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O ataque ao acusador como estratégia de defesa

Por: Bruno Calabrich

Certas frases pronunciadas por advogados que atuam na defesa dos réus julgados pelo STF no caso “mensalão” chamaram a atenção de muitos por sua agressividade – dirigida ao Ministério Público e, em especial, à figura do procurador-geral da República. Alguns exemplos: "o procurador-geral está falando bobagem", disse um advogado (o mesmo que qualificou a acusação do MP como “nazista”). Outro afirmou que o procurador-geral da República “não sabe redigir uma denúncia”. Mais: “esse memorial é uma vergonha”, “uma peça de ficção”, "ele está querendo corrigir as bobagens das alegações finais”. Outros: o procurador foi “omisso” e agiu com “lesmice”; “acho que algum auxiliar do eminente procurador (...) teve preguiça mental de ler esses autos". Ainda segundo amplamente divulgado na imprensa, certo defensor vociferou que o procurador foi “ardiloso” e que atuou com "desonestidade intelectual".

Tal agressividade contrasta com a serenidade da sustentação oral feita pelo MPF no caso. Independentemente de qualquer prognóstico sobre o julgamento, o fato é que o procurador-geral foi, além de juridicamente preciso, extremamente respeitoso com os acusados e seus defensores (mesmo que, a rigor, algumas manobras e teses invocadas talvez não merecessem a deferência).

Lamentavelmente, tem sido prática corriqueira nos processos criminais no Brasil, nas mais variadas instâncias, agredir o acusador – leia-se, o Ministério Público ou a própria pessoa que ocupa o cargo de promotor de justiça ou procurador da República. O nosso sistema atual é bastante tolerante e a tendência é que esse tipo de postura seja vista pelos tribunais como um “legítimo exercício do direito à ampla defesa”. Não é.

Dentro de um processo judicial, a urbanidade é um dever imposto às partes e ao juiz. Para os advogados, o dever de urbanidade (para com juízes, membros do MP e qualquer outra pessoa que venha a participar de um processo) está expressamente previsto no artigo 33 do Estatuto da Advocacia e nos artigos 44 e 45 do código de ética da OAB, podendo acarretar uma punição disciplinar pela Ordem dos Advogados. Os códigos de processo penal e de processo civil, ao tratarem dos deveres das partes e seus advogados, estabelecem obrigação semelhante. Em casos mais graves, os achincalhes podem até mesmo caracterizar um crime contra a honra (artigos 138 a 140 do código penal).

Ainda que o processo penal seja o campo mais fértil para esse tipo de prática (e promotores de justiça e procuradores da República sejam os alvos mais óbvios), são também bastante comuns ofensas, em petições escritas ou sustentações orais, a advogados públicos, que representam o poder público nas mais diversas causas (advogados da União, procuradores dos Estados e municípios, procuradores autárquicos e outros) e a delegados de polícia. Claro que há também excessos por parte de membros do MP, bem como de integrantes de diversas outras carreiras. Num caso ou noutro, age muito mal quem destrata o profissional que está do lado contrário.

Esse tipo de estratégia tem, geralmente, pouco ou nenhum efeito prático, simplesmente porque não sensibiliza quem vai julgar. O juiz deve decidir com base em critérios técnicos e jurídicos. Virulência ao referir-se a quem acusa (ou ao representante da parte adversa) não é um destes critérios. E não se ignore que, ao agredir gratuitamente a outra parte, o advogado pode deixar claro que “não tem uma tese alternativa” – o que indica, no mínimo, a fragilidade das razões de seu cliente. Um verdadeiro tiro no pé.

Talvez a estratégia valha para um público específico (a claque de sempre) ou para determinado tipo de cliente incauto, que pode se “entusiasmar” com essa forma de atuação de seu advogado. A esses réus desavisados, uma advertência: não costuma funcionar.

Em qualquer debate, a eficiência da argumentação não é medida por sua agressividade. Dentro de um processo, para convencer quem vai julgá-lo, não é preciso ser hostil ao opositor.

Não há justiça sem defesa, e tanto melhor que seja ela qualificada e contundente. Mas, para isso, não é preciso abrir mão da urbanidade nem da elegância. Parodiando o famoso guerrilheiro, “hay que defender, pero sin perder el respeto”.



[1]             Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FDV, professor da Escola Superior do Ministério Público da União e procurador da República em Brasília.

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