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Teto dos gastos públicos: um atentado contra as futuras gerações

*Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense no dia 07/11/2016

Já não há como escamotear os fatos: os efeitos negativos da PEC 55/2016 (antiga PEC 241/16) recairão só e exclusivamente sobre a população mais vulnerável, aí entendidos os trabalhadores assalariados, o funcionalismo público, os aposentados e pensionistas, as carreiras de Estado e, principalmente, aqueles que dependem do salário mínimo. A regra vai atropelar a lei de reajuste do salário mínimo, impedindo sua valorização real, mesmo se a economia estiver crescendo.

Entendemos como falaciosas as teses de que não haverá perdas para a saúde e a educação. A PEC impactará sim, negativamente, no financiamento e an garantia do direito à saúde e à educação preconizados pela Constituição de 1988. Em outras palavras, a vinculação mínima de recursos destinados à saúde e à educação não mais deverá ser parametrizada pelas receitas do Estado brasileiro, mas tão-somente por um dos índices de inflação. No caso da saúde, desconsideram fatores outros que pressionam de forma crescente as demandas por prestações de saúde, a exemplo das incorporações de novas tecnologias, crescimento vegetativo da população e o processo de envelhecimento. Isso por 20 anos.

Caso aprovada, a PEC 55 tornará permanente o processo de desfinanciamento dos serviços públicos de saúde iniciado nos últimos anos. Apenas em 2016, foram cerca de R$ 17 bilhões a menos para o setor. O prestigiado Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) asseverou que a perda de recursos para a saúde será de R$ 743 bilhões em 20 anos. Desfalque semelhante ocorrerá com a educação pública. Gastos congelados significarão queda vertiginosa nas despesas federais com educação por aluno. Uma vez limitados os gastos à variação da inflação do ano anterior, na prática, também ficarão asfixiadas outras áreas de vital importância para qualquer país, como a pesquisa científica, a agricultura, a ciência e a tecnologia. Como combater recessão com mais recessão?

O Brasil não merece, mais uma vez, ser cobaia de políticas econômicas. Nenhuma nação do mundo impôs a seu povo um congelamento de despesas por período tão longo. O Ministério Público é comprometido com os interesses difusos da sociedade e, por isso, engrossa o coro dos milhares de trabalhadores que são contra a PEC 55. Vemos ainda na PEC 55 mais uma tentativa de asfixiar os órgãos de fiscalização e investigação de crimes contra o cidadão e o erário. Esses órgãos ficarão impedidos de se modernizar, realizar concursos, prover cargos vagos, absorver novas tecnologias para o cumprimento de suas missões institucionais e contratar terceirizados para assegurar o bom andamento de suas atividades.

Ora, a evolução da execução orçamentária dos últimos anos revela que o declínio das receitas teve peso maior para o desarranjo financeiro do que o incremento das despesas primárias (os gastos primários cresceram 93% entre 2001 e 2014, enquanto a inflação acumulada chegou a 141,16%). Portanto, qualquer iniciativa nessa seara não poderia contornar temas como reforma tributária, reavaliação das desonerações fiscais e benefícios creditícios prodigamente concedidos nos últimos governos, instituição de imposto sobre grandes fortunas (CF/1988, art. 153, VII), combate à sonegação, entre outros.

Enfim, são múltiplos os caminhos alternativos dentro da ordem constitucional posta para o reequilíbrio das contas públicas, sem se abandonar a direção há muito seguida pela República Federativa do Brasil para o atingimento de seus objetivos fundamentais de: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos e quaisquer outras formas de discriminação. Por reconhecer a responsabilidade fiscal como um valor nessa mesma ordem jurídica, não se pode esquecer seu caráter instrumental como meio necessário à concretização de valores ainda mais elevados, entre eles, a proteção dos direitos fundamentais, mormente aqueles comprometidos com a preservação e a promoção da dignidade da pessoa humana.

Por essas razões, é vital que, neste momento em que se aproxima a votação da PEC no Senado, as senhoras e os senhores senadores tenham bom senso e optem pela proteção da sociedade e de seus direitos fundamentais. Em suas mãos, pode estar a inteira responsabilidade pelo destino desta e das próximas gerações de brasileiros.

Norma Cavalcanti, presidente da CONAMP



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