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CONAMP formaliza pedido de veto ao projeto de Abuso de Autoridade

Em reunião nesta terça-feira (20) com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, integrantes da CONAMP protocolaram, no Palácio do Planalto, solicitação de veto ao projeto de lei que define os crimes de abuso de autoridade (PL 7596/17), aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 14 de agosto.

No documento, a entidade apresenta uma série de argumentos técnicos e jurídicos quanto às inconstitucionalidades (inclusive por vícios formais), inadequações e riscos da proposição ao funcionamento do sistema de Justiça. “Os tipos penais vagos são inconstitucionais porque permitem variadas interpretações acerca de seu conteúdo, colocam nas mãos do julgador a definição casuística daquilo que é crime ou não é; e, consequentemente, permitem persecuções indevidas”, conclui o texto. A CONAMP, portanto, solicita o veto integral do PL 7596/17.

O encontro foi articulado pelo Conselho Nacional de Procuradores Gerais (CNPG) que também protocolou pedido de veto ao projeto.

 

Confira a íntegra do pedido de veto:

 

Ofício nº 140/2019 - CONAMP                                                                                                                                                                                                                                                    Brasília (DF), 20 de agosto de 2019.

Ao Exmo. Sr. Dr.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Presidente da República Federativa do Brasil

Assunto: Pedido de Veto ao PL 7.596/2017 — dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade e altera a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei no 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994. 

A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CONAMP), entidade de classe que congrega mais de 16 mil membros dos Ministérios Público dos Estados, Distrito Federal e Territórios e Militar, com objetivo de preservar a autonomia da instituição, a higidez de suas funções constitucionais e adequação de sua organização estrutural, externa o seu posicionamento a respeito do PL 7.596/2017, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues.

1. O projeto de lei em questão pretende dispor sobre os crimes de abuso de autoridade e altera a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei no 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994.

2. Preliminarmente, merece registro, que o processo legislativo constitucional atinente à tramitação do PL 7596/2017, votado em regime de urgência, não foi cumprido em sua inteireza, ensejando prejuízos ao exercício da representação popular da minoria, ao necessário controle dos atos legislativos dos parlamentares pelo cidadão e cerceando o exercício da plena capacidade política dos parlamentares que quiserem votar nominalmente e sem o simbolismo da votação por líderes, principalmente quando estamos diante de um projeto de lei de tamanha importância para a sociedade brasileira.

3. Da análise dos acontecimentos que se seguiram na sessão plenária da Câmara dos Deputados do dia 14/08/2019, notadamente a partir das 21:50hs, constata-se que o Partido Novo, através da Parlamentar Adriana Ventura, requereu a realização da votação do PL 7596/2017, na modalidade nominal, fazendo, naquela ocasião, invocar que possuía 31 assinaturas, conforme exigência dos arts.114, VIII e 185, §§ 1o e 3o, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, in verbis:

Art. 114. Serão verbais ou escritos, e imediatamente despachados pelo Presidente, os requerimentos que solicitem:

VIII - verificação de votação;

Art. 185 - Pelo processo simbólico, que será utilizado na votação das proposições em geral, o Presidente, ao anunciar a votação de qualquer matéria, convidará os Deputados a favor a permanecerem sentados e proclamará o resultado manifesto dos votos.

§ 3o - Se seis centésimos dos membros da Casa ou Líderes que representem esse número apoiarem o pedido, proceder-se-á então à votação através do sistema nominal. (grifei)

4. Conforme divulgado pelas redes sociais, o teor da gravação juntada por Deputados Federais do Partido Novo que impetraram Mandado de Segurança contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados, demonstra que, no momento da votação, o requerimento de votação nominal, além de preencher as formalidades para seu conhecimento e deferimento, atendia ao critério objetivo de quantitativo mínimo de subscritores, ou seja, o pedido de votação nominal reunia 31 parlamentares presentes no recinto.

5. Se durante o processo legislativo não forem observados certos requisitos para a elaboração da lei, poderá esta lei ser declarada inconstitucional. A inconstitucionalidade por vício formal propriamente dita, é aquela que decorre da inobservância do devido processo legislativo, pois como cediço, o processo de elaboração de uma lei passa por um procedimento de fase inicial, em que é deflagrado o referido procedimento, e outras duas fases, a fase constitutiva (deliberação parlamentar e executiva), passando pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, e a fase complementar (promulgação e publicação).

6. No caso sub oculi, houve descumprimento do processo legislativo no exato momento em que deixou de ser conferido o número de Deputados constantes do requerimento, medida essa que, acaso realizada, constataria o quorum mínimo a ensejar o exercício da votação nominal, permitindo de um lado que cada parlamentar se manifestasse pessoal e individualmente e que a sociedade tivesse conhecimento do entendimento de cada parlamentar sobre a matéria.

7. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança 32.033, reconheceu que, “como exceção, é a legitimidade do parlamentar – e somente do parlamentar – para impetrar mandado de segurança, com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo”. (MS 24.667, Pleno, Min. Carlos Velloso, DJ de 23.04.04)

8. Com espeque nas considerações acima elencadas, é a presente para em sede preliminar, solicitar a Vossa Excelência, seja o PL 7.596/2017 (PL do Abuso de Autoridade) seja integralmente vetado, por vício de inconstitucionalidade formal, ante a inconteste violação ao processo legislativo constitucional.

9. Adrede, é de se registrar que a sociedade brasileira espera, merece e confia que todas as instituições da República e especialmente o Parlamento Nacional cumpra seu mister e tenha sua atuação calcada no interesse público e sintonizada com temas que lhes são caros e prioritários.

10. O contexto político e social atual, reverbera a necessidade e a pujança de enfrentamento de temas que há muito são reclamados pela sociedade, a exemplo do combate da criminalidade violenta e do colarinho branco, a corrupção, as desigualdades sociais e regionais e a criação de geração sustentável e estável de emprego e renda à população.

11. Olhando os quatro cantos do nosso país, não se ouve ecoar nenhuma voz da sociedade exigindo que se repagine, pelo menos nesse momento, a tipificação dos crimes de abuso de autoridade, principalmente se esse intuito for de amordaçar e impedir a atuação dos órgãos que compõem o sistema de segurança pública.

12. Pelo contrário, ouve-se de forma ensurdecedora que o trabalho de combate ao crime organizado e à corrupção precisam ser fortalecidos, sendo uma demonstração desse anseio a ser destacada, o Projeto de Lei de Iniciativa Popular chamado de as “10 Medidas contra a Corrupção”, cujo objetivo maior é tornar mais eficaz a atuação das instituições responsáveis por essa missão e propiciar o incremento de medidas que ajudem a frear a sangria que a corrupção traz aos cofres públicos e por consequência exterminam as políticas públicas que a sociedade tanto clama.

13. As razões escandidas na justificativa do PL 7.596/2017, ao contrário do que se possa pensar não são fruto de aprofundado debate e da democratização das discussões, e, acima de tudo, não guardam como balizamento maior a estrita observância ao ideal de interesse público e dos princípios inseridos na Constituição Federal.

14. Essa perspectiva, a nosso sentir, permeia a essência do Direito Penal Brasileiro que inadmite a responsabilidade sem lei anterior e sem que essa lei traga em sua tipologia todos os elementos de sua definição legal, evitando-se assim, qualquer margem a devaneios, decorrentes de conceitos indeterminados, com exacerbado grau de subjetivismo e inconteste presença de expressões confusas e com dubiedade que refogem ao ideal de segurança jurídica e das características exigidas pelo princípio da taxatividade da norma incriminadora.

15. Constitui premissa nuclear de qualquer tipo penal, notadamente daqueles atinentes ao abuso de autoridade, que o agente pretenda de fato abusar, extrapolar, prejudicar com interesse pessoal e não republicano, da autoridade que por lei lhe é conferida. Não é possível normatizar como abuso de autoridade uma conduta que não tenha sido praticada com a finalidade de exceder os limites legais, ou seja, é indispensável a vontade de ir além do permitido, a vontade de alcançar o excesso. Sem a vontade de agir de tal maneira e com uma finalidade específica e distanciada do ideal de interesse público, não se pode falar em abuso de autoridade.

16. Da análise dos artigos constantes do PL 7.596/2017, constata-se que muitas das disposições ali constantes não estão harmonizadas com as exigências técnicas e principiológicas de produção legislativa das normas penais e possuem endereço certo e destinatário determinado – Membros do Ministério Público, da Magistratura e das Polícias Civil, Militar e Federal.

17. O uso de termos e conceitos imprecisos/indefinidos/subjetivos está presente na quase totalidade do projeto, donde podemos citar os artigos 9o, caput (manifesta desconformidade) e parágrafo único (dentro de prazo razoável), 10 (manifestamente descabida), 12, incisos I e II (imediatamente), 12, inciso IV (sem motivo justo e excepcionalíssimo), 14 (vexame ou execração pública), 17 (quando manifestamente não houver resistência à prisão), 17, parágrafo único, inciso II (gravidez demonstrada por evidência ou informação), 20 (sem justa causa), 20, parágrafo único (por prazo razoável), 22, §2o, inciso II (forma ostensiva ou desproporcional), 22, §2º (fundados indícios), 23 (inovar artificiosamente), 27 (falta de qualquer indício da prática de crime), 27, parágrafo único (investigação preliminar sumária), 29, parágrafo único (fato juridicamente relevante), 30 (sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente), 31 (estender injustificadamente e procrastinando-a em prejuízo), 31, parágrafo único (estende de forma imotivada), 34 (erro relevante), 35 (sem justa causa), 36 (extrapole exacerbadamente) e 37 (demorar demasiada e injustificadamente).

18. Portanto, conceituar o abuso de autoridade (e qualquer tipo penal incriminador) de forma vaga, imprecisa e recheada de subjetividades, conforme as expressões enumeradas acima de forma individualizada artigo por artigo, importa em total ausência de segurança jurídica à atuação do agente público, expondo seu trabalho a interpretações pessoais que podem gerar, de modo próprio, a um só tempo, a mordaça e a sujeição a situações de retaliação a atuações legítimas de juízes, promotores, procuradores e policiais.

19. Ao contrário do pretendido, a aprovação do PL pode enfraquecer, e muito, o combate à corrupção e a todas as ilegalidades objeto da atuação do Ministério Público, do Poder Judiciário e das demais instituições do sistema de segurança pública.

20. Da leitura dos dispositivos que caracterizam condutas de magistrados e membros do Ministério Público, verifica-se uma completa atecnia e predisposição do projeto em criminalizar o exercício da atividade-fim. O PL 7.596/2017 está tornando condutas que podem ser responsabilizadas na seara funcional dos membros da Magistratura e do Ministério Público, em condutas criminosas, que podem ensejar sujeição a penas privativas de liberdade e a multa.

21. Vejamos a seguir, alguns dos tipos penais criados pelo PL 7.596/2017, suas impropriedades e as consequências negativas dele advindas à segurança pública e ao combate à criminalidade.

Art.27 - Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único - Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada

22. O tipo penal acima transcrito, busca criminalizar o exercício do poder de requisição e uma das mais importantes funções do Ministério Público, que é exercício da investigação penal ou administrativa, seja através de Procedimento Investigatório Criminal – PIC ou do Inquérito Civil.

23. A essência da instituição ministerial é exatamente investigar os atos que transgridam a ordem jurídica e consequentemente pleitear perante o Poder Judiciário a responsabilização civil e penal. Acaso em vigor essa norma, o membro do Ministério Público não poderá instaurar os procedimentos administrativos investigatórios previstos em lei e em atos regulamentares do Conselho Nacional do Ministério Público a fim de identificar autoria e reunir os elementos necessários para exercer a titularidade da ação penal pública.

24. Aqui se trata de um claro ataque ao exercício da função de dominus litis da ação penal, conferido ao Ministério Público pela Constituição Federal, vide art.129, inciso I. Sem dúvidas, permanecendo o tipo penal analisado, o prejuízo à sociedade brasileira será enorme, na medida em que, muita das vezes, são endereçadas notícias de crimes ao Ministério Público sem elementos que permitam, de logo, o ajuizamento da ação correspondente.

25. Outras vezes, em decorrência do poder econômico e/ou político do suposto autor do fato ou de sua periculosidade ou até mesmo pelo temor de retaliações, as pessoas se escondem no anonimato e ao relatarem ou noticiarem um crime, não fornecem as informações completas, exigindo do Parquet, seja investigado o fato ou requisitada a investigação à autoridade de polícia judiciária.

26. O artigo analisado - seguindo a coerência de todo o corpo do projeto – contém expressão imprecisa, aberta e subjetiva - “à falta de qualquer indício da prática de crime”, a propiciar a responsabilidade do agente do Estado.

27. Não é de hoje, que alguns setores de poder, a exemplo do que aconteceu com a PEC 37 ou através de vários questionamentos perante o STF e noutras instâncias ordinárias buscam mitigar ou solapar o poder investigatório do Parquet, sendo claro, que o objeto jurídico aqui buscado, é obstaculizar o exercício do poder de requisição e de investigação do Ministério Público.

28. O poder de requisição de instauração de investigação criminal, no ordenamento jurídico brasileiro, sempre esteve atrelado ao órgão que tem a função constitucional de acusar, isto é, ao Ministério Público. Trata-se de uma atribuição exclusiva dos membros do Ministério Público da área criminal, uma vez que é um desdobramento natural da função institucional de promover, privativamente, a ação penal pública, e do controle e da fiscalização da Polícia Judiciária, no que toca à obrigatoriedade de apuração de um delito cuja ação penal seja pública incondicionada.

29. Veja-se que, em análise ao artigo 5º, inciso II, do CPP, que prevê a possibilidade de a autoridade judiciária requisitar a instauração de Inquérito Policial, grande parte da doutrina salienta que “apesar de o CPP fazer menção à possibilidade de a autoridade judiciária requisitar a instauração de inquérito policial, penso que tal possibilidade não se coaduna com a adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal”. “Num sistema acusatório, onde há a nítida separação das funções de acusar, defender e julgar (CF art. 129, I), não se pode permitir que o juiz requisite a instauração de inquérito policial, sob pena de evidente prejuízo a sua imparcialidade. Portanto, deparando-se com informações acerca da prática de ilícito penal, deve o magistrado encaminhá-las ao órgão do Ministério Público, nos exatos termos do art. 40 do CPP” .

30. Assim, evidente a mácula no dispositivo proposto de vício de inconstitucionalidade, tendo em vista a violação ao sistema acusatório previsto na Constituição Federal.

31. Outro aspecto que merece registro, diz respeito ao quantum da pena prevista. Aqui, será punido com pena de até 02 anos, o membro do Ministério Público que ao receber notícia de fato criminoso realizar atos cumprindo o seu munus, o que se mostra desarrazoado e desproporcional.

Art.30 - Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa

32. Assim como o artigo 27, a redação do art. 30, também busca criminalizar uma prerrogativa inerente ao exercício funcional do Ministério Público. Sabemos que a constituição determina de maneira expressa, como princípio institucional do parquet, a sua independência funcional (art. 127, § 1º, da CF/88) e o seu dever de propor, privativamente, a ação penal pública (art. 129, I, da CF/88).

33. As prerrogativas do Ministério Publico são invioláveis, não cabendo a qualquer lei infraconstitucional aboli-las ou, muito menos, restringi-las. A independência e autonomia funcional existem justamente para que os nossos membros trabalhem de forma imparcial e produtiva, indenes de medos ou outros tipos de pressões, sendo essa uma das garantias do Estado Democrático de Direito.

34. Cabe salientar que esse tipo penal, em sua maior parte, é abstrato e genérico, configurando um verdadeiro tipo penal aberto, sujeitando-se a interpretações convenientes a determinados momentos e pessoas, o que vem a macular o princípio da legalidade e também a exigência de taxatividade da norma incriminadora.

35. Ademais, a denúncia é peça obrigatória quando presentes provas de autoria e materialidade, não existindo qualquer obrigação de resultado, na medida em que ainda se está na fase investigativa. Compactuar com esse artigo é querer que no curso de um procedimento persecutório (onde ainda não há processo penal propriamente dito) o agente já tenha certeza do resultado.

36. Não se pode aceitar que seja definida como crime a oferta de denúncia ou ação civil se não for recebida pelo Judiciário, sob pena de se estar amordaçando o trabalho do MP. Se a ação penal fosse de per si uma condenação, o processo seria desnecessário, e a condenação ocorreria diretamente com a investigação. O processo traz a oportunidade de realização de provas e do contraditório, e dele, naturalmente, haverá uma sentença, seja absolutória, seja condenatória. Não se pode imputar ao Promotor de Justiça a prática de crime se, depois de produzidas as provas, houver absolvição. O não recebimento da denúncia e a absolvição significam que uma tese prevaleceu. Não significam que houve dolo ao iniciar uma ação que se saberia improcedente ou que a atuação do agente público tinha finalidade de causar prejuízo a outrem ou a terceiro.

37. As garantias constitucionais do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição pressupõem a análise dos fatos trazidos na petição inicial por um julgador e possibilitam a reforma da decisão por Órgão Judicial Colegiado, situações em que teses jurídicas são analisadas. O mero fato do julgador discordar da tese apresentada ou do Tribunal reformar a decisão anterior jamais pode ter como consectário a imputação de abuso de autoridade ao agente do Estado que entendeu diversamente.

Art.31 - Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado

38. Referido artigo, tem sua escrita inicial pela expressão “estender injustificadamente a investigação”. Sem dúvidas, o texto sob referência não permite tenha o agente público a segurança e a tranquilidade para desempenhar os atos de investigação. O interesse público recomenda que todos os atos, em tese, contrários ao direito e que guardem uma adequação normativo-penal sejam objetos de investigação para identificação de seus autores e documentação de suas circunstâncias.

39. Por sua vez, alguns tipos de crimes, principalmente aqueles praticados por organizações criminosas, por exigirem um maior tempo para sua elucidação, teriam sua investigação abreviada ante o temor do agentes do Estado de que os atos praticados pudessem ser compreendidos como finalísticos a causar prejuízo ao investigado, quando, na realidade, deve prevalecer o interesse maior de elucidação dos crimes.

Art.38 - Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa

40. Conforme estabelecido em sua Lei Maior, a República Federativa do Brasil constitui-se como Estado democrático, e apresenta, dentre seus fundamentos, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político (artigo 1º, caput e incisos II, III e V). A mesma Constituição da República aponta, ainda, como objetivos fundamentais do Estado Brasileiro "construir uma sociedade livre, justa e solidária" (artigo 3º, I).

41. A Constituição prevê ainda, ao tratar da ordem social, que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, e ainda, que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (artigo 220, caput e § 1º).

42. A liberdade de consciência, crença e manifestação de pensamento, a difusão de opiniões e o debate de ideias são, portanto, da essência de um Estado democrático e da nossa ordem constitucional. Não havendo distinção de qualquer natureza entre os cidadãos brasileiros, a todos é assegurada a inviolabilidade do direito à liberdade de consciência e manifestação de pensamento, sendo que a violação a qualquer desses direitos constitui afronta à dignidade da pessoa humana, à sociedade plural que constituímos e à democracia.

43. O exercício de funções públicas impõe aos agentes estatais, dentre outros, os deveres de imparcialidade, moralidade, decoro e zelo pela coisa pública, mas não lhes retira, em qualquer hipótese, a liberdade de cidadãos brasileiros. Mais que isso. É precisamente por exercerem funções públicas que os agentes estatais têm, por vezes, no dever de dar publicidade a seus atos, a obrigação de informar, rendendo ensejo ao debate democrático salutar à promoção da cidadania e da sociedade "livre, justa e solidária" que almejamos construir.

44. O texto da Convenção Interamericana de Direitos Humanos indica que o abuso de controles oficiais a manifestações de pensamento ou difusão de ideias de qualquer pessoa humana – sendo despiciendo referir que aí estão incluídos todos agentes estatais e, dentre estes, os membros do Ministério Público brasileiro – implica violação aos direitos humanos.

45. Nesse contexto, não há como se negar que o artigo supracitado criminaliza o cumprimento por parte dos membros do Ministério Público do dever de dar publicidade a seus atos, prestar informações à sociedade.

46. Ao membro do Ministério Público deve ser assegurada ampla liberdade de expressão, que se faz necessária ao cumprimento do dever de prestar informações acerca dos serviços públicos por ele prestados, em respeito aos postulados da publicidade, transparência e ao direito à informação, tão caros a uma sociedade democrática.

47. No magistério de Emerson Garcia, “o ofício ministerial deve ser livremente exercido, somente rendendo obediência ao ordenamento jurídico e à consciência do membro do Ministério Público”. Pondera ainda o autor:

”O princípio da independência funcional está diretamente relacionado ao exercício da atividade finalística dos agentes ministeriais, evitando que fatores exógenos, estranhos ou não à Instituição, influam no desempenho de seu munus. Evita-se, assim, que qualquer dos denominados 'Poderes do Estado', ou mesmo os órgãos da Administração Superior do próprio Ministério Público, realizem qualquer tipo de censura ideológica em relação aos atos praticados” .

48. Portanto, além de impor indevido limite e visar criminalizar o exercício da liberdade de expressão do membro do Ministério Público, o dispositivo em comenta entra em rota de colisão com o preceito garantidor de que as ações do Estado e de seus agentes devem conter a mais ampla publicidade e transparência a fim de se cumprir o direito de toda a sociedade à informação.

Art.43 - A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7º-B: “Art. 7º-B. Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II a V do caput do art. 7º : Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa

49. De se ressaltar, inicialmente, que, examinando o ordenamento jurídico pátrio, verifica-se que nenhuma profissão, por mais relevante que seja, goza de imunidades semelhantes ou inviolabilidade absoluta do tipo que a regra projetada pretende conferir aos advogados.

50. As ações humanas que eventualmente invistam contra liberdades profissionais não constituem, de per si, condutas criminosas. Embora merecedoras de reprovação e punição, especialmente na esfera funcional, o mero desatendimento da lei não é suficiente à caracterização de crime de tamanha gravidade. Deve-se exigir mais, sob pena de criar uma odiosa espécie de responsabilidade penal objetiva.

51. Como em todo o texto do PL, aqui, a adoção de redação generalista é circunstância que, flagrantemente, viola inúmeros princípios constitucionais, em especial o princípio da reserva legal (na forma da taxatividade ), insculpido no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, e que pressupõe a definição precisa de todos os elementos integrativos da conduta incriminada.

52. A taxatividade é decorrência lógica da legalidade e da reserva legal, pois não há crime sem lei que o defina. Consequentemente, as condutas típicas devem ser precisas, pormenorizadas, taxativas, descritas minuciosamente de maneira a evitar qualquer dúvida ao destinatário da norma. A descrição da conduta não pode ser vaga e imprecisa, pena de ambiguidade, que gerará dúvidas na sua aplicação e, também se pode afirmar, benefício àquele que a infringe – dentre as interpretações possíveis do tipo penal vago, o interessado invocará aquela que mais lhe beneficia acrescida da presunção de inocência, o que dificultaria a aplicação da norma. De outro ângulo, a violação da taxatividade, a exemplo daquilo duramente vivenciado na vigência da revogada Lei de Segurança Nacional, abre largo espaço para injustiças e perseguições.

53. Os tipos penais vagos são inconstitucionais porque permitem variadas interpretações acerca de seu conteúdo, colocam nas mãos do julgador a definição casuística daquilo que é crime ou não é; e, consequentemente, permitem persecuções indevidas.

Com essas considerações e fundamentos, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CONAMP, vem expressar preocupação com o texto do PL 7.596/2017 e solicitar:

A) seja vetado integralmente o PL, ante a inconteste violação do processo legislativo constitucional quando de sua tramitação perante a Câmara dos Deputados, bem como ante a constatação de que seu conteúdo está recheado de tipos penais abertos, genéricos e indeterminados que indubitavelmente trazem insegurança jurídica aos operadores do direito e, especialmente aos agentes do Ministério Público, cuja missão é defender a ordem jurídica, combater a criminalidade e a corrupção;

B) acaso superado o entendimento de que a integralidade do texto do PL analisado deve ser recusado (vetado), seja realizado o veto parcial do PL, no que se refere aos arts.27, 30, 31, 38 e 43.

VICTOR HUGO PALMEIRO DE AZEVEDO NETO
Presidente da CONAMP

 Clique aqui e acesse a versão em PDF do pedido de veto

 



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