Por: Roberta Mucare Pazzian
“O senhor já ouviu falar do nosso antigo comandante? Não? Bem, não estou falando demais quando digo que a instalação de toda colônia penal é obra sua.
Nós, amigos dele, já sabíamos, por ocasião de sua morte, que a organização dela é tão fechada em si mesma, que o seu sucessor, mesmo que tenha na cabeça milhares de planos novos, não poderia mudar nada pelo menos durante muitos anos.”
(Franz Kafka)
SUMÁRIO: 1- Evolução histórica e finalidade das penas. 2 – Direito de punir e a legitimidade do Estado para tanto. 3 – Evolução dos modelos prisionais. 4 – O problema das penitenciárias no Brasil: evolução das prisões e os índices brasileiros. 5 – Direito comparado: as influências para o Brasil e os índices atuais. 6 – Conclusão. Referências bibliográficas.
RESUMO: O presente trabalho teve como objetivo a realização de pesquisas a fim de que pudesse ser provado o exposto no tema, qual seja, a descaracterização da prisão como forma de ressocializar o indivíduo. É evidente que na sociedade em que vivemos e no país em que vivemos, é impossível dizer que o Estado tem conseguido manter aquilo que esta disposto em nossa legislação com relação à ressocialização do indivíduo que é preso, sendo que depois este poderá ser novamente inserido no convívio social, ou seja, há uma evidente disparidade e um contrassenso entre aquilo que esta presente em nosso ordenamento jurídico e aquilo que realmente é realizado. Através de comparações realizadas entre países como a Itália, os Estados Unidos e a Holanda, podemos perceber que os problemas relacionados a este tema, estão presentes não só no Brasil, mas também nos diversos países do mundo, inclusive, considerados países de primeiro mundo. Portanto, é fato que o assunto tratado aqui é de extrema importância e extrema complexidade, uma vez que trata-se um problema que envolve toda a sociedade, pois um sistema penitenciário que não apresenta bons resultados gera um aumento no índice de crimes, que por sua vez gera o descontentamento da população. Além disso, não se pode esquecer que a base de tudo isso, assim como será demonstrado ao longo deste trabalho, é acima de tudo a educação.
PALAVRAS-CHAVE: Prisão. Ressocialização. Penas. Sistema prisional.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E FINALIDADE DAS PENAS
A pena teve como raiz as causas religiosas, sendo que a sanção era aplicada uma vez que o homem ofendia aos deuses, que eram tidos como curadores da justiça e da moralidade. A partir do momento em que os seres humanos se unem para viver em sociedade, criam-se as leis, ou seja, as regras que vão reger essa convivência entre as pessoas. Se, caso alguém viesse a descumprir tais leis, este seria devidamente punido. Segundo Franz Von Liszt, desde suas origens históricas, a pena foi uma reação social contra o membro da comunidade que transgrediu as regras de convivência e com isso colocou em perigo os interesses da comunidade[1].
No primeiro período a pena era exclusivamente vingativa, ou seja, o mais forte se sobressaía ao mais fraco e a justiça, portanto, pendia para o lado daquele. Não havia qualquer relação entre o crime cometido e a pena aplicada, tratava-se simplesmente de autotutela, em que aquele que sofria algum prejuízo causado por outrem, consertaria tal prejuízo com as próprias mãos.
Para tentarmos traçar qual seria a finalidade da pena, transcrevo aqui algumas palavras de Franz Von Liszt:
“A pena é originariamente, ou seja, naquelas formas primitivas que se podem reconhecer nos começos da história da cultura humana, uma reação da sociedade frente a perturbações externas das condições de vida, tanto do indivíduo como do grupo de indivíduos[2]”.
Se quisermos ainda ir mais a fundo, é de extrema importância a indagação levantada por Claus Roxin: “com base em que pressupostos se justifica que o grupo de homens associados no Estado prive de liberdade algum dos seus membros ou intervenha de outro modo, conformando a sua vida?[3]”
Augusto Thompson propõe como finalidade da pena de prisão, a obtenção não de um, mas de vários objetivos concomitantes, tais como: punição retributiva do mal causado pelo delinquente; prevenção da prática de novas infrações, através da intimidação do condenado e de pessoas potencialmente criminosas; regeneração do preso, no sentido de transformá-lo de criminoso em não criminoso[4].
Cesare Baccaria, que com suas ideias inicia o período humanitário, em que defende o fim das penas corporais que antes eram aplicadas pelos monarcas, freando assim, o poder absoluto de reis e nobres. Afirmou em seu livro que o fim, portanto, não é outro que o de impedir que o réu cometa novos danos aos seus cidadãos e de demover os outros de fazerem o mesmo[5].
Atualmente, assim como estabelece o artigo 59 do Código Penal, a pena será fixada e aplicada:
(...) pelo juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
A partir disto, temos que a finalidade da pena é a reprovação, que dá ao Estado poder de punir aquele que descumprir as leis, aplicando uma sanção penal ao infrator e restringindo sua liberdade por um tempo determinado e a prevenção, em que segundo disposto no artigo 10 da Lei de Execuções Penais o Estado deve preparar o condenado ao retorno à vida em sociedade, proporcionando assistência adequada a fim de que este se torne reabilitado.
Ocorre que, há cada vez mais seres humanos privados de liberdade, cumprindo a sanção criminal em condições cada vez mais árduas. Portanto, torna-se quase que impossível se falar em reabilitação do indivíduo que fora encarcerado[6].
Diante disso, podemos dizer que em nosso sistema penal a pena possui duas finalidades diferentes, uma abstrata, ou até mesmo ideológica, que é a de ressocialização, tornando o indivíduo capaz de retornar ao convívio social, e a concreta que seria praticamente um retorno ao século das trevas, em que o delinquente pagava com o seu próprio corpo.
Na realidade, a pena não tem alcançado o que dela se espera, o que torna motivo de grandes frustrações para a sociedade, sendo que diante disso o Estado perde o respeito da população, uma vez que não demonstra perante a sociedade o seu caráter de garantidor da segurança.
2. DIREITO DE PUNIR E A LEGITIMIDADE DO ESTADO PARA TANTO
Mais de três séculos antes de Cristo, Aristóteles afirmou que o homem é um ser social. A partir daí, surge a ideia de que devemos abrir mão de parte de nossa liberdade afim de que possamos viver em sociedade, pois seria impossível vivermos isolados. Ocorre que, ao agrupar pessoas, passam a surgir também inúmeros conflitos; conflitos estes, próprios de uma sociedade, em que as pessoas são diferentes, possuem ideias diferentes, modos de vida diferentes, mas que procuram sempre o melhor para si mesmas.
Somente séculos depois, o Estado chegou a conclusão de que a melhor forma para resolver os conflitos seria organizando-se juridicamente. Em primeiro lugar, organizou-se politicamente, criando os três poderes em que se consubstancia a sua soberania: Executivo, Legislativo e Judiciário. Num segundo plano, estabeleceu as normas de conduta social, que permanecem in abstracto, exigindo a sua observância por todos os membros da coletividade. Para os que infringem tais regras de comportamento social criou sanções, que também vigem em abstrato. E, finalmente, como instrumento e meio para fazer atuar o seu Poder Jurisdicional, o Estado criou o processo, forma racional de composição dos conflitos.
O processo autêntico surgiu quando o Estado, proibindo a justiça privada, avocou para si a aplicação do direito como algo de interesse público em si mesmo e, além disso, estruturando o sistema de direitos e garantias individuais, interpôs os órgãos jurisdicionais entre a administração e os direitos dos cidadãos, tornando-se, então, o Poder Judiciário um poder político, indispensável ao equilíbrio social e democrático, e o processo um instrumento dotado de garantias para assegurá-lo. As partes passam a permitir que um terceiro, o Estado, decida a lide.
O direito de punir pode ser definido como sendo o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou omissão descrita no preceito primário, causando um dano ou lesão jurídica.
Falamos em jus puniendi quando ocorre uma transgressão da norma penal. Se uma pessoa atinge um bem jurídico de outra, surge então o jus puniendi in concreto, no qual o Estado tem o dever de infligir a pena ao autor da conduta proibida. Logo, o Estado é indubitavelmente o único titular do direito de punir.
Por fim, cabe salientar que a aplicação do direito devera ser a mais justa possível, sendo que a pena aplicada ao sujeito será de acordo com o mal causado por ele, ou seja, haverá uma relação de proporcionalidade entre o dano causado pelo agente e a pena a ele aplicada. Isso é explícito em nosso ordenamento jurídico, uma vez que o Código Penal estabelece penas diferentes para os diferentes tipos penais.
3. EVOLUÇÃO DOS MODELOS PRISIONAIS
O que hoje podemos considerar como sendo um absurdo, tempos atrás poderia ser algo comum e corriqueiro. O escritor estoniano Ignacio Lepp nos mostra isso com perfeição ao dizer que “se acusamos Hitler de genocídio e não Luis XIV, isso se deve simplesmente a que a cabo de três séculos se operou um progresso gigantesco da consciência moral[7]”. (traduzimos)
Saímos de uma época em que todas as penas se resumiam na pena de morte, seja por enforcamento, seja por apedrejamento, seja por qualquer outra forma de fazer com que o indivíduo pagasse pelo mal cometido e passamos para uma época em que os primeiros confinamentos de que se tem notícia, eram as chamadas masmorras. Mesmo assim, ainda não se conhecia a pena privativa de liberdade, pois não era essa a finalidade da masmorra, uma vez que esta abrigava indivíduos apenas provisoriamente. Não que nessa época não se falava mais em pena de morte, mas agora surge uma nova forma de punir; o encarceramento.
Como já dissemos inicialmente, as penas de prisão tiveram suas origens na igreja, sendo esta, uma forma de se redimir dos pecados cometidos. Devido a isso, até o século XIII as penas privativas de liberdade eram cumpridas em mosteiros ou conventos. O que para Erving Goffman, hoje, na sociedade moderna tais instituições (manicômios, prisões e conventos) ainda servem para tal fim. É o que ele chamou de instituições totais, tendo ele as dividido em cinco grupos, sendo que um destes grupos “trata-se de estabelecimentos destinados a servir de refúgio do mundo, embora muitas vezes sirvam também como locais de instrução para os religiosos.[8]” Ainda, nas palavras do mesmo, tais instituições “em nossa sociedade, são as estufas para mudar pessoas; cada um é um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu.[9]” As prisões, assim como os conventos e os manicômios, tiram nossa identidade, nos tornamos todos idênticos e passamos a fazer parte da massa, sendo tratados apenas como objetos.
Porém, a privação da liberdade, como pena, surgiu somente no século XVI com a construção do Rasphuis em Amsterdã, no ano de 1595. Tratava-se de um estabelecimento carcerário destinado à execução das condenações. Em tal instituição procurava-se alcançar o fim educativo por meio do trabalho ininterrupto e constante, do castigo corporal e da instrução religiosa. Na época, acreditava-se que a partir de tais medidas haveria uma reeducação do detento a fim de que este pudesse ser reinserido na sociedade. Esse modelo de instituição influenciou diversos países da Europa, o que fez com que surgissem diversas casas deste tipo neste continente.
A pena de morte se tornava cada vez mais desgastada e menos eficaz. A crise da pena de morte deu origem a uma nova modalidade de sanção penal: a pena privativa de liberdade, uma grande invenção que demonstrava ser meio mais eficaz de controle social[10].
O modelo mais famoso e tradicional de aplicação da pena privativa de liberdade foi o chamado modelo panóptico, que inclusive, é utilizado até hoje em diversos países.
A partir de então, começam a surgir os chamados sistemas penitenciários, ou seja, agora há uma organização interna, com regras previamente estabelecidas a serem cumpridas. Há uma organização em seu funcionamento.
Os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos. Esse sistema penitenciário criado pelos norte- americanos passa a ser desenvolvido e aperfeiçoado, ganhando novas características principalmente na Europa. Primeiramente temos o sistema pensilvânico que era baseado no isolamento total do preso, negando a ele o direito, inclusive, de se comunicar e a oração era vista como uma forma de ressocializá-lo. Em seguida, o sistema auburiano previa apenas o isolamento noturno dos presos, sendo que durante o dia eles trabalhavam em conjunto e no período da noite eram isolados. Tal sistema adotava a filosofia de que o trabalho era, por si só, um instrumento reabilitador do preso. Ambos os sistemas vieram à falência, sendo o primeiro, devido ao próprio isolamento, uma vez que, ao se tratar de seres humanos há uma necessidade em se viver em comunidade, sendo que o contrário leva qualquer um à loucura, ou seja, não foi uma forma adequada para a ressocialização. Já o segundo sistema, não deu certo, pois o que ocorria era uma exploração do trabalho do preso, remetendo novamente à tortura.
É nesse contexto que surge então o chamado sistema inglês progressivo ou mark sistem, desenvolvido pelo Capitão Alexander Maconochie, no ano de 1840, na Ilha Norfolk, na Austrália. É o sistema que veio a dar origem ao sistema que utilizamos atualmente. Tal sistema consistia em medir a duração da pena por uma soma de trabalho e de boa conduta imposta ao condenado. Referida soma era representada por certo número de marcas ou vales, de maneira que a quantidade de vales que cada condenado necessitava obter antes de sua liberação deveria ser proporcional à gravidade do delito[11].
Ocorre que a pena de prisão encontra-se em crise e um dos fatores que nos mostra claramente essa crise da prisão é o alto índice de reincidência. A maioria das pessoas, uma vez presas, voltam a cometer crimes. Isso se dá através de um sentimento de revolta provocado pelo destrato que recebem nas penitenciárias.
Diante do elevado índice de reincidência, fica claro que a função ressocializadora da prisão não tem produzido os efeitos desejados. A certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro[12].
Ainda, um modelo que merece destaque e que é utilizado até hoje é o Panóptico de Bentham. Tal modelo tornou-se aplicável nos mais diversos tipos de estabelecimentos, quais sejam, penitenciárias, escolas, fábricas, dentre outros. Arquitetonicamente, o modelo panóptico criado por Bentham consistia em: na periferia uma construção em anel com várias celas que possuem duas janelas uma para o interior e outra para o exterior. No centro, uma torre com várias janelas que abrem para o interior do anel, onde o vigia possui visibilidade sobre os detentos sem estes o enxergar.
O panóptico constitui um aparelho arquitetural, onde os detentos são vistos e devem ter certeza que são o tempo todo vigiados e nunca veem nada, pois haveria persianas na sala central e separações que são biombos através de um método inverificável, qual seja o detento nunca deve saber se está sendo observado, mas deve ter certeza de que sempre pode sê-lo.
Nota-se então, que o sistema prisional é formado por um conjunto de elementos. Neste caso, o poder disciplinar mostra-se presente através de uma simples ideia arquitetural, onde a principal característica é o poder de observação sobre os detentos. Essa observação ao mesmo tempo é tida como uma forma de punição, pois provoca uma sensação terrível de total invasão de privacidade.
4. O PROBLEMA DAS PENITENCIÁRIAS NO BRASIL: EVOLUÇÃO DAS PRISÕES E OS ÍNDICES BRASILEIROS
O primeiro Código Penal brasileiro foi criado em 1830 e tinha fortes influencias das ordenações portuguesas, prevendo, inclusive, a aplicação da pena de morte. Somente anos mais tarde, em 1940 é que conseguimos elaborar um Código Penal mais humanitário e que busca uma punição mais justa. Tal código é o que utilizamos até os dias de hoje.
Não muito depois da descoberta do Brasil, aproximadamente por volta de 1551, já se ouvia falar por aqui da existência de uma cadeia, localizada mais precisamente no estado da Bahia. Nessa época, nas cidades e vilas, as prisões se localizavam no andar térreo das Câmaras Municipais e faziam parte constitutiva do poder local. Elas serviam para recolher desordeiros, escravos fugitivos e criminosos à espera de julgamento e punição. Não eram cercados e os presos mantinham contato com transeuntes através das grades; recebiam esmolas, alimentos, informações.
Já desde essa época podemos perceber que no quesito de aplicação da lei penal o Brasil nunca se destacou. Como exemplo disso, podemos citar o Aljube, um antigo cárcere eclesiástico do Rio de Janeiro, que em 1929 abrigava 390 detentos, sendo que cada um dispunha de uma área de aproximadamente 0,6 por 1,2 m², e para piorar, em 1831 o número de detentos passaria para 500.
Há uma contradição entre a teoria e a prática, o papel escrito e o dia a dia, sempre foram visíveis neste país. Se hoje temos na Lei de Execuções Penais (LEP – Lei 7210/84) algo como o artigo 88 que diz:
O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).
Já na Constituição Imperial de 1824 tínhamos, da mesma forma, tal preocupação:
“As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para a separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes[13].”
A pena de morte estava presente em nosso ordenamento, mas ficou reservada para os casos de crimes mais graves como o homicídio, o latrocínio e a insurreição de escravos. Além da pena de morte, também estava presente a pena de galés, que significava fazer trabalhos forçados em obras públicas.
O Código Criminal de 1830 teve como principal novidade a aplicação das penas de prisão com trabalho, ou seja, os detentos teriam que trabalhar diariamente dentro do recinto dos presídios. Posteriormente, juristas começaram a se preocupar com o estudo científico da personalidade do delinquente. O criminoso passa a ser visto “como um doente, a pena como um remédio e a prisão como um hospital.[14]”
Foi somente por volta de 1889, com a proclamação da República, que desapareceram do cenário punitivo a pena de morte e o galés. Ficou estabelecido, ainda, o caráter temporário das penas restritivas de liberdade individual, sendo que estas não poderiam exceder a 30 anos, princípio que prevalece até a atualidade[15].
Finalmente, em 1920, o Brasil passa a ser visto com outros olhos com a inauguração da penitenciária de São Paulo que foi tida como modelo para o Brasil e o mundo, como sendo um marco na evolução das prisões, ou como bem disse Carvalho Filho “um instituto de regeneração modelar”. Construída para 1200 presos, oferecia o que havia de mais moderno em matéria de prisão: oficinas, enfermarias, escola, corpo técnico, acomodações adequadas, segurança.
No Código Penal de 1940, o cárcere é a espinha dorsal do sistema. Cerca de 300 infrações penais são punidas em tese com pena privativa de liberdade (reclusão e detenção).
Outro símbolo da história das prisões brasileiras é a Casa de Detenção de São Paulo, que chegou a hospedar mais de 8 mil homens, apesar de só ter 3250 vagas. Inaugurada em 1956 para presos à espera de julgamento, sua finalidade se corrompeu ao longo dos anos, pois a Casa de Detenção passou a abrigar também condenados. É visível que a superlotação carcerária não é de hoje que é preocupante.
Diante disso, realizaram-se diversas modificações na lei penal a fim de tentar reduzir o número de encarcerados. Como principais mudanças, podemos apontar a ampliação dos casos de sursis, a instituição da prisão albergue e a criação de medidas alternativas.
Em contrapartida, nas últimas décadas, os índices crescentes de criminalidade, os episódios marcantes de violência e o sentimento de impunidade, tem feito com que a sociedade desacredite da eficácia da lei penal. As prisões estão cada vez mais lotadas e, por outro lado, o sentimento de impunidade parece ser cada vez maior. Há algo errado no sistema penal brasileiro.
Conforme já foi dito anteriormente, o Brasil, no que diz respeito a aplicação da lei penal, nunca teve muitos motivos para se orgulhar. A penitenciária de São Paulo, denominada “Carandiru”, inicialmente elogiada por ser um modelo para o mundo, não deu certo, tendo sido desativada em 2002. A Casa de Detenção de São Paulo, também considerada um exemplo, teve sua finalidade corrompida ao abrigar em torno de 8 mil homens quando só havia capacidade para abrigar 3250, isso sem contar que esta fora construída com o intuito de abrigar apenas presos provisórios, ou seja, aqueles que aguardavam julgamento, mas acabou por abrigar também presos já sentenciados, o que levou a sua desativação pelo governo estadual em 2002.
Não só São Paulo, mas também os demais estados brasileiros, de todas as regiões, já há tempos, apresentam índices assustadores quando se trata de população carcerária. Analisando basicamente um estado de cada região do Brasil chegamos ao seguinte:
É certo que a população brasileira é uma das mais numerosas do mundo contendo, segundo dados do IBGE, através do CENSO realizado em 2010, 190.732.694 de habitantes. Com isso, o Brasil ocupa a 5ª posição no ranking de países mais populosos do mundo, perdendo apenas para China, Índia, Estados Unidos e Indonésia. Ocorre que, o número de habitantes não está diretamente ligado ao número de encarcerados, não servindo, portanto, como forma de justificar os índices altíssimos de pessoas encarceradas.
(dados – BBC Brasil em 29/05/2012)
Outra diferença gritante que pudemos comparar foi com relação a quantidade de homens presos e a quantidade de mulheres presas. Claro está que o número de homens que cometem crimes é muito maior que o número de mulheres. Talvez seja porque, embora seja da natureza humana cometer crimes, a capacidade feminina de conter o instinto é muito maior que a masculina. Talvez a psicologia explique tal fato, mas neste momento nos cabe apenas analisar os números.
(dados – www.infopen.gov.br)
Se todos os dados que já foram mostrados até aqui preocupam, o que dizer quando percebemos que tudo isso esta relacionado à educação? Tudo torna-se muito mais assustador quando notamos que a questão da criminalidade esta diretamente relacionada a questão da educação.
É lógico que os índices apresentados aqui são um resultado de uma soma de fatores. É a pobreza, a miséria, a discriminação, o meio social, o descaso, mas dentre todos os fatores, destacamos, como sendo a base, a educação.
O que mais preocupa não é só o fato de termos índices elevadíssimos de crimes e de população carcerária, mas sim o fato de sabermos que tais índices podem ser melhorados com um simples empenho do governo na educação, mas que este não o faz.
Tal fato é claramente perceptível se analisarmos o número de crimes cometidos por faixa etária e o grau de instrução da maioria das pessoas que cometem crimes.
(dados – www.infopen.gov.br)
(dados – www.infopen.gov.br)
Por fim, atenho-me a dizer que se já estamos boquiabertos diante dos dados estatísticos apresentados, a situação torna-se ainda mais chocante quando analisamos o orçamento que é repassado para as penitenciárias. Assim percebemos que não é só a falta de empenho do Estado que denigre a aplicação da lei penal brasileira, mas também o descaso e a falta de caráter da grande maioria das pessoas que atuam neste meio.
(dados – www.infopen.gov.br)
Em reportagem recente, o jornal Folha de São Paulo mostrou que o atual governo gastou apenas um quinto da verba disponível para melhorar as prisões, o que significa dizer que dos R$ 312,4 milhões de reais disponíveis para ações destinadas a financiar e apoiar atividades de modernização e aprimoramento do sistema penitenciário, foram utilizados somente R$ 63,5 milhões. Com o dinheiro disponível o governo Dilma poderia construir oito penitenciarias, mas não foi o que ocorreu[16].
O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse à Folha que as condições dos presídios são medievais e disse que preferia morrer a ficar preso no Brasil[17]. Se o próprio ministro da justiça diz algo deste tipo sobre os presídios brasileiros, o que dizer da população, que apenas assiste de maneira impotente as barbáries do sistema?
É desanimador saber que o sistema não funciona como deveria funcionar e as coisas não vão adiante porque pessoas corrompem o sistema. Diante disso, nos vem à mente a ideia da privatização das penitenciárias. É algo a se pensar, mas pensar com os pés no chão, sem ilusões de que seria o sistema perfeito, pois isso é utópico demais, uma vez que este também seria colocado em prática por seres humanos.
Recentemente, o Brasil inaugurou sua primeira penitenciaria privada, situada na cidade de Ribeirão das Neves, Minas Gerais. Por meio de uma PPP (Parceria Publico Privada), a penitenciaria foi inaugurada no dia 18 de janeiro do corrente ano e conta com capacidade para 3040 presos homens, sendo que será disponibilizado um valor de R$ 2,7 mil por mês para cada preso, por um período de 25 anos. Logo que foi inaugurada, 608 presos já foram transferidos[18]. Resta saber se o projeto dará certo, mas ainda é muito recente para que possamos tecer qualquer tipo de comentário.
Destaco aqui a inércia do Estado, pois como previsto no artigo 144 da nossa Constituição Federal, a segurança pública é dever do Estado, sendo que, diante da ineficiência do mesmo, uma atividade como esta é passada para as mãos dos particulares, e estes, então, tomam para si tal responsabilidade, qual seja, a de manter a ordem pública.
5. DIREITO COMPARADO: DAS INFLUÊNCIAS PARA O BRASIL AOS ÍNDICES ATUAIS
Primeiramente escolhi a Itália, por ser o berço do direito e do sistema do civil law. Além disso, tal país apresenta muitas semelhanças com o Brasil, não só na parte doutrinária, mas também na parte prática, visto que os problemas prisionais italianos em muito se parecem com os nossos.
As escolas penais como a Escola Clássica, cujos maiores representantes foram Francesco Carrara e Cesare Beccaria e a Escola Positiva, cujos principais representantes foram Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Raffaele Garofalo foram os principais pontos de referência não só para o direito brasileiro, mas também para todo o mundo. Ideias de extrema importância, como o que leva o ser humano a delinquir foram implantadas a partir de tais escolas. Enquanto a primeira defendia o livre arbítrio e a responsabilidade penal, dizendo que o crime é obra exclusiva da vontade de quem o comete, a segunda nega o livre arbítrio e a responsabilidade dos indivíduos, dizendo que o que leva as pessoas a cometerem crimes são as influências de fatores biológicos, físicos e sociais[19].
A dogmática penal italiana, que até bem pouco tempo serviu de inspiração para muitas legislações, concebeu o Código Rocco, em 1939, manifestação inequívoca do tecnicismo jurídico, mantendo-o até o presente, apenas com algumas modificações, pois não estava voltado para a hoje considerada criminalidade moderna.
O Código de Processo Penal italiano, adotado em 1988, é de tipo acusatório misto, o que, inclusive, guarda certa semelhança com o código brasileiro.
Uma das características não só do código, mas também de outras leis especiais na Itália é o fato de atribuírem à polícia judiciária (ou a alguns oficiais ou agentes judiciários) a titularidade de alguns atos com poderes de iniciativa, enquanto para outros atos a polícia judiciária pode ser delegada pelo Ministério Público.
Atualmente, as prisões italianas encontram-se em mau estado e são mal geridas onde as pessoas detidas, em muitos lugares, são submetidas ao ócio forçado. Leis de excessiva rigidez produziram uma aglomeração que torna o cotidiano muito difícil. Os presidiários confinados em 206 prisões italianas somam cerca de 68 mil. O que dá 25 mil pessoas além do número de lugares regulamentados. Outros 25 mil são detentos estrangeiros. Em dez anos, a população carcerária como um todo sofreu um aumento de 15.743. Os estrangeiros presos, por sua vez, aumentaram mais de 11 mil. Dois terços do crescimento da população carcerária, portanto, foram determinados pelos estrangeiros. O outro terço diz respeito aos prisioneiros oriundos da Itália setentrional[20].
O aumento dos estrangeiros nas prisões é provocado por leis que punem o não-cumprimento da ordem de expulsão e preveem agravamento de pena para os reincidentes. Quanto aos presos do norte da Itália, é mais difícil identificar as causas do crescimento. Certamente, pesa a piora das condições econômicas e a disseminação das máfias no norte do país. Contra todos os prognósticos ou preconceitos, hoje o centro-norte produz mais presos do que o centro-sul[21].
A Itália tem o mais alto índice de superlotação na área da União Européia. A construção de presídios, comprimida entre a ineficiência e a corrupção, não acompanhou o rápido crescimento da população carcerária. Esta é a particularidade italiana que deve ser lida junto com os números elevadíssimos e alarmantes de prisioneiros sob custódia cautelar, aproximadamente 45% do total aglomerado. Finalmente, a Itália nunca foi dotada de um órgão independente de controle dos locais de detenção, ao contrário dos outros países europeus.
Um fato assustador na Itália é que existem prisões onde cada detento dispõe de menos de dois metros quadrados (o que também não é muito diferente do Brasil!). Vivem por meses, ou anos, empilhados uns aos outros com escassíssimas oportunidades de participar de projetos de reintegração social. A superlotação gera desespero nos detentos e stress nos operadores.
Cabe lembrar aqui, a título de comparação, o artigo 88 da LEP, que versa sobre os requisitos básicos da unidade celular e determina que o condenado ficará alojado em cela individual com área mínima de 6,00 m².
O Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura – organismo oficial do Conselho da Europa – afirmou que o espaço mínimo para um detento em uma cela individual não pode ser inferior a sete metros quadrados; em uma cela múltipla, cada detento deve ter ao menos 4,00 m² à sua disposição[22].
O problema da superlotação, que afeta não só a Itália, mas também o Brasil, não pode ser tomado como uma calamidade natural. Em ambos os países tal fator decorre de políticas penais seletivas e de classe. Na cadeia, estão aqueles que não têm oportunidade econômica e social, ou como dizem aqui no Brasil: “rico não vai pra cadeia”.
Segundo Patrizio Gonnella, presidente da associação Antigone, a única solução para a superlotação é restituir a dignidade às pessoas, independentemente da sua etnia, situação de pobreza, saúde mental, ou dependência tóxica.
Reduzir a violência dos guardas sobre os detentos a uma questão de “maçã podre” é um erro cultural e político. Em um país onde a tortura não é crime, chega do alto uma dramática mensagem às forças policiais: torturar não é tão grave assim.
Como vemos, a Itália é um país que se relaciona diretamente com o Brasil, seja em seus aspectos doutrinários, seja em seus aspectos cotidianos de aplicação da lei penal. Podemos dizer que ambos os países se encontram em uma situação carcerária lamentável, em que a política utópica da ressocialização do delinquente também demonstra-se completamente inexistente e sem aplicação prática.
Para uma melhor comparação e visualização, temos:
(dados – Patrizio Gonnella em entrevista ao Opera Mundi)
Depois escolhi os Estados Unidos, por ser uma potência mundial e ocupar um lugar de destaque no mundo e justamente por isso também trouxe elementos que demonstram que ainda não obtiveram sucesso nesse campo. Além disso, os EUA possuem um sistema diferente do Brasil, pois adota o common law e possuem uma constituição exemplar.
Desde a sua independência, em 1776, o Estados Unidos não tardou para elaborar a sua Constituição que ficou pronta em 1787, sendo esta a mesma ate hoje. Ao contrário do direito romano, o direito norte-americano fundamenta-se mais nos usos e costumes do que no trabalho dos legisladores.
Como uma influência norte-americana sobre a constituição brasileira cabe ressaltar as primeiras dez emendas introduzidas na constituição dos EUA no ano de 1789. Essas ficaram conhecidas como Bill of Rights, devido à influência da carta de mesmo nome que existia na Inglaterra. A Bill of Rights estadunidense pode ser considerada como uma declaração dos direitos do cidadão norte-americano, pois nela se encontram todos os princípios basilares que garantem as liberdades, o direito a propriedade, o devido processo legal em caso de processo, assim como outras garantias fundamentais, podendo ser comparado ao artigo 5º da nossa Constituição de 1988.
Outro importante instituto jurídico, que também teve influência no Brasil e está presente em nosso ordenamento jurídico, está estabelecido na quinta emenda e prevê o due process of law, ou seja, o devido processo legal, que, por sinal, é um dos princípios básicos do direito processual brasileiro. Isso quer dizer que o cidadão americano não poderá ser restringido de seus direitos fundamentais sem uma devida ação legalmente aceita.
Quanto ao exercício das funções estatais, o sistema constitucional norte-americano e o brasileiro foram influenciados pelas mesmas ideias iluministas e liberais propagadas na Europa continental a partir do século XVIII.
De fato, princípios político-filosóficos como o governo pelas leis (rule of law) e a separação de poderes divulgados por filósofos como John Locke e Montesquieu acharam seu caminho para o texto constitucional adotado pelos Estados Unidos ao final de seu processo de emancipação política, bem como para o constitucionalismo brasileiro após a proclamação da República em 1.889.
Nesse passo, não surpreende que o modelo de separação de poderes adotado pelos americanos com sua constituição de 1.787, consagrando uma divisão orgânica do exercício das funções estatais entre os ramos Legislativo, Executivo e Judiciário do governo tenha sido replicado nas constituições brasileiras a partir da primeira republicana, de 1.891.
Como é de se saber, os estados dos Estados Unidos possuem diversos poderes e relativa autonomia em relação ao governo federal, o que os torna relativamente independentes ao governo federal e permite certa autonomia para que os 50 estados que compõem este país possam regular a sua própria justiça.
Isso explica o fato de que em alguns estados americanos admite-se, por exemplo, a pena de morte e a prisão perpétua e em outros não. Essa autonomia concedida aos estados dos EUA permite que cada estado tome suas decisões, independentemente de um controle nacional, o que é totalmente contrário ao modelo brasileiro, uma vez que aqui, todas as legislações estaduais e demais leis ordinárias, ou seja, todos os estados brasileiros, estão submetidos a um controle nacional, qual seja a Constituição Federal.
Muitas organizações de direitos humanos consideram o sistema prisional norte-americano como um dos piores do mundo. Não com relação à segurança, pois nos Estados Unidos todas as prisões tendem a ser de alta segurança, mas sim com relação ao tratamento que é dado aos presos.
O dever que teoricamente é inerente a qualquer Estado respeitador dos direitos humanos de recuperar e reabilitar os presos (o que pra mim é uma utopia), é totalmente ignorado neste país. O estado norte-americano prefere simplesmente isolar os condenados ao invés de tentar reabilitá-los ou pelo menos melhorá-los de alguma forma.
Dados de 2001 do próprio Departamento da Justiça dos EUA revelaram que 5,6 milhões de pessoas tinham experiência prisional, o equivalente a 2,7 por cento da população adulta, estimada naquela altura em 210 milhões de pessoas. Ocorre que o simples fato de terem algum tipo de cadastro criminal retira-lhes a possibilidade de poderem votar em eleições. Outro ponto que nos remete ao Brasil, visto que aqui o preso também perde seus direitos políticos enquanto está na prisão, ou seja, não pode votar.
Para aqueles que acreditam que a melhor solução está na privatização dos presídios, nos Estados Unidos o fato de as cadeias terem tantos reclusos levou a economia privada a encontrar aí uma enorme fonte de lucro e negócio, através da privatização de seu sistema prisional. Para se ter uma noção, atualmente, a Corrections Corporation, empresa de prisões privadas, é uma das cinco mais bem cotadas na Bolsa de Nova Iorque.
Dentre os estados norte-americanos mais desrespeitador dos direitos das populações prisionais na América esta o Texas, sendo aquele que aplica mais penas de morte, e onde George W. Bush, no exercício do cargo de governador, mandou executar quase duas centenas de presos.
Outro problema grave que ocorre nos presídios dos Estados Unidos é com relação aos menores de idade, pois muitos reclusos em idade menor são sentenciados a cumprir penas em prisões para adultos.
Além disso, as condições de isolamento em muitas cadeias norte-americanas violam os padrões internacionais. O maior exemplo disso é o presídio de Guantánamo, localizado em Cuba, onde centenas de presos vivem em condições desumanas, impossibilitados até de questionar sobre a legalidade das suas detenções.
O presidente Barack Obama, desde sua campanha nas eleições presidenciais, prometeu o fechamento de tal presídio, mas não o fez até agora. Ainda, segundo informações da mídia brasileira e argentina, a chefe do Departamento de Estado norte-americano, Hillary Clinton, tentou negociar diretamente a transferência de presos de Guantánamo para países como o Brasil e a Argentina, mas tal tentativa restou infrutífera[23].
Por fim, os Estados Unidos são o país que mais pessoas executa em todo o mundo ocidental. Em 1972 um estudo revelou que pelo menos 350 pessoas foram erradamente condenadas à morte neste país durante o século XX, não apenas por erro, mas também em consequência de conspirações policiais, de procuradores, juristas, testemunhas, advogados de defesa e até de jurados, sendo que dentre os estados que decretam mais condenações estão os estados da Califórnia, Texas e Florida.
Atualmente, os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar no ranking dos países que mais possuem encarcerados, tendo um número que gira em torno de 2.297.400 presos.
Para fins de comparação e para melhor visualizarmos, segue o gráfico abaixo referente ao número de presos existentes no Brasil e nos Estados Unidos:
(dados – BBC Brasil em 29/05/2012)
Por fim, escolhi a Holanda por ser um país, que a meu ver, é extraordinário e exemplar no que tange a questão penitenciária. Digo isso porque é um país de contrastes e contrassenso, já que tudo é liberado e mesmo assim ainda sobram vagas nos presídios, a ponto da Holanda decidir fechar alguns deles e importar presos da Bélgica.
É no período colonial que a Holanda se encontra com o Brasil. Após conquistar sua independência, a fim de ampliar sua dominação, a Holanda vê o Brasil como sendo um alvo fácil de conquistar.
Em 1630, em Pernambuco, numa expedição bem sucedida, um parêntese no curso da vigência das leis portuguesas no Brasil foi aberto, visto que neste período o Brasil estava sob a dominação holandesa. Durante esse período, deixaram de ser aplicadas no Brasil as Ordenações portuguesas, uma vez que a conquista da Holanda implicava necessariamente na aplicação das suas leis, ajustadas, embora, às condições e interesses do domínio.
Ocorre que as leis holandesas vigoraram muito pouco dentro do nosso país, sendo bem cedo repelidas e extintas, por força de um nacionalismo que surgia, orientando revoltas ao longo do território nacional, sobretudo em Pernambuco, onde a população protestava contra o domínio holandês.
Mas foi somente em 1654, após muitos confrontos, que finalmente os colonos portugueses (apoiados por Portugal e Inglaterra) conseguiram expulsar os holandeses do território brasileiro.
Como se vê, a Holanda também fez parte, ainda que durante um curto período de tempo, da história do Brasil. Embora tenha deixado uma marca em nossa história, contudo, não foram deixados traços de nenhuma particularidade dentro da legislação definitiva do país. Logo após a expulsão dos holandeses do Brasil, voltou a reger dentro do país as leis das Ordenações Portuguesas.
A Holanda é hoje conhecida como sendo a "capital judiciária do mundo", por ser palco de cinco tribunais internacionais, quais sejam, o Tribunal Permanente de Arbitragem, o Tribunal Internacional de Justiça, o Tribunal Penal Internacional para a antiga Jugoslávia, o Tribunal Penal Internacional e o Tribunal Especial para o Líbano. Os quatro primeiros estão situados em Haia assim como a sede da agência da UE de informação criminal, a Europol. Além disso, também é considerado o país da liberdade, visto que tem uma longa tradição de tolerância social. Essa tradição de tolerância tornou-se mais conhecida recentemente, por sua política liberal em relação à política de drogas, homossexualidade, prostituição, eutanásia e aborto, que estão entre as mais liberais do mundo.
Ocorre que, assim como o Brasil, a Holanda também vive uma crise em seu sistema prisional, mas no caso holandês trata-se de uma crise às avessas, pois enquanto o problema do Brasil é a falta de presídios e a aglomeração de presos, na Holanda o problema é a falta de delinquentes e o excesso de vagas.
O sistema holandês tem capacidade para até 14 mil presos, mas atualmente há apenas 12 mil detidos. De acordo com as autoridades e o ministro da justiça, Nebahat Albayrak, essa situação acontece porque a taxa de criminalidade vem caindo em todo o país.
Para melhor visualização e comparação:
(Revista Veja. Coluna de Ricardo Setti. Em 15/06/2012)
Diante disso, o país já pensa em fechar pelo menos oito penitenciárias e demitir 1.200 funcionários, porque há celas sobrando e carcereiros ociosos. Tal fato, embora seja surpreendente, também apresenta consequências, já que isso implica em 1.200 novos desempregados.
No entanto, uma negociação ainda pode impedir o fechamento das prisões e as demissões. O país estuda a proposta de receber cerca de 500 presos belgas, já que a Bélgica enfrenta uma superpopulação carcerária. Pelo acordo, a Holanda receberia 30 milhões de euros, o que possibilitaria manter as penitenciárias de Rotterdam e Veenhuizen abertas por pelo menos mais algum tempo.
O principal ponto de divergência entre o Brasil e a Holanda é com relação à ressocialização dos presos, pois enquanto no Brasil essa medida só se faz presente na Lei de Execuções Penais (LEP) não saindo do papel em momento algum, na Holanda tal medida é tida como norteadora de todo seu direito penal.
As prisões são praticamente hotéis de luxo, o que, sinceramente, seria inviável aqui no Brasil, já que o Estado não condições nem de bancar com prisões ínfimas, mas que nos Países Baixos produz resultados incríveis.
(Vista parcial do interior de uma cela da prisão holandesa. – Revista Veja. Coluna de Ricardo Setti. Em 15/06/2012)
Diante disso, podemos perceber que o sistema prisional holandês é tido como exemplar perante o mundo, mas que, por outro lado, também apresenta consequências, embora sejam quase que insignificantes se comparadas com o caos penitenciário da maioria dos países.
Por fim, embora ache o sistema holandês quase que perfeito, acredito que isso jamais daria certo no Brasil, até porque acredito que nem todo criminoso é capaz de ser ressocializado e que apenas uma pequena minoria deveria cumprir pena em uma cela confortável como as holandesas. Enfim, se tal sistema tem mostrado resultados na Holanda, então significa que para este país é o que vem a ser o melhor a fazer, já no caso do Brasil, o problema é muito mais complexo e difícil de resolver.
6. CONCLUSÃO
Primeiramente com relação ao regime prisional e sua progressão, pude concluir que tal medida é extremamente relevante para que haja um estímulo do preso em melhorar, em se comportar e cumprir as normas que lhe foram impostas, a fim de que possa ser beneficiado pela progressão do regime. O trabalho do detento e as demais atividades realizadas no interior dos presídios são de extrema necessidade, pois tudo isso colabora para que as normas internas sejam cumpridas. O preso que trabalha e se ocupa de alguma forma, colabora com a sociedade e evita pensamentos em vão, como planos de fuga, novos crimes e revolta contra o sistema. A meu ver, portanto, torna-se indispensável que todos os sistemas prisionais tenham como base, elementos como a progressão de regime e o trabalho interno.
Em seguida, com relação à arquitetura prisional, vimos que cada país adota um estilo diferente de prisão, mas também um mesmo país pode ter mais de um tipo de prisão, isso depende da finalidade da pena aplicada, do objetivo que pretende atingir, do grau de periculosidade do detento, dentre outros. Isso justifica a existência de presídios de segurança máxima, onde o objetivo é restringir quase que totalmente a liberdade do preso, colocando-os sob vigilância constante, com muros altos, guardas por toda parte, cercas elétricas e muito mais.
Pudemos perceber, portanto, que a arquitetura prisional segue a finalidade da pena, ou seja, a estrutura predial de uma penitenciária está diretamente relacionada ao fim que ela deseja atingir. Logo, penitenciárias mais elaboradas e com maiores sistemas de vigilância, como as que adotam o sistema panóptico, servem para criminosos mais perigosos, enquanto que penitenciárias mais simples, servem para criminosos de menor periculosidade. Diante disso, faz-se necessária a variedade de estilos arquitetônicos nas penitenciárias.
Com relação à durabilidade da pena, cheguei à conclusão de que não adianta aumentarmos a sua durabilidade, se o Estado não a fizer cumprir corretamente. Não adianta aumentarmos para quarenta, cinquenta ou sessenta anos a pena máxima, se o Estado não tem condições de fazer cumpri-las. Pior ainda é com relação a prisões de curta duração, as chamadas prisões provisórias, pois neste caso o detento é colocado junto com os presos que já foram julgados e que já cumprem pena, sendo que lá ficam, inclusive, por mais tempo do que deveriam ficar.
Diretamente ligados à durabilidade da pena estão o objetivo e a finalidade da mesma. É preciso saber o que se pretende alcançar quando se coloca um indivíduo dentro de uma cela. Se a legislação brasileira prevê que a pena tem o objetivo de restringir a liberdade de locomoção de uma pessoa e tem como finalidade ressocializá-la, é preciso que haja um meio ideal para atingir tais pontos, pois em penitenciárias como as do Brasil, onde quinze ou vinte pessoas são colocadas em uma cela com capacidade para cinco ou seis, não dá para dizer que a finalidade da pena é a ressocialização.
Há uma enorme discrepância entre a teoria e a prática, entre o que é apresentado pela lei e o que realmente ocorre nos presídios. É uma questão de lógica, basta usar os meios certos para se atingir o fim pretendido e determinado, mas o que vemos é que não só no Brasil, mas também na Itália e em outros países, a quantidade de vagas é muito inferior à quantidade de presos e isso gera uma superlotação que por consequência gera a revolta dos presos e tudo isso vai em oposição a essa ressocialização pregada pelo legislador.
Durante a elaboração deste trabalho tive a oportunidade de conhecer o Centro de Ressocialização da cidade de Jaú, local com capacidade para atender 210 presos de regime fechado, semi-aberto ou provisório. O centro conta com refeitório de boa qualidade, escola, trabalho para os presos, dentre outros, sendo que devido a isso, os resultados tem se mostrado muito satisfatórios, uma vez que os índices de reincidência e as ocorrências de fugas são mínimas.
Por fim, com relação ao tipo da pena que deve ser aplicada, devemos pensar: qual a melhor maneira de se atingir o objetivo desejado? Qual a pena que devemos aplicar? Pena de morte, perpétua, restritiva de direitos, restritiva de liberdade, pena corporal? Não dá para dizer que um país deva adotar um único tipo de pena em seu ordenamento, pois é necessário adequar e relacionar o criminoso e o crime praticado à pena aplicada.
Diante dos quatro países apresentados neste trabalho, pudemos perceber que todos eles apresentam problemas. Seja de superlotação, seja de condenação à morte de diversos inocentes ou qualquer outro problema. Cada país com a sua cultura, às vezes mais radical, às vezes mais conservador, às vezes mais liberal, mas todos vem enfrentando problemas no setor penitenciário.
Especificamente, em se tratando do Brasil, impossível dizer que aqui as penas são muito brandas e que a solução seria incluirmos em nosso ordenamento jurídico a prisão perpétua e a pena de morte. Primeiramente com relação à prisão perpétua, temos que é inviável para o Estado manter uma pessoa presa pelo resto da vida, visto que isso demanda gastos absurdos e também seria necessário mais espaço, mais presídios e muito mais vagas do que temos hoje.
Surge então a ideia de privatizar os presídios. Absurda também se mostra tal medida, pois a segurança pública é dever do Estado, como reza a própria Constituição Federal em seu artigo 144. Não dá para fazer das prisões uma forma de comércio e obtenção de lucro. Não dá para facilitar ainda mais a corrupção entre as pessoas. Não dá para falar em compra e venda de vagas em presídios quando estamos tratando de um assunto tão sério que é a restrição da liberdade de locomoção de um indivíduo. Além de tudo isso, a prisão de um criminoso é a etapa final daquilo que chamamos de fazer justiça e esta é também dever do Estado, já que há muito tempo não se permite mais a justiça privada.
Já com relação a pena de morte, embora acredite que no Brasil isto também seja algo impossível, pois demandaria de pessoas extremamente capacitadas e preparadas para tal e julgamentos muito mais delicados, para que não ocorresse o que vem ocorrendo nos Estados Unidos, onde vários inocentes são condenados a tal pena, tenho um posicionamento um pouco diferente.
A meu ver, existem tipos diferentes de criminosos. Existem aqueles que vão para o mundo do crime porque em algum momento da vida não viram outra saída senão esta; existem aqueles que são ruins por natureza e cometem crimes por mero prazer de fazer o mal e porque veem no crime uma forma de se dar bem; existem aqueles que cometem crimes porque são doentes mentais e não tem condições de discernir o certo do errado e por fim, existem aqueles que embora tenham uma doença mental tem capacidade de entender o que é certo e o que é errado, e esta não tem cura. Estes seriam os psicopatas.
Em se tratando de um psicopata, diagnosticada e comprovada tal doença, sem que haja margens de dúvida, acredito que teríamos então uma exceção para a aplicação da pena de morte, visto que este indivíduo não tem cura, não se ressocializará e, portanto, não poderá ser devolvido ao convívio da sociedade.
Já que o tema aqui tratado foi a descaracterização da prisão como forma de ressocializar o indivíduo, provado está que há uma incompatibilidade entre a legislação e a prática. Não há que se falar em ressocialização e mesmo se esta estivesse presente em nosso sistema, existem aqueles que não são ressocializáveis. A meu ver, o problema esta justamente aí, na finalidade da pena e não na forma como ela é aplicada, pois acredito que o preso deve pagar pelo mal que fez a outrem e para tanto não necessita de regalias, mas somente o necessário para sua sobrevivência. É por isso também que não acho o sistema holandês o mais indicado, pois o cumprimento da pena, como o próprio nome já diz, deve ser penoso, a fim de que faça com que o delinquente não mais cometa crimes para que não precise voltar para a cadeia.
E porque não dar uma chance àqueles delinquentes de menor potencial, primários, de tentarem reconstruir suas vidas? Por que o Estado, que cria cotas para tantas coisas, também não cria uma cota para que ex-detentos, que cometeram crimes mais leves, como por exemplo, furto, possam ser inseridos no mercado de trabalho?
Destaco aqui, uma iniciativa brilhante implantada recentemente na cidade de Joaçaba, Santa Catarina, a qual prevê a redução da pena para aqueles que lerem clássicos como Dostoievski e Shakespeare. O projeto intitulado "Reintegração do Imaginário", possibilita a redução de quatro dias da pena para cada livro lido, sendo que os presos tem um prazo de 30 dias para realizarem a leitura do livro e depois são analisados pelo juiz para saber se a compreensão foi satisfatória. Importante frisar que trata-se de um programa voluntário[24]. Acredito que mais cidades deveriam aderir tal projeto, pois tem tudo para dar certo, além do que, já é um resquício do que chamamos de ressocialização.
Para encerrar, é nítido que o sistema prisional brasileiro precisa melhorar e muito, mas para que isso ocorra é necessário que se façam altos investimentos neste setor. Mas difícil imaginar um investimento neste setor quando encontra-se sucateado o ensino, a saúde, dentre outros. Acredito que a educação seja investimento de primeira necessidade, pois como foi demonstrado neste trabalho, o maior índice de criminalidade se encontra dentre aqueles que não possuem o ensino fundamental completo, ou seja, a educação esta diretamente ligada à criminalidade. Se o governo investisse pesado em educação, estaria também, indiretamente, investindo em segurança pública.
ABSTRACT: This paper aims to carry out research so that what has been stated in the theme could be proved, namely, the mischaracterization of prison as a way to re-socialize the individual. It is clear that, in the society and the country we live in, it is impossible to say that the state has been able to honor what is suggested in our law regarding the rehabilitation of the individual who is arrested, and could later be reinserted in social life, is, there is an obvious disparity between what is stated by law and what is actually done. Through comparisons made between countries such as Italy, the United States and the Netherlands, we could see that the problems related to this topic are present not only in Brazil but also in many countries in the world including some that are considered first world countries. Therefore it is a fact that the issue here is extremely important and extremely complex, since it is a matter that involves all of society, for an incarceration system that does not produce good results generates an increase in crime rate, which in turn leads to public discontent. Also, lest it be forgotten that the basis of all this, as will be demonstrated throughout this text, lies in education.
KEY-WORDS: Prison. Re-socialize. Sentence. Prisonal system.
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Outros:
Jornal Folha de São Paulo
Jornal Estado de São Paulo
Revista Veja