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Lei de Improbidade Administrativa precisa ser debatida com fundamentos

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense no dia 4 de outubro de 2021. Disponível em: https://bit.ly/3l5jofI

O Brasil conquistou, a duras penas e ao longo de muitos anos, uma rigorosa legislação de combate ao malfeito na administração pública. Um bom exemplo, nessa seara, é a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429), que é referência internacional e cuja necessária atualização está em debate no Congresso. Manter essa norma atualizada é fundamental para que ela acompanhe a evolução da sociedade e seja efetiva.

É preciso evitar, no entanto, que a lei sofra retrocessos. No caso da improbidade, a importância de mantermos as conquistas dos últimos anos e o rigor da lei é demonstrada, entre outros fatores, pela grande quantidade de novos casos. Graças ao uso correto da legislação feito por diversos agentes públicos, como os membros do Ministério Público, são frequentes as decisões judiciais e administrativas para recuperar recursos públicos e punir culpados. Não podemos renunciar a isso.

Sancionada em 1992, há menos de 30 anos, a Lei de Improbidade pune agentes públicos que cometam desvios de função –que podem ser desde atos aparentemente menores, como o uso de equipamentos públicos para fins pessoais, até o recebimento de vantagens e propinas para benefício de contratantes com o serviço público. A Lei de Improbidade não impõe, no entanto, sanções criminais, como prisão, apenas cíveis, como ressarcimento ao erário e inelegibilidade por até oito anos.

Graças à atuação de diversas entidades representativas do sistema judicial, como a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), o texto que reforma a Lei de Improbidade incorporou diversos itens positivos durante sua tramitação na Câmara e no Senado. Ainda assim, a redação está aquém de manter o objetivo central da lei: o combate à corrupção e a defesa de princípios éticos na administração pública.

A Câmara, que deverá apreciar mais uma vez a matéria, felizmente terá a oportunidade de fazer as correções necessárias antes de enviá-la à sanção presidencial.

Entre as inclusões positivas ao texto, destaco o acordo de não persecução civil, pois permite a transação e evita demandas desnecessárias e prolongadas.

Outro ponto, a ressalva quanto à possibilidade de configuração de nepotismo na hipótese de indicação política. As alterações citadas foram feitas na votação dentro do Senado, que alteraram o texto da Câmara e fizeram o projeto voltar aos deputados para nova análise.

Apesar desses avanços, ainda há o que melhorar. A proposta atual, por exemplo, restringe os atos de violações aos princípios da administração pública do rol de atos que geram improbidade administrativa. Na prática, isso reduz a efetividade da lei e abre espaço para novos casos de irregularidades.

Outro ponto que traz prejuízos no texto atual é a não punição da improbidade culposa. Casos em que for comprovado o erro por imperícia, por exemplo, deixariam de ser punidos, embora seja dever do agente público zelar pela lisura dos atos que conduz na administração de recursos estatais.

Há também a criação da prescrição retroativa, que prevê prazo de até quatro anos para o trânsito em julgado dos processos de improbidade na Justiça. Dados do CNJ mostram que um processo que corre em varas cíveis, como os de improbidade, levam até cinco anos para passar por cada uma das instâncias de recursos. Se a lei for aprovada nos termos atuais, casos emblemáticos de corrupção e improbidade administrativa seriam imediatamente extintos, sem que os responsáveis fossem penalizados.

Em termos jurídicos, as três décadas da atual Lei de Improbidade são suficientes para que ela consolide e tenha uma jurisprudência forte em torno de si. No entanto, essa legislação ataca um problema cultural brasileiro, cujo combate é ainda mais complexo e difícil.

Dessa forma, os membros do Ministério Público, em todas as esferas, reforçam a necessidade de contínua modernização legal para que o combate à corrupção seja eficaz e garanta um futuro pleno ao Brasil. Por isso, defenderemos, neste retorno à Câmara, que o texto seja novamente debatido, para que os pontos citados sejam revistos, com a clareza, o distanciamento e a fundamentação técnica e científica que o projeto necessita.

Manoel Murrieta é promotor de Justiça do Estado do Pará e presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).


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