Artigo originalmente publicado na revista Justiça & Cidadania em 9 de agosto de 2021. Disponível em: https://editorajc.com.br/o-respeito-a-vontade-do-constituinte-originario/
Quando Montesquieu escreveu “O espírito das leis”, há três séculos, provavelmente não esperava que seus ensinamentos chegassem tão longe. A proposta da separação em três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – serviu como base para a construção de diversas democracias no mundo. E o Brasil é uma delas.
A teoria do “checks and balances”, apresentada no clássico, diz que cada Poder tem autonomia para exercer as suas funções, mas a interferência de um Poder sobre o outro, a fim de retornar ao status quo, é legítima, desde que dentro dos limites constitucionais. Em pleno Século XXI, o que estamos presenciando com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32/2020, no entanto, é uma ameaça à independência do Judiciário e à autonomia do Ministério Público. Trata-se de um retrocesso e, sobretudo, de um risco direto para a população brasileira, que deve contar com instituições sólidas, aptas para garantir a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Nossa estabilidade constitucional está fincada na teoria da separação dos Poderes. Ao desrespeitar esse mandamento, nós estaríamos permitindo que o Judiciário viesse a interferir no Legislativo, bem como a intromissão do Executivo no Judiciário, ou mesmo a intervenção do MP nas questões do Congresso. Abriríamos aí um precedente para legitimar ingerências externas em matérias exclusivas de cada Poder.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) representa cerca de 16 mil membros do Ministério Público brasileiro, agentes políticos que, como tal, encontram-se em um regime jurídico diferenciado que afasta a possibilidade de inclusão na comentada PEC 32. A carreira está inserida em capítulo próprio e destacado na Carta Republicana, no qual se prevê uma série de limitações para garantir o livre e puro exercício de sua missão constitucional.
Entre as limitações figuram, principalmente, não poder ter outras funções a não ser a do magistério – ao contrário de outros agentes políticos. Portanto, essas garantias, prerrogativas e, inclusive, a iniciativa legislativa conferida pela Constituição, garantem para a sociedade que os membros do MP terão dedicação exclusiva à sua missão constitucional e, por isso, afiança a iniciativa de leis ao líder para evitar interferências e abalos à independência.
Nesta trilha, as carreiras de Estado também não podem ser fragilizadas no projeto de reforma. A estabilidade e a independência são fundamentais para o correto exercício e bem servir à sociedade brasileira. O atual cenário nos remete a uma agenda de mudanças, entretanto, o viés da eficiência e da garantia do acesso dos brasileiros aos princípios básicos – como saúde, educação, segurança pública, entre outros – deve ser prioridade em toda e qualquer situação.
A Constituição demonstra o seu verdadeiro valor nos momentos de crise. Alterar a Carta Magna tornaria as instituições públicas frágeis. A vontade do constituinte originário não pode ser desrespeitada. Ao contrário, no texto constitucional está, realmente, o nosso norte para atravessar essa tormenta e chegar ao porto seguro.