em exame lombrosiano) não é apto para a identificação de comportamentos futuros do homem.
Parabéns ao Conselho Federal de Psicologia!
*Haroldo Caetano da Silva é Promotor de Justiça da Execução Penal em Goiânia, desde 1995, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Goiás, Vencedor do Prêmio Innovare, edição 2009, na categoria Ministério Público, e autor, dentre outros, dos livros “Execução Penal” (Magister, 2006) e “Ensaio sobre a pena de prisão” (Juruá, 2009).