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Delegados devem ser autorizados a decretar medidas protetivas em casos de violência doméstica? NÃO

Artigo originalmente publicado pela Folha de São Paulo no dia 06 de agosto de 2016. Clique aqui para acessar

 

A denúncia recente de agressão sofrida pela atriz e ex-modelo Luiza Brunet demonstra que a violência contra a mulher não escolhe classe social. Está presente na vida de milhares de brasileiras que enfrentam o machismo e a força bruta de seus companheiros, pais, irmãos, vizinhos e desconhecidos.

Há dez anos, com amplo apoio da sociedade, foi sancionada a lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, com o propósito de punir os autores das agressões e dar um basta à situação de violência contra as mulheres.

Agora, entretanto, em meio ao caos político, o Congresso parece querer dar um passo atrás. Tramita no Senado o PLC (Projeto de Lei Complementar) 7/2016, que confere aos delegados de polícia e a outros agentes policiais a possibilidade, antes exclusiva do Judiciário, de expedir medidas protetivas às mulheres vítimas de violência.

Segundo o projeto, o delegado deverá informar ao juiz as medidas que deferir. Não fica claro, contudo, o que ocorrerá se o delegado indeferir o pedido e entender que não são necessárias as providências. Nessa situação, há o sério risco de os pedidos das vítimas não chegarem ao Poder Judiciário.

Na prática, a notícia da violência doméstica é registrada na Delegacia de Polícia. Portanto, será a polícia quem deferirá, ou não, todas as medidas protetivas de urgência, ficando o Poder Judiciário na posição de mero homologador de decisões policiais que lhe forem encaminhadas. Ou seja, não se acelera, se cria uma nova instância burocrática.

Com esse acréscimo de funções (decisão e intimação do agressor), a polícia perderá sua força de trabalho, deixando de realizar investigações criminais e gerando mais impunidade.

Todos possuem uma função importante e definida no sistema previsto na Lei Maria da Penha. Se cada um desempenhar bem seu papel, como já regulamentado, a mulher estará protegida.

Há de se destacar que a proposta funda-se na falsa premissa de ser o Poder Judiciário lento ou omisso no deferimento das medidas protetivas de urgência, contrariando evidências incontestáveis de seu grande engajamento na luta contra a violência doméstica e familiar.

O PLC 7/2016 apresenta em sua formulação o conceito sedutor de compromisso com a defesa das mulheres, enquanto, na verdade, desfigura o sistema processual de proteção aos direitos fundamentais, revelando o seu caráter profundamente inconstitucional.

Infelizmente, a primeira alteração na Lei Maria da Penha, depois de dez anos, não traz o compromisso do aprimoramento, e sim a submissão a interesses corporativos de valorização da carreira policial.

As mulheres necessitam, na realidade, de medidas reais que aumentem sua proteção. Mudanças positivas na Maria da Penha seriam bem outras, como políticas públicas eficazes, a interiorização das Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres e a difusão nos diversos municípios do botão de pânico para as vítimas e de tornozeleiras eletrônicas para os agressores, proporcionando efetivo acompanhamento pela autoridade policial.

A mudança proposta é um verdadeiro desrespeito à luta histórica pela afirmação dos direitos das mulheres e a tudo o que representa a Lei Maria da Penha. Não se deve permitir que uma causa legítima seja maculada por fins escusos.

NORMA ANGÉLICA REIS CARDOSO CAVALCANTI, promotora de Justiça, é presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público). Atuou na Vara de Tóxicos e Entorpecentes de Salvador e foi coordenadora do Centro de Apoio das Promotorias Criminais da Bahia.



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