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O Estado de Direito Sustentável

Constituições compromissórias, como a brasileira, ao reconhecerem e apregoarem a coexistência de bens e valores diversificados e, não raro, aparentemente incompatíveis, assumem feições instrumentais e simbólicas. Na perspectiva instrumental, criam estruturas orgânicas, definem processos e preveem comandos, hipotéticos ou categóricos, direcionados à disciplina sociopolítica. Na perspectiva simbólica, presente na base axiológica subjacente à Constituição, permitem que esses valores se projetem sobre a sociedade e sejam influenciados pelos valores sociais em uma relação de osmose recíproca. Constituições dessa natureza são campo fértil para construções teóricas em torno da sustentabilidade.

Em poucas palavras, sustentável significa manter ou evoluir sem descaracterizar. É comum pensarmos em sustentabilidade na perspectiva da coexistência de bens ou valores, particularmente sob os pilares da sustentabilidade social, ambiental e econômica. A atividade econômica desenvolvida por uma corporação não pode descurar de sua responsabilidade social; o desenvolvimento econômico deve evitar ou minimizar os danos ao meio ambiente, sentido, aliás, que popularizou a expressão desenvolvimento sustentável.

Em uma perspectiva mais ampla, podemos associar a sustentabilidade à necessidade de preservação de quaisquer bens e valores, que mantenham entre si uma influência recíproca, de modo que coexistam e avancem conjuntamente, apesar de serem potencialmente colidentes. É o que ocorre, por exemplo, com os referenciais de livre iniciativa e valores sociais do trabalho; liberdade de expressão e honra etc.

Curiosamente, a concepção de sustentabilidade, apesar de largamente utilizada no desenvolvimento da atividade econômica e na sua correlação com outros bens e valores, especialmente aqueles de viés social e ambiental, não fora prevista, com essa estrutura semântica, pela Constituição da República. Obviamente, deveria ser considerada princípio implícito de um sistema que apregoava a coexistência de bens e valores aparentemente incompatíveis entre si, o que exigia esforços, do intérprete, para proceder à sua concordância prática. Isto deveria ocorrer no momento em que as normas constitucionais se projetavam na realidade, de modo a evitar, tanto quanto possível, que uma delas fosse integralmente subjugada pelo outra.

Em sua redação original, a ordem constitucional utilizou o verbo sustentar em uma única ocasião, ao apregoar o dever de o Presidente e o Vice-Presidente da República jurarem “sustentar a União”, de modo a evitar a sua secessão. O sentido ora analisado, à evidência, é outro.

Somente com as reformas promovidas pelas Emendas Constitucionais nº 109/2021 e 132/2023 os significantes sustentabilidade e sustentável(eis) passaram a ser empregados, e o foram em oito ocasiões: (a) art. 43, §4º - a concessão de incentivos regionais, tanto quanto possível, deve observar a sustentabilidade ambiental e a redução das emissões de carbono (EC nº 132/2023); (b) art. 159-A – a aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional deve observar a sustentabilidade ambiental e a redução das emissões de carbono (EC nº 132/2023); (c) art 163, VIII e parágrafo único – lei complementar deve dispor sobre a sustentabilidade da dívida, especificando indicadores de sua apuração; níveis de compatibilidade dos resultados fiscais com a trajetória da dívida; trajetória de convergência do montante da dívida com os limites definidos na legislação; medidas de ajuste, suspensões e vedações; e planejamento de alienação de ativos com vistas à redução do montante da dívida; podendo ainda autorizar a aplicação das vedações previstas no art. 167-A (v.g.: reajustes remuneratórios, alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa, admissão ou contratação de pessoal etc.) – EC nº 109/2021; (d) art. 164-A, caput – os entes federativos devem conduzir suas politicas fiscais de forma a manter a dívida pública em níveis sustentáveis (EC nº 109/2021); (e) art. 164-A, parágrafo único – elaboração e execução de planos e orçamentos – compatibilidade dos indicadores fiscais com a sustentabilidade da dívida – EC nº 109/2021; (f) art. 165, §2º - a lei de diretrizes orçamentárias (LDO), que compreende as metas e prioridades da administração federal, estabelcerá as diretrizes de política fiscal e respectivas metas em consonância com trajetória sustentável da dívida pública (EC nº 109/2021); (g) ADCT, art. 92-B, §2º - o Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas deve fomentar o desenvolvimento e a diversificação das atividades econômicas no Estado (EC nº 132/2023); e (h) ADCT, art. 92-B, §6º - o Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e Amapá deve fomentar o desenvolvimento e a diversificação das atividades econômicas no Estado (EC nº 132/2023).

Como se constata, a sustentabilidade, na forma como foi estruturada pelo poder reformador, teve especial preocupação com os aspectos fiscais e econômicos da atuação estatal, de modo que opções políticas do presente prestigiem certos bens e valores de estatura constitucional, como o meio ambiente, bem como que a dívida pública seja mantida em patamares que não impeçam as maiorias ocasionais, no futuro, de adotar suas próprias opções políticas.

Temos, agora, regras e princípios expressos, que coexistem com o princípio implícito de sustentabilidade, há muito presente em nossa Constituição compromissória.


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