Publicado no dia 25 de junho de 2017 no blog do Fausto do Macedo do Estadão. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/ministerio-publico-forte-sociedade-protegida/
Prestes a completar 30 anos de sua promulgação, a Constituição Federal de 1988 traçou um grande projeto para a construção de um Estado Democrático de Direito, embasado sob a primazia das leis e a garantia dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Entre tantos pilares, também foi determinado que esta forma de Estado não deveria, jamais, permitir qualquer contradição entre o seu texto, medidas jurídicas e os princípios de Justiça.
Para tornar possível o pleno exercício da democracia, a Carta Magna instituía, também, um novo papel ao Ministério Público: guardião da democracia, protetor da ordem jurídica, órgão autônomo e independente, titular único da ação penal.
Passadas quase três décadas, o MP tem prestado um grande serviço ao País, não apenas no combate à corrupção – como muitos tem percebido diante de grandes ações que repercutem diariamente no noticiário nacional – mas, também, na garantia de direitos dos cidadãos, em áreas fundamentais como educação, saúde, segurança, meio ambiente, entre outras.
No âmbito dos estados, procuradores e promotores de Justiça desempenham funções essenciais à sociedade e também estão à frente de importantes investigações, fazendo cumprir o seu papel de fiscalizar o Estado e proteger o interesse público.
No entanto, mesmo diante da necessidade premente de atuação do Ministério Público, sua autonomia institucional vem sendo constantemente ameaçada. Na contramão do que a sociedade espera, diversos projetos e propostas sugerem alterações na legislação com o intuito de enfraquecer o papel do MP, retaliando aqueles que trabalham incessantemente contra a impunidade e em defesa da ordem jurídica e do regime democrático.
Há exatos quatro anos, a sociedade foi imprescindível na rejeição da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37/2011, que também ficou conhecida como a PEC da Impunidade. Manifestantes tomaram as ruas por todo o País pedindo o arquivamento da proposta. Juntamente com a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), diversas entidades apoiaram a campanha “Brasil contra a impunidade”, alertando os cidadãos e parlamentares de que uma possível aprovação somente beneficiaria criminosos.
O texto que representou uma das mais graves ameaças à autonomia e ao poder investigatório do Ministério Público tramitava na Câmara dos Deputados à época e foi rejeitado pelo plenário por 430 votos contrários e 9 favoráveis, além de duas abstenções. Se aprovado, o poder de investigação criminal seria retirado de promotores e procuradores do MP. Grandes operações contra à corrupção que hoje são amplamente noticiadas não existiriam.
Apesar dessa importante vitória, o atual cenário político nos coloca em total estado de alerta. Os interesses políticos têm sido colocados acima da lei. O descontentamento daqueles que estão sob investigação ou que poderão vir a ser investigados resultam em inúmeros ataques às carreiras do MP.
O projeto que propõe alterações à Lei de Abuso de Autoridade é apenas mais um exemplo dessa retaliação. Recentemente, a proposta chegou à Câmara. Depois de muita discussão e uma atuação incansável da Conamp para sensibilização dos parlamentares quanto aos riscos da proposta, o texto que tramita agora talvez seja menos danoso que a proposta inicial discutida no Senado Federal – que criminalizaria juízes, promotores e procuradores tão somente pelas condutas próprias de suas funções.
É lamentável que, no momento em que a sociedade clama pelo fortalecimento das instituições de combate aos mais diversos crimes e à impunidade, em especial aos ligados à corrupção, lance-se mão de propostas como essas, cujo efeito mais deletério, sem dúvida, será o de permitir e estimular a utilização do direito penal como instrumento de inibição e vindita contra os agentes do Estado encarregados de fiscalizar e fazer cumprir a Constituição Federal e as leis do País.
Somente com um Ministério Público forte, a sociedade estará protegida. Enterrar a PEC 37, sem dúvida, é motivo de comemoração. Mas, ao olhar para o horizonte, sabemos que o caminho ainda é incerto. As ameaças são muitas. Precisamos estar vigilantes.
*Presidente da Associação dos Membros do Ministério Público (Conamp). Formada em Direito pela Faculdade Católica de Salvador, com especialização em Processo pela Universidade Federal da Bahia, é ex-coordenadora do Centro de Apoio das Promotorias Criminais da Bahia, presidiu a Associação do Ministério Público do Estado da Bahia (2005/2007-2007/2009-2011/2013) e, em 2010, compôs a lista tríplice, como candidata mais votada, para Procuradoria-Geral da Bahia.