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A Proposta de Reforma da Previdência de 2019: o que se diz e o que realmente é

No limiar de 2019, o Presidente da República apresentou a Proposta de Emenda Constitucional nº 6, que modifica o sistema de previdência social afeto aos trabalhadores dos setores privado e público, excluindo-se deste último os militares, cuja sistemática será objeto de proposta específica. Essa proposta, embora caminhe no mesmo norte das Emendas Constitucionais nº 20, 41 e 47, que introduziram profundas modificações no sistema, supera a todas, tanto em extensão como em complexidade. O objetivo de nossas considerações é o de verificar se o modelo escolhido é o adequado e se as restrições impostas àqueles que já integram o sistema ou nele ingressarão são justificáveis.

Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. O discurso governamental no processo de convencimento; 3. A desconstitucionalização do direito à previdência; 4. Ainda temos Federação? 5. Os regimes previdenciários; 6. O abono de permanência; 7. A contribuição previdenciária; 8. A transição e a segurança jurídica; 9. A sobrevida a partir dos 65 anos; 10. O direito adquirido; Epílogo.

1. Considerações iniciais

           No limiar de 2019, alvorecer do mandato recém-conquistado nas urnas, o Presidente da República apresentou a Proposta de Emenda Constitucional nº 6, que modifica o sistema de previdência social afeto aos trabalhadores dos setores privado e público, excluindo-se deste último os militares, cuja sistemática será objeto de proposta específica. O momento de apresentação da PEC mostrou-se fiel à indefectível lógica de Maquiavel: as medidas impopulares devem ser as primeiras a serem adotadas.

            A PEC nº 6/2019, embora caminhe no mesmo norte das Emendas Constitucionais nº 20, 41 e 47, que introduziram profundas modificações no sistema, supera a todas, tanto em extensão como em complexidade.

            A exemplo das reformas anteriores, também a atual almeja zelar pelo equilíbrio atuarial do sistema. O fim, não se pode negar, é mais que nobre. Nobreza à parte, resta verificar se o modelo escolhido é o adequado e se as restrições impostas àqueles que já integram o sistema ou nele ingressarão são justificáveis.

            Não é nosso objetivo a análise detalhada de cada um dos 45 artigos da proposta, que alteram, revogam ou acrescem quase duas dezenas de artigos da Constituição de 1988, além de estabelecerem dezenas de regras com vigência paralela, não incorporadas ao texto principal. O que pretendemos é colaborar para a compreensão de sua estrutura, evitando, tanto quanto possível, nos perdermos no emaranhado de suas miudezas.

            A colaboração ora oferecida terá como norte a objetividade, o que, esperamos, possa ser um facilitador para o acesso ao seu conteúdo. Entre vagas de convergência e divergência, temos a esperança de que apresente alguma utilidade para o amadurecimento do debate.

2. O discurso governamental no processo de convencimento

            Consciente da extensão da reforma pretendida, o governo apressou-se em divulgar a PEC nº 6/2019 como a luta do “bem” contra o “mal”. O bem, como se lê na exposição de motivos que acompanha a proposta, será materializado no “combate às fraudes e redução da judicialização, cobrança das dívidas tributárias previdenciárias; equidade, tratando os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual...”. O mal, que se manifestará na postura daqueles que ousarem insurgir-se contra a proposta, está latente no agir dos “ricos”, os quais, ainda de acordo com a referida exposição, “tendem a se aposentar mais cedo e com maiores valores”. O discurso, aliás, está bem afinado com o de poderosos grupos econômicos e com os veículos de comunicação social sujeitos ao seu controle, que enaltecem a PEC como a única saída para o País. Essa tática tende a ser convincente ao lembrarmos que, neste momento, passamos por uma recessão sem precedentes. Por outro lado, considerando o atoleiro moral em que nos encontramos, é difícil acreditar que todos os defensores da PEC estejam agindo com “pureza d’alma”, isso para invocarmos a plasticidade de Cícero.

            Ao recorrer, ainda que de modo inconsciente, à dialética erística de Schopenhauer, técnica utilizada para se vencer um debate a qualquer custo, ainda que não se tenha razão, o governo abusa da manipulação semântica e da alternativa forçada. Em primeiro lugar, chama de “ricos” os trabalhadores assalariados, não os controladores dos meios de produção ou do processo decisório de aplicação da mais-valia, estando a grande maioria integrada ao setor público após (para muitos) regular aprovação em concurso público. Esses agentes, na mensagem transmitida ao inconsciente coletivo, seriam os grandes responsáveis pelo colapso do sistema. Afinal, são detentores de “privilégios” de toda ordem. Em segundo lugar, a PEC, ao ser elevada ao patamar de paradigma do “bem”, descura dos mais comezinhos princípios de lógica argumentativa. Ao que parece, por ser do “bem”, adjetivo conquistado pela força da pena, não dos argumentos, não careceria de maior fundamentação, pois quem é do “bem” não pode assumir postura outra senão permanecer ao seu lado.

            A principal lógica da PEC é a de atribuir aos segurados o restabelecimento do equilíbrio do sistema, pretérito, qualquer que seja a dimensão do déficit, e futuro, objetivo que será alcançando, como veremos, com a majoração da alíquota da contribuição ordinária, que será fixada de modo progressivo para os maiores rendimentos; com a possibilidade de criação de contribuição extraordinária, que pode estender-se por décadas; com o aumento da idade e do tempo de contribuição exigidos e com a redução do valor dos benefícios a serem pagos.

            Esse pesado ônus atribuído ao segurado, em um plano de estrita racionalidade, ou decorreria de sua responsabilidade pelo colapso do sistema atual ou pela vantagem que deve auferir.

             Em relação à responsabilidade, não é dedicada uma linha sequer à explicação das razões conducentes à derrocada financeira do sistema. Não há notícias, por exemplo, de auditorias realizadas nos regimes de previdência, esclarecendo o montante de isenções e de reduções de alíquota ou de base de cálculo da contribuição a cargo dos empregadores no regime geral de previdência social, bem como o impacto causado pelas fraudes historicamente praticadas e pelos elevados níveis de sonegação, ou mesmo sobre o nível de eficiência da Fazenda Pública na recuperação destes valores. Também não se explica como o uso de recursos da previdência social em outros planos da seguridade social, que também abrange a saúde e a assistência social, impactou o sistema. Apesar do silêncio, o governo bem sabe que o impacto efetivamente existe. Não é por outra razão que a PEC considera, como objetivo da seguridade social, a segregação contábil do seu orçamento nas ações de saúde, previdência e assistência social (inciso VI do parágrafo único do art. 194). Reforçando a necessidade de comprometimento dessas receitas com os seus fins, o art. 39 da PEC veda a aplicação da sistemática de desvinculação das receitas da União às contribuições sociais destinadas ao custeio da seguridade social.

            Ainda sob o prisma da responsabilidade, soa no mínimo desleal atribuir-se ao segurado o ônus econômico de soerguer o sistema, sem se indicar previamente o montante financeiro envolvido ou como a má-gestão contribuiu para esse quadro. Na sistemática da PEC, o segurado deixará de ser visto como tal e passará a ser o segurador do gestor, que pode exteriorizar a sua incompetência e o seu fisiologismo político sem maiores preocupações. Afinal, as decisões fundamentais serão vistas como manifestação do poder discricionário e, na hipótese bem provável de prejuízos serem causados, os segurados, digo, seguradores, lá estarão para sanear o deficit.

            No que diz respeito a uma possível vantagem, é fácil perceber que não será auferida pelos segurados, incluindo os “ricos” a que se refere a proposta. Os ricos, em verdade, são aqueles que possuem melhor qualificação, o que lhes permite exercer atividades que a maior parte da população não é capaz de realizar - lembrando-se que cerca de 50% da população com mais de 25 anos de idade tem apenas o ensino fundamental completo. Para entendermos a dramaticidade do quadro atual, basta pensarmos na explicação de Jan Tinbergen, o primeiro Nobel de Economia, no sentido de que educar é passar da condição de não qualificado para a de qualificado, o que permite a obtenção de posição e salário mais elevados. Como resultado da qualificação da massa, o mercado absorve os não-qualificados, os quais, ao se apresentarem em reduzido número, tem sua posição reforçada no jogo da oferta e da procura. Na medida em que a massa da nossa população não é qualificada, sua mão de obra não é valorizada. O governo, por sua vez, achata os benefícios que lhe são devidos, o que é natural, pois a falta de qualificação compromete o crescimento econômico do País, e marginaliza os qualificados, que recebem a alcunha de ricos e se veem inexoravelmente condenados pelo pecado de terem atendido à convocação do Poder Público para integrar os seus quadros.

            Mas quem é realmente beneficiado pela PEC? A própria PEC responde em seu art. 38: “o disposto no § 11-A do art. 195 da Constituição não se aplica às isenções, às reduções de alíquota ou à diferenciação de base de cálculo previstas na legislação anterior à data de promulgação desta Emenda à Constituição”. E o que diz o art. 195, § 11-A? Responde-se: é vedado o tratamento favorecido para contribuintes, por meio de concessão de isenção, da redução de alíquota ou de base de cálculo das contribuições sociais a cargo dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, e dos trabalhadores e demais segurados da previdência social. Como se percebe, “privilégios” efetivamente existem e foram mantidos. À luz da simplicidade da opção governamental, questionamos: será que não existe um único comando legal que demande revisão? Todos os benefícios concedidos são justos e adequados considerando uma finalidade pública a ser alcançada? Qual é o seu impacto na arrecadação? Não se sabe. A desfaçatez em se ignorar a relevância desses questionamentos é tão intensa que a PEC não se limita a preservar os benefícios tributários já concedidos. Vai mais longe! Mantêm a eficácia da própria legislação em vigor, o que significa dizer que novos benefícios poderão ser concedidos. Não se pode negar que alguns tem muito o que comemorar. Afinal, com a aprovação da PEC, um benefício outrora legal, passará a ter estatura constitucional, sem que o governo sequer se dê ao trabalho de indicar que leis são essas! Das duas uma, ou não sabe, o que é pouco provável, ou não acha conveniente dizer. Essa curiosa situação certamente ajuda a entender a enfática defesa da PEC que alguns setores, “pelo bem do Brasil”, já realizam.

            Mas os beneficiados pela PEC não param por aí. Além daqueles expressamente contemplados com as benesses da viúva, ainda há os que foram simplesmente esquecidos ou que, melhor dizendo, pelas suas “especificidades”, merecem um tratamento diferenciado, a posteriori. É o caso dos militares, federais ou estaduais. Em um momento de colapso do sistema previdenciário, o mínimo que se espera é que o povo brasileiro, incluindo os “ricos” e “privilegiados”, tenha pleno conhecimento do papel desse setor no crescimento do déficit previdenciário. Ou será que, em nossa atual quadra histórica, é minimamente razoável a tese de que a Chefia do Poder Executivo tem a prerrogativa de escolher quem está dentro ou fora do calvário? O governo em prol de categorias específicas é compatível com uma república? Será que a inserção dessa categoria na reforma não diminuiria em alguns meses o momento de fruição do benefício previdenciário? Ou aumentaria em alguns centavos o seu valor? O governo bem sabe a resposta. Mas o povo brasileiro não tem o direito de saber? Ou a democracia e o princípio republicano cessaram de existir com as eleições pretéritas? É fácil concluir, mesmo para os ingênuos, que em PECs separadas a conclusão de uma reforma não está atrelada à conclusão da outra, o que pode ser postergado para momento futuro, quando as nuances do presente forem arrefecidas e as ranhuras do passado há muito esquecidas. O futuro, ao fim e ao cabo, será uma figura sem sentido, estranha à própria utopia tão cuidadosamente estruturada por Thomas More.

            Também causa estranheza que dirigentes de sociedades de economia mista e empresas públicas, cargos cobiçados pela fisiologia que historicamente alimenta o nosso sistema político e que não estão sujeitos ao teto remuneratório constitucional quando os respectivos entes não recebam recursos públicos, tenham deixado de ser convocados para se “solidarizar” com o restabelecimento da “normalidade” do sistema de previdência. Quando cotejados com esses agentes, os “ricos” a que se referiu a proposta, tamanha a disparidade de remuneração, não passam de esmoleiros torcendo por um dia de sol. Mas os burocratas de plantão, de dedo em riste, não hesitarão em afirmar: o regime próprio de previdência social somente alcança autarquias e fundações, não os entes com personalidade jurídica de direito privado, ao que replicamos nós: em crises extremas, as medidas de moralização hão de ser igualmente extremas.

3. A desconstitucionalização do direito à previdência           

            A previdência social está inserida no rol dos direitos sociais enunciados no art. 6º da Constituição de 1988, coexistindo, lado a lado, com outros de indiscutível relevância para a coletividade, como a saúde, a assistência aos desamparados e a educação. A exemplo dos demais, a sua proteção está umbilicalmente ligada à concepção mais ampla de dignidade da pessoa humana. Afinal, com o passar dos anos, a força para o trabalho diminui, devendo existir mecanismos que permitam a continuidade da vida. Além da enunciação desse direito social, a Constituição de 1988 detalhou os seus lineamentos básicos para os setores público e privado. Mas o que pretende a PEC? Simplesmente desconstitucionalizar o direito à previdência social, que passaria a ser disciplinado em lei complementar (vide a nova redação proposta para os arts. 40, § 1º e 201 § 1º, da Constituição de 1988).

            A ordem constitucional, considerando os limites mais rígidos impostos ao poder reformador, é realmente um complicador para as maiores ocasionais. Aliás, é justamente em razão da maior importância ostentada por certos direitos que se optou pela sua inserção na ordem constitucional. Remover essa proteção significa atentar de modo intenso e visceral contra a própria permanência do direito. Nessa linha, é fácil perceber o porquê de o direito à previdência social ter sido detalhado, enquanto o “direito ao lazer” foi meramente enunciado.

            A desconstitucionalização conduz à proteção deficiente, sendo manifestamente incompatível com a cláusula pétrea do art. 60, § 4º, IV, da Constituição de 1988, pois tendente a abolir “os direitos e garantias individuais” em sua expressão constitucional. Ressalte-se ser nitidamente estéril o debate sobre estarem, ou não, os direitos sociais abrangidos pela proteção oferecida pela referida cláusula. Afinal, são vitais à preservação da dignidade humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III) que direciona a compreensão de todos os direitos previstos no sistema e é por eles especificado.

4. Ainda temos Federação?

            Na sistemática vigente, a União possui competência concorrente com os Estados e o Distrito Federal para legislar sobre “previdência social” (art. 24, XII), limitando-se à edição de normas gerais (art. 24, § 1º). Considerando os balizamentos oferecidos pela Constituição de 1988 em matéria previdenciária, essa competência tem um alcance bem distinto daquele que terá se a PEC  for aprovada. Afinal, neste caso, os balizamentos do sistema seriam transferidos do plano constitucional para o infraconstitucional. Além disso, o conceito de normas gerais, com o beneplácito do Supremo Tribunal Federal, termina por ser aquele cunhado pela União, que pode expandi-lo ou retrai-lo como melhor lhe aprouver. O resultado, de modo simples e objetivo, será uma ampla e irrestrita submissão dos demais entes federativos, no delineamento do seu regime próprio, ao juízo de valor das maiorias ocasionais à frente das estruturas de poder da União.

            Não bastasse a tentativa de se assenhorear da competência legislativa em matéria previdenciária, a União, com a aprovação da PEC, ainda terá competência, de acordo com a nova redação que se pretende atribuir ao art. 40, § 1º, para “fiscalizar” os demais entes federativos nos termos da lei complementar a ser editada. E caso a União entenda que foram descumpridas “as regras gerais de organização e de funcionamento do regime próprio de previdência social de que trata o art. 40”, será vedada a transferência voluntária de recursos para o ente faltoso, bem como a concessão de avais, garantias e subvenções e a outorga de empréstimos e de financiamentos por instituições financeiras federais (vide nova redação do art. 167, XIII). Na medida em que essa consequência, caso ocorra, conduzirá o ente federativo à bancarrota, tamanha a hegemonia da União na arrecadação tributária e no estabelecimento dos limites que entenda adequados para a sua atuação, é factível que, ao menos em matéria previdenciária, transitaremos do Estado federal para o unitário.

            À luz desse quadro, é tarefa assaz difícil imaginar exemplo mais eloquente de afronta à forma federativa de Estado, cláusula pétrea integrada ao art. 60, § 4º, I, da Constituição de 1988, que este oferecido pela PEC nº 6/2019. A “técnica de persuasão” do art. 167, XIII também alcançará os entes que não ajustarem sua legislação nos 6 meses subsequentes à aprovação da reforma (art. 16), ressalvada a instituição dos regimes de previdência complementar, cujo prazo é de 2 anos.

5. Os regimes previdenciários

          A PEC dispõe, basicamente, sobre a existência de três regimes previdenciários de caráter permanente: (1) os regimes próprios de previdência social de cada ente federativo, para os titulares de cargos efetivos e, não sendo viável a existência do regime nos planos administrativo, financeiro e atuarial, será aplicado o regime geral de previdência social aos servidores do respectivo ente (novo art. 40, § 1º, II)[1]; (2) o regime geral de previdência social, aplicável aos servidores que não sejam titulares de cargo efetivo e aos demais trabalhadores; e, inovando em relação a esses dois regimes de repartição, nos quais a aposentadoria voluntária é concedida com base no binômio idade-tempo de contribuição, é previsto (3) o “novo regime de previdência social”, organizado com base em sistema de capitalização, admitida a denominada “capitalização nocional.”

          O funcionamento de cada um desses regimes será detalhado em lei complementar. Enquanto esse diploma normativo não for editado, a própria PEC estabeleceu regras provisórias aplicáveis aos servidores vinculados aos regimes próprios (art. 12) e aos demais segurados, que estão vinculados ao regime geral de previdência social (art. 24).

          Em relação ao regime próprio, a aposentadoria voluntária exigirá 25 anos de contribuição, tempo mínimo de 10 anos de efetivo serviço público e 5 anos de exercício no cargo efetivo em que ocorrer a aposentadoria, bem como a idade mínima de 62 anos para a mulher e 65 anos para o homem (art. 12, § 3º). Ainda há redução da idade, mas com a ampliação, em alguns casos, do tempo de contribuição, para professores, policiais (excluídos os militares e os bombeiros militares), agentes penitenciários ou socioeducativos, servidores com exposição a agentes nocivos e servidores com deficiência. Nessa sistemática transitória não há integralidade (rectius: benefício inicial correspondente à última remuneração recebida na ativa) e muito menos paridade (rectius: benefício reajustado sempre que for reajustada a remuneração dos servidores da ativa). O benefício inicial, para a maior parte dos segurados, corresponde a um percentual da média aritmética simples das remunerações e dos salários de contribuição, utilizados os critérios do regime geral de previdência social, acrescido de 2% por ano de contribuição que exceder 20 anos. Os proventos assim calculados não poderão ser inferiores ou superiores aos limites do regime geral, sendo complementados pela previdência complementar instituída pelo respectivo ente federativo, caso já a possua. Em relação à pensão por morte, que também observará os limites do regime geral de previdência social, será fixada uma cota familiar de 50%, acrescida de 10% por dependente, até o limite de 100% (previsão similar já constara da MP nº 664/2014, mas não foi mantida na lei de conversão, a Lei nº 13.135/2015). Tratando-se de óbito do aposentado, o benefício será calculado com base na totalidade dos proventos do falecido; tratando-se de servidor em atividade, o cálculo do benefício considerará os proventos a que o servidor faria jus caso fosse aposentado por incapacidade permanente. O tempo de duração da pensão por morte é o mesmo do regime geral, que está disciplinado no art. 77 da Lei nº 8.213/1991, com a redação dada pela Lei nº 13.135/2015. O reajuste dos benefícios seguirá os termos estabelecidos para o regime geral (art. 12, § 12). Ainda foram estabelecidos limitadores para a acumulação que venha a ocorrer após a aprovação da PEC, entre pensão por morte e aposentadoria: um benefício será recebido na íntegra, sendo acrescido, no máximo, de vinte por cento do valor do outro benefício que exceda 3 salários mínimos, até o limite de quatro salários mínimos (art. 12, § 10).

          No regime geral de previdência social, a aposentadoria voluntária exigirá 20 anos de contribuição e a idade mínima de 62 anos de idade, se mulher, ou 65 anos de idade, de homem, sendo igualmente estabelecidos requisitos diferenciados para trabalhadores rurais e professores. Ainda foi previsto que essas idades seriam reajustadas em 1º de janeiro de 2024 e, a partir dessa data, a cada quatro anos, “quando o aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira atingir os sessenta e cinco anos de idade” (art. 24, § 3º). A respeito da “sobrevida” a que se refere o preceito reformador, retomaremos a sua análise em tópico específico, pois esse significante traz consigo algo mais que a literalidade dos seus contornos semânticos poderia sugerir. O cálculo do benefício segue a mesma sistemática afeta ao regime próprio.

          É importante ressaltar que as leis de custeio e de benefícios do regime geral (Leis nº 8.212 e 8.213/1991) serão recepcionadas com o status de lei complementar (art. 37), o que é justificável, pois serão aplicáveis, em diversos pontos, aos servidores públicos, cujas normas gerais, em matéria previdenciária, serão veiculadas pela União por meio de lei complementar.  

          Considerando que tanto nos regimes próprios como no regime geral o valor máximo dos benefícios será o mesmo, é curiosa a exigência, nos primeiros, de vinte e cinco anos de contribuição, e, no último, de apenas vinte anos. É bem provável que a distinção decorra do fato de a maior parte dos benefícios vinculados aos regimes próprios se aproximar do limite máximo, enquanto no regime geral ocorre justamente o inverso, mas estamos perante mera cogitação.

          Por fim, tem-se o novo regime de previdência social, cujas características essenciais estão previstas no novo art. 115 do ADCT e serão objeto de maior detalhamento em lei complementar.

          O primeiro aspecto relevante em relação ao novo regime diz respeito à sua característica fundamental: é um regime de capitalização (novo art. 115, I, do ADCT). Em outras palavras, a contribuição paga pelo segurado é direcionada a uma conta específica, a ele vinculada, sendo os valores reajustados conforme os índices definidos na legislação de regência, o que não deixa de oferecer certa complexidade considerando o risco de o respectivo poder aquisitivo ser corroído a partir da escolha de índice inadequado. Para remediar esse quadro, a PEC faz menção a um “fundo solidário” (novo art. 115, II, do ADCT), destinado a garantir o recebimento de “piso básico” pelo segurado, não inferior ao salário mínimo. Essa solidariedade, é bem provável, terminará por onerar os próprios participantes do novo regime.

          O segundo aspecto digno de nota está na possibilidade de o novo regime adotar o “sistema de cotas nocionais.” O exato sentido dessa expressão será definido em lei complementar. Apesar disso, embora estejamos perante conceito novo em nossa realidade, pode-se afirmar, considerando a experiência do direito comparado, que essa espécie de cota indica a possibilidade de serem identificados e computados os recolhimentos realizados, embora os recursos possam ser utilizados por um gestor temporário até serem entregues, de modo fragmentado, mês a mês, ao segurado. Em outras palavras, enquanto, na capitalização, os recursos permanecem em uma conta individual, na cota nocional, o valor recolhido é conhecido, mas é incorporado a um todo maior.

          Por fim, da análise exclusiva do novo art. 115 do ADCT, constata-se que o novo regime será implementado “alternativamente” aos dois já existentes (rectius: regime próprio e regime geral), não ficando claro se irão coexistir, podendo o segurado optar por um ou outro, ou se o seu surgimento importará na necessária migração dos segurados vinculados ao regime que o antecedeu. De acordo com o novo art. 201-A da Constituição, direcionado aos segurados do regime geral de previdência social, o regime “será de caráter obrigatório para quem aderir”. Já o novo art. 40, § 6º, dispõe que os entes federativos “instituirão para o regime próprio de previdência social o sistema obrigatório de capitalização individual previsto no art. 201-A, no prazo e nos termos que vierem a ser estabelecidos na lei complementar federal de que trata o referido artigo.” Como se percebe, o art. 40, § 6º, veicula um comando cogente para os entes federativos, o que permite concluir que o novo regime será obrigatório para os servidores ocupantes de cargo efetivo e facultativo para os demais. A partir dessa dicotomia, é possível compreender o alcance da regra do § 1º do novo art. 115 do ADCT, segundo o qual “a lei complementar de que trata o art. 201-A da Constituição definirá os segurados obrigatórios do novo regime de previdência social de que trata o caput.” Apesar de os idealizadores da PEC, propositadamente, terem transitado pela penumbra da noite, evitando, ao máximo, a luz do sol, esse segurado obrigatório só pode ser um: o servidor ocupante de cargo efetivo. Afinal, como o novo regime, por imposição constitucional, é opcional para aqueles vinculados ao regime geral, a legislação infraconstitucional não pode alçar nenhum deles ao status de segurado obrigatório. Não é demais lembrar que essas dificuldades hermenêuticas só contribuem para fragilizar ainda mais a posição jurídica do segurado.

          A PEC também não dedica uma linha sequer às diretrizes a serem observadas na migração do antigo para o novo regime, o que será feito pela lei complementar, da maneira que melhor lhe aprouver.

6. O abono de permanência

            O abono de permanência, atualmente fixado em valor idêntico ao da contribuição previdenciária, é devido aos servidores que, tendo preenchido os requisitos para a aposentadoria voluntária, permanecem em atividade. A PEC, embora tenha preservado a sua existência, dispôs que seria equivalente, no máximo, ao valor da referida contribuição (nova redação do art. 40, § 8º, da Constituição). Caso o ente federativo não edite a lei exigida, prevalecerá a equivalência com a contribuição previdenciária. A preocupação, aqui, não é com o equilíbrio do regime previdenciário, mas, sim, com os cofres públicos. Explica-se: desde a Emenda Constitucional nº 41/2003, o servidor recolhe a contribuição para o regime de previdência e o ente federativo repõe o respectivo valor a título de abono de permanência. Até então, havia isenção previdenciária. Qual é a razão para se reduzir esse benefício do servidor, já exaustivamente massacrado pela reforma?

            A mesma sistemática será aplicável aos servidores alcançados pelas regras de transição (art. 10), sendo resguardado, apenas, o direito adquirido daqueles que já recebem o abono (art. 9º).

7. A contribuição previdenciária

            A PEC preservou, em relação aos regimes próprios e ao regime geral, o sistema de repartição, custeado por meio de contribuições dos segurados, ativos, aposentados e pensionistas, bem como por contribuições do respectivo ente federativo em relação aos primeiros. Especificamente em relação aos regimes próprios, caberá à lei complementar definir os termos em que se dará o concurso entre recursos públicos e privados. Em relação ao “novo regime de previdência social”, que funciona no sistema de capitalização ou de cota nocional, ainda existe a “possibilidade” de a lei complementar prever “contribuições patronais e do trabalhador, dos entes federativos e do servidor, vedada a transferência de recursos públicos” (nova redação do art. 115, VII, do ADCT), o que tende a onerar ainda mais o segurado.

            Nos regimes próprios de previdência social, as contribuições podem ser de natureza ordinária ou extraordinária, cabendo à lei complementar definir a forma de apuração da base de cálculo e de definição da alíquota (nova redação do art. 40, § 1º, III e do art. 149 da Constituição), o mesmo ocorrendo em relação aos “mecanismos de equacionamento do déficit atuarial e de tratamento de eventual superavit” (nova redação do art. 40, § 1º, VI).

          A contribuição ordinária pode ter alíquotas progressivas ou escalonadas, sendo que, em relação aos aposentados e pensionistas, somente incidirá sobre o valor do benefício que supere o limite máximo do regime geral. Essa contribuição não pode ser inferior à praticada no âmbito da União, salvo se demonstrado que o regime próprio do respectivo ente não apresenta deficit atuarial, o que configura, na atualidade, exceção mais que excepcional. Essa alíquota foi inicialmente fixada em 14%, que vigorará até que sobrevenha a lei que altere o plano de custeio do regime próprio de previdência social da União (art. 14). Aqui, como se percebe, não é exigida lei complementar, o que torna possível, inclusive, a edição de medida provisória (vide art. 62 da Constituição de 1988).

          No âmbito da União, a alíquota será objeto de redução ou ampliação conforme a base de cálculo utilizada (art. 14, § 1º). Na primeira faixa, para quem recebe até um salário mínimo, haverá redução de 6,5 pontos; na sexta faixa, para aqueles que recebem mais R$ 39.000,01, haverá acréscimo de 8 pontos, totalizando uma alíquota de 22%. Como a alíquota deve ser aplicada de “forma progressiva” (art. 14, § 2º), seria defensável a tese de que o valor recebido por cada servidor ativo, aposentado e pensionista deveria ser decomposto entre as distintas faixas, de modo a incidir a respectiva alíquota em cada uma delas. Sob essa ótica, aquele que receber R$ 39.100,00 somente seria alcançado pela alíquota de 22% em relação à parcela de R$ 99,99. Caso prevaleça essa sistemática, a alíquota efetiva será inferior à alíquota nominal, mas mesmo assim continuará elevada.

          Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios terão 180 dias para adequar as alíquotas de contribuição dos seus servidores, “podendo adotar o escalonamento e a progressividade de apuração das alíquotas previstas no art. 14” (art. 15, § 1º). Caso não o façam, a alíquota de 14% será definitivamente aplicada a todos os servidores (art. 15, § 2º).

          A contribuição extraordinária é destinada a equacionar o deficit atuarial dos regimes próprios, o que significa dizer que a PEC torna os segurados seguradores de um sistema historicamente mal administrado. Deve ser estabelecida por prazo determinado, mas a PEC não obsta que seja fixada por lapsos demasiado longos, como décadas. Aliás, o art. 13, § 1º, da PEC faz menção à possibilidade de sua cobrança alcançar aposentados e pensionistas que recebam benefício superior a um salário mínimo, o que pode estender-se por 20 anos (art. 13, § 2º). Quanto às alíquotas, permite que sejam diferenciadas, conforme os critérios estabelecidos na nova redação do art. 149, § 1º-C, sem prejuízo de outros que venham a ser definidos em lei complementar. São eles: condição de servidor ativo, aposentado e pensionista; histórico contributivo para o respectivo regime; regra de cálculo do benefício de aposentadoria ou pensão implementado; e valor da base de contribuição ou do benefício recebido. Pela abertura desses critérios, ao que se soma a desconexão de alguns deles com o referencial de capacidade contributiva, como se verifica em relação à “regra de cálculo do benefício” pago, temos um palco propício a arbitrariedades de toda ordem.

          A contribuição extraordinária, na forma como prevista na PEC, é ato de puro arbítrio, pois passa ao largo das causas e dos culpados pela inviabilização do sistema. Além disso, está bem próxima da linha imaginária que separa a tributação legítima do confisco, vedado pelo art. 150,V, da Constituição.

          Note-se que a PEC autoriza que as receitas de impostos estaduais e municipais sejam vinculadas à prestação de garantia ou contragarantia à União ou para pagamento de débitos que tenham a favor desta (nova redação do art. 167, § 4º, I), bem como para o pagamento das contribuições devidas e dos débitos do ente federativo com o regime próprios de previdência, mas desde que remanesçam recursos após o cumprimento das obrigações assumidas com a União (nova redação do art. 167, § 4º, II).

8. A transição e a segurança jurídica

            A exemplo das Emendas Constitucionais nº 20, 41 e 47, também a PEC nº 6/2019 estabelece regras de transição para aqueles que já se encontram vinculados aos regimes próprios e ao regime geral: o Capítulo III da PEC (arts. 3º a 11) é dedicado aos primeiros, enquanto o Capítulo V (arts. 18 a 23) alcança o último.

           No que diz respeito aos regimes próprios de previdência social, são contempladas regras direcionadas aos servidores públicos em geral, aos professores, aos policiais (excetuados os militares e os bombeiros militares), aos agentes penitenciários e socioeducativos, aos servidores que atuem em condições especiais prejudiciais à saúde e aos servidores com deficiência, além de regras para os titulares de mandato eletivo e para a pensão por morte. As distinções existentes situam-se na idade mínima exigida, no tempo de contribuição e no modo de cálculo e de reajuste do benefício, prevalecendo, ou não, a integralidade e a paridade. Para preservar a objetividade da exposição, centraremos nossa atenção na situação dos servidores públicos em geral e nas respectivas pensões, ressaltando, desde logo, que todos os agentes mencionados podem optar pelas normas que venham a ser estabelecidas pela lei complementar a que se refere o art. 40, § 1º.

            Para que os servidores públicos em geral possam aposentar-se pelas regras de transição, devem ter 20 anos de efetivo exercício no serviço público e 5 anos no cargo efetivo em que se der a aposentadoria. Além disso, é exigida uma combinação de idade e tempo de contribuição que apresenta variações para o homem e para a mulher, podendo ser subdividida do seguinte modo:

a) até 31 de dezembro de 2019

            Mulher: 56 anos de idade e 30 de contribuição, totalizando 86 pontos;

            Homem: 61 anos de idade e 35 de contribuição, totalizando 96 pontos;

b) a partir de 1º de janeiro de 2020

A pontuação referida na alínea a será acrescida a cada ano de 1 ponto, até atingir o limite de 100 pontos, se mulher, e de 105 pontos, se homem. Quando atingido esse limite, a pontuação será ajustada na forma definida em lei complementar, “quando o aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira atingir os sessenta e cinco anos de idade”, temática que será objeto de análise em item específico.

c) a partir de 1º de janeiro de 2022

            Além da continuidade do aumento da pontuação referida em b, a idade mínima mencionada em a será de 57 anos se mulher e 62 anos se homem.

            A partir dessa sistemática básica para a concessão do benefício, as regras de transição sofrem novo detalhamento, desta feita para definir o seu valor e a forma de reajuste:

a) ingressos no serviço público até 31 de dezembro de 2003

            São observadas a integralidade e a paridade para aqueles que se aposentem aos 62 anos, se mulher, e 65 anos, se homem.

b) ingressos no serviço público após 31 de dezembro de 2003 ou que não observem a idade mínima referida em “a”

            Benefício correspondente a 60% da média aritmética das remunerações e dos salários de contribuição, acrescidos de 2% para cada ano de contribuição que exceder 20 anos, até o limite de 100%.

            O benefício será reajustado nos termos do regime geral.

c) ingressos no serviço público após a instituição do regime de previdência complementar[2] ou que tenham optado por esse regime

            Benefício correspondente a 60% da média aritmética das remunerações e dos salários de contribuição, acrescidos de 2% para cada ano de contribuição que exceder 20 anos, até o limite de 100%, observado o limite máximo do regime geral.

            O benefício será reajustado nos termos do regime geral.

            É factível que o regime de transição somente é minimamente atrativo quando estiver atrelado à integralidade e à paridade, sempre contempladas nas normas de transição das Emendas nº 20, 41 e 47. Ocorre que a PEC, fazendo tábula rasa à técnica reformadora adotada nas duas últimas décadas e, de modo correlato, ignorando o princípio da segurança jurídica, estabeleceu exigências rigorosas para os servidores que seriam alcançados pela transição. Além de ter exigido a mesma idade para todos os servidores que desejem se aposentar após a aprovação da PEC (62 anos para a mulher e 65 anos para o homem), conforme disciplina traçada em seu art. 12, ampliou o período de contribuição ordinariamente exigido, de 25 anos, para 30 anos, se mulher, ou 35 anos, se homem. Não bastasse isto, ainda inviabilizou o regime de transição ao permitir que, quando integralizada a exigência de 100 pontos para a mulher e 105 para o homem, a lei complementar pudesse ampliá-la quando a expectativa de sobrevida atingisse 65 anos, o que será analisado em tópico próprio.

            Também foi objeto de regra de transição a pensão por morte (art. 8º da PEC). A principal distinção, considerando o regime provisório do art. 12, aplicável aos servidores não alcançados pelas regras de transição, é a possibilidade de o benefício ultrapassar o limite do regime geral de previdência social. Nesse caso, o valor do benefício equivalerá ao limite, acrescido de 70% do que o ultrapassar. O tempo de duração do benefício seguirá os padrões do regime geral, o mesmo ocorrendo em relação aos critérios de reajuste.

            Quanto ao regime geral de previdência social, são estatuídas três regras de caráter genérico, nos arts. 18, 19 e 20, como mecanismos de transição para os filiados até a data de aprovação da PEC, com sistemáticas distintas de idade, tempo de contribuição e cálculo do benefício.

9. A sobrevida a partir dos 65 anos

            Fórmula utilizada de modo recorrente na PEC diz respeito ao “aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira”, empregada para ajustar a idade mínima para a concessão dos benefícios previdenciários. Nos preceitos que integrarão o corpo permanente da Constituição, a fórmula é utilizada exatamente com essa configuração semântica nos arts. 40, § 3º e 201, § 4º; o mesmo ocorrendo em relação à disciplina provisória de benefícios assistenciais, o que se vê no art. 41, § 2º, da PEC. Já nas regras de transição, em que é permitida a fruição de benefícios pelos segurados com idade igual ou inferior a 65 anos, é prevista a possibilidade dessa idade ou da respectiva pontuação ser ampliada “quando o aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira atingir os sessenta e cinco anos de idade.” É o que se verifica nos arts. 3º, § 3º; 4º, § 1º; 5º, § 1º; 6º, § 2º; 18, § 5º; 19, § 4º; 21, § 3º; 22, § 5º; e 24, § 3º, da PEC.

            Para que seja identificada a razão de ser desses preceitos, é preciso distinguir “expectativa de vida” de “expectativa de sobrevida”: enquanto a primeira diz respeito ao período de tempo no qual uma pessoa tende a permanecer viva, sendo contada a partir do seu nascimento; a segunda diz respeito ao período de tempo em que uma pessoa tende a permanecer viva a partir da sua aposentadoria.

            A expectativa de sobrevida passou a ser considerada pela previdência social a partir da Lei nº 9.876/1999, diploma normativo que criou o fator previdenciário. Esse fator busca estabelecer uma correlação entre a idade de aposentadoria ou tempo de contribuição e a referida expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria. Essa expectativa é obtida a partir da tabela completa de mortalidade elaborada pelo IBGE, que realiza uma média nacional única para ambos o sexos. De acordo com a tabela do ano 2017, a expectativa de vida encontrada foi de 76,0 anos para o total da população. Por sua clareza, merece ser transcrito breve trecho da exposição de motivos que acompanha a PEC nº 6/2019:

“32. Importância do conceito de expectativa de sobrevida. O indicador demográfico com repercussão direta em termos previdenciários é a expectativa de sobrevida em idades avançadas, uma vez que tal conceito reflete em certo grau a expectativa de duração média para pagamento de benefícios previdenciários permanentes (aposentadorias e pensões). Atualmente, a expectativa de sobrevida aos 65 anos é de 18,7 anos, logo, uma pessoa nessa idade deve viver, em média, até os 83,7 anos. Diferentemente do que ocorre com o indicador de expectativa de vida ao nascer, a variação dos valores do indicador de expectativa de sobrevida em idades avançadas entre as Unidades da Federação é bastante reduzida. Em relação à idade média que atingirão os idosos com 65 anos, o menor valor (81 anos) encontra-se em Rondônia e o maior (85 anos) no Espírito Santo. Quando agregamos por região as diferenças são ainda menores: 84,5 anos no Sul e Sudeste, 83,3 no Centro-Oeste, 82,9 no Nordeste e 82,2 no Norte.

33. Aumento da expectativa de sobrevida em idades avançadas. O crescimento da expectativa de sobrevida aos 65 anos cresceu de cerca de 10,6 anos em 1940, para 18,7 anos em 2017, e deve aumentar nas próximas décadas até cerca de 21,2 anos em 2060. A expectativa de vida dos homens com 65 anos cresceu de 9,3 para 16,9 anos entre 1940 e 2017. A das mulheres saltou de 11,5 para 20,1 anos. Portanto, para um homem e uma mulher que cheguem aos 65 anos de idade, é esperado que eles vivam até os 81,9 e 85,1 anos, respectivamente".

            Na medida em que, de acordo com a Sr Ministro de Economia, que subscreveu a exposição de motivos e capitaneou a elaboração da PEC nº 6/2019, a expectativa de sobrevida do brasileiro, atualmente, considerando os 65 anos de idade, é de 16,9 anos para o homem e 20,1 anos para a mulher, qual é o significado da fórmula “quando o aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira atingir os sessenta e cinco anos de idade”? Explica-se, o que pretende a PEC é inviabilizar, ao máximo, as normas de transição. Afinal, no momento em que a reforma for promulgada, a pontuação máxima exigida dos servidores em geral, fixada em 105 pontos para os homens, já estará 16,9 anos defasada, podendo ser imediatamente aumentada para 122 pontos. Com a vênia possível, essa iniciativa, para dizer o mínimo, não é digna de encômios.

10. O direito adquirido 

            A PEC, em seus arts. 9º e 23, respeitou, em toda a sua extensão, os direitos adquiridos por aqueles que, à época da promulgação da reforma, já tenham preenchido os requisitos exigidos para a obtenção dos benefícios previdenciários e a percepção do abono de permanência.

         

Epílogo

            A PEC nº 6/2019, de acordo com os seus idealizadores, tem o objetivo de restabelecer o equilíbrio atuarial do sistema previdenciário brasileiro e de torná-lo viável a médio e a longo prazo. O desafio a ser enfrentado pelo Congresso Nacional é o de alcançar esses objetivos sem transferir, para os segurados, a integralidade de um ônus que é apenas parcialmente seu.

 

[1] A análise da nova redação proposta para o art. 40, § 1º, VII, da Constituição permite concluir que a adesão a consórcio público somente pode ter por objeto a “estruturação, organização e natureza jurídica da entidade gestora do regime”, não a instituição do regime próprio, sendo adotada a lógica binária de que, para cada ente federativo, deve existir um regime próprio (nova redação do art. 40, § 1º, II).

[2] Nem todos os entes federativos instituíram o regime de previdência complementar, autorizado pela EC nº 20/1998 e reiterado pela EC nº 41/2003 . No plano federal, o regime foi instituído pela Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012; entre os Estados, o Rio de Janeiro, por exemplo, instituiu o seu regime por meio da Lei nº 6.243, de 21 de maio de 2012.


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