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O princípio da solidariedade e a assistência humanitária no direito internacional público

 

 

 

O direito internacional público tem sido tradicionalmente direcionado à disciplina do poder dos sujeitos de direito internacional, considerando a necessidade de definir suas áreas de projeção, estabelecer limites e possibilitar o seu exercício coordenado sempre que interferir nos interesses de outros sujeitos.[1] Com a sedimentação do entendimento de que esse poder, ainda que inicialmente exercido sob o abrigo do dogma do domínio reservado de jurisdição interna, pode gerar reflexos diretos ou indiretos na sociedade internacional, afetando uma base de valores tendente à universalização, foi natural a paulatina expansão do direito internacional público. A disciplina do poder transitou do plano puramente instrumental para o finalístico, atrelando-o à realização de certos objetivos, normalmente lastreados em bases consensuais ou, a depender dos valores envolvidos, em bases não consensuais, admitindo-se, em situações extremas, a sua contenção com o uso da força.

A transição do plano instrumental para o finalístico, alcançando inclusive aspectos afetos à jurisdição interna e aos próprios nacionais do respectivo sujeito de direito internacional, de modo a identificar situações de acentuada desigualdade no plano internacional e buscar a sua melhoria, contribuiu para delinear o princípio da solidariedade. Essa transição, à evidência, não ocorreu por saltos. A invocação de valores cristãos no século XVI, apesar das constantes deturpações, esteve em seu limiar; a partir do século XVIII, a construção de uma percepção comum do ser humano pela sociedade internacional passou a aflorar e a influir nas relações entre os sujeitos de direito internacional.

Emer de Vattel (1714-1767) discorreu longamente sobre os deveres de humanidade entre as nações, que estão obrigadas "par la nature à cultiver entre elles la société humaine".[2] Os deveres que a lei natural estabelece entre os homens[3] são os mesmos que se estendem às nações entre si: consistem em fazer em prol da conservação e da felicidade dos outros tudo o que esteja ao seu alcance, desde que isto possa ser conciliado com os deveres que têm para consigo,[4] com destaque para o dever de uma nação assistir um "peuple désolé par la famine et par d'autres calamités";[5] ressaltando-se que esse dever não se limita à conservação, mas se estende à contribuição para o seu aperfeiçoamento, o que deve ser apenas ofertado, não imposto pela força.[6] O cumprimento do dever de humanidade pode ser solicitado por uma nação a outra, embora não lhe possa ser imposto.[7]

Para o cumprimento do dever de humanidade a que se referiu Vattel, ainda é preciso distinguir a solidariedade egocêntrica da solidariedade altruística, que expressam, respectivamente, o auxílio prestado para o próprio benefício e o auxílio prestado exclusivamente em benefício alheio. Apesar da aparente contradição semântica da expressão que une os significantes solidariedade e egocentrismo, o que se observa, nesse caso, é que o objetivo de satisfazer os interesses da nação solidária é transvestido em ajuda ao próximo. Foi o que ocorreu, como veremos, com a utilização da intervenção humanitária para encobrir práticas imperialistas. A realidade tem mostrado que a satisfação de interesses próprios tende a estar presente em muitas ações de solidariedade. Basta pensarmos na ajuda ao Estado vizinho com o objetivo de evitar uma crise humanitária, o que, de modo indireto, diminuirá ou mesmo evitará o fluxo de refugiados para o país solidário. Esse estado de coisas não descaracterizará a solidariedade quando a sua promoção for o objetivo principal.

Os âmbitos de desenvolvimento da solidariedade são multifacetários. É o que se verifica, por exemplo, em áreas de interesse comum, como o alto-mar e o espaço exterior; o meio ambiente, com a preservação da atmosfera e da água potável; o desenvolvimento econômico; a justiça social; a preservação da paz e da segurança; e a promoção dos direitos humanos, nos planos convencional e não-convencional,[8] merecendo destaque, neste último âmbito, o direito internacional humanitário.

O surgimento do direito internacional humanitário remonta há séculos, tendo o seu sopro anímico associado às medidas de proteção da pessoa humana em tempo de guerra, sendo combatente ou não, contra abusos e crueldades.[9] A partir do segundo pós-guerra, tornou-se possível visualizá-lo sob uma ótica tripartite, abrangendo as normas internacionais reguladoras dos direitos humanos em tempo de paz, as normas internacionais reguladoras dos direitos humanos durante conflitos armados[10] e as normas internacionais que buscam refrear a corrida armamentista ou restringir o uso de certos tipos de armas e promover o desarmamento.[11] No âmbito do direito humanitário, foram desenvolvidas as concepções de intervenção humanitária e assistência humanitária.

A intervenção humanitária consubstancia o uso da força contra um Estado ou contra grupo ou movimento armado existente em seu território, para fazer cessar as violações massivas da vida e da integridade física das pessoas.[12] Não se confunde com a assistência humanitária. Ambas estão associadas a graves violações aos direitos humanos, decorrentes, ou não, de conflitos armados, conflitos estes que podem assumir uma perspectiva meramente interna ou mesmo internacional, mas os respectivos modos de implementação são substancialmente distintos.

A intervenção humanitária importa no uso da força sem a aquiescência do Estado atingido (rectius: beneficiado), enquanto a assistência humanitária desenvolve-se com a utilização de meios pacíficos:[13] estaremos perante uma intervenção quando há ingerência de um Estado para por fim a conflito entre grupos armados que se desenvolve no território de outro Estado, sem o seu consentimento e com uso da força; a assistência, por sua vez, que independe do consentimento do Estado que a receberá, estará presente no fornecimento de alimentos e medicamentos às vítimas de conflito armado, interno ou internacional, ou de outra situação de emergência, consubstanciando uma verdadeira obrigação moral.

A assistência humanitária consubstancia atividade normalmente desenvolvida por entidades não governamentais, como a Cruz Vermelha, ou por entidades governamentais desarmadas e sem o uso da força.

O tão propagado universalismo dos direitos humanos, indicando a existência de valores cuja proteção poderia justificar restrições de ordem quantitativa aos princípios da soberania e da não intervenção, deve ser contextualizado na realidade em que pretende se projetar, isso sob pena de legitimar abusos de toda ordem. Essas dificuldades se iniciam pela exata identificação, tanto qualitativa como quantitativa, das violações que devem ser consideradas intoleráveis, e se estendem ao risco de se permitir que alguns Estados, isoladamente, sejam responsáveis por esse tipo de valoração, implementada de modo unilateral e sem contraditório.

Em razão da gravidade de suas consequências, uma intervenção humanitária não deve depender da avaliação, única e exclusiva, dos Estados responsáveis pela sua realização. Daí a generalização da opinião de que o uso da força, ressalvada a existência de causas de justificação (v.g.: a legítima defesa) deve ser proscrito das relações internacionais, exceção feita aos mecanismos de tutela coletiva de caráter universal, o que concentra o poder de decisão nas Nações Unidas.[14] Com isso, é assegurada a preeminência do princípio da não intervenção.

Por ser a proibição de uso da força “uma das normas mais consensualmente consideradas iuris cogentis”,[15] decorrência da supressão do direito à guerra nas relações internacionais,[16] a intervenção humanitária dos Estados somente deve ser admitida em situações excepcionais, pois em raras ocasiões um Estado, com “pureza d’alma” e desvinculado de todo e qualquer interesse de natureza não humanitária, estará disposto a sacrificar as vidas dos seus combatentes para salvar as vidas de cidadãos estrangeiros. Não é por outra razão que o art. 2o, no 4, da Carta das Nações, dispõe que os Estados devem abster-se de “recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objetivos das Nações Unidas”. Embora não devam intervir nos assuntos internos,[17] podem condenar a violação aos direitos humanos ou adotar represálias, especialmente de ordem econômica, contra o Estado responsável.[18] Este último aspecto também é ressaltado por Alfred Verdross e Bruno Simma,[19] que defendem apenas a possibilidade de serem adotadas "represárias não militares" (nicht-militärischer Repressalien) pelos Estados, já que a intervenção somente poderia ser decretada em hipótese de ameaça à paz e à segurança internacional, o que é de competência exclusiva do Conselho de Segurança por força do art. 39 da Carta das Nações.

A intervenção humanitária por outro sujeito de direito interncional, ainda que fosse admitida, exigiria que fosse identificada a gravidade das violações aos direitos humanos, bem como a inércia das Nações Unidas, organização responsável pela tutela da paz e da segurança internacionais, em adotar diretamente as medidas necessárias ou autorizar que Estados e organizações internacionais o fizessem. Além disso, a doutrina[20] ainda exige a presença dos seguintes fatores como pressupostos lógicos à intervenção humanitária, que deve sempre observar um limite de proporcionalidade[21]: a exaustão dos meios alternativos ao uso da força; a diversidade das forças intervenientes, evitando que o poder de decisão seja concentrado num único Estado; a relativa obviedade do motivo humanitário; os efeitos da intervenção sobre os direitos humanos no Estado alvo; e as consequências da intervenção para a sua independência política e integridade territorial.[22]

A aceitação da intervenção humanitária, por não refletir a opinio iuris geral no âmbito do direito internacional,[23] é uma exceção que exige a presença de circunstâncias específicas para a sua implementação, devendo ser tratada como tal. Lembre-se que a prática internacional formada a partir da constituição das Nações Unidas não permite considerá-la como justificada à luz do costume internacional.[24] [25]

De modo diverso, a assistência humanitária, que deve ser prestada em caráter subsidiário à ação do Estado beneficiado e se encontra incorporada ao direito internacional consuetudinário,[26] configura uma atividade essencialmente lícita, não dependendo da existência de qualquer causa de justificação.[27]

A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 8 de dezembro de 1988, adotou a Resolução nº 43/131, sobre Assistência Humanitária às Vítimas de Desastres Naturais e Situações Similares de Emergência.[28] Após reafirmar a soberania dos Estados atingidos e a sua responsabilidade primária na implementação da assistência humanitária em seu território, exortou os Estados próximos a colaborarem, na medida do possível, com os esforços da sociedade internacional. Na Resolução nº 45/100, de 14 de dezembro de 1990,[29] a Assembleia Geral exortou os Estados que sofreram os desastres naturais a facilitar o trabalho de outros Estados e de organizações não governamentais em prol da população que necessita de assistência. Além disso, há inúmeras resoluções adotadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, com base no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, o que lhe permite o uso da força para a manutenção da paz e da segurança internacional, visando à proteção da população atingida por conflitos armados.

A Constituição brasileira de 1988, ao enunciar em seu art. 4º os princípios que devem direcionar a República Federativa do Brasil em suas relações internacionais, foi particularmente sensível à solidariedade, merecendo destaque o compromisso com a "prevalência dos direitos humanos" (inc. II) e a "cooperação entre os povos para o progresso da humanidade" (inc. IX).[30]

 

Referências

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[1] Cf. WOLFRUM, Rüdiger. Solidarity. In: SHELTON, Dinah (ed.). The Oxford Handbook of International Human Rights Law. Oxford: Oxford University Press, 2015, p. 401-402.

[2] Les Droits des Gens ou Principles de la Loi Naturelle appliqués a la conduite et aux affaires des nactions et des souverains, Tome I. Paris: Guillaumin et Cie, Libraires, 1863, p. 592. A primeira edição é de 1758.

[3] É nítida a influência do pensamento jusnaturalista de Samuel Pufendorf (1632-1694), que buscou sistematizar os deveres do homem para consigo mesmo e para com os outros (Os Deveres do Homem e do Cidadão de acordo com as leis do direito natural. Trad. de Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003, p. 115-156 - a primeira edição é de 1673).

[4] Cf. VATTEL. Les Droits..., p. 595.

[5] Cf. VATTEL. Les Droits..., p. 597.

[6] Cf. VATTEL. Les Droits..., p. 598-599.

[7] Cf. VATTEL. Les Droits..., p. 600-601.

[8] Para maior desenvolvimento, vide: GARCIA, Emerson. Proteção Internacional dos Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 40 e ss..

[9] OBERLEITNER, Gerd. Humanitarian Law as a Source of Human Rights Law. In: SHELTON, Dinah (ed.). The Oxford Handbook of International Human Rights Law. Oxford: Oxford University Press, 2015, p. 275.

[10] A matéria encontra-se disciplinada em inúmeros tratados internacionais, merecendo destaque as Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949, que estabelecem a inviolabilidade de direitos humanos fundamentais no caso de conflito armado e a correlata obrigação jurídica dos Estados em respeitá-los. São quatro as Convenções voltadas à salvaguarda dos direitos humanos no caso de conflito armado, todas celebradas em 12 de agosto de 1949, entrando em vigor em 21 de outubro de 1950: 1ª) a Convenção para remediar os riscos a que estão sujeitos os feridos e os doentes das forças armadas em campanha; 2a) a Convenção para remediar os riscos a que estão sujeitos os feridos e os doentes das forças armadas no mar; 3a) a Convenção relativa ao tratamento dos prisioneiros de guerra; e 4a) a Convenção relativa à proteção das pessoas civis em tempo de guerra. Existem dois protocolos adicionais às Convenções de Genebra: Protocolo I – Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, Relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais; e Protocolo II - Protocolo Adicional às Convenções de Genebra, Relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados sem Caráter Internacional, ambos aprovados em 8 de Junho de 1977, entrando em vigor internacional em 7 de dezembro de 1978.

[11] Cf. BLISHCHENKO, Igor. International Humanitarian Law. Moscou: Progress Publishers, 1989, p. 21. Michel-Cyr Djiena Wembou e Dauda Fall, (Droit International Humanitaire, Théorie Générale et Réalités Africaines. Abidjan: L’Harmattan, 2000, p. 31) fazem menção ao direito humanitário em sentido amplo, abrangendo o direito de guerra e os direitos do homem, e em sentido estrito, dizendo respeito apenas ao direito de guerra. O sentido estrito, aliás, é realçado por Bruno Nascimbene [L’Individuo e la Tutela Internazionale dei Diritti Umani, in Istituzioni di Diritto Internazionale. Org. por CARBONE, Sergio M. et alii. Torino: G. Giappichelli Editore, 2002, p. 269 (271)] ao afirmar que “o Direito Internacional Humanitário não surgiu com o objetivo de tutelar o indivíduo, mas, sim, de regular a conduta dos beligerantes”.

[12] Cf. BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. 6a ed. New York: Oxford University Press, 2003, p. 710; e BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico em Direito Internacional: uso da força pelas Nações Unidas em especial, Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 225.

[13] Cf. DAILLIER, Patrick, PELLET, Alain e QUOC DINH, Nguyen. Droit International Public. 7a ed. Paris: LGDJ, 2002, p. 449.

[14] Anota Brownlie (Principles, p. 710) que até o final do Século XIX a maioria dos publicistas admitia a existência de um direito de intervenção humanitária. Essa posição terminou por ser abandonada ante os abusos praticados, pois, na maior parte das vezes, a intervenção era utilizada como um manto para medidas imperialistas, como a invasão de Cuba pelos EUA em 1898, o que fez com que essa figura não sobrevivesse a partir de 1919.

[15] Cf. BAPTISTA, Eduardo Correia. Ius Cogens em Direito Internacional. Lisboa: LEX, 1997, p. 429.

[16] Cf. DJIENA WEMBOU, Michel-Cyr e FALL, Dauda. Droit International Humanitaire. Théorie Générale et Réalités Africaines. Abidjan: L’Harmattan, 2000, p. 44.

[17] O art. 3o do segundo Protocolo Adicional às Convenções de Genebra, relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados sem caráter internacional, consagra o princípio da não-intervenção dos Estados. Em linhas gerais, veda a intervenção nos conflitos armados ou nos assuntos internos ou externos de qualquer Estado parte, não admitindo a invocação do Protocolo com o objetivo de afetar a soberania do Estado, ao qual cabe a resolução dos conflitos internos com a utilização dos meios legítimos.

[18] Cf. BAPTISTA, Eduardo Correia. Ius Cogens ..., p. 433.

[19] Universelles Völkerrecht. theorie und Praxis. 3ª ed. Berlin: Duncker & Humblot, 1984, p. 291.

[20] Cf. FARER, Tom J. An Inquiry into the Legitimacy of Humanitarian Intervention. In Law and Force in New International Order. Org. por Lori Fisler Damrosch e David J. Scheffer. Colorado: Wetview Press, 1991, p. 185 (198).

[21] Cf. CONDINANZI, Massimo. L’Uso della Forza e il Sitema di Sicurezza Collettiva. In Istituzioni di Diritto Internazionale. A cura de CARBONE, Sergio M., LUZZATTO, Riccardo e SANTA MARIA, Alberto. Torino: G. Giappichelli Editore, 2002, p. 423 (445).

[22] Nessas situações, seria possível identificar, parafraseando as palavras de Bruno Simma (SIMMA, Bruno. The Charter of the United Nations. A Comentary. Vols. I. 2a ed. Nova Iorque, Oxford University Press, 2002, p. 131-132) uma “fenda” entre a norma que veda o uso da força e um padrão mínimo de moralidade que torna inadmissível uma aceitação passiva de graves violações aos direitos humanos, o que justificaria a intervenção humanitária com o fim de reaproximar o vetor legal do vetor moral.

[23] Cf. DJIENA WEMBOU, Michel-Cyr e FALL, Dauda. Op. cit., 147.

[24] Cf. CONDINANZI, Massimo. L'Uso della Forza..., p. 440; e BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico... op. cit., p. 233/247, inclusive com o estudo dos casos em que, apesar de suscitada, não foi acolhida a alegação de intervenção humanitária.

[25] Para evitar os abusos que marcaram a intervenção humanitária, foi desenvolvida a doutrina da “responsabilidade de proteger” (responsibility to protect), expressão que integrou relatório publicado nos idos de 2001, elaborado pela International Comission on Intervention and State Sovereignity (ICISS), grupo de especialistas formado com o objetivo de encontrar um ponto de equilíbrio entre os princípios da soberania estatal e da não-intervenção, tendo tido enorme difusão desde então. De acordo com essa construção, a principal responsabilidade pela proteção dos direitos humanos recai sobre o respectivo Estado. Cf. BELLAMY, Alex J.. The Responsibility to Protect. Oxford: Oxford University Press, 2015, p. 1 e ss.. Cabe à sociedade internacional colaborar para a realização desse munus, não se substituir ao Estado. Somente quando o Estado falha no dever de proteger é que a sociedade internacional pode atuar, de modo a manter a paz e a segurança internacionais. Os três pilares fundamentais da responsabilidade de proteger, que foi adotada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas na decisão que adotou medidas contrárias à Líbia em 2011 [Resoluções nos 1.970 (2011), de 26 de fevereiro (in in UN Doc. S/RES/1970/2011) e 1.973 (2011), de 17 de março (in UN Doc. S/RES/1973/2011)], são: a responsabilidade de proteger do Estado (“responsabilidade de proteger”); a assistência internacional e a capacidade de reconstruir (“responsabilidade de reconstruir”); e a resposta oportuna e decisiva para prevenir e impedir genocídio, limpeza étnica, crimes de guerra e crimes contra a humanidade (“responsabilidade de responder”) - vide relatório apresentado pelo Secretário-Geral à Assembleia da ONU: UN Doc. A/63/677 (Implementing the Responsibility to Protect). Quanto mais intensa for a falha do Estado no dever de proteger os direitos humanos, menor será o seu direito à não-intervenção. Cf. HOFFMANN, Julia e NOLLKAEMPER, André. Introduction, in HOFFMANN, Julia e NOLLKAEMPER, André (orgs.). Responsibility to Protect from Principle to Practice. Amsterdan: Pallas Publications, p. 13 (13-16), 2012. Essa intervenção, como dissemos, há de ser realizada pelas Nações Unidas, não por Estados isolados ou organizações regionais. Afinal, como lembrado por Noam Chomsky, a máxima de Tucídides permanece atual: o forte pode agir como deseja, enquanto o fraco sofre como deve [The skeleton in the closet. The responsibility to protect in history, in CUNLIFFE, Philip (org.). Critical Perspectives on the Responsibility to Protect. Interrogating theory and practice. Oxon: Routledge, 2011, p. 11 (11)].

[26] Cf. FISCHER, H. e ORAÁ, J. Derecho Internacional y Ayuda Humanitária. Bilbao: Universidad de Deusto, 2000, p. 83.

[27] Cf. BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico ..., p. 226.

[28] UN Doc A/Res 43/131.

[29] Un Doc A/Res/45/100.

[30] GARCIA, Emerson. Comentários à Constituição Brasileira, vol. 1. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2023, p. 208 e ss..


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