NOTA PÚBLICA EM FACE DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº966/2020 E DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CONAMP), entidade que representa mais de 16 (dezesseis) mil Membros do Ministério Público em todo o Brasil, vem externar manifestação acerca da Medida Provisória (MP) nº 966, de 13 de maio de 2020, que dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da covid-19, o que faz nos seguintes termos:
1. A MP nº966/2020 estabeleceu que, pela prática de atos, direta ou indiretamente relacionados ao enfrentamento da emergência de saúde pública e ao combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19, os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro (art. 1º).
2. Além disso, a MP nº966/2020 previu, em outras disposições normativas, requisitos necessários à responsabilização dos decisores em face de opiniões técnicas que subsidiem suas decisões, via de regra, gestores da alta administração dos entes federativos, como, por exemplo, que estejam presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica ou se houver conluio entre os agentes (art. 1º, §1º, I e II);
3. Por outro lado, a MP nº966/2020 introduziu conceito expresso de erro grosseiro no ordenamento jurídico brasileiro e especificou critérios para a aferição dele .
4. Sem prejuízo de, oportunamente, apreciar a constitucionalidade de alguns dispositivos da MP nº966/2020, é fundamental destacar, de imediato, que, no regime constitucional brasileiro, todos os agentes políticos e públicos têm definidos, claramente, regimes de responsabilidade jurídica, valendo ressaltar o art. 37, §4º, da Constituição Federal, de acordo com o qual “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
5. É cabível lembrar, ainda, que essa responsabilidade de agentes políticos e públicos por seus atos é da essência do Estado de Direito e que a técnica legislativa não pode suprimir esse elemento através do uso de termos genéricos, enunciados abertos, permitindo diversos subjetivismos, haja vista que cabe ao Poder Judiciário a apreciação dos ilícitos tipificados em nossa legislação e de suas circunstâncias, como já pontuado pela Conamp em outras oportunidades .
6. Sendo assim, o Ministério Público brasileiro, diante de denúncias de irregularidades que vem recebendo em relação a atos da administração pública atinentes a contratações as mais diversas levadas a termo pelos entes federativos no enfrentamento da pandemia em curso, reitera que continuará a exercer suas atribuições constitucionais e legais de investigar tais fatos, buscar a responsabilização daqueles que, eventualmente, transgredirem os limites da legalidade e causarem danos ao patrimônio público, sejam eles vinculados ao poder público ou à iniciativa privada.
7. O momento delicado e atípico pelo qual passam o mundo e o Brasil, ao qual o Ministério Público é sensível e pelo qual vem cooperando intensamente com as mais diversas autoridades para o encaminhamento das soluções mais adequadas para minimização de danos à sociedade brasileira, não obstante admitam medidas legislativas provisórias e excepcionais, não exclui a proteção do patrimônio público e a prevenção e repressão de condutas que se mostrem incompatíveis com valores republicanos e democráticos essenciais e irrenunciáveis previstos na Constituição brasileira.
Diante do exposto, em postura de constante vigilância e defesa da Constituição Federal, da independência e da autonomia do Ministério Público e de seus agentes e da eficiência da execução de suas atribuições, a CONAMP afirma à sociedade brasileira, uma vez mais, que os Membros do Ministério Público brasileiro mantêm seu compromisso histórico de atuação respeitosa dos direitos de todos e defensiva dos valores protegidos pela nossa Constituição, investigando todos os fatos que lhes sejam denunciados e levando aos tribunais as situações que impliquem responsabilidade pessoal de agentes públicos e privados e/ou que exijam o ressarcimento de prejuízos causados aos cofres públicos.
Brasília-DF, 14 de maio de 2020.
Manoel Victor Sereni Murrieta
Presidente da CONAMP