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Tutela coletiva e legitimidade concorrente: a necessidade de promover a ideologia participativa

 

 

Não é exagero afirmar que o acesso à justiça, mais especificamente à tutela coletiva dos interesses metaindividuais, tem sido um dos principais problemas enfrentados pela moderna processualística. Principiando pela class action do direito anglo-saxão, passando pela Verbandklage germânica, até alcançar a ação civil pública do direito brasileiro, também cognominada de ação coletiva, são consideráveis as dissonâncias em relação ao rol de legitimados à utilização dessas ações. 

Nos sistemas que adotam a class action, não é incomum o uso da técnica de certificação, exigindo que o órgão jurisdicional competente declare (modelo norte-americano) ou simplesmente não negue (modelo australiano) que o litígio merece o tratamento de classe, o que inclui a averiguação de que o interesse dos membros ausentes será adequadamente defendido pelo representative plaintiff[1], que pode ser, inclusive, uma pessoa natural. A visão de classe tanto pode ser restritiva, exigindo-se uma pluralidade de interessados, como ampliativa, contentando-se, a exemplo do que ocorre no Canadá, com apenas dois.[2] Distinguem-se, assim, dos litígios individuais, já que o autor está sujeito a um filtro judicial, permitindo sejam descartados os casos inapropriados.

Verbandsklage (demanda de associação) germânica encontra raízes no final do século XIX, sendo prevista na Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb – UWG (lei contra a concorrência desleal) da época, que permitia o seu uso no caso de violação das regras de concorrência por qualquer industrial ou associação de industriais. O instituto avançou no século XX, passando a alcançar, inclusive, a tutela dos interesses violados por medidas oficiais, que não pertencem propriamente ao autor, mas ao público em geral.[3] Entre outros diplomas normativos, encontra-se prevista na atual UWG (§13) e na Bundesnaturschutzgesetz (Lei Federal de Proteção à Natureza – §29).

No direito brasileiro, os interesses metaindividuais podem ser tutelados, em situações restritas, com o uso da ação popular, passível de ser proposta por qualquer cidadão, e com o manejo da ação civil pública, que pode se ajuizada por legitimados específicos e se destina à aferição da responsabilidade pelos danos causados a inúmeros bens e interesses metaindividuais. A Constituição de 1988, em seu art. 129, §1º, adotou um modelo de legitimidade concorrente e disjuntiva, vale dizer, além do Ministério Público, outros legitimados podem manejar a ação, podendo fazê-lo isoladamente. 

O sistema brasileiro, diversamente do anglo-saxão, somente permite que pessoas coletivas, públicas ou privadas, se utilizem da ação civil pública: entre as primeiras, além dos entes federados e dos entes da Administração Pública indireta com personalidade jurídica de direito público (rectius: autarquias e fundações), estão incluídos o Ministério Público e a Defensoria Pública; entre as últimas, estão os entes da Administração Pública indireta com personalidade jurídica de direito privado (rectius: empresas públicas e sociedades de economia mista) e as associações civis. 

A peculiaridade do sistema brasileiro é a evidente timidez da sociedade civil no uso dos instrumentos de tutela coletiva. Apesar da legitimidade dos cidadãos e das associações civis, o histórico de demandas propostas não é propriamente um exemplo de ideologia participativa. Em verdade, a esmagadora maioria das ações existentes foi ajuizada pelo Ministério Público, que tem auferido relativo prestígio no ambiente social. O mesmo caminho, em passado mais recente, tem sido trilhado pela Defensoria Pública.

 

 

[1] Cf. MULHERON, Rachael P.. The class action in common law legal systems: a comparative perspective, Oxford: Hart Publishing, 2004, P. 24; e HENSLER, Deborah R.. Class action dilemmas: pursuing public goals for private gain, Santa Monica: Rand Corporation, 2000, p. 9.

[2] Cf. TÉTRAULT, McCarthy. Defending Class Actions in Canadá, Toronto: CCH Canadian Limited, 2002, p. 75-76.

[3] Duden. Recht A-Z, Mannheim: Dudenverlag, 2007, p. 475.


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