Texto publicado originalmente pelo jornal Correio Braziliense no dia 20 de maio de 2019 apenas em versão impressa (caderno especial Direito & Justiça, página 1)
Há anos não me lembro de um dia sem notícia sobre violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Me pergunto: de onde vem tanta violência? Por onde anda o senso de humanidade, de respeito ao próximo e às mulheres?
Então, buscamos cada vez mais meios para protegê-las e garantir que os mecanismos existentes sejam efetivos. Nesse contexto, a aplicação de medidas protetivas de urgência, como o afastamento do agressor do lar e a proibição de aproximação da ofendida, tem um papel de extrema relevância.
Para que uma medida protetiva seja aplicada é necessário que a mulher que vive em situação de violência relate os fatos e faça o pedido. Isso pode ocorrer na delegacia de polícia, quando vai noticiar um crime. A partir daí, a autoridade policial tem prazo de 48 horas para remeter o pedido ao juiz, que tem igual prazo para analisar e deferir ou não. Pode também a vítima solicitar a providência ao Ministério Público ou no cartório junto ao Fórum.
O fluxo para a concessão das medidas protetivas é ágil e permite que Juízes prontamente tenham conhecimento dos casos e apliquem as medidas cabíveis, inclusive as mais drásticas, que trazem maior restrição a direitos fundamentais do investigado.
Com o pretexto de prestar maior amparo às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, veio a proposta legislativa, que foi sancionada recentemente pelo Presidente da República, no sentido de conferir à autoridade policial a atribuição de aplicar, de imediato, algumas das medidas protetivas e de cientificar o agressor.
Entretanto, além de, à luz da Constituição Federal, invadir competência exclusiva do Poder Judiciário e estabelecer competência não prevista para a polícia civil, a nova lei, passa a falsa ideia de maior proteção, quando, em verdade, o resultado prático não será esse.
Sabe-se que em poucas cidades existem delegacias especializadas e as comuns atendem todos os tipos de crimes, de complexidade e gravidade diversas (contra o patrimônio, contra a vida, contra a fé pública, entre outros).
E, mesmo onde existem delegacias especializadas, há obstáculos para a autoridade policial analisar criteriosamente cada caso e aplicar as medidas cabíveis. Ainda, contar com estrutura adequada para intimar o agressor.
Na prática, o volume de boletins de ocorrência registrados e a estrutura policial ainda deficitária para desempenhar a atividade investigatória, evidencia que não é razoável atribuir mais uma tarefa à polícia civil, sem que isso signifique real prejuízo ao atendimento às vítimas e à conclusão da investigação.
Ora, a defesa dos direitos das mulheres não reside apenas na concessão de medidas protetivas! Afinal, deve o Ministério Público ter condições de processar o criminoso e alcançar a condenação. Para tanto é imprescindível o trabalho de apuração da polícia que, após conclui-lo, remete o inquérito policial à Promotoria de Justiça.
Logo, deve a polícia exercer bem o importante papel que já lhe cabe: de apurar o ilícito e, ao mesmo tempo, não fechar as portas do Poder Judiciário à mulher em situação de violência.
E aqui me recordo, certo dia caminhando pelos corredores do Fórum até chegar ao gabinete da Promotoria de Justiça, quando despretensiosamente ouço um cidadão falar ao cartorário:
“Gostaria de falar com o Juiz, tenho um pedido urgente!”
A resposta vem rápida e serena:
“O senhor quer falar com ‘o Juiz’? Todos querem falar com ‘o Juiz’!”
E não poderia ser diferente com as mulheres vítimas de violência doméstica!
Afinal, também queremos falar com “o Juiz”!
Fernanda Maria Campanha Motta Ribas - Titular da 3ª Promotoria de Justiça de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Curitiba. Promotora de Justiça do MPPR, desde dez/1999, associada da CONAMP