Texto publicado originalmente no portal Jota no dia 14 de dezembro de 2018. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/ministerio-publico-a-jabuticaba-que-deu-certo-14122018
O Ministério Público à moda brasileira, forte, independente, com múltiplas funções, e que comemora hoje (14/12) sua data nacional, é modelo genuíno no âmbito do direito comparado. No campo da informalidade linguística, poderia ser tratado como a jabuticaba, que se transforma em metáfora para ressaltar fenômenos que só acontecem no Brasil.
O principal traço de similaridade não poderia ser outro: a incomparável ousadia em ser adequado às próprias necessidades da terra de onde brota. Assim como a natureza nativa criou a jabuticaba, a partir da fértil terra argilosa genuinamente “brazuca”, o atual Ministério Público brasileiro se originou de uma necessidade real do País e do seu povo. O regime de força instaurado em 1964 havia se esgotado. A nação queria democracia e uma estrutura pública capaz de fiscalizar a adequação das ações oficiais aos comandos emergentes da livre manifestação da sociedade, no ambiente político; e das leis, no ambiente jurídico-social.
Assim, durante a Assembleia Nacional Constituinte, a restauração democrática e as aspirações populares de liberdade e de justiça social impulsionaram os movimentos institucionais e classistas em prol da formatação de um novo MP.
Seguindo essa linha, possível aventar que haja confusão no uso da metáfora da jabuticaba. Na maioria das vezes ela é aplicada para se referir negativamente a iniciativas tipicamente brasileiras. Uma fruta tão excepcional não deveria ser símbolo das nossas frustrações e desencantos enquanto Nação, mas das nossas ações e aspirações mais positivas.
E é, sem dúvida, com esse olhar que foram solidificadas como principais atribuições do novo Ministério Público a guarda e a proteção do estado democrático de direito e dos valores republicanos. O combate à corrupção e a todas as formas de crimes se mantém como batalha perene para transformar o País em um lugar melhor. Sabemos que o momento é de renovar forças e esperanças e, mais uma vez, procuradores e promotores de Justiça reforçam o seu papel de defender a sociedade, frente ao compromisso de não permitir retrocessos na garantia dos direitos coletivos e individuais.
Ao longo dos últimos 30 anos, esses compromissos estiveram presentes nas ações empreendidas pelos mais de 15 mil membros das carreiras ministeriais no Brasil.
Como instituição responsável por promover a responsabilidade penal de autores de crimes, utilizamos também essa expertise para formular propostas para o aperfeiçoamento da ordem jurídica, em especial do processo penal brasileiro – tanto no campo da celeridade e efetividade do sistema – a exemplo da sugestão de medidas como o plea bargain (espécie de acordo entre o MP e o acusado), melhor regulamentação do foro especial, da lei de execuções penal, entre outros, como no do efetivo combate às organizações criminosas e à toda forma de criminalidade.
No balanço dos 30 anos da Constituição Federal, é verdade, ainda encontramos o grande desafio de consolidar o Ministério Público exatamente como idealizado pelos autores da Carta de 1988. É preciso trabalho árduo e incessante na garantia do cumprimento deste importante documento que, acima de tudo, deu origem ao modelo de um MP forte e independente.
Olhar tudo isso desapaixonadamente nos revela o quanto precisamos nos manter vigilantes contra quaisquer ameaças que possam esvaziar os avanços conquistados.
Os últimos anos foram marcados por ataques contra o Ministério Público e seus membros. Prerrogativas e funções institucionais próprias foram postas em xeque. Durante o período eleitoral, chegou-se a cogitar de terminar com a autonomia da Instituição, prerrogativa imprescindível ao exercício de nossas funções, e cuja principal beneficiada é a própria nação brasileira.
Importante anotar: na comemoração de nossas funções, não poupamos esforços para que o processo eleitoral recém ultimado concretizasse a realização de um dos direitos sociais primários: a escolha de governantes por meio do voto livre, direto e universal. Todas as questões decorrentes do processo eleitoral foram solucionadas em tempo oportuno, apesar da complexidade e do momento conturbado. Essa foi uma grande vitória do sistema de justiça eleitoral, para o qual o MP muito contribuiu.
Nesse dia Nacional do Ministério Público, reafirmamos o compromisso de perseverar na defesa da manutenção de uma ordem democrática e dos grandes avanços sociais e institucionais proporcionados por leis como a da “Ficha Limpa”, de combate ao crime organizado, de tutela do meio ambiente, dos direitos e interesses dos hipossuficientes, e tantas outras que propiciam a evolução da sociedade brasileiro.
Mas é importante lembrar, o Ministério Público, a jabuticaba que deu certo, precisa ser fortalecido, para que possa continuar correspondendo às aspirações, confiança e expectativas da sociedade brasileira.
VICTOR HUGO AZEVEDO – presidente da Associação dos Membros do Ministério Público (CONAMP). Promotor de Justiça, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul.