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Os desafios da Justiça brasileira em tempos de pandemia

O Poder Judiciário e o Ministério Público (MP), assim como os outros poderes constituídos e os demais segmentos da sociedade foram impactados severamente pelas transformações geradas pela pandemia de covid-19. A chegada do coronavírus acelerou processos e representou um teste para a capacidade de reinvenção dos juízes e também de procuradores e promotores de Justiça do Ministério Público brasileiro no desempenho de suas funções e atribuições específicas de cada instituição.

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas no contexto atual, o Judiciário e o Ministério Público reiteram sua competência para superar obstáculos e prosseguir, com protagonismo e prerrogativas, na contribuição para a efetivação de políticas públicas e para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

A despeito de gargalos iniciais, é coerente afirmar que a adaptação ao novo momento foi tão rápida quanto eficaz. O desafio de transportar com urgência todo o trabalho, naturalmente presencial, para o ambiente digital exigiu esforços e comprometimento por parte de todos os envolvidos, nas mais variadas instâncias, para que a prestação de serviços à sociedade e o encaminhamento de milhares de processos, de investigações e julgamentos tivessem continuidade e os resultados esperados.

O teletrabalho, preexistente apenas para cargos e atribuições pontuais, se estendeu para praticamente a totalidade dos servidores. A crise e a nova realidade inerente a ela aceleraram transformações e possibilitaram o uso de novas tecnologias para a realização de audiências virtuais e votações à distância, em todas as esperas do sistema de Justiça do País.

Se não bastasse o impacto e as mudanças impostas pela pandemia em toda a sociedade, o momento econômico e, principalmente, político brasileiro, envolto em uma polarização cada vez mais rígida.

Neste período de crise sanitária, que já dura quase seis meses, a própria democracia brasileira se viu ameaçada, com embate entre os Poderes Legislativo e Executivo e, até mesmo, o surgimento de manifestações antidemocráticas, protestos violentos contra o Supremo Tribunal Federal (STF), atos contra o Congresso Nacional e em defesa da ditadura militar que exigiram união das instituições na luta pela manutenção da ordem democrática no País.

No âmbito do Ministério Público, essas e outras adversidades que surgiram nos últimos dias exigiram posicionamento firme e contumaz por parte da (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e demais entidades parceiras em relação à temas como a defesa da liberdade de expressão de procuradores, promotores de Justiça e da magistratura como um todo, além de procedimentos que colocariam em xeque a independência funcional dos membros do Ministério Público.

A Conamp e entidades representativas do MP se articularam contra ações recentes que notadamente enfraqueceriam o Ministério Público contra tentativas de interferências externas. Tal articulação contribuiu para fortalecer ainda mais os princípios da instituição, como a autonomia, a independência funcional e inamovibilidade, garantias da sociedade, concedidas pela Constituição Federal que são ferramentas vitais para permitir um verdadeiro combate à corrupção e a criminalidade grave.

O legislador nos deu independência funcional e justamente como armas para enfrentar situações muito graves da criminalidade complexa que estão no nosso dia a dia, como o combate da corrupção.

É fundamental preservar esses princípios para que os membros do MP não dependam de autorização da instituição para atuar, que tenham liberdade de atuação e não sejam amedrontados por essa atuação. Os integrantes do Ministério Públicos não querem dotar de superpoderes. Não é isso: queremos ter a independência para poder atuar, independente das influências externas. Esse é o ponto principal.

Cabe ressaltar a coerente e oportuna atuação do STF, recentemente, com as decisões protocoladas pelos ministros Celso de Mello e Luiz Fux, magistrado que se encontra em ascensão à Presidência do STF, neste mês de setembro. A atuação dos magistrados representou uma conquista para o MP e para o País, com o fortalecimento dos instrumentos de combate à corrupção, como a operação Lava Jato.

As últimas decisões merecem respaldo, pois atuam contra à flexibilização desses princípios, o que desencorajaria os membros do MP a lutar contra graves condutas que atingem o País porque permite afastar aqueles que se levantam contra o crime e contra sua força.

Além disso, esse caminho segue na mesma direção do interesse público. É senso comum que a sociedade realmente anseia por um combate ainda maior à corrupção. E isso só se torna real com um Ministério Público forte e atuante, com capacidade de enfrentamento desse problema grave que é a corrupção no país. A força-tarefa da Lava Jato, por exemplo, é um marco de valores e de luta pelo afastamento desse fenômeno tão nocivo para a República que é a corrupção.

Como vimos, a pandemia da covid-19 promoveu significativas transformações no dia a dia do trabalho do MP. Nesse cenário desafiador, a instituição reafirma seu compromisso com a sociedade brasileira em sua importante missão fiscalizadora do poder, como um órgão robusto e independente, que não está vinculado a nenhum dos Poderes como lhe é peculiar.

O que não mudou com a crise do coronavírus, ou melhor, se intensificou neste período singular, foram as atribuições e a batalha firme e constante do Ministério Público e seus integrantes em defesa da bandeira do combate à corrupção, preservação da democracia e do Estado Democrático de Direito no Brasil.

*Manoel Murrieta é Promotor de Justiça e Presidente da CONAMP

Artigo originalmente publicado na revista Justiça e Cidadania. Disponível em: https://www.editorajc.com.br/os-desafios-da-justica-brasileira-em-tempos-de-pandemia/

 

 

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