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Punição Disciplinar ao Preso do Regime Fechado

Por: Haroldo Caetano da Silva

PUNIÇÃO DISCIPLINAR AO PRESO DO REGIME FECHADO:

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Haroldo Caetano da Silva

Promotor de Justiça

                  Depois de muita divergência jurisprudencial entre suas turmas criminais, o Superior Tribunal de Justiça unifica o posicionamento quanto aos efeitos jurídicos da punição administrativa aplicada ao preso do regime fechado que pratica falta disciplinar no cárcere.

                  A questão ganhou relevância quando, mesmo sem previsão legal expressa, juízes da execução penal passaram a determinar o recomeço do prazo para a progressão de regime prisional, que deveria ser fixado no exato momento da falta disciplinar praticada pelo preso. Foi nestes termos que o STJ, por sua Terceira Seção, unificou a posição sobre o tema. “Se assim não fosse, ao custodiado em regime fechado que comete falta grave não se aplicaria sanção em decorrência dessa, o que seria um estímulo ao cometimento de infrações no publicada na página do STJ na Internet. Na prática, tal posição faz valer para o regime fechado, em aplicação extensiva, uma regra que somente existe para os regimes semiaberto e aberto, em que os condenados podem sofrer regressão prisional quando praticarem falta grave.

                  Um primeiro comentário rápido: é incrível como o sistema de justiça criminal está distante da realidade onde suas sentenças são executadas!

                  As prisões brasileiras, muitas delas parecidas com favelas ou campos de concentração, são dirigidas internamente pelos próprios presos, que definem o local onde o preso novato será alojado, ditam as regras do comércio interno, seja ele lícito ou não, são responsáveis pela distribuição de alimentos, determinam a conduta a ser obedecida nos dias de visitas, assim como têm seu próprio sistema penal interno. Embora existam exceções, a administração penitenciária do Estado limita-se normalmente à vigilância e ao que acontece até os portões de acesso às alas e pavilhões.

                  Nesses ambientes, cujo controle escapa ao Estado e onde o ócio é a regra, acontece de tudo. Comércio e consumo de drogas ilícitas, uso de telefones celulares, corrupção, tortura, agressões etc., além, dentre outros problemas de não menor importância, da falta de assistência à saúde, o que tem ocasionado muitas mortes por falta de mínimo atendimento médico.

                  Ali o Estado não é apenas ausente. A impressão é de que se trata de espaço alheio à existência do Estado, que não teria responsabilidades sobre o que lá dentro acontece. Em recente visita que fiz ao Cepaigo (a penitenciária de Goiás), as costumeiras reclamações de “pena vencida” foram substituídas por pedidos desesperados de gêneros, como sabonetes e papel higiênico. Mesmo com meus 17 anos de atuação junto à execução penal, me senti mais uma vez como se estivesse no cenário de algum filme sobre o terror nazista.

                  Pois bem. É sobre esses espaços, cuja descrição em palavras nunca é suficiente, que recai a nova orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, cujo posicionamento se unifica no sentido de que a falta disciplinar de natureza grave interrompe o lapso de tempo para a progressão prisional.

                  Desconsidera-se, com a nova orientação, que faltas graves são assumidas pelos robozinhos de cela e que não se produz prova confiável em procedimentos disciplinares de apuração. Em celas normalmente coletivas e superlotadas, o aparelho de telefone celular ou a porção de maconha eventualmente encontrados serão sempre faltas da responsabilidade do mais fraco, daquele preso que se submete à opressão dos líderes e que, para sobreviver, acaba confessando a autoria junto à administração do presídio.

                  Até bem pouco tempo, quando a jurisprudência ainda não havia se imiscuído a legislar para ampliar o alcance de regras restritivas, como na hipótese aqui tratada, tais faltas disciplinares levavam a uma punição administrativa, seja com a suspensão ou restrição de direitos ou, como de regra, com o isolamento do preso por até 30 dias, além da detestável possibilidade de inclusão no regime disciplinar diferenciado (RDD). E mesmo que os robozinhos de cela fossem punidos, as conseqüências não passavam daquelas previstas expressamente na Lei de Execução Penal e nos regimentos internos do presídio. O comportamento carcerário era rebaixado e o preso deveria então novamente demonstrar boa conduta na prisão para pleitear seus direitos no processo de execução. Mas o direito não era cassado, seu tempo anterior de cárcere não era desconsiderado e eventual direito à progressão não era lançado para muito distante, uma vez que o comportamento poderia vir a ser restaurado, conforme os regulamentos da unidade prisional, em seis meses ou, quando muito, em um ano, tempo que, convenhamos, já não é de pouca duração para aquele que está preso.

                  É no mínimo estranho, percebe-se logo, que o relator do incidente que levou à unificação da jurisprudência no STJ argumente que “ao custodiado em regime fechado que comete falta grave não se aplicaria sanção em decorrência dessa”.

                  Talvez mais sério, entretanto, do que o visível distanciamento do sistema de justiça criminal da realidade carcerária brasileira, seja a violação do princípio da legalidade em matéria penal, justamente pelo tribunal competente para a uniformização da jurisprudência em temas infraconstitucionais, decisão que certamente irá servir de orientação para os juízes da execução penal de todo o país.

                  Outro comentário rápido: comecem a construir prisões, aos montes!

                  O tempo de encarceramento, que já tem sido incrementado desde o advento da Lei dos Crimes Hediondos, tende a ser de maior duração, o que não alcançará, como já foi dito, os criminosos mais temidos e sim aqueles bandidos de meia pataca oprimidos pelos donos da cadeia. E se hoje o Brasil tem meio milhão de presos, tendo triplicado a população carcerária nos últimos 15 anos, em muito breve alcançaremos a marca de um milhão. A porta de saída está cada vez mais estreita, ao passo que a de entrada fica mais larga a cada dia, diante da panacéia em que se transformou o Direito Penal e do medo instalado na sociedade, com reflexos também nos tribunais da justiça criminal. Não se pode substituir o bom senso e a legalidade pelo senso comum e pela materialização da ira coletiva.

                  Se a lei não prevê a interrupção do tempo em caso de falta disciplinar praticada pelo preso do regime fechado, que se modifique a lei! Mesmo não sendo solução para a crise penitenciária brasileira, muito pelo contrário, ao menos estar-se-á respeitando o princípio da legalidade e o regime democrático na elaboração da norma de natureza penal.

                  Quando o sistema de justiça, atuando contrariamente ao seu papel de garantidor do respeito aos limites legais e constitucionais impostos ao Estado no exercício do jus puniendi, viola o princípio da legalidade e legitima a aplicação da analogia in malam partem em matéria penal, temos motivo para grande preocupação.

                  Um rápido comentário final: o Estado Democrático de Direito está em xeque.

Haroldo Caetano da Silva

Promotor de Justiça da Execução Penal em Goiânia – Goiás


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