Por: Laércio Conceição Lima
I — DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A INVESTIGAÇÃO DE NATUREZA CRIMINAL:
I – Introdução:
Inicialmente, cumpre analisar a legitimação do Ministério Público sob o prisma constitucional, nos exatos termos dos artigos 127, caput, e 129, caput e incisos I e VII , da Carta Constitucional. O legislador constituinte atribuiu ao Parquet dentre as funções institucionais mencionadas no artigo 127 — defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses individuais indisponíveis — a defesa dos "interesses sociais", quer estes se apresentem como interesses difusos ou coletivos.
No âmbito daqueles interesses, afigura-se o interesse difuso por excelência consistente no direito de punir do Estado e acima de tudo da própria sociedade, o que se depreende do teor do inciso I, do artigo 129, da Carta da República, onde está inscrito como função institucional do Ministério Público “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei” e, no inciso VII, a prerrogativa de “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”. (grifo nosso)
Portanto, a legitimação do Parquet, para a proteção do interesse de punir do Estado, antes de tudo constituído eminteresse social, representando por excelência interesse difuso de todo o Corpo Social, é recebida diretamente da Carga Magna.
No âmbito do ordenamento infraconstitucional, vem ela disciplinada em vários diplomas legais, dentre os quais a Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do MP), nos seus artigos 1º, e 25, inciso IV, letras "a" e "b", e 26, inciso I; a Lei Complementar estadual nº 34/94 (Lei Orgânica Estadual do MP), nos seus artigos 1º, 66, inciso VI, letras "a" e "b", 67, inciso I.
II – A LEGITIMAÇÃO PARA A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL TEM COMO FUNDAMENTO O PODER-DEVER DE PROPOR AÇÃO PENAL PÚBLICA:
A legitimação para a investigação criminal é corolário da titularidade da ação penal pública. Não pode ser outro o entendimento, pois que ao Parquet compete promover a proteção do interesse de agir do Estado. Em função dessa responsabilidade prevista na Constituição Federal, todos os elementos de convicção no inquérito policial devem ser amealhados para o Ministério Público exercer a promoção da ação penal. Ora, se toda investigação deve ser feita em função do Parquet, não há motivos para que ele seja impedido de promover por autoridade própria, seja em caráter supletivo ou complementar, a investigação criminal para a apuração de qualquer infração penal. Trata-se de uma competência legal concorrente com a da polícia judiciária.
Não se justifica a resistência das Polícias Civil e Federal a esse poder investigatório do Parquet no âmbito criminal.
Caberá ao órgão do Parquet a decisão, por autoridade própria, de definir em que situação deverá ele intervir para que a investigação criminal seja por ele levada a efeito. Não se quer tomar a competência legal da polícia judiciária na apuração dos fatos criminosos. Por outro lado não se quer a negação do poder investigatório do Parquet.
Aliás, em razão de que essa investigação policial é feita para possibilitar ao Ministério Público, o titular absoluto da ação penal pública, a proteção dos interesses sociais, dentre eles o interesse de punir do Estado, que nada mais é que a proteção dos legítimos interesses e valores da sociedade civil, a polícia judiciária deveria estar vinculada ao próprio Parquet e não aos Governos das unidades federativas, quer seja a União ou os Estados-Membros e o Distrito Federal.
Por isso, toda e qualquer investigação policial deveria ficar sob o controle direto do Ministério Público, excluindo-se a intervenção do Judiciário nessa fase, pois é àquele que os elementos de convicção colhidos naquela fase devem ser remetidos, para a formação de sua opinio delicti.
Importante dizer que o magistério da jurisprudência de nossos Tribunais, especialmente do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL[1] e SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, é no sentido de assegurar a legitimidade do Parquet para a atividade de investigação, uma vez que lhe é conferida a prerrogativa exclusiva de promoção da ação penal pública.
Isso não quer significar que seja desprezado ou derrogado o papel nobre e relevante da polícia judiciária, mas em casos e situações excepcionais, como ocorre nos crimes perpetrados por policiais militares e civis, prefeitos, agentes públicos do alto escalão dos Governos estadual e federal, afora outras situações e exemplos, necessário que o bastião seja encetado pelo órgão do Parquet, pois que do contrário a apuração dos fatos ficaria comprometida ou deficitária já que envolve agentes integrantes da polícia judiciária e militar e de pessoas que possuem o controle administrativo sobre as polícias.
Em julgamento proferido no RE 464.893-GO, pela Segunda Turma, o Ministro-Relator JOAQUIM BARBOSA, de 20/maio/2008, defende claramente a legitimidade do Parquet para a investigação criminal e que ele não está obrigado a promover a ação penal exclusivamente com base no inquérito policial (no caso houve oferecimento de denúncia contra prefeito municipal com base exclusivamente em inquérito civil), fazendo compreender que
“O que autoriza o Ministério Público a investigar não é a natureza do ato punitivo que pode resultar da investigação (sanção administrativa, cível ou penal), mas, sim o fato a ser apurado, incidente sobre bens jurídicos cuja proteção a Constituição explicitamente confiou ao Parquet.
A rigor, nesta como em diversas outras hipóteses, é quase impossível afirmar, a priori, se se trata de crime, de ilícito cível ou de mera infração administrativa. Não raro, a devida valoração do fato somente ocorrerá na sentença!
Note-se que não existe uma diferença ontológica entre o ilícito administrativo, o civil e o penal. Essa diferença, quem a faz é o legislador, ao atribuir diferentes sanções para cada ato jurídico (sendo a penal subsidiária e a mais gravosa).
Assim, parece-me lícito afirmar que a investigação se legitima pelo fato investigado, e não pela ponderação objetiva acerca de qual será a responsabilidade do agente e qual a natureza da ação a ser eventualmente proposta.” (grifo do original)
...................
Na prática, penso que é possível propor tanto a ação civil pública com base em inquérito policial quanto ação penal subsidiada em inquérito civil. Essa divisão entre civil e penal é mera técnica de racionalização da atividade estatal. O que é de fato relevante é a obrigação constitucional e legal a todos imposta de se conformar às regras jurídicas, indispensáveis a uma convivência social harmônica. (grifo nosso)
A EMENTA desse julgado foi assim resumida, a saber:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL PRO-CESSUAL PENAL MINISTÉRIO PÚBLICO OFERECIMENTO DE DENÚNCIA COM BASE EM INQUÉRITO CIVIL PÚBLICLVIABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1.Denúncia oferecida com base em elementos colhidos no bojo de Inquérito Civil Público destinado à apuração de danos ao meio ambiente. Viabilidade.
2. O Ministério Público pode oferecer denúncia independentemente de investigação policial, desde que possua os elementos mínimos de convicção quanto á materialidade e aos indícios de autoria, como no caso (artigo 46, § 1º, do CPP).
3. Recurso a que se nega provimento.” (grifo nosso)
Não é diferente o entendimento da mesma 2ª Turma esposado no HABEAS CORPUS Nº 89937-DF, julgado em 20 de outubro de 2009, por unanimidade, funcionando como Relator o Ministro CELSO DE MELLO, cuja ementa é a seguinte a saber:
EMENTA: “HABEAS CORPUS! – CRIME DE TORTURA ATRIBUÍDO A POLICIAL CIVIL – POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO, FUNDADO EM INVESTIGAÇÃO POR ELE PRÓPRIO PROMOVIDA, FORMULAR DENÚNCIA CONTRAREFERIDO AGENTE POLICIAL – VALIDADE JURÍDICA DESSA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA – CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA AO POLICIAL TORTURADOR – LEGITIMIDADE JURÍDICA DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO –MONÓPOLIO CONSTITUCIONAL DA TITUTALIDADE DA AÇÃO PENA PÚBLICA PELO “PARQUET” – TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS – CASO “McCULLOCH v.MARYLAND (1819) – MAGISTÉRIO DOUTRINA (RUI BARBOSA, JOHN MARSHALL, JOÃOBARBALHO, MARCELLO CAETANO, CASTRO NUNES, OSWALDO TRIGUEIRO, v.g.) – OUTORGA, AO MINISTÉRIO PÚBLICO,PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBICA, DO PODER DE CONTROLE EXTERNO SOBRE A ATIVIDADE POLICIAL – LIMITAÇÕESDE ORDEM JURÍDICIA AO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – “HABEAS CORPUS” INDEFERIDO.
NAS HIPÓTESES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA, O INQUÉRITO POLICIAL, QUE CONSTITUI UM DOS DIVERSOSINSTRUMENTOS ESTATAIS DE INVESTIGAÇÃO PENAL, TEM POR DESTINATÁRIO PRECÍPUO O MINISTÉRIO PÚBLICO.
- o inquérito policial qualifica-se como procedimento administrativo, de caráter pré-processual, ordinariamentevocacionado a subsidiar, nos casos infrações perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, a atuação persecutória do Ministério Público, que é o verdadeiro destinatário dos elementos que compõem a “informatio delicti”. Precedentes.
- A investigação penal, quando realizada por organismos policiais, será sempre dirigida por autoridade policial, aquem igualmente competirá exercer, com exclusividade, a presidência do respectivo inquérito.
- A outorga constitucional de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o “dominus litis”, determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitaresclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua “opinio delicti”, sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuiçãoprivativa da autoridade policial. Precedentes.
A ACUSAÇÃO PENAL, PARA SER FORMULADA, NÃO DEPENDE, NECESSARIAMENTE, DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL.
- Ainda que inexista qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, o Ministério Público, mesmoassim, pode fazer instaurar, validamente, a pertinente “persecutio criminis in judicio”, desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, que o habilitem a deduzir, perante juízes e Tribunais, a acusação penal. Doutrina. Precedentes.
A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA.
- A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, §1º, inciso IV, da Constituição da República – que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público – tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversosorganismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais.
- Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público.
- Função de polícia judiciária e função de investigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal. Doutrina.
É PLENA A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVESTIGAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POIS OS ORGANISMOS POLICIAIS (EMBORA DETENTORES DA FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA) NÃO TÊM, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, O MONOPÓLIO DA COMPETÊNCIA PENAL INVESTIGATÓRIA.
- O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de “dominius litis” e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios ede elementos de convicção que lhe permitam formar a “opinio delicti”, em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública. Doutrina. Precedentes.
CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO: OPONIBILIDADE, A ESTES, DO SISTEMA DE DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, QUANDO EXERCIDO, PELO“PARQUET”, O PODER DE INVESTIGAÇÃO PENAL.
- O Ministério Público, sem prejuízo da fiscalização intra-orgânica e daquela desempenhada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, está permanentemente sujeito ao controle jurisdicional dos atos que pratique no âmbito das investigações penais que promova “ex própria auctoritate”, não podendo, dentre outras limitações de ordem jurídica, desrespeitaro direito do investigado ao silêncio (“nemo tenetur se detegere”), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais (Lei nº 8.906/94, art. 7º, v.g.).
- O procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo, o“Parquet” sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado.
- O regime de sigilo, sempre excepcional, eventualmente prevalecente no contexto de investigação penalpromovida pelo Ministério Público, não se revelará oponível ao investigado e ao Advogado por este constituído, que terão direito de acesso – considerado o princípio da comunhão das provas – a todos os elementos de informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório.” (todos os grifos estão contidos no original)
No mesmo sentido é o VOTO do eminente Ministro CELSO DE MELLO, que se posicionou no julgamento, à unanimidade, do HC 93930-RJ, de 07/12/2010, cujo acórdão é da relatoria do Ministro GILMAR MENDES.
Extrai-se do referido VOTO a seguinte conclusão, a saber:
“.......................
Sendo assim, em face das razões expostas e considerando, sobretudo, precedentes emanados desta colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (HC 85.419/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELO – RE 535.478, Rel.Min.ELLEN GRACIE – HC 91.661/PE,Rel.Min.ELLEN GRACIE - HC 87.610/SC, Rel.Min.CELSO DE MELO, v.g.), indefiro o pedido de “hábeas corpus”, por entender que o Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, desde querespeitados, pelo “Parquet”, os direitos e garantias que assistem a qualquer inidiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, pelos agentes do Ministério Público, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os advogados (Lei nº 8.906/94, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado Democrático de Direito – do permanente (e inafastável) controle jurisdicional dos atos praticados pelos Promotores de Justiça e Procuradores da República.”
..........................
No excelso STJ, não é diferente a compreensão de legitimação do Parquet para a promoção de investigação criminal e subsidiar a formação de sua opinio delicti, uma vez que é o dominus littis. Ficou clara a consolidação desse entendimento no julgamento do HC Nº 5095-MG, de 06/maio/2008, pela QUINTA TURMA, funcionando como relator o Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, em que os impetrantes são policiais militares denunciados por prática do crime de tortura (por setenta e duas vezes), pedindo vênia para transcrever o teor da EMENTA, a saber:
HABEAS CORPUS . TORTURA. INVESTIGAÇÃO REALIZADA PELO MINISTÉRIOPÚBLICO, SEM PARTICIPAÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA. POSSIBILIDADE.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR ATIPICIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. DELITO PRATICADO POR POLICIAIS MILITARES PARACONTENÇÃO DE MOTIM. EXERCÍCIO TEMPORÁRIO DE FUNÇÃO ATRIBUÍDA À POLÍCIA CIVIL. GUARDA, PODER E AUTORIDADE SOBRE OS DETENTOS, EM TESE, CONFIGURADA. ORDEM DENEGADA.
1. O Ministério Público, por expressa previsão constitucional e legal (art. 129, VI, da Constituição Federal e art. 26, I, b, da Lei 8.625/93), possui a prerrogativa de conduzir diligências investigatórias, podendo requisitar diretamente documentos e informações que julgar necessários ao exercício de suas atribuições de dominus litis.
2. O policial militar que auxilia a polícia civil na contenção de rebelião em estabelecimento prisional, durante a operação, detém, legitimamente, guarda, poder e autoridade sobre os detentos, podendo, nessa condição, ainda que momentânea, responder, em tese, pelo crime de tortura preconizado no art. 1º, inciso II, da Lei 9.455/97.
3. Ordem denegada.” (grifo nosso)
Importante destacar do VOTO do eminente relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, alguns tópicos que não só deixam claro sua posição mas também a jurisprudência consagrada e pacífica do Tribunal a respeito da matéria, onde ele traz à colação outros acórdãos, em verdadeira harmonia e plena sintonia com o entendimento da SUPREMA CORTE, que serão também aqui reproduzidos, a saber:
“Conforme relatado, os impetrantes buscam o trancamento da ação penal ajuizada contra os pacientes, sob os argumentos de que as investigações foram realizadas diretamente pelo Ministério Público, sem participação da Polícia Judiciária, e que os policiais militares não podem responder pelo crime de tortura de detentos, pois não são responsáveis pela guarda destes.
Inicialmente, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que o Ministério Público, por expressa previsão constitucional e legal (art. 129, VI, da Constituição Federal e art. 26, I, b, da Lei 8.625/93),possui a prerrogativa de conduzir diligências investigatórias, podendo requisitar diretamente documentos e informações que julgar necessários ao exercício de suas atribuições de dominus litis. Cabe consignar, ainda, que o inquérito presidido pela autoridade policial constitui peça informativa que não vincula a atuação do titular da ação penal à propositura da ação penal (REsp 756.719/RS, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 6/3/06).
Sobre o tema, trago à colação precedente que, por tratar da atribuição do Ministério Público relativa ao controle externo da atividade policial, se amolda perfeitamente ao caso concreto:
“CRIMINAL. HC. TORTURA. CONCUSSÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. ATOS INVESTIGATÓRIOS. LEGITIMIDADE. ATUAÇÃO PARALELA À POLÍCIA JUDICIÁRIA. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL. ÓRGÃO MINISTERIAL QUE É TITULAR DA AÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO. SÚMULA N.º 234/STJ. ORDEM DENEGADA.
1- São válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, na medida em que a atividade de investigação é consentânea com a sua finalidade constitucional (art.129, inciso IX, da Constituição Federal), a quem cabe exercer, inclusive, o controle externo da atividade policial.
2- Esta Corte mantém posição no sentido da legitimidade da atuação paralela do Ministério Público à atividade da polícia judiciária, na medida em que, conforme preceitua o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal, sua competência não exclui a de outras autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. Precedentes.
3- Hipótese na qual se trata de controle externo da atividade policial, uma vez que o órgão ministerial, tendo em vista a notícia de que o adolescente apreendido pelos policiais na posse de substância entorpecente teria sofrido torturas, iniciou investigação dos fatos, os quais ocasionaram a deflagração da presente ação penal.
4- Os elementos probatórios colhidos nesta fase investigatória servem de supedâneo ao posterior oferecimento da denúncia, sendo o parquet o titular da ação penal, restando justificada sua atuação prévia.
5- "A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia" (Súmula n.º 234/STJ).
6- Ordem denegada. (HC 84.266/RJ, Rel. Min. JANE SILVA, Desembargadora convocada do TJMG, DJ 22/10/07)”
Outros julgados no mesmo sentido:
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ABUSO DE AUTORIDADE E PRIVAÇÃO DE LIBERDADE DE ADOLESCENTE SEM ORDEM JUDICIAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. PODERES DE INVESTIGAÇÃO. LEGITIMIDADE.
1. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º 75/93.
2. É consectário lógico da própria função do órgão ministerial – titular exclusivo da ação penal pública - proceder à coleta de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria, mormente quando se trata de crime atribuído a autoridades policiais que estão submetidas ao controle externo do Parquet.
3. A ordem jurídica confere explicitamente poderes de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar n.º 75/1993.
4. A competência da polícia judiciária não exclui a de outras autoridades administrativas. Inteligência do art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ.
5. Recurso desprovido. (RHC 18.845/DF, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJ 11/2/08)
HABEAS CORPUS . DENÚNCIA POR CRIME DE TORTURA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS MÍNIMOS PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL EXISTENTES NO CASO CONCRETO. LEGITIMIDADE DO MP PARA PROCEDER À INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. SÚMULA 234/STJ. NEGATIVA DE AUTORIA E FALTA DE PROVAS. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM A VIA ELEITA. INDICIAMENTO FORMAL APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO, NO PONTO. PRECEDENTES DO STJ. HC CONCEDIDO PARCIALMENTE, APENAS PARA SUSTAR O INDICIAMENTO FORMAL DO PACIENTE, SEM PREJUÍZO DO PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL.
1. O trancamento da ação penal é medida de todo excepcional, não sendo admitido quando a alegação é de inexistência ou fragilidade das provas colhidas e de negativa de autoria, de modo a substituir a ação de rito ordinário.
2. Se a denúncia está formalmente em ordem e atribui ao paciente o cometimento, em tese, do ilícito penal de tortura, com a transcrição dos fatos e das provas que embasaram a acusação (laudo pericial e testemunhos), contendo, ainda, os elementos essenciais ao exercício da ampla defesa e do contraditório pleno, revela-se inadmissível a conclusão em sentido contrário na via estreita do Habeas Corpus , que, em regra, não comporta dilação probatória.
3. O Ministério Público tem legitimidade para instaurar procedimento investigativo com o fim de apurar eventual prática de ilícito penal. Consoante a Súmula 234/STJ, a participação de membro do Parquet, na fase investigatória criminal, não acarreta o seu impedimento ou a sua suspeição para o oferecimento da denúncia.
4. Constitui constrangimento ilegal a determinação de indiciamento formal do acusado após o recebimento da denúncia, que é ato próprio da fase inquisitorial da persecutio criminis , já ultrapassada. Precedentes desta Corte.
5. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
6. HC conhecido em parte e, nessa parte, concedida a ordem, tão-só e apenas para sustar o indiciamento formal do paciente, sem prejuízo do prosseguimento da ação penal. (HC 61.105/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJ 8/10/07).”
— (todos os grifos são nossos) —
Vê-se que é clara a posição adotada nesses julgamentos, especialmente nos acórdãos da 2ª Turma do HABEAS CORPUS Nº 89937-DF, julgado em 20 de outubro de 2009, por unanimidade, em que funcionou como Relator o Ministro CELSO DE MELLO, e do HABEAS CORPUS Nº 93930-RJ, de 07 de dezembro de 2010, também por unanimidade, em que funcionou como relator o Ministro GILMAR MENDES.
III – DA CONCLUSÃO:
Em conclusão, em face da legitimação do Parquet estar assegurada constitucionalmente para a promoção da ação penal pública, de forma exclusiva e privativa, não há dúvida que ele está autorizado a proceder às investigações diretamente, para o fim de apuração de eventual prática de ilícito penal.
Nos casos em que o Parquet decidir pela persecução criminal visando à apuração plena dos fatos noticiados, ele não estará dispensado, na busca da construção de elementos probatórios, da chancela do órgão jurisdicional, quando o ordenamento jurídico constitucional e legal exigir a autorização deste para a quebra de quaisquer garantias e direitos dos cidadãos, fazendo-se necessário impetrar as medidas cautelares e urgentes para o atingimento desses direitos e garantias, tais como direito à intimidade, sigilo das comunicações telefônicas e de dados, inviolabilidade do domicílio. Trata-se, à evidência, de garantias constitucionais, que só podem ser quebradas mediante a autorização da autoridade judiciária competente, em respeito aos princípios do devido processo legal e do juiz natural.
Portanto, não se justifica a PEC-37 – projeto de emenda constitucional -, que está na Câmara dos Deputados Federais, que visa dar exclusividade às policias civil e federal para a apuração das infrações penais. Se isto vier a se consagrar, haverá, em verdade, graves conseqüências no combate à criminalidade - praticada por policiais militares e civis, prefeitos, agentes públicos do alto escalão dos Governos estadual e federal, afora outras situações e exemplos - e sérios prejuízos à sociedade.
Fica aqui essa reflexão.
Uberaba, MG, 05 de março de 2013 (Terça-feira).
*LAÉRCIO CONCEIÇÃO LIMA — 5º Promotor de Justiça – Criminal e Defesa dos Direitos Humanos — Uberaba.