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PEC 37: O Brasil Contra O Resto Do Mundo

Por: Leonardo Dumont Palmerston*

Está na Câmara dos Deputados, apenas aguardando data para votação, proposta de emenda constitucional que visa atribuir com exclusividade às polícias civis e federal a investigação de crimes no Brasil. É a PEC 37, popularmente conhecida como a PEC da Impunidade. A aprovação desta proposta, não retiraria apenas o Ministério Público das investigações, mas também outras relevantes instituições, como: Receita Federal, COAF, INSS...

                    Segundo a Constituição Federal de 1988, o Ministério Público é instituição defensora do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Promotores de Justiça e Procuradores da República possuem independência funcional, ou seja, não possuem compromisso algum com acusações cegas desarrazoadas. Causa-me bastante espanto ler nestes dias profissionais do direito dizendo que o Promotor de Justiça tem compromisso com a condenação. Mentira!! Quem milita na área criminal sabe que é extremamente comum a promoção de arquivamento de inquérito policial e pedidos de absolvição (até mesmo em plenário do Tribunal do Júri) por parte do Ministério Público.

                    Outro argumento utilizado pelos defensores da PEC da Impunidade é que a Polícia seria "isenta e imparcial" para investigar. Ora, todos sabemos que a Polícia Civil está ligada diretamente ao Poder Executivo, é o braço armado do Estado. Afastamentos e transferências de delegados por motivos "inexplicáveis" ocorrem com frequencia, e posso afirmar categoricamente visto que antes de integrar o Ministério Público exerci o cargo de Delegado de Polícia no Estado de Goiás e Agente de Polícia no Distrito Federal.

                    Além disso, como o Código de Processo Penal determina que o Ministério Público tem o ônus de provar o que foi imputado, nada mais natural que possa ele mesmo obter as provas necessárias para formação de seu convencimento. É assim que ocorre, por exemplo, durante a instrução dos inquéritos civis, antes da eventual propositura de ação civil pública nas mais diversas áreas (patrimônio público, meio ambiente...). O promotor pode investigar a improbidade mas não o crime? Teria que requisitar um inquérito policial para "esquentar" sua investigação?

Aprovada a PEC 37 o Brasil será motivo de chacota no cenário jurídico internacional. Nos mais de 180 países em que existe a figura do Ministério Público, apenas em três deles, Uganda, Quênia e Indonésia, o Parquet não pode investigar. Na maioria dos países desenvolvidos sequer existem as figuras do Delegado de Polícia e do Inquérito Policial. Mais, a República Federativa do Brasil ao aderir ao Tratado de Roma que instituiu o  Tribunal Penal Internacional comprometeu-se a manter um Ministério Público investigativo. Aprovado este absurdo jurídico estaremos sujeitos a sanções internacionais!

                    Não pensem que o Ministério Público investiga sem qualquer tipo de controle. O Conselho Nacional do Ministério Público (órgão de controle externo, formado por promotores, juízes, advogados e representantes do Congresso Nacional) editou a Resolução nº 13/2006 que traça com particularidades como deve ser feita a investigação criminal. Instado a se manifestar sobre a natureza das resoluções do CNMP e do CNJ, o Supremo Tribunal Federal afirmou que as mesmas são atos normativos primários, extraídos diretamente da Constituição, ou seja, estão no mesmo patamar hierárquico que as leis. Não bastasse, o arquivamento deste Procedimento de Investigação Criminal deve passar pelo crivo do Poder Judiciário, assim como os inquéritos policiais.

                    STJ e STF já se manifestaram diversas vezes pela possibilidade da investigação criminal ser feita de forma direta pelo Ministério Público. Na composição atual do Supremo, sete dos dez ministros em atividade já se manifestaram pela constitucionalidade da investigação ministerial.

                    O Ministério Público já mostrou à sociedade brasileira o quanto é importante sua participação investigativa, vide casos do TRT de São Paulo (Juiz Nicolau dos Santos Neto), homicídio do prefeito Celso Daniel, Ação Penal 470 ("Mensalão"), caso do Bar Bodega em São Paulo (crime praticado por policiais e que a polícia civil pediu o arquivamento do caso).

                    Erros acontecem em qualquer instituição, o Ministério Público não está imune. Mas hoje pagamos muito mais por nossos acertos que por nossos erros. O sucesso do Parquet no combate ao crime organizado e aos crimes contra a administração pública rendeu-lhe diversos inimigos. A quem interessa que apenas um órgão vinculado umbilicalmente ao Poder Executivo realize com exclusividade as investigações criminais? À sociedade brasileira? Parece-me que não.

*Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul. Ex- Delegado de Polícia Civil no Estado de Goiás. Ex- Agente de Polícia Civil no Distrito Federal.


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