Texto publicado originalmente pelo jornal Correio Braziliense no dia 11 de junho de 2018 apenas em versão impressa (caderno especial Direito & Justiça, página 2)
Desde a divulgação do relatório do novo Código de Processo Penal (Projeto de Lei nº 8.045/2010) na Comissão Especial que trata do tema na Câmara dos Deputados, o assunto tem provocado acirradas discussões entre parlamentares e profissionais da área do direito.
Entre divergências técnicas e de concepção que passam despercebidas pelo grande público e o declarado propósito de todos de modernizar o processo penal brasileiro, há um ponto que, sem dúvidas, chama a atenção da sociedade em geral. Trata-se do dispositivo incluído pelo relator do projeto, deputado João Campos (PRB-GO), que restringe as investigações promovidas pelo Ministério Público apenas a casos em que “houver risco de ineficácia da elucidação dos fatos pela polícia, em razão de abuso do poder econômico ou político”.
Primeiro, a (infeliz) iniciativa vai propiciar, seguramente, que, a cada instauração de investigação pelo Ministério Público, se instaure paralelamente – e muito provavelmente inclusive em sede judicial, - uma interminável discussão acerca da efetiva ocorrência de ineficiência da investigação policial em face de abuso do poder político ou econômico.
O fato criminoso objeto de investigação, suas consequências, gravidade, provas, etc., será abafado pelo contencioso que se dará entre Ministério Público e polícia, um afirmando a existência de risco e de abuso de poder, e o outro negando.
Por outro lado, o cenário atual do país recomenda permanente busca de agilidade, presteza e eficiência nas investigações criminais, em especial quando se trata de combater a corrupção e o crime organizado. A discussão que se impõe nesse momento deve ter como norte a seguinte indagação: quais instrumentos o Estado deve dispor para otimizar o enfrentamento a esse mal que assola o país? Instrumentos que dificultem ou inibam o poder-dever de atuação estatal em qualquer uma das fases da persecução penal estão na contramão do que a sociedade deseja e, mais do que isso, do que foi conquistado no campo social e institucional recentemente.
Em verdade, ao nos depararmos com propostas como essa automaticamente nos remetemos a um passado, não tão distante, e de grande relevância para a (re)construção histórica da democracia brasileira, quando manifestantes contrários à proposta que tirava o poder de investigação do Ministério Público bradaram nas ruas o epíteto de “PEC da Impunidade”. Tudo para deixar bem claro seu apoio às investigações promovidas pelo Ministério Público.
Naquele momento, que também, como agora, era de crise, a população entendeu que seria um grande retrocesso a PEC 37 ser aprovada pelo Congresso Nacional. A sociedade não aceitou ser privada de um instrumento cuja principal missão seria garantir maior eficiência do Estado na defesa dos bens jurídicos fundamentais do cidadão e da sociedade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) e a jurisprudência dos principais tribunais do país já se manifestaram no sentido de referendar o poder-dever de investigar do Ministério Público. A sociedade e o Congresso Nacional também. Aguardemos, então, a divulgação da redação final do parecer do relator da reforma do CPP, na esperança de que a matéria seja revista e alterada, para que não se imponha à sociedade brasileira mais um retrocesso nas conquistas e avanços institucionais tão duramente conquistados.