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Plea Bargain: sem medo de propor uma Justiça moderna, mais ágil e efetiva

Artigo originalmente publicado no blog do Fausto Macedo do Estadão

O início de novos ciclos sempre faz renascer no imaginário das pessoas a expectativa de mudanças e dias melhores. Respeitado o necessário “olhar com outros olhos”, é o sentimento predominante hoje na sociedade brasileira. O horizonte, portanto, aponta para significativas alterações do status quo. 

No âmbito da Justiça não é diferente. Embora nessa seara as divergências sempre se mostrem mais evidentes, ainda é possível constatar alguns consensos. Não se observam vozes dissonantes quando o tema é a necessidade de dar celeridade e efetividade aos processos criminais, combater a impunidade e diminuir os índices de criminalidade.

Na intenção de responder a esse inequívoco desejo coletivo, logo após assumir o cargo, o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, anunciou que proporia ao país medidas efetivas de combate à criminalidade. Entre estas, a ampliação dos instrumentos de justiça criminal negociada, por meio da adoção, como alternativa ao sistema vigente, do acordo entre Ministério Público e acusado – algo como o denominado plea bargain dos americanos.

Um mês depois, Moro anunciou ao país e apresentou a governadores e deputados um estratégico Pacote Anticrime, no qual o referido mecanismo aparece com realce de protagonista, sinalado como medida imprescindível à celeridade do sistema criminal do País. Trata-se de uma negociação na qual o acusado, confessando a prática delitiva, em contrapartida, transaciona uma pena mais branda da que provavelmente lhe seria aplicada ao final da tramitação do burocratizado e lento processo criminal.

Especialistas aderiram ao debate. Alguns defendem o projeto, argumentando que melhora consideravelmente os resultados no combate à criminalidade. Outros o criticam, centrando suas observações em alegados efeitos colaterais negativos decorrentes da adoção do instituto.

Se o caminho para se chegar aos resultados almejados parte da adoção de um instrumento deste tipo - o direito comparado nos fornece uma infinidade de modelos do gênero - é legítimo e necessário que haja discussão.

Argumenta-se que o mecanismo da barganha tem sido alvo de críticas nas nações onde é adotado, pois contribui para a saturação do sistema carcerário e sacrifica o direito à defesa, uma vez que o acusado é induzido a confessar o crime em troca de uma penalização mais branda.

Desconsideram esses críticos que o instrumento, tão comumente empregado na Justiça de países de cultura anglo-saxã e em vários da comunidade europeia, no modo como concebido no projeto governamental, apresenta um rigoroso e eficaz sistema de controle da negociação (tem que haver prova da materialidade e indícios de autoria; voluntariedade do acusado e assistência de defesa técnica; exame e homologação judicial da proposta negociada, entre outros).

A par disso, nos EUA, por exemplo, o índice de sucesso é tão significativo que os operadores chegam a dizer que, não fosse pela adoção do plea bargain, a justiça criminal americana estaria totalmente estrangulada. Os números falam por si: a adoção do mecanismo nesse País responde por mais de 90% das condenações criminais, tanto estaduais quanto federais.

Assim, como instituição responsável por promover a responsabilidade penal de autores de crimes, o Ministério Público utiliza também essa expertise para formular propostas visando ao aperfeiçoamento da ordem jurídica, em especial no campo da celeridade e efetividade do sistema processual penal.

Por isso, defendemos a adoção de instrumentos como o acordo entre o MP e o acusado, que deverão passar por adaptações e aperfeiçoamentos (o modelo proposto pelo governo já contempla adaptações relevantes) até o momento de sua efetiva implementação na Justiça brasileira.

Não é menos importante esclarecer à população – sempre ávida por soluções mais modernas e efetivas - que o acordo de condenação, a par de promover a efetividade perdida do sistema de justiça criminal, certamente representará um considerável ganho econômico, na medida em que propõe a simplificação do sistema judicial criminal. Além disso, permite a diminuição dos índices de congestionamento; garantindo mais tempo e estrutura para o processo e julgamento de casos de maior complexidade e contenciosidade, empregando recursos de forma mais eficiente; diminuindo os índices de impunidade; e, assegurando às vítimas a possibilidade de obter reparações mais rápidas e adequadas.

Assim, como presidente da Associação dos Membros do Ministério Público (CONAMP) – que representa mais de 14 mil membros da carreira – defendo como fundamental combater o argumento de que o acordo de condenação reduz o direito à defesa por parte do acusado, pois isto, além de contrariar a própria natureza do instituto, seria depreciar a atuação da defesa técnica e desconsiderar toda a atividade judicial fiscalizatória prevista na proposta governamental.

Por fim, quanto à alegação de que o sistema de barganha provocaria um aumento do número de encarcerados no País, embora o assunto demande a análise de outros tantos aspectos, impossíveis de serem abordados nos limites deste texto, registro que, infelizmente, o número de encarcerados, em países sérios, tende a ser proporcional ao número de autores de fatos graves punidos pelo sistema com pena privativa de liberdade. Qualquer outra solução deixa de enfrentar as causas do elevado número de encarcerados, maquiando o enfrentamento do tema, essencial para que as finalidades do direito penal efetivamente se realizem.

Não se pode esquecer que a certeza da punição é o melhor antídoto à tentação humana às práticas criminosas.

Assim sendo, a proposta encaminhada a exame do congresso nacional é algo que deve ser encarado positivamente, pois constitui um inegável avanço no compromisso do estado democrático de direito com o dever de tutelar os principais bens jurídicos da coletividade e do cidadão.

Por Victor Hugo Azevedo, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP). Promotor de Justiça, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul.



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